P/1 - Clarissa Batalha
P/2 - Laudicéia Benedito
R - Albertina de Araújo Dias
P/1 – Então vamos lá. Fala pra mim o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Albertina de Araújo Dias. [Nasci em] 24 de julho de 1940, no interior de São Paulo, na Alta Paulista.
P/1 – Qual que é a sua atividade atual?
R – Lamentavelmente, eu sou aposentada.
P/1 – Qual que é o nome dos seus pais?
R – Meu pai chamava João Dias de Oliveira, e a minha mãe Licinha Araújo Dias de Oliveira.
P/1 – Qual era a atividade profissional deles?
R – O papai era, ele comercializava café, era provador de café, e a minha mãe era dona de casa. E ela tinha uma habilidade também, costurava, costurou até um tempo pra fora. Mas quem fazia as nossas roupas era ela.
P/1 – Quantos irmãos eram?
R – Duas irmãs.
P/1 – Duas irmãs? Uma mais nova ou mais velha?
R – Não, eu sou a mais velha. Eu tenho uma irmã, que é a do meio, que se chama Lídia Helena, e a caçula que você viu na foto que é a Licinha Lécia.
P/1 – Ah, certo. E qual que é a origem da família?
R – Olha, meu pai nasceu em Ribeirão Preto. A minha mãe nasceu em Barretos. E o meu pai conheceu a minha mãe numa cidade da Noroeste chamada Birigui e foi assim, um amor fulminante. Meu pai era 14 anos mais velho que a minha mãe e ele era amigo do pai da minha mãe. O pai da minha mãe era poeta, jornalista, teve coisas publicadas e o meu pai gostava muito de poesia também e havia grande afinidade entre eles. E o dia que o meu pai conheceu a minha mãe, ela era uma menina e ela falou... Ele falou pro pai da minha mãe: “Eu vou me casar com a sua filha”. Se passaram, olha, a minha mãe não casou mocinha, ela casou com 24, 25 anos, e o meu pai era 14 anos mais velho que ela. Foi realmente um grande amor. E eu ouvi do meu pai a coisa mais bonita que uma mulher poderia ouvir de um homem; a última vez...
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P/2 - Laudicéia Benedito
R - Albertina de Araújo Dias
P/1 – Então vamos lá. Fala pra mim o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Albertina de Araújo Dias. [Nasci em] 24 de julho de 1940, no interior de São Paulo, na Alta Paulista.
P/1 – Qual que é a sua atividade atual?
R – Lamentavelmente, eu sou aposentada.
P/1 – Qual que é o nome dos seus pais?
R – Meu pai chamava João Dias de Oliveira, e a minha mãe Licinha Araújo Dias de Oliveira.
P/1 – Qual era a atividade profissional deles?
R – O papai era, ele comercializava café, era provador de café, e a minha mãe era dona de casa. E ela tinha uma habilidade também, costurava, costurou até um tempo pra fora. Mas quem fazia as nossas roupas era ela.
P/1 – Quantos irmãos eram?
R – Duas irmãs.
P/1 – Duas irmãs? Uma mais nova ou mais velha?
R – Não, eu sou a mais velha. Eu tenho uma irmã, que é a do meio, que se chama Lídia Helena, e a caçula que você viu na foto que é a Licinha Lécia.
P/1 – Ah, certo. E qual que é a origem da família?
R – Olha, meu pai nasceu em Ribeirão Preto. A minha mãe nasceu em Barretos. E o meu pai conheceu a minha mãe numa cidade da Noroeste chamada Birigui e foi assim, um amor fulminante. Meu pai era 14 anos mais velho que a minha mãe e ele era amigo do pai da minha mãe. O pai da minha mãe era poeta, jornalista, teve coisas publicadas e o meu pai gostava muito de poesia também e havia grande afinidade entre eles. E o dia que o meu pai conheceu a minha mãe, ela era uma menina e ela falou... Ele falou pro pai da minha mãe: “Eu vou me casar com a sua filha”. Se passaram, olha, a minha mãe não casou mocinha, ela casou com 24, 25 anos, e o meu pai era 14 anos mais velho que ela. Foi realmente um grande amor. E eu ouvi do meu pai a coisa mais bonita que uma mulher poderia ouvir de um homem; a última vez que conversei com o meu pai, ele tinha olhos claros, e era horário de verão, ele tava olhando pela janela do quarto do hospital e tava um pôr do sol lindo. Aí ele disse: “Minha filha, eu sou muito feliz! Eu sou o único homem que eu conheço que casou com a única mulher que sempre amou!”.
P/1 – Lindo!
R – (choro) Vamos pra frente.
P/1 – Vamos, vamos. Vamos falar um pouquinho da infância então, onde é que você morava?
R – Você quer o endereço da casa, não?
P/1 – É a cidade.
R – Marília.
P/1 – Em Marília?
R – É. A nossa casa era uma delícia!
P/1 – Como era?
R – Era uma casa do interior, tinha um quintal grande, tinha fruta. Quais frutas? Tinha manga rosa, tangerina, pitanga. E a mamãe tinha uma hortinha, sabe? A gente tinha uma vida muito feliz. E, nessa casa, foi quando eu ganhei a primeira e única cachorrinha que nós tivemos, e ela teve uma participação fundamental na nossa vida, porque nem o papai, nem a mamãe foram crianças que conviveram com bichinhos, as minhas irmãs e eu também ainda não, mas ela dominou a casa. Ela chamava Suzi, era uma Fox, ela nasceu já sem rabinho, era linda, o corpo branco e as orelhas pretas e ela nos deu muita felicidade. E o que é que eu fazia quando eu era criança? Tinha afazeres domésticos, tipo, a mamãe nunca nos deixou sair do quarto sem arrumar a cama, nunca pediu pra empregada lavar a nossa roupa íntima, nós éramos as responsáveis. E ela fazia vistoria nos armários pra ver o que tava arrumado, o que não tava arrumado. Eu tinha a responsabilidade de lavar a louça. Nessa época, não havia condição financeira de ter uma empregada e eu lavava a louça, lavava a roupa de vestir e adorava passar escovão na casa, eu varria a casa e a minha irmã do meio, ela tirava o pó. Enfim, todas nós passamos a conhecer o que era responsabilidade de cuidar das suas próprias coisas. Eu não fui uma aluna exemplar. Quando entrei na escola primária, já entrei alfabetizada - a minha mãe me ensinou a ler e escrever em tenra idade. E quando eu fui pra escola, eu precisei entrar no Colégio das Freiras porque eu precisava do diploma do ginásio pra eu poder cursar o ginásio. Na minha época, existia o exame de admissão e você só podia prestar o exame de admissão mediante o diploma - agora mudou a nomenclatura, na minha época era o curso primário. Aí eu fiz, fui avaliada pelo Colégio das Freiras e fui aceita, os meus pais tiveram o cuidado de irem ao colégio dizerem que eu era fruto, a minha religião era protestante metodista, então que eu ficasse isenta da aula de religião. Isso ficou registrado no colégio todo, quer dizer, a direção sabia, a madre superiora sabia, porque meu pai era amigo do bispo - cidade do interior todo mundo é amigo de todo mundo, né? Bom, no meu primeiro dia de aula... Ah, e outra coisa que a minha mãe falou: “Olha, a minha filha já é alfabetizada e ela é canhota”. Bom, no primeiro dia de aula, eu fui posta na última fileira porque eu sempre fui grandona, e a santa Irmã Irene amarrou a minha mão esquerda dizendo que canhoto era filho do Demo. Bom, eu fiquei, assim, estarrecida. Quando eu cheguei em casa com umas olheiras que vinham aqui, a minha mãe falou: “Mas o que que aconteceu?”. Contei. Meu pai e a minha mãe foram direto na casa do bispo reclamar e daí eu fui aceita como canhota, tá? Concluído o curso primário, eu fiz o exame de admissão, fiz o curso de admissão com uma professora inesquecivelmente maravilhosa e entrei no ginásio. Eu entrei no Ginásio Estadual e Escola Normal de Marília. Tudo, a minha escolaridade depois do primário foi em escola pública. Eu bombei na quarta série, quase morri, porque você imagina perder o seu grupo com o qual você conviveu quatro anos. E por que que eu tomei bomba na quarta série? Porque eu fui reprovada em matemática - fiz um acordo nipônico, por isso eu detesto asiático. Deus que me perdoe! Mas tinha uma japonesa que ela era péssima aluna em português, e eu sempre fui muito boa aluna em português, e ela me propôs um acordo, que eu falei: “Mas que maravilha!”. Ela falou: “Olha, você faz a minha prova de português, que eu faço a sua de matemática”. Eu falei: “Ah, negócio fechado!”. Sabe o que a bruxa fez? O primeiro exame foi de português, eu cumpri e ela tirou a nota que ela precisava, tudo beleza. Agora, quando foi no exame de matemática, a bruxa entregou a prova e foi embora, eu tirei zero ao quadrado, tá? Aí eu fiquei de segunda chamada, na época, era segunda época, mas eu acho que o trauma foi tão grande que eu não passei. Muito bem, aí eu comecei a fazer o clássico que graças a Deus tinha sido reativado um ano antes de eu ter sido aprovada. Porque nós fomos conversar com a coordenadora do ginásio pedindo a reativação do curso clássico porque ele vigeu em Marília não sei se quatro, cinco anos e depois ele foi desativado por falta de interesse. E, na ocasião em que a gente fez essa reivindicação, o número de interessados compensava reativar o curso. Aí o que que aconteceu? Eu concluí o clássico no mesmo [ano] em que o papai perdeu tudo. Meu pai, como eu já mencionei, ele comercializava café e foi vítima da extinção do IBC, que era o Instituto Brasileiro de Café. Então aquilo que era o ganha-pão, desapareceu. Aí o que é que eu pensei? Já tinha iniciado uma atividade profissional em Marília, trabalhei como auxiliar da Biblioteca Municipal de Marília, foi durante um período de dois... Durante a vigência do meu curso clássico. E foi um privilégio, porque eu ganhava pra ler. A frequência na biblioteca não era tão intensa, e a biblioteca também não era tão grande e era muito bem organizada, então o atendimento era muito rápido e, assim, eu me enriqueci muito. Faltou um detalhe: eu aprendi a falar inglês quando era criança, devia ter uns quatro anos, por aí, porque o meu pai deu asilo político pra um casal foragido da guerra, eles eram poloneses, e ele estudou em Oxford e dava aula de inglês. Bom, então eu tô mencionando isso, não tô indo e voltando, porque foi assim que eu comecei a aprender inglês. Depois, em Marília, eu tive uma excelente professora de inglês responsável também pela solidificação do que já tinha adormecido dentro de mim. Adormecido não, plantado dentro de mim. Bom, aí chegou numa fase em que eu falei pro papai: “Eu vou procurar emprego”, porque o emprego da prefeitura, a biblioteca era municipal, muito modesta. Aí pro meu pai foi a maior ofensa porque ele era machista de carteirinha, ele não aceitava que uma filha tomasse essa iniciativa, foi um, inclusive, uma fase em que o meu pai se indispôs comigo, sabe? Aí eu vim pra São Paulo e tive a indicação de fazer um teste na Editora Abril porque uma amiga de Marília, que foi uma artista plástica, inclusive, renomada, uma pintora, uma fotógrafa, ela conseguiu emprego na Editora Abril no ano em que a Editora Abril foi fundada, ela era “paste-up” [montadora de arte-final] da Editora Abril e sempre ela valorizou a minha forma de expressar não-verbal só, mas também de escrever. E ela falou: “Por que que você não vai tentar uma colocação na Editora Abril?”. Lá fui eu animadíssima...
P/1 – Quantos anos você tinha, Albertina, mais ou menos?
R – Mais ou menos não, eu tinha 23 pra 24 anos. Não, menos, eu tinha 22 anos. É porque [quando] eu vim pra São Paulo tinha 24, menos ainda. Não, deu certo. Aí eu não fui admitida porque houve uma infeliz coincidência pra mim. Na ocasião em que eles iam definir qual seria [o que] eu ia fazer, como chama isso, em redação? A revisão de texto, tá? Então o Civita tinha uma sobrinha que estudou, ela é italiana, mas estudou em Lisboa e ela veio pro Brasil, e a função pra qual ela se adequava era a mesma a que eu me candidatei. Adivinha quem ganhou, né? Aí como a situação foi ficando assim, cada vez mais difícil, eu fui embora daqui pra Jundiaí. Eu tinha tios que moravam lá e o meu tio era uma pessoa influente, ele era gerente do Banco do Brasil e conhecia o mundo empresarial de Jundiaí, enfim, resumo: ele me indicou pra trabalhar numa forjaria chama é uma sigla, o nome é Sifco, “Steel [Improvement and] Forge Company”. Eu trabalhei lá na seção de engenharia técnica. Pra quê? Pra fazer tradução do inglês pro português. Tive um chefe maravilhoso, um comunista de carteirinha, o meu pai sempre foi de esquerda, e a gente conversava muito - eu nunca vou me esquecer dele. Só que aí já rondava a revolução [de 1964], então, essa pessoa que me indicou pra eu ir fazer teste na Avon, ela se antecipou, virou e falou assim: “Olha, isso aqui vai fechar, se não tudo, pelo menos 60% da companhia vai ser extinta”. E foi, eu fiz parte da extinção. Aí quando eu vim pra São Paulo, ela morava em Jundiaí, e eu ainda morava lá, ela falou: “Olha, quando você chegar em São Paulo, você me dá o seu telefone lá que se eu souber de alguma coisa pra você na Avon, eu te indico”, e foi assim que eu fui dar com os costados na Avon.
P/1 – Entendi.
R – Eu tô sendo muito prolixa?
P/1 – Não, claríssima. E você já conhecia a Avon antes dessa sua amiga?
R – Sabe de que maneira? Quando eu fiz 15 anos, ganhei a fragrância Bem Me Quer da Avon. Era lindo o frasco, tinha uma margarida e uma pétala caindo. Mas, assim, embalagem que não existe mais hoje, em alto relevo, sabe? Essa era a referência que eu tinha da Avon. Aí eu cheguei na Avon e por que eu fui? Ela me indicou, soube que havia uma vaga de tradutora e ela é tcheca, e é uma pessoa muito bem informada, objetiva, ela disse: “Olha, eles querem uma pessoa que traduzam aquele material, o material necessário, mas eles querem ter uma linguagem coloquial, alguma coisa que envolva o campo, não pode ser uma tradução simplesmente literal”. Bom, lá fui eu, fiz o teste e, graças a Deus, fui aprovada. Foi um sofrimento porque como Marília era uma cidade muito quente e o tempo que eu morei em Jundiaí não foi o suficiente pra eu ter um guarda-roupa de frio, eu não tinha nem sapato fechado, nem agasalho pesado. A mamãe fez um vestido de lã pra mim e eu fui comprar um sapato fechado pra fazer bonito [no] teste, só que eu calço 39 [em sapato de] bico largo, e sapato fechado você tem que lacear, mas eu não, eu fui direto com aquela forma no pé. Quando foi passar, quando se passaram os 15 minutos, eu era só pé. Que é que eu fiz? Eu tirei o sapato. Fiz o teste rapidamente e entreguei assim com a maior satisfação pro funcionário que coordenava os testes. Ele fez assim pra mim, ó, eu não me toquei. Aí ele falou assim: “Você está descalça, Albertina”. Mas eu falei: “Era o teste ou era o sapato, me interessava mais o teste”. Aí ele falou assim: “Mas você tem que se compor”. Eu falei: “Não, da próxima vez eu vou dar um jeito”. Aí era comprido o período de seleção, eu fui chamada pra fazer a segunda entrevista, aí já pra conhecer a pessoa que, caso eu houvesse, fosse admitida, me reportaria. Bom, eu sei que deixei o bendito sapato com o jornal molhado até o dia de eu fazer o teste e daí deu tudo certo. Bom, aí eu estava, ele fez a segunda parte que era redação, eu não me lembro mais, e ele falou: “Agora você aguarda um pouco porque você vai passar pela entrevista da pessoa que é responsável pela área pra qual você vai ser contratada”. Falei: “Tá bom!”. Aí eu tô assim sentada esperando, vem o Dionísio que era quem fazia os testes e chega com o senhor que tinha o cabelo, ele era careca e ele distribuía os parcos fios de maneira igual, sabe? Aquilo pra mim, e eu não sou muito discreta, eu fiquei assim ó. Aí o Dionísio falou: “Olha, seu Tony, essa é a Albertina, ela é candidata a ser a tradutora que a gente tá precisando”. Ele estendeu a mão todo formal e falou assim: “Muito prazer, tudo bem?”. Eu falei: “Tudo bem, e com você, tudo bem?”. O Dionísio que também era careca, ficou cabeludo, sabe, como se ele fosse a Godiva. (risos) A cara dele assim pra mim. Aí quando o seu Tony se afastou, ele falou: “Olha, aqui ninguém chama os superiores de você. Ninguém chama ninguém de você”. Eu falei: “Eu também tenho que chamar você de senhor?”. Ele falou: “Não, comigo é diferente”. Eu falei: “Mas olha, você pode ter certeza, se eu for admitida, vou chamar até o “office boy” de você, de senhor”. Bom, eu fui admitida. Por que que eu fui admitida? Existe um material de treinamento da revendedora que, inclusive, agora, há pouco tempo, foi reativado, modernizado, que era toda a sequência da atividade da revendedora. E tinha um visual, um álbum que era uma verdadeira arma porque era deste tamanho, desse comprimento e dessa largura. Chamava “Livro da Oportunidade” e era um material todo ilustrado, vendendo a Companhia, mostrando a matriz, mostrando os países onde a Avon já atuava, quais eram os princípios da Avon. Olha, Deus que me perdoe, não sei se existe [ainda], mas eu vou dizer: uma baboseira. Mas eu fiz a tradução, agradei de acordo com aquilo que era a expectativa da companhia, e quando eu concluí o trabalho, fui convidada a ser correspondente da contabilidade de vendas. Nessa ocasião, a primeira entrevista que eu fiz foi com o Odecio Lenci, aí ele falou assim pra mim: “Tá escrito aqui [que] você domina inglês”.
Eu falei: “É, eu conheço”. Ele falou: “Você sabe fazer ‘follow up’?”. Eu não conhecia “follow up”, [que] é uma expressão idiomática, eu falei: “É ir atrás do quê?” Ele falou: “Não, então você não conhece inglês”. Eu falei: “Então o senhor me explica o que que é”, “É acompanhamento”. Eu falei: “Ah bom, jamais me esquecerei”. Tanto que sempre que eu me encontro com ele (risos) eu falo assim: “Eu já sei o que é ‘follow up’!” Bom, aí quando foi pra eu ser correspondente, já fui admitida pela Avon. O período de tradutora foi de quatro a cinco meses, por aí. Bom, aí eu me correspondia com toda a área de vendas, da revendedora ao gerente de vendas e eu tinha uma supervisora, ela que assinava as cartas. Então, eu, depois... Ah, quando eu comecei a fazer a tradução, pedi se eu podia ter uma máquina de escrever pra eu aprender datilografia, porque achava que ia ficar na companhia. Embora eu tivesse feito curso de datilografia Hamilton lá em Marília, eu nunca tinha praticado e agradei fazendo essa solicitação. Enfim, quando eu passei a ser correspondente, já tinha domínio da datilografia. E como eu tô dizendo, não assinava; tinha a identificação assim: RC que eram as iniciais da minha supervisora e barra AAD pequeno, tá? Então, hoje eu não sei se existe ainda essa identificação, mas eu tô dizendo isso porque foi muito importante esse aspecto. O seu João Maggioli, nessa época, ele era gerente de vendas em Porto Alegre, foi a primeira divisão dele de vendas. E aí ele já tinha cumprido o tempo de fora de São Paulo, porque ele, a família dele, da mulher, as famílias são paulistanas. Aí ele sabia que vinha pra São Paulo e ele tinha uma secretária da qual ele gostava muito, mas ela uma gaúcha convicta, de jeito nenhum se propôs a vir pra São Paulo. Aí era assim, o seu João que sempre se destacou pelos resultados dele, ele conseguiu o beneplácito, vamos dizer assim, de permitir que essa moça viesse pra São Paulo pra treinar a que seria a substituta dela, porque, além de tudo, o seu João é metódico de carteirinha. Bom, aí ele um dia veio pra São Paulo já às vésperas de se transferir pra cá, ele foi até a minha mesa, olhei pra aquele homem maravilhoso e eu me apaixonei. A primeira paixão que eu tive pelo seu João foi a assinatura - vocês viram a assinatura do seu João? Pois é, e eu achava uma delícia quando eu recebia a correspondência que eram as cartas que eram assinadas por ele. Aí ele falou assim pra mim: “Você que é a AAD?”. Eu falei: “Sou eu!”. Ele disse: “É, eu perguntei. Você se chama Albertina, né?”. Eu falei: “Me chamo”. Ele falou: “Eu vim fazer um convite pra você, eu gostei muito da sua forma de redigir, da maneira como você se comunica e convido você pra ser a minha secretária”. Eu falei: “Até que enfim Deus ouviu as minhas preces, meu Deus do céu!”. Daí eu comecei logo que o seu João veio pra São Paulo. A Avon tinha um escritório de vendas sediado na avenida Ipiranga e era uma delícia, era um grupo pequeno e lá eram realizadas todas as reuniões de vendas de São Paulo, e lá que eu me “catequizei” com relação aquilo que é realmente a atividade da revendedora, da hoje gerente de setor e do gerente de vendas. Aí eu fui, como disse, secretária do seu João [por] 12 anos. De repente, um dia, chega o Ademar Seródio e fala assim pra mim: “Por que é que você não se candidata a ser promotora? Você tem tudo pra ser promotora! Você conhece todo o andamento da companhia, você se identifica com aquilo que é o perfil da revendedora”, enfim, me cobriu de elogios. Eu falei: “Mas isso é uma super lisonja!”. Bom, aí eu falei pro seu João: “Seu João, eu vou aceitar a proposta do Ademar, vou fazer treinamento pra promotora de vendas”. Ele falou: “Você tá maluca! Do jeito que você é, vai dar o seu salário pra revendedora. A promotora de vendas tem que ter pulso, tem que ter, assim, discernimento”. Eu falei: “Dá licença! Vamos fazer um teste. Se eu ver que não deu, vai sobrar pra mim, não é?” Bom, lá fui eu dar com os costados na Bahia. Fiz o treinamento. Felizmente, eu me saí muito bem. E lá que eu tive aquela carta-relâmpago, tive a carteira de motorista como eu contei que foi no pátio do Detran, tá? Porque no primeiro exame eu fui reprovada, aí tinha uma semana, não, um mês - eu tinha que esperar um mês pra fazer a nova tentativa - e eu contei a minha história de amor, sofrimento e renúncia pro diretor do DSV de lá, e ele se compadeceu. E aí o meu teste foi: liga o carro, toca a buzina, luz alta, luz baixa, seta pra direita, seta pra esquerda [e] pode retirar sua carta de motorista. Bom, aí eu vim pra São Paulo e fiquei esperando porque a perspectiva era trabalhar na Bahia, mas acabou não dando certo. Então eu tive que esperar alguma oportunidade aqui que não surgiu na cidade de São Paulo, eu fui levada pra Barretos. Você vê, a Avon ficava na avenida João Dias, o meu pai era João Dias, a minha mãe nasceu em Barretos. Bom, fui comprar o meu imenso Volkswagen e uma semana depois eu fui pra Barretos. Eu demorei, falo 16, mas na verdade são 18 horas pra chegar, porque eu fui em segunda - eu usei três tanques de gasolina. Olha, eu saí da minha casa eram cinco e meia da manhã, cheguei em Barretos era mais de meia noite. Aí, quando eu tinha que fazer baliza, eu pedia socorro. E Barretos, vocês conhecem? É uma cidade traçada e as preferências não são as avenidas, são as ruas, eu era tão despreparada que parava o carro na esquina sem ter visão do cruzamento e punha o ouvido pra fora, se eu não ouvisse nada. (risos) Bom, aí eu fiquei em Barretos o tempo de licença da promotora titular que foi de três meses, mas aí eu já tava mais desenvolta. Enfim, surgiu uma oportunidade pra eu ter o meu primeiro setor próprio em Franca. Eu fiquei em Franca um ano e pouco, e também tive cada passagem Homérica. Mas daí surgiu a oportunidade pra eu vir pra São Paulo. O meu primeiro setor em São Paulo foi um desafio, era nos Jardins, é a área mais desafiante que a gerente de setor tem. Hoje não é tanto assim por causa do Renew, mas na minha época, você vê, qual é a classe alta que ia comprar Carisma, Toque de Amor, Topázio, sabe? Bom, aí eu sei que eu trabalhei nesse setor um ano e pouco, depois trabalhei na Zona Leste aonde eu fui bem melhor sucedida do que nessa bomba de mercado metropolitano. Bom, aí eu sou chamada... Ah, daí eu fui ser promotora em Osasco e o seu Jaime Tomás de Aquino, que foi meu primeiro gerente, e depois, quando eu vim pra cidade de São Paulo, ele voltou a ser meu gerente, falou pra mim assim: “O João Maggioli tá pedindo pra você vim falar com ele amanhã às 11 horas na sala dele”. Eu falei: “Seu Jaime, eu não posso!”. Porque a promotora, ela programava duas vezes por ano o passeio das revendedoras pra fábrica e era uma festa, a gente ia, almoçava, elas andavam pela expedição, pela fábrica, depois pela expedição, depois ganhava produto, tomava lanche. Aí o seu Jaime falou assim: “O que você tá falando?”. Eu falei: “Olha, seu Jaime, eu não posso chegar na sala dele lá por volta das quatro?”. Ele falou: “Você tá maluca! Você tem que vir aqui e estar aqui às 11 horas”, ele me ligou na véspera. Aí eu fiz o xale da Penélope com a cabeça pra ver o que é que eu ia fazer, eu não podia dispensar os ônibus, eu não podia desapontar as revendedoras, mas graças a Deus, sempre ele me deu a luz de Aladim e eu consegui. Eu cheguei na sala do seu João, ele falou assim pra mim: “Fecha a porta”, quando falava fecha a porta era a execução. Eu falei: “Meu Deus do céu!”. Aí ele falou: “Olha, eu quero dizer pra você que pelo seu trabalho como promotora, que me surpreendeu, você tá sendo promovida. A partir do dia primeiro de não sei que mês, você vai ser conselheira de vendas”, que foi um cargo que a dona Iva ocupou durante muitos anos. Eu chorava feito bezerro desmamado, né? Aí ele falou: “Para com isso! Você vai almoçar comigo”. E eu falei: “Bom, foi tão rápido que vai dar ainda pra eu ir até Osasco e pegar as revendedoras”. Mas eu fui almoçar com ele, daí ele foi me mostrar o manual que regia a atividade da conselheira de vendas. Bom, eu sei que depois desse comunicado, se passaram uns dez dias pra eu ser transferida de função. Assim que eu iniciei essa atividade, tive também um privilégio muito grande porque eu fui, fiz parte de um treinamento que tinha sido inovado nos Estados Unidos, e eu fiquei nos Estados Unidos quanto tempo? Eu fiquei 21 dias, que era a vigência das campanhas de vendas. Aí eu vim com toneladas, porque o americano adora manual, né, ele seguir não segue nenhum, mas o que ele emite são milhares. Aí eu trouxe esse material, traduzi, submeti a avaliação da administração. Da administração do seu João, né? E eu comecei a aplicar o treinamento.
[Pausa]
R – Bom, aí eu fiz esse treinamento durante um bom período, mas que também não foi muito comprido. De repente - isso tudo na função de conselheira de vendas, tá -, um dia o seu João me chama na sala dele e: “Fecha a porta!” Falei: “Qual vai ser a sentença, meu Deus!”. Aí ele falou pra mim: “Olha, graças ao trabalho que você vem fazendo a frente dos treinamentos”, e eu redigia também uma peça que hoje não existe mais chamava “Guia de Reunião”. Hoje existe, mas é eletrônico esse guia, tá? “Você vai ser promovida a gerente de vendas em treinamento.” Eu falei: “Ai, eu não posso nem acreditar”. E aí eu comecei na função de gerente de vendas - também, depois, eu passo a data, tá, o ano. A minha primeira divisão se chamava Divisão Anhanguera, ela começava aqui em Louveira, que é perto de Vinhedo, perto de... Eu não tinha Campinas porque é assim, assim e Campinas tava pra cá, eu ia no rumo de Ribeirão Preto. E essa divisão ia até Minas Gerais, [em] uma cidade chamada Passos. Eu fiquei na Anhanguera um ano e meio. Depois eu fui transferida pra Divisão Alvorada que era o Centro-Oeste. Na ocasião, era a maior divisão geográfica do mundo, porque você vê o tamanho do Centro-Oeste e eu tinha Acre e Rondônia também. E eu tive um pioneirismo nessa divisão, eu que abri o setor oficial do Acre porque, antes, o Acre vendia pra Rondônia, na nomenclatura era uma cidade complementar, e passou a ter vida própria. Eu conheci os 36 municípios que existiam no Acre dirigindo um jipão, sabe? Nossa, senhora! Aí o seu João que sempre foi ligado, inclusive, a minha família e muito ligado a mim. Porque eu nunca fui oportunista, eu nunca reivindiquei nada em causa própria, e eu sempre fui obstinada. Como eu nunca me casei, pude me dedicar integralmente à companhia. Aí ele falou pra mim, num seminário que houve, porque os seminários sempre eram aqui em São Paulo, ele falou assim pra mim: “Olha, eu vou te dar uma dica, vai vagar uma divisão de São Paulo. Você não quer pleitear com o Ademar a sua transferência pra São Paulo?”. Porque eu viajava três semanas seguidas, tá, e ficava só uma semana em São Paulo. E por maior que fosse a minha integração, e era com o grupo, com a realidade que é tão diferente da nossa realidade, eu sentia, desculpa, falta de São Paulo. Aí eu vim para, então, Divisão Morumbi, onde eu fiquei 12 ou 13 anos. Eu tive grandes vitórias, muitas alegrias, algumas dificuldades profissionais, inclusive, mas graças a Deus eu vinguei, deu certo, sabe? E por que que eu saí da Avon? Eu me demiti. Parece mentira, mas eu me demiti. Por quê? Mudou o foco administrativo da Avon, a maneira como a revendedora passou a ser olhada e sentida não combinava com a minha convicção. Então antes que essa descombinação interviesse nos meus resultados, eu preferi sair antes de começar a perder as primeiras posições. Eu sempre pensei: “Eu vou sair pela mesma porta que eu entrei”. Quando eu me demiti, algumas pessoas fizeram um movimento pra que eu não fizesse isso, e o mais empenhado nisso foi o Paulo (Voltehine?). Ele disse: “Eu vou te dar um tempo, sabe? Pensa, você tá vivendo um momento, talvez, assim, de conflito”. Eu disse: “Paulo, eu já não sou mais criança, sei do que a minha resistência é capaz, e o rumo que as coisas tomaram passou a ser incompatível com aquilo que eu sou. A Avon não vai mudar e eu também não vou mudar”. Então, sempre o meu pai dizia: “Tá desagradado? A porta da rua é serventia da casa!”. E assim acabou a minha relação efetiva com a Avon, mas a afetiva dura até hoje. Graças a Deus eu ainda me relaciono com várias flores que fizeram parte do meu jardim, porque muitas delas eu acompanhei. Vocês imaginem, eu conheci a filha da Meire que hoje tem 22, por aí, na barriga da mãe - ela tava grávida, sabe? E eu acompanhei o crescimento dela, porque como eu sempre fui gregária e sou bastante afetiva - sabia até o nome do papagaio de cada promotora, sabe? Eu sabia o nome do marido, dos filhos, ainda naquela ocasião não havia neto, mas hoje que eu já não tô mais na companhia [e] sei o nome dos netos, sabe? Enfim, foi realmente a participação mais importante que eu tive em toda a minha vida. E por que é que houve essa integração? Pelos princípios da própria companhia. Eu acho que a companhia é uma companhia idônea, que corresponde àquilo que ela se propõe, sabe? Ela não manda recado. Enfim, eu acho que acima de tudo é essa característica maravilhosa que a companhia tem que me envolveu e vai me envolver até na outra vida. E agora ponto final, ao som desse prefixo eu saio do ar!
P/1 – Ah, de jeito nenhum! Albertina, eu queria que você falasse um pouco das grandes mudanças que viu dentro da Avon acontecer.
R – Olha, quando eu comecei na área de vendas o mercado brasileiro era dividido em áreas comerciais. E era um trabalho de abelhinha porque era um trabalho manual. Então havia uma empresa terceirizada que fazia contagem das casas nas ruas, e esse total de casas por rua era encaminhado pra companhia. Na companhia, tinha uma área que chamava Definição de Mercado que, inclusive, foi gerenciada durante muitos anos pelo Renato Saraiva. E a cada 200 casas você fechava uma área comercial, ela era mapeada pra revendedora como se fosse um guia de trânsito: você dava o nome das ruas e a numeração correspondente àquilo que fecharia o total de 200 casas. Com o passar do tempo e o surgimento de outras empresas, essa determinação da Avon foi pro brejo. Primeiro, porque contrariava a nomenclatura: a revendedora é autônoma, então ela não pode ficar restrita a revender numa área comercial pré-determinada pela companhia. Na medida em que isso foi tomando corpo, e isso só passou a acontecer oficialmente, porque oficiosamente sempre existiu... A revendedora nunca foi boba, ela dava uma de borboleta, vendia fora da área comercial e punha no livrinho de anotações dela, que tinha que fazer o registro, que era dentro da área comercial. Mas com o surgimento da primeira concorrente, entre aspas, porque a Avon nunca admitiu ter concorrente, mas com a primeira cópia que houve do sistema que foi a Christian Gray. A Christian Gray não tinha essa obrigatoriedade, era assim: a revendedora era livre, leve e solta, vendia onde tinha cliente. E pra evitar um êxodo das revendedoras, deixou de haver essa medida de controle, tá? Mas o gerente de vendas, o gerente de setor, ele tinha o total de áreas comerciais que compunham o setor dele, dela e esse número determinava, o número de áreas comerciais determinava o número de revendedoras que cada promotora de vendas tinha que ter. O máximo de revendedoras que um setor tinha era de 250, e tudo era em cima dessa referência. Tinha que fazer a renovação de 25 revendedoras por campanha - que essa renovação se chama estabelecimento. Bom, aí com o passar do tempo, as coisas foram ficando, como que eu vou dizer, diluídas, e o grande transformador dessa leitura de mercado que existiu se chama Ademar dos Santos Seródio, tá? Ele é o responsável pela grande revolução que houve dentro do número, dentro da leitura de mercado da Avon - eu não vou nem dizer o número de revendedoras. E você imagina: a minha divisão que tinha 29 setores, o total de revendedoras que eu tinha, quando tinha cobertura de toda a divisão, era de 3800, 4000 revendedoras; hoje, o número médio de revendedoras que cada gerente de setor tem [é] 1500. Pois você vê, são 1800 revendedoras dentro desse Brasil inteiro. E olha, eu vou dizer uma coisa pra vocês, embora eu ainda acredite no fundamento da atividade da revendedora, que era do número de casas determinado, enfim, um número menor de revendedoras, mas você vê a visão de negócios que o Ademar teve e ele foi o responsável. Essa revolução ele não implantou em primeira mão aqui no Brasil, ele fez isso na Argentina. Ele começou “degavarinho”, como eu falava quando era criança. Não foi assim de uma vez, ele foi paulatinamente. Diante do resultado maravilhoso que ele alcançou na Argentina, chegou a presidência do Brasil - com toda devoção Maggiolina que eu tenho, tá? Eu acho que a Avon não seria o que é hoje se ele não tivesse tido uma presidência, uma gerência geral e uma presidência através do seu João Maggioli. Porque eu vejo assim: são talentos diferentes, tá? A visão de negócios que o seu João tem é até premonitória, mas a visão de negócios que o Ademar tem é ousada, porque, veja, é um risco você mexer no que tá dando certo, né? Então essa é a minha maneira de enxergar.
P/1 – Entendi. Fala um pouquinho então dos desafios que você enfrentou trabalhando na Avon.
R – Primeiro, foi dirigir, né? Segundo, foi eu nunca tinha trabalhado numa empresa e eu tinha trabalhado na biblioteca, e trabalhei na Sifco, mas eu tinha um cubículo isolado, então eu não tinha solicitação de atendimento, eu recebia um prazo e aquilo que eu tinha que traduzir. Era um trabalho absolutamente solitário. Aí quando eu comecei a trabalhar na Avon foi um aprendizado grande e absolutamente novo, eu não fiz nenhuma adaptação. Eu, realmente, como profissional, nasci através da Avon. Outra coisa também que foram alguns obstáculos é que como eu tinha uma ligação muito forte com o seu João, não faltou quem se propusesse a ser maledicente, a dizer, até a insinuar uma caminha, distraída, sabe? E eu jamais tive esse tipo de coisa, acho o seu João uma figura maravilhosa, um homem... Adoro as mãos e os pés do seu João. Eu sou meio fanática por esses finais de membros, sabe? Então, mas eu nunca na vida me vi com outro tipo de envolvimento, haja a vista que eu falo pra mulher dele: “Dona Alda, o seu marido tem as mãos e os pés mais lindos do mundo!”. Ela fala: “Tem mesmo!”, sabe? Bom, isso foi um certo obstáculo. Depois, também, como passou a haver uma mudança de comportamento na relação entre os gerentes de vendas, eu tive algumas surpresas muito desagradáveis, e foi por causa desse tipo de surpresa desagradável, que eu prefiro não entrar em detalhes, que eu comecei a ver que eu já não tinha mais espaço dentro da companhia. Não foi só porque o seu João saiu, sabe? Muita gente dizia: “Ah, você perdeu o chão”. Realmente, foi pra mim um abalo muito grande, porque houve uma mudança radical entre a administração maggiolina e a administração ademarina, mas eu sempre tive discernimento, sabe? E também tenho uma outra coisa que fez com que eu tomasse essa decisão: tive o aceno de uma perspectiva de uma nova atividade com uma remuneração muito mais vantajosa, não tinha os benefícios, quer dizer, tinha, eu tinha seguro saúde, carro, mas o meu salário era quase o triplo do que ganhava na Avon. Porque na minha época de gerente de vendas, o salário, a renda do gerente de vendas era menos de um terço do que é hoje. Tudo mudou, sabe? A começar da mudança com a nomenclatura da gerente de setor, a gerente de setor ela ganha bônus. Se ela fosse promotora de vendas, legalmente, ela não poderia ganhar bônus. Então se existe bônus pra gerente de setor, você imagina o tamanho do bônus pro gerente de vendas, tá? Então foi, é gozado, eu acredito que aquilo que sempre vi como fundamento - você perguntou das dificuldades - viraram obstáculos. Foi isso.
P/1 – E as alegrias?
R – Milhares. Olha, eu ganhei a viagem pra Espanha duas vezes, pra Londres, pro México e qual foi a outra viagem? Eu ganhei acho que pra Nova Iorque. E entre todas as alegrias, a Avon teve um “charming” brasileiro chamado Many Lima, não sei se o seu João ou o Ademar citaram essa figura, Emanuel Lima. Um “gentleman”. Olha, mas ele tinha afinidade tão grande comigo, e quando nós estávamos em Madrid ele me convidou pra um café da manhã privê, mas foi tão delicado, ele me deu uma coleção a respeito da Revolução Espanhola, ele era antifranquista e conhecia as minhas, as poucas ideias políticas, né, e foi assim uma coisa maravilhosa. E entre as milhares de alegria, eu vou contar uma que é folclórica. Como vocês já sabem, eu sou canhota, e a matriz da Avon ela é sediada em duas torres, e o que junta, o que faz a unidade entre as duas torres são os elevadores e as escadas. Aí num dos treinamentos que eu fui fazer lá, eu disse: “Ah, eu quero ir a lojinha”, porque as bijuterias, naquela época, hoje não, eu acompanho o folheto da Avon as bijuterias são lindas, mas naquela época eram lindíssimas as bijuterias das americanas. Aí o funcionário da Avon americana falou pra mim: “Olha, você quer ir a lojinha é muito simples: você pega o elevador, desce, não sobe até o 22º andar e é nessa mesma torre, você vira à direita, depois você vira à esquerda tem uma porta, é só você abrir essa porta”. É claro que a esquerda virou direita, e a direita virou esquerda. Quando eu pus a mão na maçaneta disparou o alarme de incêndio, era aquela gentarada toda descendo as escadas porque tinha ensaio pra quando tocava o alarme de incêndio. E apareceram aqueles macacos enormes na minha frente e não conseguia parar. Primeiro, eu fiquei atônita, mas depois eu não conseguia parar de rir, eles falavam assim: “Don’t you wanna about what’s are happend, don’t you wanna...”. Quanto mais eles falavam, mais eu ria. Aí eu tinha ido com o (Mikes Lives ?), um inglês maravilhoso, um lorde verdadeiro. Quando chegou lá na escada, na calçada, perdão, ele falou assim: “Viu, Alberta, que está interessante? Até a gente teve ensaio de incêndio!”. Eu falei: “Mas você vê que coisa! Isso eu acho que é inédito pra quem vem aqui, né?”. Bom, ele falou assim: “Bom, diante disso, você foi à lojinha?”. Eu falei: “Não, não deu tempo!”. Ele falou assim: “Diante disso, como tem sempre um tempo pra todo mundo voltar, eu vou com você à lojinha e você vai escolher a bijuteria que você quer, que eu te dou de presente”. Eu dei um beijo nele, né? Imagina, aí quando a gente tava sobrevoando o Rio Tietê, eu falei: “Mike, sabe aquele ensaio de incêndio? Ó, a responsável fui eu. Eu menti pra você quando disse que eu não tinha ido a lojinha. Realmente, eu não fui porque eu me perdi, e eu causei o alarme”, porque o alarme ele é automático, ele dispara e vai até o fim, você não pode interromper, né? Bom, essa foi uma alegria que eu tive, e eu tenho essa bijuteria até hoje. E deixa eu ver qual a outra... Ah, foi quando eu ganhei a viagem pra Londres, porque foi uma disputa acirrada, sabe? E quando foi dado o resultado, eu quase desmaiei. Tava do lado do seu João Maggioli, ele falou: “Berta! Direito! Se acerta!”. Daí eu falei: “Meu Deus do céu!” Porque eu tinha tanta vontade de conhecer a rua que foi a capa do disco dos Beatles, sabe? Eu tenho umas coisas assim na minha cabeça, porque como eu disse pra vocês, e pra ele especificamente, eu adoro música! Dentro da música popular brasileira, eu sou fanática pelo Caetano Veloso, me considero caetanófila, tá? E quando eu fui pra Bahia, fiz questão de conhecer Santo Amaro da Purificação. Aí eu perguntei aonde era a casa do Caetano. Santo Amaro é uma coisica, me deram o endereço, eu bati palma e apareceu uma pessoa, falei: “Eu quero ouvir a Irene dar a sua risada!”. E ela riu - ela era, sabe? Aí eu disse: “Olha, você desculpa da ousadia, mas eu tenho uma paixão”. Olha, foi assim amor à primeira vista. E ela me convidou pra entrar, me apresentou a dona Cano, me ofereceu água de coco, sabe? E Caetano não tava em Salvador, mas se ele tivesse, eu ia atrás, né, imagina! Aí, mais tarde, eu fui de novo pra Salvador, olhei na praia, vi o Caetano Veloso sentado, eu fui até ele e falei: “Olha, você não lembra de mim, mas eu conheci você no Festival da Record, quando a sua música ‘Como um dia’, que foi defendida pela Maria Odete ganhou a melhor letra”. Ele falou: “Desde esse tempo?”. Eu falei: “Desde esse tempo. Eu ainda vou acompanhar você até que eu não fiquei mais aqui, e de lá de cima eu também acompanho”. Ele é um encanto de pessoa! Embora digam que ele é petulante, que ele é antipático, é mentira! Ele é contundente, sabe? Se pisam no pé, no calo dele, ele devolve, não tem mãos a medir, enfim. Que mais que vocês querem saber?
P/2 – Deixa eu perguntar uma coisa. Você falou que nunca tinha trabalhado numa empresa, né, até chegar na Avon. E quando você chegou na Avon, o que você sentiu vendo aquela fábrica daquele tamanho?
R – E, principalmente, por ser uma fábrica de cosmético. Olha, quando eu entrei na Avon, mesmo como contratada, eles tiveram uma atitude muito simpática comigo, porque naquela época o funcionário era apresentado, o novo funcionário, pra todo mundo e depois ia conhecer a fábrica, a expedição. E quando eu vi fabricar batom foi a coisa que mais me eletrizou, e olha, nunca na minha vida eu usei batom. Eu fui ameaçada pela Dona Iva, ela disse: “Agora que você vai ser gerente de vendas, tem que usar batom”. Eu falei: “Olha, dona Ivã, entre mim e o batom existe uma incompatibilidade genética. Eu não vou usar batom, mas eu prometo pra senhora que a minha divisão vai ser recordista em batom”, e foi, sabe? É uma questão de afinidade. E outra coisa também que me extasiou foi ver a velocidade que as meninas que calculavam o total a pagar dos pedidos usavam a máquina de calcular, aquela mini-máquina, sabe, que elas batiam os números e cheios de centavos. Olha, foi assim uma coisa... E pra variar eu ficava extasiada, chorava vez por outra. E agora, o folclore sem fugir do assunto. Eu não sei se porque sempre fui muito espontânea, nunca tive assim barreira pra falar com as pessoas, sempre fui respeitosa, mas esse homem maravilhoso que era o gerente geral, o (Paul Newman?), que ele dizia que era o americano mais brasileiro que ele conhecia - tanto que ele se naturalizou brasileiro. Ele me chamou pra eu me sentar do lado dele no meu primeiro almoço de natal com a Avon. Bom, pra mim foi uma super lisonja, imagina! E ele era um homem imenso, um cavalheiro, puxou a cadeira para eu me sentar, ele não se sentou enquanto todas as mulheres não estavam acomodadas, aí fez o responsável pela organização, fez sinal e começou o serviço. A entrada era coquetel de camarão, eu nunca tinha, não conhecia o coquetel de camarão. Aí eu olhei do meu lado, olhei pra ele e falei: “Olha, posso pedir uma ajuda? Como é que eu consumo isso?”. Ele me deu os parabéns pela sinceridade. Eu não derrubei, eu adorei e, sabe? Bom, quando você não sabe, você pergunta. Isso era no ano de 64, então você vê não era tão comum servir coquetel de camarão. Prato principal: estrogonofe - esse eu conhecia e gostava, a mamãe fazia que era uma delícia. Aí quando eu fui me servir, vi uma coisa dura no prato, aí delicadamente eu olhei de um lado, olhei do outro, passei o garfo, era o ralo da pia (risos). Aí o seu ________ falou assim pra mim: “Não gosta de camarão?”. Falei: “Adoro, mas sem o ralo da pia!”.
P/1 – (risos)
R – Ele fez um escândalo, embora ele fosse um cavaleiro, ele chamou o “maître”, pegou o prato e falou: “Como você me explica isso?”. Fez mudar o cardápio, não deixou ninguém mais ser servido, tá? A gente teve um atraso enorme no almoço, e aí serviram até a maionese que era o fechamento do almoço, e aí eu não me lembro qual foi o prato principal - foi o mesmo estrogonofe, mas sem ralo, tá? Agora você acha, não gosta de estrogonofe? Também ele agradeceu de eu ter falado, porque eu podia ter tido: “Não, eu não gosto”, mas sabe, todo mundo ia comer alguma coisa que talvez tivesse contaminada, eu não sei. Bom, nossa senhora!
P/2 – Outra coisa que eu queria perguntar também Albertina, você falou muito de muitas revendedoras, né, você passou por várias áreas. Qual era o produto destaque desses diversos locais que você foi?
R – Sempre fragrância, e em segundo lugar batom.
P/1 – Mas alguma específica?
R – O quê? Fragrância? Charisma, Topazie, e Toque de Amor. E vocês sabem por que essa perpetuação? Porque cada uma das fragrâncias, dessas, correspondem a um orixá. Por exemplo, Charisma é Iansã, Topazie é Ogum e Toque de Amor é o quê? Eu me esqueci. Nossa, mas eu achei isso tão interessante, e cada revendedora tem a sua história, né? E o que eu aprendi com elas eu não vou me esquecer nunca, nunquinha na minha vida. E pessoas anônimas, as mais simples do mundo. Quando eu fui ser promotora em Franca, Franca tem uma linguagem muito peculiar, lá não fala “nó”, fala “nól”, até decodificar... E como Franca é vizinha de Minas Gerais, tem uma influência, assim, básica, e as revendedoras saúdam você assim: “Oba, vamos apiar! Vamos, acaba de chegar, entra!”, sabe? É assim como se fosse um coro. E eu tive cada experiência, nossa Senhora! Coisas me marcaram muito. Que mais, minha Flor?
P/1 – Eu queria saber um produto que marcou a sua história com a Avon. Você falou de produtos que eram vendidos, mas pra você?
R – Primeiro, o primeiro que me marcou a história foi um que chamou Fashion Leg, por quê? Porque eu tenho um problema circulatório grande, e mesmo jovem eu tinha vasos e o Fashion Leg era uma maquiagem pra perna que era uma arma de dois gumes, porque você passava [e] a perna ficava linda, mas depois de um certo tempo derretia aquilo e ficava hediondo, sabe? Mas, mesmo assim, eu usei. E outra coisa que eu gostei muito foi o rímel, até hoje eu uso. E deixa ver o que mais. Eu tive o privilégio de ter, de fazer parte do primeiro grupo que testou o Renew antes do Renew ser introduzido, porque eles testaram em várias faixas etárias, e naquela ocasião eu não era sexy, eu tinha ainda 40 e poucos anos. E foi muito importante pra mim, muito. Tanto que você vê, eu sou usuária até hoje. Eu só uso Renew, não tem mais outro produto. Eu lavo o rosto com creme de barbear e esponja, bucha, tá? E depois eu uso Renew, pro dia e pra noite. Que mais?
P/1 – Que é que você acha dessa oportunidade que a Avon dá e sempre deu pra inserir as mulheres no mercado de trabalho?
R – Fundamental. Básica. Eu acho que a Avon revolucionou o mercado de emprego. Porque quando eu falo dessa forma eu incluo a atividade da revendedora, que pra muitas passou a ser uma profissão. Olha, existe uma pessoa que eu conheci nos primórdios dela da Avon, ela era chineleira e vendia de pronta-entrega. Na ocasião, ela era analfabeta de carteirinha, já tinha duas filhas pequenas e era muitíssimo bem casada. Aí ela começou a se destacar como revendedora e passou a ser o que hoje é denominado revendedora estrela. Naquela época, era círculo de distinção, tá? E ela foi toda a escalada até chegar à primeira instância.
P/1 – Pode continuar, Albertina.
R – Então, eu tava falando a respeito dessa verdadeira heroína. E a Morumbi era sempre uma divisão onde eram realizados testes de mercado. Por quê? Tinha uma diversificação grande entre os setores, e era uma divisão cuja a base maior era aqui em São Paulo. Eu falei pra ela: “Minha Flor, tá na hora. Eu gostaria que você fosse a pioneira como líder, você não ver a única, mas aqui em São Paulo vai ser . Vai ter outra em Jundiaí, tá?”. Porque sempre eu queria estabelecer uma comparação de desempenho. Eu falei pra ela: “Mas só que pra isso você tem que saber ler e escrever, e você tem que treinar muito pra escrever”. Olha, acreditem, em três meses ela tava pronta, a letra dela é linda e hoje, além dela ser executiva, porque a filha dela hoje é gerente de setor, ela tem dois centros de distribuição de multimarcas e é a número um como executiva da filha. Ela foi entrevista pelo Estadão, pela Revista Valor, sabe? E você vê, essa é a história de uma revendedora anônima. Tá certo que na Avon, ela tem o nome dela consagrado, mas e no mercado de emprego? Ela não tem. Só que eu acho que ela é uma mulher, uma profissional bem sucedida, não é? Nossa! E veja, eu tenho um orgulho muito grande de ter feito parte do início da inclusão feminina na administração da Avon, que começou com a Iva Brown, pois... Eu cheguei a contar pra você que um tantão de um machista de um gerente de vendas, quando foi anunciar da promoção dela, ele se demitiu: “Não aceito, como homem, a mesma posição de uma mulher”. Olha que bobo, né? Nossa! Olha, eu tive vontade, claro que eu não falei isso pra ele, na ocasião, da promoção da Dona Iva a gerência de vendas; eu era conselheira, e eu tive vontade de perguntar pra ele: “Se fosse a sua mãe?”, sabe? Mas não vale a pena, com uma pessoa tão pequena, né, então. O Fernando Pessoa fala: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, se é, nada vale a pena, não é? Nossa!
P/1 – Albertina, fala pra mim o que você acha das ações sociais que a Avon realiza?
R – Magníficas! Também parece que eu sou cabotina, mas vou mencionar [que] na década de 80 houve uma parceria preciosa da Avon com uma entidade, era uma ONG, no final da década de 80. É uma ONG constituída só por mulheres e eram médicas, psicólogas, que mais? Sociólogas. E elas criaram um programa pro autoconhecimento do corpo da mulher, e fizeram um material didático maravilhoso. E qual era a proposta desse curso? Possibilitar as mais distantes, da informação, no caso, as revendedoras: conhecimento, autoconhecimento físico, ensinando a apalpar pra detectar o câncer de mama, a possibilidade de um caroço; pra também fazer autoexame, assim, aqui na região dos ovários pra ver se havia qualquer coisa pra ser verificada. E elas divulgaram um método anticonceptivo, que até então, eu não conhecia, que é o diafragma. O diafragma, segundo a avaliação delas, é o método anticonceptivo melhor que existe porque ele é inócuo, ele não tem nenhum efeito colateral e é extremamente fácil, da assepsia. É muito fácil. Bom, então, nas reuniões de vendas esses assuntos eram abordados e, no caso específico do toque no seio, pra ver se havia algum caroço, alguma coisa, havia a ilustração mais didática que vocês possam imaginar. E na aplicação do diafragma da mesma forma, havia uma vagina em ponto grande, antes [e] durante mostrando a aplicação e como fazer pra remoção. E como alguns ilustres maridos, ou companheiros, iam buscar as suas respectivas mulheres na reunião eles disseram que iam entrar na Justiça porque a Avon estava ficando obscena. Então isso deixou de ser praticado. Agora, qual o resultado final? Porque eu sempre fui ligada nesse tipo de coisa. Então deixa eu fazer assim um apanho genérico: não foram todos os setores da divisão porque eram 29, não foram todos eles que fizeram parte desse teste, mas foram ao todo, era sempre número impar, cinco setores foram testados nas várias áreas que compunham o mercado da divisão. E as, então, promotoras de vendas fizeram a divulgação do diafragma, e eu sugeri pra elas que fizessem uma pesquisa, na reunião seguinte, [para] perguntar quais as revendedoras que se interessaram por conhecer melhor e até adquirir o diafragma. Porque esse grupo que organizou o curso foi tão criterioso que eles deram os endereços dos postos de saúde que faziam a distribuição gratuita - o maior posto de saúde de distribuição era aqui em Pinheiros. E olha, pra encurtar a história, o resultado da pesquisa: dos 100% de revendedoras que assistiram a explicação e, enfim, a divulgação do diafragma, 30% aderiu. Olha, você vê se existe alguma coisa assim que fica, que envolve e, principalmente, eu acho que valorizar a ação social, pra mim, não é uma caridade, é o desenvolvimento da autoestima de quem recebe o benefício dessa ação social. Você concorda comigo? Vocês também, sabe? Porque veja, senão não é uma ação social sincera, íntegra, honesta. Nossa! A gente vê cada coisa, viu? Olha, você vê, né? Tem mais alguma pergunta?
P/1 – Só vou finalizar. Você quer falar alguma coisa?
R – Eu quero contar o quanto a Avon contribuiu pro desenvolvimento e pro discernimento de pessoas que vivem uma realidade completamente distante das suas próprias origens. Eu conheci uma revendedora piauiense - não, piauiense é a Maria, essa eu não me lembro se é. Ela é americana do norte, ou do nordeste, eu não sei. Ela chegou aqui em São Paulo com oito filhos, viúva e começou a trabalhar como revendedora. Ela também se destacou, conseguiu amealhar um patrimônio razoável [e] é uma mulher de negócios. E ela sempre foi uma figura marcante, ela era ruiva com o cabelo assim, quanto mais ruivo melhor, maquiadíssima, unhas de Zé do Caixão vermelhíssimas, vestido decotado, ela era muito espalhafatosa sem ser puta - me perdoem a palavra, tá? Ela era uma mulher deliciosa, alegre, criou os filhos, construiu casa no terreno primeiro que ela comprou, e os filhos, na medida em que foram casando, foram morando nas casas que ela construiu. Muito bem, um belo dia eu vou a uma reunião do setor ao qual ela pertencia e vejo ela, sempre me abraçava por detrás e me puxava assim, falava: “Albertina”. Eu olhei [e] fiz assim: “O que aconteceu, dona Francisca?”. Ela estava sem pintura no cabelo, de unha assim aparada, um vestido discretíssimo, um cabelo tinha três dedos só de branco o resto era ruivo, mas ela falou: “Encontrei meu caminho! Eu sou hoje”, se alguém me perdoe, “da Universal de Cristo!”, tá? Eu falei: “Nossa, mas que coisa boa, né? É tão importante a gente encontrar o seu caminho”. Daí ela me abençoou. Bom, passado uns quatro, cinco meses volto eu pro mesmo setor numa outra reunião, quando eu vejo o resgate daquela original que eu conheci: cabelo ruivo, unha desse tamanho, vestido decotado. Falei: “Nossa, mas o que aconteceu?”. Ela falou: “Lhe conto, eles são uns FDP!” Eu falei: “Mas o que aconteceu, dona Francisca?”. Ela disse: “Olha, a igreja ela obriga a doação do dízimo, e eu me comprometi a dar o dízimo do meu lucro na revenda, e foi o que fiz. De repente, um dia, eu tô na minha casa, chega o pastor e fala assim: ‘eu vim cobrar a ladra do senhor’”. Ela falou: “O que é que é isso?” Ele falou: “O que é que é isso, digo eu! Olha aqui”, mostrou o levantamento financeiro do que ela tinha, porque além das casas que havia no terreno onde os filhos moravam, ela tinha mais umas quatro ou cinco propriedades e tinha conta no banco - a única coisa que ele não conseguiu saber era o valor da conta dela, mas as propriedades todas ele anotou e somou com aquilo que era o dízimo que ela dava. Aí ela disse assim: “Mas escuta, como é que o senhor teve isso, essa informação?”, “Ah, eu fui à imobiliária e perguntei porque me intrigou muito ver aqui esse terreno com a sua casa, são seis casas”. Ela falou: “Olha, o senhor se ponha daqui pra fora, senão eu vou chamar a polícia, tá, e nunca mais o senhor me apareça”. Ela vestiu roupa, foi até a imobiliária, reduziu o dono, o administrador abaixo do fiofó da cobra e ela disse: “Eu tiro todas as minhas casas da sua administração, e se o senhor der qualquer informação a mais a respeito daquilo que é meu, eu também vou processar o senhor”. Ele falou: “Mas eu não tenho culpa, ele chegou aqui e falou que tinha autoridade, ele era o seu pastor”. Aí ela virou, quando ela me contou, ela falou: “Pois é, se eu fosse aquela boba que eu era antes de entrar no mundo dos negócios, eu não tinha tido essa visão da exploração desse homem”, você vê? Ai, como eu disse, tenho uma devoção pela Avon. Vejo as coisas com as quais eu não concordo, como eu mencionei, sabe? Mas eu acho que no saldo, o saldo é o mais positivo do mundo. Nossa!
P/1 – E o que você achou dela tá comemorando os seus 50 anos através desse projeto?
R – Mais um mérito. Eu acho que foi uma forma que até então não tinha acontecido, de resgatar a história. Por exemplo, não houve nada parecido durante a comemoração dos 25 anos. Tá certo que 25 anos são a metade da comemoração de hoje, mas se tivesse havido algum prenúncio. Mas que insistência de ficar sujo, nossa senhora! Se tivesse havido algum prenúncio com relação ao que seria a comemoração dos 50 anos, como eu era integrante da companhia, e você vê [que] tenho boa memória, eu mencionaria. Mas, olha, por exemplo, eu fiquei muito comovida pela iniciativa do atual presidente da Avon, que eu não tive ainda o privilégio de conhecê-lo. Acho que ele é um homem muito atraente, um homem... Vocês o conhecem pessoalmente? Ele deve ser uma delícia de pessoa, eu imagino. Mas o movimento que ele fez pra levar pra uma homenagem dentro da companhia os, ele levou 50 funcionários já aposentados e que fizeram parte dessa construção, nunca tinha havido nenhum movimento assim. E eu quase tive um ataque apoplético, né, quando eu fui convidada porque eu nunca podia pensar, sabe? Quando eu falei com a Fátima, a secretária da Dagmar, a respeito da Dona Iva, foi de uma maneira tão isenta porque eu não sou, assim, de dizer: “Eu vou fazer tal coisa pra chegar nessa outra”, eu não tenho essa habilidade, sabe, de urdir. Eu sempre me questionei pelo fato da Dona Iva nunca ter sido lembrada, sabe? Veja, há quantos anos ela saiu da Avon, eu não me lembro [se] 14, 15, 20 [anos]. Ah lá, tá vendo! E outra pessoa também que eu fiquei muito feliz de saber que foi lembrada nesse evento, desse grupo que foi passar o dia na Avon, o Renato. O Renato foi um anônimo durante praticamente toda a vida profissional dele, o alicerce que o Renato representou pros diretores, vice-presidentes e presidentes todos da área de vendas e de logística, nossa Senhora! E eu posso dizer porque eu acompanhei a carreira do Renato, sabe? A gente sempre fez tricô junto, a gente tem muita afinidade. E eu dizia, não assim, não falei textualmente: “Isso é muito injusto!”, sabe? Como que é? “Papagaio come milho e tico-tico leva a fama”, né? Ele fazia parte desse cenário, mas agora, graças a Deus, tá sendo resgatado. Enfim.
P/1 – E você gostou de ter dado essa entrevista?
R – Adorei! Eu chorei menos do que eu supunha. Acho que vocês têm uma energia muito risonha e isso neutralizou. Adorei ter conhecido vocês. Pra eu acessar o site, é aquele que você colocou na correspondência que você me mandou? Tá. E a disponibilidade desse trabalho é só depois da conferência?
P/1 – Sim, provavelmente.
R – Claro! Se não rouba.
P/1 – Ah sim, né?
R – A conferência vai ser no final do mês, né?
P/1 – É, precisa correr pra editar esse material.
R – E vocês vão?
P/1 – Não sabemos ainda.
P/2 – Albertina, deixa eu perguntar uma coisa pra você. Perguntar não, sugerir talvez. Você quer deixar uma mensagem pro pessoal que vai ver esse seu depoimento, falando dessa história da Avon, essa relação que vocês têm desses 50 anos? Deixar assim um...
R – Deixa eu pensar um pouco.
P/2 – Só se você quiser.
R – Não, não, eu acho que é assim, eu posso...
P/2 – Muita gente [vai] ver esse material, né, muita gente nova.
R – Pois é. Vocês podem chegar... Vai ter homem também, né, não posso chamar de Flores?
P/1 – Pode.
P/2 – Não, não se preocupe, pode sim.
R – Vocês Flores que foram, passaram a integrar o jardim da companhia, tenham como objetivo completar 50 anos de carreira com essa meia centenária jovem companhia, ponto.
P/1 – Tá certo. Em nome do Museu da Pessoa e da Avon, a gente agradece a sua participação. Muito obrigada, Albertina.
R – Muito obrigada.
[Fim do depoimento]
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