Projeto CTBC-Telecom
Depoimento de Carloto Marquez
Entrevistado por Luiz Egypto
Uberlândia, 20/04/2001
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CTBC_HV054
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Ana Calderaro
P/1 - Luiz Egypto
R - Carloto Marquez
P/1 - Bom dia, Seu Carloto. Eu queria, para co...Continuar leitura
Projeto CTBC-Telecom
Depoimento de Carloto Marquez
Entrevistado por Luiz Egypto
Uberlândia, 20/04/2001
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CTBC_HV054
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Ana Calderaro
P/1 - Luiz Egypto
R - Carloto Marquez
P/1 - Bom dia, Seu Carloto. Eu queria, para começar, que o senhor, por favor, nos dissesse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R - Eu me chamo Carloto Marquez, nasci na cidade de Veríssimo, Minas Gerais, no dia 22 de abril de 1920.
P/1 - Veríssimo é o nome da cidade?
R - Veríssimo.
P/1 - O nome do seu pai e da sua mãe, por favor.
R - Meu pai se chamava Carloto Marquez de Araújo e minha mãe, Olentina Coelho Marquez.
P/1 - O senhor conheceu seus avós?
R - Os meus avós eu não conheci. Os meus avós eram de Delfinópolis, Minas Gerais. Eles morreram no, no... Eles fabricavam foguetes para festa. Então, em uma festa de São Miguel, explodiu, não sobrou ninguém. Sobrou meu pai, o único que sobrou da família porque estava buscando rabo de foguete. Então, foi o que escapou, o resto... Nem documento ficou. Ixi! É lamentável, mas eu tenho que dizer.
P/1 - O que o seu pai contava sobre esse episódio para o senhor?
R - Meu pai contava o seguinte: que ele acha que o acidente foi segundo a pólvora piquete, que ela é muito explosiva. Eles acham que deve ter tido algum contato lá forte, assim, e explodiu. Ele não sabe contar porque ele foi o único que escapou. Ele escapou porque estava buscando rabo de foguete na fazenda, na parte.
P/1 - Ele tinha que idade, o seu pai, nessa época?
R - Meu pai tinha, mais ou menos, uns doze anos. E, dessa data para cá, ele desgostou de lá e veio embora para Uberaba. Lá, ele se casou com uma viúva, adquiriu um filho e depois é que ele casou com a minha mãe.
P/1 - Ah, certo. O senhor se lembra do nome dessa viúva com a qual ele casou?
R - Lembro. Chamava Queda Furtado.
P/1 - Certo. Ele contava que tinha ido para Uberaba para ficar onde, para morar onde? Ele foi sozinho?
R - É, ele saiu de lá meio corrido. Fez falcatrua lá, negócio de jovem, briga e tudo. Já com o desgosto do pai e da mãe e com mais isso de briga que ele teve lá, entre colegas, ele desgostou e veio embora. Ninguém lá... Eu já tive oportunidade de ir lá entrevistar a família Araújo para descobrir meus familiares lá. “Essa, não. Esse rapaz sumiu novinho, ninguém dá notícia dele.” E eu sabendo que é meu pai.
P/1 - Qual que era a atividade do seu pai?
R - Meu pai era um camponês, ele trabalhava em fazenda. Uma hora ele era carreiro, outra hora ele era vaqueiro. Ele era muito querido dessa família de Rodrigues da Cunha. Nós morávamos na fazenda do Coronel Ernesto Rodrigues da Cunha e Coronel Virgílio. Tinha Sobejo Guimarães, então era... Ele gostava muito de caçada nesse tempo aí, na beira do Tejuco tinha muita caça. Ele era o amigo deles de caçada.
P/1 - Certo. O seu pai, portanto, casou-se depois com a sua mãe?
R - Foi. Ele casou com a minha mãe. Minha mãe era filha única da minha avó.
P/1 - E aí, desse segundo casamento, quantos irmãos são além do senhor?
R - É Carloto, Eurípes, Rodésio, Oresti... (tosse) Desculpe. Orestina. Nós éramos cinco.
P/1 - Certo. E vocês viviam onde quando…?
R - Aqui na Fazenda da Sucupira, do Orestes Rodrigues da Cunha. Hoje é do Doutor Milvar.
P/1 - Certo. Ah, o Doutor Milvar.
R - Doutor Milvar de Menezes.
P/1 - Como é que era essa casa onde a família vivia, lá na fazenda do Sucupira?
R - Nós morávamos em uma casa de telha. De caseiro que eu trabalhava. Meu pai era carreiro do fazendeiro. E esse fazendeiro, Orestes Rodrigues da Cunha, para escola dos filhos dele, contratou um dos melhores professores, que aqui em Uberlândia tem filho dele. Eliazar Braga de Carvalho, tem o João Pinheiro aqui, o Evandro que foi vereador aqui, tudo filho do Eliazar. Tinha o Onorico, tinha a Santinha, isso é o que eu me recordo. Então, lá, eu estudei até o quarto ano.
P/1 - Na escola da fazenda?
R - Na escola da fazenda.
P/1 - O senhor se lembra de uma dessas aulas, dos seus colegas, do seu professor?
R - Lembro.
P/1 - Era rígido?
R -
Ah, era. Esse professor era uma coisa louca. Ele usava óculos iguais daquele, olhava por cima assim, ó... E se tivesse um rindo, ele falava: “Hum!” Acabou, nós já nos comportávamos. E ele falava para nós: “Olha, na casa de vocês são os pais de vocês, aqui dentro sou eu, eu que mando. Vocês têm que cumprir.” Olha, eu entrei lá, os filhos do seu Orestes Rodrigues da Cunha, e veio da fazen... Da família Jacinto Onório, lá de Quirinópolis, um milionário, veio para cá dessa família de Lisandro Alves aqui, foi para lá também. Eles já estavam bem adiantados, já estavam, talvez, no terceiro ano. Eu alcancei eles. Fiz até o quarto ano. Naquele tempo era uma coisa boa.
P/1 - Como é que essa criançada se divertia, qual que era…?
R - A diversão nossa?
P/1 - É.
R - Olha, nós tínhamos a maior união de brincar daqueles brinquedos antigos, de pique... Tinha um brinquedo que nós gostávamos muito: um era um bicho, o outro era cachorro, o outro era o caçador. Então, aquele que era mais esperto, era o bicho. Então esse bicho saía correndo, o cachorro em cima e o caçador está lá no ponto. Lá esperava e: “Pi, pi.” Matava aquele, aí era outro mais esperto e isso, para nós, era uma das maiores diversões. Briga não existia, tanto os nossos pais não gostavam, como o dono da fazenda, como o professor. Se soubessem que algum dos alunos brigavam ou estava meio assim, eles perguntavam por quê? De maneira que isso foi uma disciplina que eu herdei bem, me serviu muito. Depois, fui para o exército, aí acabei de completar aquilo que é o necessário para um homem.
P/1 - Nesse tempo ainda de criança, Seu Carloto, os irmãos e o senhor tinham obrigações assim, na casa, tinha coisa…?
R - Tinha, tinha.
P/1 - Como é que era...
R - Enquanto eu não fazia a obrigação... As obrigações eram o seguinte: era rego d’água, tinha que buscar água, encher, tinha uns pote grandes assim, encher aqueles potes de água para aquela água esfriar para depois pôr nos outros menores. E tinha... Naquele tempo era fogão de lenha. Tinha que buscar lenha no cerrado e os irmãos, todos ali, que já tinham idade, todos faziam esse serviço.
P/1 - O senhor ou os seus irmãos ajudavam o seu pai na lavoura, lá no sítio?
R - Ajudavam. Eu deixei de ajudar meu pai para casar. Assim, foram os outros. Todos nós tínhamos compromisso com obrigações da casa.
P/1 - E o que se plantava ali naquela fazenda?
R - Plantava arroz, plantava milho, plantava feijão, criava porcos, galinha... Era mantida assim. O resto, com o dinheirinho que ganhava com a venda daquilo e do patrão e tudo, vinha aqui na cidade. Meu pai... Eu vim muitas das vezes com meu pai aqui na cidade com carro de boi, ali na ponte, chama Marquim, deve ter um nome antigo lá, né? Ali é que nós ficávamos. Então tinha aqui uma casa comercial grande, nós comprávamos sal, café, açúcar... Só essas coisas, porque o resto nós produzíamos lá.
P/1 - Como é que eram essas viagens de lá para cá, no carro de boi?
R - A gente saía de lá, pousava em um ponto onde tinha uma beirada de córrego, e ali trazia panela, trazia cereais para fazer a comida. Fazia comida e encostava os bois na beira de uma cabeceira, que não era cercado, nem nada. Esses bois... Tinha um colar no pescoço do boi para gente escutar de longe que ele batia. Então, no outro dia, a gente saía cedinho, ia procurar onde é que estavam os bois. Onde achava um, os outros estavam todos ali, porque manava. Aí trazia, cangava, seguia. De lá [até] aqui, nós gastávamos dois dias, da beira do Tejuco. Então, aqui, carregava o carro, deixava carregado. No outro dia saía cedinho, fazia a mesma coisa para trás.
P/1 - O moleque Carloto devia achar muito divertido isso?
R - Ih, isso para mim era uma beleza. Ainda tenho lembrança... Uma vez, chamava Cid Borges, a casa dele... Dele aqui, uma loja grande. Tinha um canivetinho assim, escama de peixe, marca Corneta. Eu falei para ele: “Quanto é que vale esse canivete?” Naquele tempo, menino era bobinho: “Quanto é que vale esse canivete?” Ele falou assim: “Você gostou dele?” Falei: “Gostei.” “Então vou te dar ele.” (risos) Fala para ele, tenho ele até hoje.
P/1 - Que legal, que bom. Seu Carloto, e aí? O senhor foi crescendo, a escola foi se desenvolvendo, o senhor continuou os estudos, como é que foi?
R - É, eu fui crescendo aí e precisavam entrar outros, tinha que dar lugar para outros.
P/1 - Na escola?
R - É, na escola. Meu pai, meu tio Eduardo Marquez... Ali, onde é a Casa da Cultura, em frente ao colégio, era do meu tio Eduardo. Queria que eu viesse para cá para estudar. Meu pai não quis. Naquele tempo os velhos eram meio ignorantes, não quis deixar. Aí eu fui ajudar ele a carrear e tudo, entraram outros mais novos. Entrou o Euripes, entrou o Rodésio, entrou a Orestina.
P/1 - Aí o senhor ficou trabalhando com seu pai no ___________?
R - É. Os estudos pararam.
P/1 - Sei. Aí, no trabalho com seu pai, quais eram as linhas, os trajetos, itinerários que vocês faziam?
R - Que meu pai fazia?
P/1 - É.
R - O meu pai puxava lenha para a fazenda, puxava mantimento, arroz, feijão e tudo. Tanto fazia para a fazenda, como para o Coronel Ernesto lá também. Ele era o carreiro. Então, isso que é o serviço dele.
P/1 - Qual que é o segredo de fazer uma boa parelha de boi, montar um carro de boi que funcione? Qual é o segredo de tocar bem os bois e não ter muita complicação?
R - Olha, não tem segredo nenhum que a criação compreende melhor do que nós. A criação em primeiro lugar. Ele é bravo e tudo, passa uma correia no pescoço dele, põe um pedaço de pau de cá para passar no pescoço dele, outro de cá para passar no pescoço do outro, dois são os que vão trabalhar junto. Então eles soltam eles. E eles se ____________. Tem que aprender a viver com aquilo. Depois, no outro dia, ou daí uns dois dias, põe a canga nele. E já tem um que é prático, fica na frente. Então ele vai meio arrastado e tudo, mas vai. Não judia muito com ele não, ele __________ de tudo. Quando é na segunda vez, ele já acompanha, quando é na outra vez, ele já acompanha. E não aperta com ele, não, até ele aprender a andar junto ali. Depois já começa a dar, bater uma varinha nas costas dele, ele já começa a pôr para frente na canga. Aí vai fazendo até fazer. Faz aí uns seis, oito, junta e aí eles começam a fazer força e vão pôr na carga conforme a força deles. E aí eles vão desenvolvendo, desenvolvendo, aí ficam em uma posição que você pode encher o carro que eles puxam.
P/1 - Tem que dar um trato no bicho, né?
R - Tem, tem. Eles entendem tudo por nome. Cada um tem nome. Fulano de tal, tem Fulano...
P/1 - Quais os nomes de bois que o senhor tinha lá? Lembra dos nomes?
R - Eu lembro. A guia era Brinquedo e Corageiro. Eu montava em cima do cambão assim. Cambão é aquela parte que liga da junta de boi, cá no...
P/1 - No carro.
R - Não, no carro, não. Cai em uma outra junta porque nós tínhamos catorze bois. De carro, lá, são os de cabeçalho, são o que seguram o carro. Então vêm vindo os de cambão com as de canga, até chegar cá no carro. Chegam cá no carro, passam ali no carro e tem em uma junta, que são os que ficam suportando o carro. E ali, eu montava na frente ali, assim. Os bois passam uma argola, assim no chifre, chama ajoujo. Eu pegava no ajoujo assim, puxava e falava: “Oa, oa.” Eles parava. “Vamos.” Eu soltava.
P/1 - O senhor está falando do nome dos bois?
R - Ah, pois é. Eram Pri, Brinquedo e Corajoso. Corageiro de guia. Depois eram Brilhante e Amante, depois era Saudoso e Brilhante. E tinha os de chaveia, eram Rojão e Pavão. (risos) O que eu me lembro.
P/1 - Carro de boi não é uma coisa simples, não. Não é, Seu Carloto?
R - Não, não é muito simples, não. Eu ganhei um prêmio lá em Franca, de contar as peças todas que tem em um carro, a começar das cangas que se põe nos bois, as cordas na cabeça, as peças do carro. Contar o nome todo certinho ganhava o prêmio, eu ganhei.
P/1 - E aqui tinha bons fabricantes de carro de boi?
R - Tinha. Meu tio era um, Miguel Orlando. Ele fabricava um carro de boi que já saía cantando. Era de Bálsamo. Eu ajudava ele lá a preparar a madeira, limpar a madeira. Tinha muito Bálsamo por aqui. Tinha muito aí, na beira do Tijuco. Então pegava aquela madeira de Bálsamo, ele preparava e fazia.
P/1 - E durava muito, né?
R - Canga, fazia tudo... Durava. Um carro de boi durava aí, vinte, trinta anos, zelando dele bem. De vez em quando saía um prego, aquele que prega a chapa ali na roda, saía, e a gente... Aqui em Santa Maria tinha um velho Germano, que era ferreiro. Ele fazia tudo de carro também. Fazia a ferragem...
P/1 - Muito bem, Seu Carloto. Aí, quando é que o senhor resolveu vir para a cidade?
R - Eu trabalhava na lavoura e falei para a mulher: “Vamos trabalhar, segurar e tudo.” Porque o que eu aprendi lá no exército foi o seguinte: “O país está em desenvolvimento, se nós não educarmos os nossos filhos, porque nós já ficamos...
Nós, o que nós tínhamos de aprender, nós não vamos entrar na escola mais. Nós temos que educar os nossos filhos. Então, para nós irmos para a cidade.” “Ah, eu tenho medo de ir para a cidade.” “Não, não, não. A cidade é aquele lugar da gente educar os filhos para uma vida melhor.”
P/1 - Seu Carloto, o senhor me desculpe, mas quer dizer, o senhor só saiu da fazenda, pela primeira vez, para ir para o exército? É isso?
R - Não... É, eu saí da fazenda para ir para o exército.
P/1 - Ah, então vamos contar essa história primeiro. Quer dizer, o senhor foi servir o exército onde e como é que foi para o senhor sair daquele lugar onde o senhor viveu a vida inteira?
R - Eu já era casado, eu já tinha casado, que eu não esperava. Porque naquela época era sorteado, não é como hoje, que é obrigatório. Naquele tempo sorteavam. Cada município, eles sorteavam tantos. Filho dali daquela idade. Então, eu fui o primeiro sorteado para a minha cidade de Viriz. Tanto que o prefeito, além de me levar em Uberaba, tomar o trem para ir para Pouso Alegre, ele me deu uma carta: “Apresento esse filho da minha cidade, é o primeiro, me orgulho muito de ser prefeito aqui e ter um filho que vai fazer o exército aí. Trate ele bem, que é de família boa.” Isso, para mim, foi uma beleza. Cheguei lá, em vez de eu ir marchar, fazer exercício, já fui ser ordenança de um coronel. (risos) Então eu entrei lá em 1942, em fevereiro em 1942. E quando foi em agosto, o Brasil declarou guerra contra. Eram as Nações Unidas contra o Eixo, que eles falavam naquela época. Aí, pronto. Agora, não dá baixa ninguém, tem que ficar todo mundo aqui. Eras a coisa mais difícil as comunicações naquele tempo. Para se falar aqui em Uberlândia tinha que chamar Varginha, de Varginha chamava Uberaba, de Uberaba aqui. Cada período disso gastava três, quatro horas. E, assim mesmo, era magneto, né? “Fala mais alto.” Não conseguia nem falar, era uma coisa difícil. Aí, eu fiquei lá de fevereiro de 1942 até junho de 1943. O Brasil declarou guerra, eles só libertaram quem era casado, que apresentasse a documentação toda. Eu apresentei tudo.
P/1 -
Certo. O senhor tinha casado então, antes já na fazenda?
R - É, já tinha casado a... Embora que lá, eles não consideram não, naquela época. A constituição e o regimento lá dos militares, o sujeito tinha que fazer o exército primeiro para depois casar. Mas, eu não sabia, casei.
P/1 - E como é que o senhor conheceu a sua esposa?
R - Eu comunicava muito lá no município do Prata, com as pessoas lá. Tinha um fazendeiro lá, o José Ataídes, eu fui trabalhar com ele lá para ajudar meu pai. O que eu ganhava, dava para o meu pai. Então lá, nesse Zé Ataíde, eu fiquei conhecendo a família de Joaquim Rodrigues de Barros, o pai da minha esposa. E lá fiquei gostando dela. Aí comuniquei meus pais, eu falei: “Conheci uma moça lá, de família muito boa, eu queria casar com ela.” “Você está novo ainda, meu filho.” “Papai, eu vou começar novo porque a hora que eu ficar de certa idade, meus filhos estão criados.” E ela aceitou meu argumento e eu casei com vinte anos.
P/1 - Como é o nome dela?
R - Divina Maria Marquez, ela mora aqui.
P/1 - Que idade?
R - Setenta anos, ela inteirou agora, no dia 21 de março.
P/1 - E, na época, ela tinha quando casou com o senhor?
R - Ah, ela tinha... Ela devia ter... Quantos anos? Eu tinha vinte, ela devia ter uns dezenove.
P/1 - Ah, tá. E foram viver onde, o casal foi viver onde?
R - Depois que nós casamos? Uai, nós... Eu passei a morar lá no município do Prata, na Fazenda Raiz. Lá, eu derrubei dois alqueires de mato, falei: “Agora eu vou fazer a vida.” Mulher sadia, eu também, nós vamos ganhar um dinheiro aí e fazer alguma coisa. A hora que vierem os filhos e tudo. Derrubei dois alqueires de mato, plantei um... Era meia que a gente tocava. Plantei uma parte de milho, a outra de arroz. Quando foi em fevereiro, que o arroz estava assim e o milho já estava granado, meu irmão chegou e falou: “Você saiu sorteado, você tem que ir para o exército.” Aí ele: “Nossa, e agora, e agora?” Eu falei: “Agora não tem nada, não, agora é eu ir.” Porque o homem não deve pensar só nele, não. Ele deve pensar nele e na sua pátria também. “Eu vou.” E fui.
P/1 - É, Seu Carloto. E a volta do exército, já no ano de 1943, o senhor volta?
R - Eu volto com as mãos fininhas, igual está aqui. Cheguei lá na Fazenda Raiz, o fazendeiro falou: “E agora, como é que você trabalha com essas mãos finas?” Eu falei: “Não tem jeito, o senhor vai arrumar um jeitinho aí para mim, eu vou indo devagar porque, de uma vez, ela arrebenta os calos todos.” É a mesma coisa que trazer uma pessoa da cidade para trabalhar no cabo do atambú. Aí ele falou: “Você vai tirar leite junto com o meu empregado aqui. Depois, você vai para o quintal e vai treinando devagarinho, até as suas mãos chegarem no lugar.” Assim eu fiz. Muito bom, da família de Pádua Vilela, do Prata. Dona Zilá mora aqui, Uberlândia. Está muito boa também. E ali foi indo, até que eu cheguei àquilo que eu tinha saído para lá e voltei a luta para a lavoura. Aí tornei a enfrentar as coisas boas mesmo. Fiz 22 contos de réis naquela época. Falei: “Agora nós vamos para a cidade.” Aí vim, comprei aqui na Saraiva, ali na rua Tamoio. De primeiro, era 373, hoje é 711. Comprei uma casinha lá, dei umas três reformas, hoje está boa.
P/1 - E por que o senhor resolveu vir para cá, para Uberlândia, e não para outro lugar?
R - Porque Uberlândia, aqui era a terra dos meus parentes. A família de Marquez, aqui, são meus parentes. E eles todos falavam: “Não, aqui você vem para cá porque, aqui, além de você dar escolas para os filhos, dá emprego também.” Como, de fato, eu entrei na CTBC em 1957, meus meninos eram pequenos. Tinha o Archimedes, que tinha doze anos, estava estudando ainda, eu coloquei ele com o senhor Antônio Fernandes, fábrica de guaraná que tinha aqui na Padre Feijó. Coloquei ele trabalhando lá, todos os dois. O João Roberto era pequeno, tinha uns oito anos. Falou: “Traz ele para cá, serve para lavar garrafa.” “Não, eu quero que os meus filhos trabalhem. Eu trabalhei desde pequeno, quero que eles trabalhem.” Aí, quando chegou certa idade, eu trouxe para a CTBC.
P/1 - Quando o senhor veio com a sua esposa para cá, você já veio com criança?
R - Já.
P/1 - Ah, tá.
R - O Archimedes já tinha estado na escola lá, na zona rural. E o João Roberto, não. Depois é que o João Roberto entrou aqui também.
P/1 - E como é que era essa casinha que o senhor comprou?
R - Era uma casinha feita de adobe, muito simples. Os caibros eram feitos de pau, madeira roliça, tudo simples. A luz elétrica lá parecia um tomate. Tinha um radinho marca Invicto, o senhor custava de escutar o rádio falar, tanto que era ruim a força. Mas eu cheguei em julho, trabalhei... É, trabalhei julho, agosto, setembro que eu entrei na CTBC. Fiquei à toa só três mês. E se eu tinha trazido trem para comer aqui um ano. Trouxe capado, trouxe arroz, trouxe feijão, trouxe tudo.
P/1 - Para fazer a dispensa?
R - Para fazer a dispensa.
P/1 - O senhor quando veio, tanto já veio... Como é que o senhor transportou tudo isso?
R - Caminhão. Arrumei um caminhão lá, ele deu duas viagens.
P/1 - Ah, certo. Mas, esse tempo que o senhor ficou, nos primeiros meses, ficou sem fazer nada?
R - Esses primeiros meses, não. Meu sobrinho era encarregado de construção com o Doutor Joaquim, engenheiro da Prefeitura e dono de um grande terreno ali do outro lado, ali onde é Cajubá. Então eu cheguei em um dia, no outro eu já fui trabalhar com ele de pedreiro.
P/1 - O senhor entendia disso?
R - Não, eu fui trabalhar de servente e ele pedreiro. Depois passei a pedreiro. Fui entendendo porque a gente, quando faz o exército, lá no exército... Eu fiz os meus meninos fazerem o exército por causa disso, o exército ensina a gente. Ensina a gente a conviver com a família, ensina a gente a pensar no futuro, ensina a gente a ser patriota. Naquela época, ensinava. Hoje, eu não sei porque, já não estou entendendo nada, nada, nada. Hoje, parece que a nós não está tendo autoridade de ninguém. (risos)
P/1 - Seu Carloto, dá um segundo... Pois bem, Seu Carloto, o senhor chegou trazendo toda a sua dispensa para garantir um ano de alimentação, foi trabalhar na construção, e como é que o senhor se aproximou da CTBC?
R - Sebastião José Gomes é casado com uma sobrinha minha, da minha mulher. Então, eu falei para ele: “Sebastião, quando surgir uma vaga lá de faxineiro, do que for lá, que é o que eu sei fazer, eu não tenho preparo, eu tenho um estudozinho até bom, mas para a CTBC é capaz que não tenha valor. É para faxineiro mesmo.” Aí o Senhor Alexandrino falou para o Sebastião: “Sebastião, eu preciso de você na ferraria, aí na oficina. Arruma uma pessoa para mim?” Ele falou: “Eu tenho um tio meu que é trabalhador demais.” Aí ele falou: “Então traz ele.” Trouxe ele, me apresentou lá para o Senhor Alexandrino, eu falei: “Seu Alexandrino, acabei de chegar da fazenda, sou um homem simples, vim da roça para dar educação a meus filhos. Então eu quero trabalhar um serviço que o senhor vê, que eu posso fazer aí, de faxineiro. O serviço que o senhor tiver grosseiro aí, eu quero trabalhar.” Aí, ele falou: “Tem sim, tem sim. Então, o Sebastião é seu tio. Você é tio dele?” Eu falei: “Sou.” “Não, então está bom. O senhor vai ficar no lugar dele, na faxina, e ele passa para a oficina.” Falei: “Só tem uma coisa, nós vamos ficar em experiência trinta dias, o senhor vai ver se eu sirvo e eu vou ver se o senhor serve. Porque eu sou uma pessoa, o seguinte: eu fiz exército, tenho uma disciplina muito boa, eu gosto de ser tratado conforme eu trato as pessoas e vi falar que o senhor é muito nervoso. Então eu não quero entrar em choque com o senhor, não. Eu não vim aqui para brigar com…” (risos) “... eu vim aqui para dar condições dignas para a minha família, meus filhos, é isso é que eu quero.” “Não, não. É isso que eu quero também. Aqui, nós vamos ser uma só família.” Ele era franco mesmo. Eu gostava dele por causa disso. Eu gosto da franqueza. Aí entrei. Que beleza! Tinha dia que ele me pegava no pé, mas ele me maltratava, nossa! “Caiu um cabelo aí, fica cabelo branco aqui, não aprende a fazer as coisas, Seu Carloto.” Eu falei: “Parece, Seu Alexandrino, mas certamente é que eu não entendi, eu vou procurar entender. Só que tem uma coisa: eu disse para o senhor, se não servir, o senhor pode mandar embora.” “Não, não, não quero mandar o senhor embora, não.” Mas teve diversas assim, um período pouquíssimo, pouquíssimo mesmo, depois louvado seja Deus. Ele e eu nos entendemos tanto, que ele chegava do Prata, chegava de Franca, chegava dessas coisas, valisa cheia de dinheiro: “Seu Carloto, vai fazer esse depósito para mim, que o senhor é de confiança, vai lá.” Eu ia lá, fazia, e aí, tudo que era de confiança, ele indicava a mim. Eu, de faxineiro, para dizer a pura da verdade, de tudo que era de fazer, eu fazia um pouco. Eu levava correspondência para os… Que eles tinham um conselho fiscal, tinha um chefe que fazia reunião de vez em quando, a diretoria. Eu que fazia isso, eu que fazia o correio, eu que fazia depósito no banco, eu que fazia... Tinha um, naquele tempo tinha um negócio de mensageiro. A pessoa telefonava de uma cidade, lá em um bairro, o senhor morava lá, eu pegava um talãozinho assim, chamava “mensagem”. Ia lá, o senhor assinava ali, vinha atender aqui na telefônica. Não tinha telefone nos bairros, né?
Então, isso tudo eu fazia. Faxina na casa dele, do Senhor Alexandrino, do Doutor Luiz, do seu Walter Garcia.
P/1 - Quer dizer, o senhor não era um faxineiro, né? (risos) Mas o senhor começou a trabalhar onde? Em que local?
R - Comecei ali na João Pinheiro 620 com a Machado de Assis 333. Quando eu entrei, a parte do prédio já estava pronta, eles estavam já montando a central e o material da Ericsson estava embaixo ali e ainda não tinha terminado uma parte da central da CTBC, não. Aí tinha o escritório, aí eles fizeram o salão nobre, o escritório e depois que foi terminando.
P/1 - Certo. Nós estamos falando de que ano mesmo?
R - De 1957.
P/1 - Certo. E o senhor ficou responsável diretamente pelo quê? Pela limpeza do lugar?
R - Limpeza de tudo. Era limpeza do escritório, limpeza lá de cima do tráfego das telefonistas. O que precisasse de limpeza lá, eu fazia. E foi indo, eu não dava conta sozinho, foi contratando mais colegas. Eu tive uma época em que eu trabalhava com quinze auxiliares meus lá.
P/1 - E como é que era o esquema que o senhor montava para poder fazer a faxina do prédio todo?
R - Era à noite porque durante o dia não podia, estava em trabalho. Quem ficava durante o dia era só eu. Às vezes caía, sujava um trem lá, a Dona Ilce me chamava: “Seu Carloto, venha cá, faz uma limpezinha aqui para nós.” Ficava à noite, eu determinava: “Você e você limpam essa parte aqui. Você e você fazem naquela lá. Você e você vão lá para lá.” Eu ia fiscalizar aquilo. Então, antes delas irem embora, terminava, eu ia lá fiscalizar, vê se fez do jeitinho, se estava bom. Comecei aqui, depois fui para 232 fiscalizar. Depois, passou lá para a industrial fiscalizar lá também. Eu falei: “Não, eu não aguento, não. Tem que arrumar um ou outro para...Eu não aguento isso tudo, não.” (risos) Porque a companhia cresceu de um tanto que, talvez, muita gente nem pensa o tanto que ela cresceu. O plano de expansão deles fez igual leite no fogo, que penetrou no estado de Goiás, entrou no estado de Mato Grosso, eles entraram aqui por Franca, no estado de Minas. “Essa cidade aqui precisa de telefone. Nós montamos.”
P/1 - Certo. E o senhor também limpava a área das centrais telefônicas ali, aqueles, aqueles...
R - A central lá em cima?
P/1 - É.
R - Limpava.
P/1 - Tinha que ter um certo cuidado, né, Seu Carloto?
R - E muito. Depois que a experiência que eu tinha, os diretores lá, porque lá não pode fazer pó. Aquilo lá é uma coisa melindrosa. Então era com aspirador de pó, com muito jeito. Quando eles faziam lá uma sujeirada, uma coiseira que tinha lá, eu tinha que catar aquilo com muito jeito para pôr. Para cada setor de limpeza, tinha um jeito de eu fazer ela.
P/1 - Certo.
R - Que tanto, que o seu Alexandrino não deixava eu sair para outro serviço porque, ultimamente, quando eu aposentei, que eu fui lá para a industrial, lá em cima, eu estava fazendo serviço de banco. Eu trabalhava com a Dauria. Era eu, o Geraldinho e o Antônio. Nós éramos três. Aí dividiu os bancos. Fazia todo o pagamento, tudo que era serviço da CTBC, nós fazíamos nos bancos todos da cidade.
P/1 - Certo. Seu Carloto, eu queria que você me falasse um pouquinho sobre a Dona Ilce. Como é que era a Dona Ilce lá no trabalho? Ela era uma espécie de gerente, gerentona ali, né?
R - Dona Ilce, eu gostaria que ela tivesse aqui para ouvir o que é que eu vou falar dela. Dona Ilce, para mim, foi mais do que uma mãe. Dona Ilce é uma mulher que, tudo de bom que eu já vi em mulher, é a Dona Ilce. Dona Ilce é educada, Dona Ilce é trabalhadeira, Dona Ilce enxerga as coisa longe, Dona Ilce sabe trabalhar com toda classe de gente, ela sabe tratar bem. Olha, eu me sentia feliz quando eu entrava no escritório. Lá trabalhava a Dona Ilce, a Dona Yolanda, a Dona Ritinha Guerra, a Dona Rosa Maria. E depois, entrou a Catita, depois entrou a Neusinha. E isso aí, a Dona Ilce trabalhava ali, não tinha nada. Tudo, à Dona Ilce, de bom, não precisa falar mais. Nota dez e meio, quanto mais a dona Ilce merece. (risos)
P/1 - Seu Carloto, quando é que o senhor se deu conta de que o serviço estava aumentando muito e como é que o senhor chegou para o seu Alexandrino para dizer isso para ele?
R - Ah, o meu intermediário era a Dona Ilce. A Dona Ilce... É que tudo o que eu queria, eu ia com ela porque ela, como eu disse, não tem comentário mais. Eu falava: “Dona Ilce, eu não estou aguentando mais e o seu Alexandrino, cada vez mais no meu pé. Como é que eu faço? Eu não dou conta, Dona Ilce.” Ultimamente, tinha o almoxarifado. O almoxarifado também era obrigado. Às vezes eu estava lá, trabalhando à noite, administrando a faxina. O Chiquinho, que é o Francisco Moreira Pinto, chegava com uma carga de uma cidade. Chegava fora de hora, eu tinha a chave, tudo, uma penca de chave assim, eu abria tudo quanto era apartamento da CTBC. Eu abria o portão, ele entrava com o caminhão, eu recebia lá, se faltasse alguma coisa, o Seu Alexandrino pegava no pé. Eu falava: “Seu Alexandrino, eu não tive tempo de ir, não. Ele já chegou tarde da noite.” “Não, não, o senhor é responsável.” Eu falava: “Dona Ilce, eu não aguento. É tudo para cima de mim, eu não aguento.” (risos) “Aí tem que arrumar gente para isso.” Aí, por esse intermédio, eu chegava a ele. Aí ela falava: “Fala com ele.” “Eu vou falar. Veja quando ele está bom, a senhora me fala.” Aí ela já conheci ele, aí ela: “Fala com ele.” Eu ia lá: “Dá licença, Seu Alexandrino. Seu Alexandrino, olha, o serviço está demais. Eu não estou dando conta. O senhor vê as falhas que está tendo, o senhor mesmo está vendo que está me chamando atenção. Isso, isso, isso, isso tudo para cima de mim, eu não estou dando conta. Eu achava bom nós pormos mais um ou dois.” “Fala com a Dona Ilce aí. O que o senhor resolver com a Dona Ilce, está feito.” (risos)
P/1 - Seu Carloto, deixa eu entender uma coisa melhor aqui. Quer dizer, o senhor chegava de manhã, trabalhava durante o dia e, ainda de noite, ia fiscalizar a faxina?
R - De noite eu ainda voltava, de noite eu ia ainda. A maior parte do tempo foi até as 22, a maior parte do tempo. Depois é o que eu estou falando. Nós... Foi chegando um denominador comum que eu não dava conta mais. Aí eu esgotava, né? Aí foi arrumando, já eu trabalhava só até o horário comercial e ia embora. Mas muito tempo. Tanto isso é verdade que, o departamento pessoal, eu bati o cartão para receber hora extra e eles não me pagaram. Falou: “O senhor vai parar de... Vamos parar.” Eu falei: “Eles mandam eu trabalhar, eu trabalho e eu tenho que bater o cartão. Eu aprendi no exército: trabalho é trabalho.” Aí: “Não.” Aí, eles: “Vamos encerrar esse cartão, o senhor não vai bater, não.” Porque se eu fosse cobrar aquele dele lá e eles não estavam me pagando, eles iam me pagar uma nota, né? Então, nós paramos com aquilo.
P/1 - Aí o senhor não bateu mais cartão?
R - Aí eu não batia.
P/1 - Certo. E esse molho de chave que o senhor andava com ele pendurado na cintura? Era chave de tudo quanto é lugar?
R - Tudo.
P/1 - O senhor podia entrar em qualquer canto?
R - Em qualquer canto. Eu entrava no salão nobre que eu tinha chave, eu entrava no escritório, eu limpava o escritório porque eu era de confiança, eu que limpava o escritório do seu Alexandrino. Só entrava a Dona Ilce, eu, Seu Walter Garcia. Nem as funcionárias lá não entravam. Só na hora do expediente. Fora, não. Eu entrava. Entrava, limpava, trancava, tanto que eu devo uma grande obrigação a eles, que uma vez teve um roubo. Se eu não me engano, eu não... Ficou em sigilo, que eles puseram até investigador. Foi todo mundo chamado lá para depor, a Dona Ilce falou: “Seu Carloto, não. Seu Carloto não quer que essa palavra vá no ouvido dele porque esse eu responsabilizo.”
P/1 - Era roubo de que?
R - Dinheiro.
P/1 - De dentro do escritório?
R - Dentro do escritório. Era um parente deles.
P/1 - Acharam quem era?
R - Achou, mas ficou em sigilo porque era parente. Então, graças à Deus, olha, não falaram nada comigo, e se falassem, eu falava: “Eu estou à disposição de vocês. Eu sou o Seu Carloto, não vou mudar, aprendi isso e vou morrer desse jeito. Se vocês acharem qualquer um pontinho, vocês acompanham, fazem uma pesquisa aí da minha vida. Se aparecer...” Porque era muito dinheiro.
P/1 - Esse episódio balançou o pessoal? Teve um clima ruim?
R - Não, não teve por causa disso. Eles são inteligentes. Não deu alarme, não. Isso ficou só lá com o investigador e entre nós. Eu sabia porque eu estava lá militando, então ouvido aqui ouve lá, eles falando lá e tudo, mas nem chegaram a chegar aos conhecimentos: “Ô Seu Carloto, sumiu isso assim, assim.” Não.
P/1 - Aí, recuperaram?
R - Acho que recuperou.
P/1 - Seu Carloto, como é que... O Seu Alexandrino, como é que ele se comportava com o senhor? Quer dizer, nos primeiros momentos, ele pegava muito no seu pé, o senhor disse.
R - Isso.
P/1 - Mas, ele sempre fiscalizou muito, né? Todas as coisas, todas as…?
R - Tudo. Não, não. Com ele, até ele morrer... Eu vou contar: o seu Alexandrino é igual a eu. Eu gostava. Nós combinávamos por causa disso. O Seu Alexandrino não mudava de posição, não. Ele era Alexandrino Garcia naquela posição, ele não mudava, tanto que tem um pedacinho que eu gostei de ver ele. Mármore... O rapaz era lá de Ribeirão Preto, assentou mármore. Por causa de meio centímetro assim, ó, ele mandou arrancar tudo. “Mas quebra, Senhor Alexandrino, é um prejuízo medonho.” “Arranca tudo, põe aqui... A gente vai tropeçar aqui tudo.” Ele não mudava. Aquilo que ele era, ele era. Então, eu gostava dele e nós combinávamos por causa disso, que ele gostava das coisas certas. Eu também gostava. Então, graças à Deus, deu certinho. Ele falava: “Ó, Seu Carloto, eu gosto do senhor por causa disto. O senhor faz o que eu mandar e aqui tem que ser assim. Nós tem que... Tudo tem uma hierarquia aqui assim, uns obedecem os outro dentro de um princípio de uma família, porque na família, a família para ser bem constituída é o seguinte: o chefe é o pai e a mãe. Agora, vem os filhos mais velhos, os filhos mais velhos tem que dar exemplo para os mais novos e os mais novos têm que obedecer a regra que vem de cima. Assim, nós vamos funcionar.”
P/1 - E funcionou?
R - Funcionou. Ele tratava todo mundo de senhor, as telefonistas, tudo ele tratava. Chegava aqui, ele tratava essa menina de “senhora”, aquela lá de “senhora”.
P/1 - Mas, também exigia, né?
R - Exigia. Tinha que trabalhar direitinho. Aqui não tinha esse negócio, não. Uma vez, um camarada, acho que ele era advogado. É, advogado. Ele mandou ele ir embora. Ele falou: “Mas o senhor não pode fazer isso.” Ele falou: “Eu posso, eu sou dono.” Assim. “Vai lá no departamento pessoal, vai acertar.” A Dona Maria Adelaide, ele mandou ela ir embora também já com muitos anos de casa. Ela era a chefe do departamento pessoal. “Então, Maria, a senhora errou. A senhora já trabalha no departamento pessoal, a senhora acerta as contas da senhora e vai embora.” Ele era desse jeito.
P/1 - Pão, pão, queijo, queijo.
R - Ah, é. Uma vez, o Luiz Alexandre, desse tamanho assim, chegou perto do doutor Luiz: “Doutor Luiz, papai, me dá cinco cruzeiros.” Aí Doutor Luiz deu dez. “Não, não, não, Luizinho, Luizinho, me dá aqui. Aqui, é o cinco que ele pediu. Então, o cinco. Guarda os dez. O filho da gente pediu cinco, a gente dá dois, três. Ele não dá mais, não, porque senão vai ficar perdido.” Ele gostava das coisas, era... (risos)
P/1 - Seu Carloto, o senhor começa nessa vida de limpeza, circulava muito entre as telefonistas ali, né?
R - Isto.
P/1 - Como é que o senhor sentia ali, o bendito fruto entre as mulheres?
R - Olha, eu me sentia como se eu tivesse lá na minha casa junto com as minhas filhas. Tanto que elas tinham... A maior parte, às vezes, ficava tarde da noite quando tinha festa, ou que elas me chamava para levar elas na casa delas. Os pais dela não me conheciam e me queriam bem. Quando chegavam a me conhecer, me elogiavam porque, para mim, as telefonistas eram como se fossem minhas filhas. Eu fazia muito, eu me comunicava muito com elas. Elas compravam à prestação e eu fazia o serviço de banco. Elas falavam: “Seu Carloto, o senhor paga isso aí para mim?” Não podia, não. Era contra o regulamento da CTBC, mas eu via que não ia me prejudicar, era só chegar no caixa e pagar, né? Então pegava aquilo, punha no bolso, pagava para aquela, fazia esse relacionamento. Tanto com a chefe do tráfego, que tinha a Dona Luzia, que mulher beleza mesmo. Maria Ramos, pergunta a Maria Ramos sobre mim. Lá em cima, no meio da mulherada lá tudo. Chegava, me tratava como se fosse um pai dela. E o Seu Alexandrino, mais ainda porque o Seu Alexandrino, ele pesquisava tudo, ele sabia tudo, ele via tudo. Muita das coisas que aconteciam de errado. Veio uma telefonista lá do Prata para cá e tinha uma ordem de que não podia namorar na frente da CTBC. E ela estava namorando um soldado lá. Aí o professor, marido da Dona Chica, dedou, e ele me perguntou. Falei: “Namora, namora com esse soldado lá.” Aí me chamou lá no escritório junto com ela e falou: “Seu Carloto viu e o Senhor Carloto falando, eu assino em baixo. A senhora está transgredindo o regulamento.” Eu não sei se mandou embora. Eu sei que, ou transferiu para outro lugar. Eu sei que ela não ficou mais aqui. Ele era assim, e eu, graças à Deus, fui.
P/1 - E o senhor viu o Doutor Luiz crescer também aqui, né?
R - O Doutor Luiz era estudante de engenharia quando eu entrei aqui, lá em Itajubá. Depois [foi] que ele veio. O Doutor Luiz chegou aqui, acho que não estou muito certo, não, mas acho que é isso. O Doutor Luiz foi fazer uns cursos fora aí. Fez e, quando ele chegou, foi que ele lançou o plano maior de expansão na CTBC. Seu Walter Garcia mais o seu Alexandrino, os dois. Aí, quando o Doutor Luiz veio, aí é que entrou, a parte da CTBC começou. Depois o Grupo ABC, depois Grupo Algar e o Telecom foi de pouco tempo para cá. Inclusive, eu muito agradeço eles, que eles me convidaram para fazer parte quando foi lançar. Foi aqui, em uma chácara, em uma fazenda deles aqui, que eu fui lá, passei lá, encontrei com uns colega tudo.
P/1 - Fala um pouco do Seu Sebastião também, que é o seu sobrinho.
R - Sebastião José Gomes.
P/1 - É, que é uma pessoa que o Seu Alexandrino também respeitava muito.
R - Nossa, eu combinava demais da conta. O Sebastião Gomes, para o Seu Alexandrino, era um homem de confiança dele porque o Sebastião Gomes... Não é porque é meu sobrinho, não, mas é um homem que não tem leitura nenhuma, nenhuma e é um homem explosivo, igual ao Seu Alexandrino. Ele não, não... Se falasse com ele qualquer coisa assim, ele respondia mesmo e responde até hoje. Mas, como inteligente são bem poucos, ele entrou na companhia. Na oficina ele fazia de tudo, tudo. O Senhor Alexandrino chegava com uma pecinha: “Você faz isso aqui para mim, Bastião?” “Faço.” Ele pegava aquilo e fazia. Inclusive até distribuidores centrais, o Seu Alexandrino mandou ele olhar um, se ele fazia. Fez. Pegou fazer, que é toda ferragem da companhia. O Bastião fazia. Ele começou lá, só ele. Depois, ele levou o menino dele para lá. Levou mais ao Cidar, até o neto do Seu Alexandrino trabalhou com ele lá, para ver o tanto que ele era. O Senhor Alexandrino gostava dele e ele era ignorante, ele mandou o neto do seu Alexandrino embora. (risos) “Não, não me serve, não. É mole.”
P/1 - É mole. (risos)
R - Mas tudo que mandava ele fazer, ele fazia.
P/1 - O seu Alexandrino tinha uma relação com ele assim, meio de... Quer dizer, com ele e com pessoas como o senhor também, meio de... Podiam até brigar, né? Mas brigava sem romper.
R - Não, não, não, não. Era assim, porque o errar é humano. O Seu Alexandrino era muito explosivo, tinha coisa que ele não analisava as coisas e já chamava atenção da gente. Ele errado, e ele não gostava de dar o braço à torcer, não. Ele gostava, mesmo sendo errado, ele gostava de prevalecer. Então, é onde nós entendíamos por causa disso, porque a gente respondia ele lá, aquilo que era o certo, e ele ficava bravo com a gente. Depois ele ia analisar aquilo e via que ele estava errado. Então, ele chegava... Ali, estava nas boas. Já vinha rindo...
P/1- Está certo. O senhor se lembra de um caso que fosse um exemplo disso que o senhor acabou de dizer?
R - Com, com...
P/1 - Com o Seu Alexandrino?
R - Com o seu Alexandrino. Lembro. Lá na oficina. Uma vez, com o Sebastião Gomes, né? Ou é comigo?
P/1 - Com o senhor também. O senhor vai me dar um segundinho só, antes da gente contar esse caso. Vamos trocar a fita, se não a gente perde o...
R - Eles precisava dele: “Seu Carloto…”
P/1 - Espera um pouquinho, seu... Ah, sim.
R - “Seu Carloto, vai atrás do Senhor Archimedes. Pega um caminhão aí, vai atrás dele.” Ele morava lá em Jales. Fui lá atrás dele: “Traz ele para trás.” Fui lá, trouxe ele. Ele entrou na CTBC outra vez.
P/1 - Seu Carloto, vamos recuperar essa história do Seu Alexandrino, que o senhor estava começando a contar, que é um exemplo, ou com o senhor ou com o seu Sebastião, de ele perceber o erro e voltar atrás. O senhor estava começando a contar quando eu interrompi.
R - Certo. Aqui, no almoxarifado, eu vou relatar o meu. Aqui no almoxarifado é o caso do Francisco Moreira Pinto. Ele trazia ferragem de toda as redes porque o Seu Alexandrino, quando comprava uma cidade, aquilo que tinha montado lá e tudo... Poste e aquelas coisas que tinha lá, ficava tudo de graça para ele e ele fazia serviço novo. Então, aquilo que eles arrancavam de lá, fio, aquela coiseira e tudo, ele trazia para cá. Então o Chiquinho chegava fora de hora, eu abria o portão, ele entrava e eu recebia aquilo. Agora, quando faltava qualquer um material, qualquer uma coisa ali que faltava, ele falou: “Seu Carloto, mas o senhor não recebeu?” “Recebi, Seu Alexandrino, mas eu não conferi por causa...” “Mas o senhor era obrigado.” “Seu Alexandrino, ele chegou tarde demais.” Aí eu não discutia mais com ele. Quando era no outro dia, o Chiquinho falava: “Olha, eu cheguei tarde demais, o Seu Carloto só abriu para mim, já estava tarde, ele foi embora e tudo.” Aí ele vinha bonzinho comigo e tudo, já não tinha mais nada, não. Aí eu falei: “Ó, seu Alexandrino, o senhor põe um guarda aí e tudo para receber as coisa, eu não vou receber mais, não, porque eu não tenho tempo de conferir. E aí, a responsabilidade é muita e eu tenho. O senhor...” “Não, não, eu sei que o senhor tem responsabilidade.”
P/1 - Mas, quando por exemplo, chegava o Seu Chiquinho tarde, a hora que fosse, ele ia chamar o senhor, ou o senhor estava na companhia ainda naquela hora?
R - O Chiquinho?
P/1 - Ele ia chamar o senhor para abrir o portão?
R - É, porque para chamar outra pessoa, ele tinha confiança era comigo.
P/1 - Certo. Seu Carloto, o senhor falou desses materiais que o Seu Alexandrino trazia para cá. Ele era um homem que não gostava nada de desperdício, né? Ele tinha uma filosofia de não desperdiçar nada, né?
R - O Seu Alexandrino era um homem que,se ele achasse um parafuso na rua, ele catava, me entregava: “Seu Carloto, leva, põe no almoxarifado, que nós precisamos dele uma hora.” Ele não gostava que desperdiçasse nada. Aproveitar tudo. Eu... Teve uma época que eu era encarregado de vender papel velho, essas listas de telefone, aquilo tudo vendia para o papel velho. Tinha o seu Lico aqui, era o comprador de papel velho. Eu vendia tudo para ele e prestava conta à Dona Ilce, da importância que deu o papel velho. Depois eram os fio, os fios que arrancava, aqueles fio drop. Tudo quanto era fio de cobre eu levava lá onde é a industrial hoje, o terreno deles. Chegava lá, queimava aquilo tudo, vendia para um rapaz que tinha fundição. Ele comprava e prestava conta. Então ele não gostava que desperdiçasse nada. Tudo que...
P/1 - E se ele visse alguém desperdiçando alguma coisa?
R - Nossa senhora! Se ele visse... Quantas vezes ele mandou funcionário embora por causa de estar fazendo instalação, esquecia ferramenta ou qualquer um trem que era da companhia. Chegava, mandava acertar as contas... “Rua.” Para ter responsabilidade.
P/1 - Seu Carloto, o senhor viveu uma época que a companhia estava se expandindo muito, né? Embora o senhor tivesse mais em Uberlândia, como é que o senhor via, como é que o senhor acompanhava essa expansão, como é que o senhor via a companhia crescer e o senhor ali, desde do início? O que é que isso significou para o senhor?
R - Para mim, que eu acho que patriotismo é o homem que trabalha cada vez mais nas condições que ele tem, de dar ao país dele, à cidade dele. Uberlândia deve tudo ao Seu Alexandrino. Minas Gerais deve tudo ao Seu Alexandrino. O Brasil deve tudo ao Seu Alexandrino. Por quê? É isso que nós vamos falar agora. Ele penetrou lá no Estado do Mato Grosso até onde ele pôde ir, fazendo o que podia. No estado de Goiás aqui, Itumbiara, entrou também, fez tudo. No Estado de São Paulo, se eu não me engano, são dezessete cidades, tudo, que ele entrou lá. Eu acho que o que é bom para a minha família é bom para a família do senhor, de todos. Nós todos temos o mesmo direito de viver. Então ele estava dando condições de vida para quantas famílias? Eu acho que, se não é do meu engano, quando eu entrei aqui, nós éramos uns, quando muito, dez ou doze só. Agora, eu não preciso falar mais nada. O senhor sabe quantas mil pessoas foram trabalhar para a CTBC. Família, tudo mantida pela CTBC. Isso não é uma alegria para a gente? O que eu via era isso. Eu via muitas das vezes. Eu fui com o Doutor Luiz na regional aqui de Itumbiara, fui aqui na de Frutal, lá de Franca, na de Parada de Minas. Eu chegava lá, eu via a satisfação do povo lá, tudo trabalhando alegre, as condições de vida que eles davam para os funcionários tratando a mesma coisa daqui. Ele não tinha... Tanto ele dava valor aos funcionários lá de Franca, como de Itumbiara, como daqui, com tudo. Ele não mudava. Então, eu me sentia feliz com isto.
P/1 - Certo. O senhor falou dessa característica da família, familiar, e o senhor também fez questão que os seus filhos viessem para cá?
R - Fiz, fiz. Fiz questão. Falei: “Meus filhos, a gente deve entrar em uma firma em que as pessoas dão valor à gente. Lá eu notei que o Seu Alexandrino, só dele falar para mim que nós pertencemos a uma só família, família CTBC, só dele falar isso, eu senti que ele dá valor à pessoa. Para nós, não mandava pessoa à toa embora, não. Aqui, se as pessoas trabalham direitinho, elas aposentam. Então, isso eu sentia seguro, foi onde eu trouxe. Não foram só eles, não. Trouxe o Zé Simão, aquele pretinho que trabalha com o Zé Leonardo. eu trouxe quem mais? Eu trouxe... Olha, é capaz que eu trouxe uns trinta. Trouxe, não, eu informava para o Seu Alexandrino, falava: “Seu Carloto, vigia assim, se achar uma pessoa assim, assim...” Eu sabia informar para ele e trazia. Por quê? Porque sabia que é uma firma segura, uma firma de um homem que...
Um português que veio lá de Portugal, e ele eu considero mais brasileiro do que português.
P/1 - Ah, certo. Está certo. Seu Carloto, como é que foi para o senhor, o momento que começa a haver a transição do Seu Alexandrino para Doutor Luiz? Isto é, Seu Alexandrino começa a se afastar mais dos negócios, aí começa a assumir mais Doutor Luiz. Como é que foi o seu papel nisso aí?
R - Olha, para mim não modificou nada porque o Doutor Luiz, para mim, é como um filho. Doutor Luiz é tanto, que eu costumo chamar ele de Doutor Luiz, mas a maior parte chamava ele é de Luiz. Doutor Luiz... Seu Alexandrino mesmo falava: “Nada, não precisa mais falar Doutor, não. É Luiz, é Luiz.” Bom, mas é bom chamar de Doutor Luiz. Então eu tinha muita liberdade com ele, com a Dona Ofélia, com a Dona Maria Garcia, com a Dona... Como que é a mulher do seu Walter? Idê? Acho que é Idê. Ah, o Seu Walter Garcia. Então, quando o Seu Alexandrino afastou, foi para o bem dele, é como se eu fosse fazer isso também. O Doutor Luiz é que queria, porque ele já estava velho, estar assumindo tudo, então foi vontade do Doutor Luiz. O Doutor Luiz assumia tudo para o bem do pai dele. Pedia nós, Seu Walter Garcia. Seu Walter Garcia, quando estava passando mal para morrer, mandou me chamar lá. Chamou diversos funcionários, eu principalmente. Ele falou: “Seu Carloto, infelizmente, eu sou obrigado a dizer isso para o senhor. Dinheiro não vale, não segura a vida. Eu estou a apertinhar, entregar a essa doença minha que vai me levar. Então eu chamei o senhor aqui para o senhor ver... Ter paciência com o meu pai, ter paciência com o Luiz, ajudar igual o senhor ajuda e pedir aos colegas todos para fazerem isso, porque eu vou mesmo.” Eu chorei igual a uma criança. Chorei mesmo porque eu queria bem demais ele, dá até um nó de falar isso. Nós perdemos o Seu Walter. Aí ficou tudo em cima do Seu Alexandrino e o Doutor Luiz. Aí foi onde o Doutor Luiz, para o bem do pai dele, foi assumindo mais. O Doutor Luiz é moço ainda. Ele está com a cabeça branca de tanta responsabilidade. Um homem que tem uma grande responsabilidade, tudo. Tanto que ele foi convidado para a política. Muitas das vezes, ele nunca quis, não. “Eu tenho um compromisso com a minha empresa, eu não vou mexer, não.” Ajudou o cunhado dele, o Doutor Valdir Melgaço, casado com a dona Eleuza. Ele ajudou a eleger deputado, mas ele, não. Maneiras que nós todos achamos que devia ser feito que o Doutor Luiz fez com o pai dele.
P/1 - O senhor tocou em uma pessoa que é uma pessoa importante em toda essa história, que a gente não falou dela. Fala um pouco do seu Walter, como que é a lembrança que o senhor tem do seu Walter Garcia?
R - Seu Walter Garcia era um homem de uma posição firme, quase puxando o pai dele. Seu Walter Garcia era assim, se um funcionário errasse, ele chamava ele lá, falava: “Olha, isso aí está errado, é assim, assim, assim... Só que é desse jeito, não vai mudar de ___________. Eu não tenho o costume como o meu pai. O meu pai é explosivo na hora, eu não. Eu gosto de avisar primeiro e tudo, mas tinha que ser daquele jeito.” Seu Walter era tudo, Seu Walter era trabalhador, tanto que a Intermáquinas, ali, é dele. E ele com o Ciro também, aquele menino dele lá era meio perdido, deu muito trabalho para ele. Agora, a Catita não. Sempre foi menina trabalhadeira e tudo, inteligente. Eu com o Seu Walter era a mesma coisa com o Seu Alexandrino. “Seu Carloto, eu preciso disso, assim, assim...” Eu falei: “É na hora.” Com ele, graças à Deus, tudo se deu bem.
P/1 - Seu Carloto, o senhor ficou na empresa até quando, hein?
R - Olha, eu não tenho certeza, não, porque eu tive falha nesse ponto. Eu sei que eu entrei em 1957. Com 65 anos de idade e trinta anos de casa, eu fui chamado por seu Wilson. Era presidente da companhia, ele já tinha colocado ele como presidente...
________ lá com o doutor Luiz. Então o Cícero, o advogado, ele me chamou: “Olha, nós vamos aposentar o senhor.” Eu falei: “Eu gostaria de aposentar, mas gostaria de continuar trabalhando porque eu quero bem aqui como a minha casa.” Cícero falou: “Não tem condições, não. Aqui, nós temos um regimento interno. De agora em diante, aposentou, não trabalha mais na empresa.” Eu olhei nele, falei: “Cara de pau. O meu sobrinho Sebastião Gomes aposentou, trabalha aqui e outros muitos que eu não vou citar aqui, trabalham aqui. Por que eu não? Será só porque eu sou faxineiro? Deixa isso para lá.” Fizeram pouco caso de mim, o Cícero mais o Seu Wilson. Talvez o Seu Alexandrino, doutor Luiz, a diretoria toda e as pessoas que me conheceram, não saibam disso, mas eu sou obrigado a falar porque eu sou verdadeiro, eu sou igual espelho. O senhor olha no espelho, ele revela quem você é. Se o senhor é bonito, se o senhor é feio, não é? Ele revela, assim eu sou. Então me mandaram. A hora que chegou aposentadoria, mandaram eu ir acertar lá com o sindicato e tudo. Nem “muito obrigado” eles não falaram para mim, nem “muito obrigado”. Sendo que do Doutor Luiz, Seu Alexandrino, até medalha Honra ao Mérito eu ganhei pela minha atuação junto com ele. Mas isso ficou para lá, para mim isso não significa nada. Quem é dono é o Doutor Luiz, Seu Alexandrino, que eu quero muito bem e para mim vai ficar como uma estrela. O Seu Alexandrino foi, Deus levou. Mas ele vai ficar brilhando na empresa. Enquanto eu viver, eu vou olhar para o céu e falar: “Agradeço ao seu Alexandrino.”
P/1 - E o senhor, quando se aposentou, passou a se dedicar a alguma atividade, alguma coisa especial?
R - Não, fiquei perdido, fiquei perdido de tanto que eu fiquei achando ruim sair. Deixei os filhos, tudo, mas eu logo conscientizei as minhas orações, pedi a Deus que eu aceitasse de bom grado. Então eu aceitei. Deixei os filhos ainda trabalhando, falei, chamei os dois, o Archimedes e o João: “Meus filhos, papai está se aposentando. Vocês, até aqui, têm honrado aquilo que eu ensinei para vocês. Sejam homens, sejam iguais ao papai, todos os dois, Archimedes e João. Façam tudo para a empresa, coisa que eu não pude fazer porque não tenho leitura, eu sou um simples faxineiro e tenho honra de ser, tenho satisfação. Façam vocês, o que vocês puderem fazer para a empresa, ajudar eles, ajudem.” Deixei esse pedido para eles e fui fazer mais nada. Tem uma sucata de fio assim, quando faz a ampliação de cabo, _______ que esses fiozinhos, eu pedia a eles aí, à CTBC, e eles me davam. Eu fazia uns pirezinhos, umas bandejinhas assim, umas xicrinhas, eu fazia o porta-jóias... Fazia muita coisa. Então, até hoje, eu ainda faço. _______ vai vim, vou mandar fazer o meu trabalho. Então não quis trabalhar mais, não. Aposentei com 2,9 salários mínimos, estou feliz, estou satisfeito. Tem muitos aí que ganham salário mínimo e estão satisfeitos. Por que eu não vou ficar?
P/1 - Seu Carloto, o que é que o senhor podia dizer para uma pessoa que fosse começar a trabalhar amanhã na CTBC?
R - Essa pessoa, se tivesse aqui para me ouvir, eu gostaria que fizesse o que a maioria fez aqui e chegou a aposentar. Que dedicasse todo o trabalho para uma empresa que deu valor à pessoa humana, igual eles me deram. Deu para os meus filhos e para muitos. Uma empresa que começou pequenininha, hoje é uma coisa louca. Hoje, a CTBC-Telecom é conhecida no mundo inteiro pelo trabalho deles. De vez em quando, eu ouço no rádio, na televisão e tudo, o Grupo Telecom é um exemplo, um exemplo para o Brasil. Lá em Franca, onde eu moro, todo mundo fala bem da CTBC. Por quê? Porque eles dão valor à pessoa humana. Eles dão valor ao Brasil porque eles entraram em diversas áreas, não só da CTBC, de telefonia. Entraram em outras mais. Então, nós que precisamos trabalhar, uma pessoa que vai entrar hoje deve pensar isto, deve pensar: “Eu vou ajudar, vou ajudar essa empresa, que é o dever de cada um, porque cada um... Uma pessoa, quando entra em uma empresa, assume um compromisso de trabalho.” Ele é o trabalho e a empresa é o capital. Então, os dois têm que andar assim, embora não andem. O capital está muito mais acima, mas ele tem que compreender isso. Aí vai trabalho e capital. Então a pessoa tem que aprender isso, tem que ser. O Brasil não está em uma situação boa porque o Brasil faz uma bagunça e os nossos chefes lá em cima... Que a gente até não compreende. Dizem que é a democracia. Eu acho que democracia é aquela pessoa que trabalha para o bem do país, de tudo, de pleno acordo uns com os outros. Agora lá, partido tudo, um PC do B, só fala mal do governo. Um PDT só fala mal do governo. Um PT só fala mal do governo, mas ajudar, eles não ajudam. Não, não é assim, não. Vamos ajudar. Nós queremos bem o nosso Brasil, então vamos ajudar ele. Cada um é como as formiguinhas: as formiguinhas, as pequenininhas pegam uma folha lá, ela não está podendo mas ela vai, ela cai dali, mas ela levanta e vai indo assim, todos ajudando. É o que aconteceu na CTBC, o Senhor Alexandrino preparou uma equipe que, aqueles que não serviam, caíam fora. Mas, aqueles que entenderam, foram. E, hoje, é uma potência. Gostaria que aquele que entrar hoje, pense nisso que eu estou dizendo. Trabalha-se com moral, com firmeza, pensar não somente nele, pensar na sua família, pensando na empresa que ele trabalha, pensando na cidade dele, pensando no seu Estado, pensando no Brasil. Nós estamos precisando mais do que tudo.
P/1 - É isso, Seu Carloto, muito obrigado pela sua conversa. O senhor tem alguma coisa que gostaria de ter dito e que eu não pedi para o senhor dizer?
R - Não, o que eu gostaria que ficasse bem claro é o seguinte: durante os anos todos que eu trabalhei aqui, não tenho mágoa de ninguém. Só conquistei boas amizades, para mim você pode... Nó sair junto aí, e você falar: “Esse aqui trabalhou lá, que esse me conheceu.” Nós abraçamos, tudo, tenho amizade com todos. Eu gostaria de deixar o meu agradecimento, ao começar do mais alto escalão, daqueles que estão na direção até chegar nas faxineiras, com o meu abraço amigo, com o meu desejo de muita felicidade. Nós temos uma Páscoa feliz com muita saúde, todos para enfrentar esse Brasil que [está] vindo.
P/1 - O que é que o senhor achou de ter dado... De ter contado essa história para nós?
R - O que eu achei é que muitas coisas... Eu estou com 81 anos, falha a memória às vezes. Não relatei aquilo intercalado, aquilo preciso, aquilo precisava de ser. Eu gostaria que ficasse bem claras as coisas que eu sinto aqui dentro de mim sobre esse grupo Telecom. Se eu pudesse, é como eu disse anteriormente: eu seria uma estrela iluminando ela assim, para que ela seguisse sempre isso que ela fez, não somente para mim, para o Brasil inteiro.
P/1 - Muito obrigado, Seu Carloto. Muito obrigado mesmo! O senhor está com a memória excelente. O senhor falou dos seus oito bois, né? Um atrás do outro, o senhor disse que ainda está sem memória, Seu Carloto. (risos)
R - Eu estou. Vou inteirar agora, domingo agora, dia 22 de abril agora, eu vou inteirar os 81. Então eu sinto que eu falo um pouquinho já.
P/1 - Não, mas está muito bom, está muito bom. Poxa, muito bom, muito obrigado, Seu Carloto.
R - De nada.Recolher