Projeto Memórias do Comércio do Rio de Janeiro
Depoimento de Palmira de Souza Leal
Entrevistado por Fernanda Monteiro e Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 24/06/2003.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MCCRJ_HV020
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Gustavo Kazuo Yamashiro
P/1 – Fernanda Monteiro
P/2 – Paula Ribeiro
R – Palmira de Souza Leal
P/2 – Bom dia, Palmira.
R – Bom dia.
P/2 – Eu gostaria, então, de começar a nossa entrevista, pedindo que você nos forneça o seu nome completo, o local e a data de nascimento, por favor.
R – Eu nasci em Barra do Guaratiba em 1932, 6 de setembro.
P/2 – O seu nome completo?
R – Palmira de Souza Leal.
P/2 – E os seus pais, o nome completo dos pais, por favor?
R – Minha mãe era Palmyra Teixeira Ribeiro de Souza. Meu pai era Álvaro Ribeiro de Souza.
P/2 – Seus avós, você lembra, sabe o nome?
R – Olha, eu sei que a minha avó, parte de mãe, era Maria, não sei o sobrenome. Meu avô era Domingos, não sei o sobrenome. (risos) Tem Ribeiro Teixeira aí no meio e o meu avô por parte de pai era Caio e minha avó era Júlia.
P/2 – Você conhece um pouquinho da história e da origem, assim, da sua família? De onde é que eles são?
R – Eu sei que a minha avó veio de Portugal... Meu avô.
P/2 – Qual avó?
R – Por parte de mãe, veio de Portugal e na época, em Barra do Guaratiba existia o câmbio negro dos escravos. Tinha uma casa que era deles e eles ficavam lá para... O comprador dos escravos iam para lá comprar. Era os melhores para ir para ali da região do ouro, do café, tá? E minha avó veio num navio negreiro, meu avô e minha avó. E como dizia eles, aportaram ali em Barra do Guaratiba, saltaram em Barra do Guaratiba e ali ficou.
P/2 – Ah é?
R – É. Agora, para o meu pai, eu não sei a história direito como é que foi... Foram para lá. Eu sei que tinha italiano, português, no meio. Barra de Guaratiba fez 452 anos. Ela é quase que uma descoberta...
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Depoimento de Palmira de Souza Leal
Entrevistado por Fernanda Monteiro e Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 24/06/2003.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MCCRJ_HV020
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Gustavo Kazuo Yamashiro
P/1 – Fernanda Monteiro
P/2 – Paula Ribeiro
R – Palmira de Souza Leal
P/2 – Bom dia, Palmira.
R – Bom dia.
P/2 – Eu gostaria, então, de começar a nossa entrevista, pedindo que você nos forneça o seu nome completo, o local e a data de nascimento, por favor.
R – Eu nasci em Barra do Guaratiba em 1932, 6 de setembro.
P/2 – O seu nome completo?
R – Palmira de Souza Leal.
P/2 – E os seus pais, o nome completo dos pais, por favor?
R – Minha mãe era Palmyra Teixeira Ribeiro de Souza. Meu pai era Álvaro Ribeiro de Souza.
P/2 – Seus avós, você lembra, sabe o nome?
R – Olha, eu sei que a minha avó, parte de mãe, era Maria, não sei o sobrenome. Meu avô era Domingos, não sei o sobrenome. (risos) Tem Ribeiro Teixeira aí no meio e o meu avô por parte de pai era Caio e minha avó era Júlia.
P/2 – Você conhece um pouquinho da história e da origem, assim, da sua família? De onde é que eles são?
R – Eu sei que a minha avó veio de Portugal... Meu avô.
P/2 – Qual avó?
R – Por parte de mãe, veio de Portugal e na época, em Barra do Guaratiba existia o câmbio negro dos escravos. Tinha uma casa que era deles e eles ficavam lá para... O comprador dos escravos iam para lá comprar. Era os melhores para ir para ali da região do ouro, do café, tá? E minha avó veio num navio negreiro, meu avô e minha avó. E como dizia eles, aportaram ali em Barra do Guaratiba, saltaram em Barra do Guaratiba e ali ficou.
P/2 – Ah é?
R – É. Agora, para o meu pai, eu não sei a história direito como é que foi... Foram para lá. Eu sei que tinha italiano, português, no meio. Barra de Guaratiba fez 452 anos. Ela é quase que uma descoberta do Brasil. Houve muita invasão por ali ou tentativa de invasão para o Rio de Janeiro pelos franceses. Por isso que existe muito estrangeiro lá. Que mais? Barra do Guaratiba é um lugar, quando eu nasci, eu encontrei muito cafezal lá. Com a história da ponte para ligar a restinga à Barra de Guaratiba, eles demoliram porque rasparam todo o aterro que tinha para aterrar lá dentro. Isso em 1942, 1945 que foi inaugurada a ponte.
P/2 – Mas, assim, voltando aos seus pais. Qual era a profissão dos seus pais e dos seus avós, você tem essa lembrança?
R – Tenho. O meu avô por parte de pai era tabelião na época. Ele trabalhava lá na Pedra do Guaratiba. Ele ia de canoa e vinha de canoa.
P/2 – Ah, que graça.
R – E minha avó era doméstica. A minha avó por parte de mãe também era doméstica e o meu avô foi lá como carvoeiro. Ele fazia carvão e vendia ou... Eu não sei dizer como é que foi. Só sei que ele era carvoeiro. Ele morreu porque espetou um pau de mangue e teve gangrena e morreu. A minha avó ficou com os filhos pequenos e doou, eram sete, espalhou na casa das pessoas que tinham maior posse para acabar de criar. Ficou com um, com dois. Uma que era epilética e o outro para sustentar que era guarda... Como é que é? Era guarda... Sei lá. Um guarda qualquer na época.
P/2 – Todos moradores de Barra de Guaratiba?
R – Tudo lá. Moramos todos lá.
P/2 – E o seu pai? Como que é um pouco da história do seu pai, qual foi a profissão do seu pai?
R – Meu pai tinha privilégio de ter um professor em casa. Meu avô mandava um professor do Méier para ir lá. E lá com esse professor, ele superou o professor. Ele passou, ele era tão inteligente, todos os meus tios também, que ele passou o professor. Ele sabia tanto quanto o professor ou mais. E meu avô não tinha outra profissão, a não ser pescador. Aí o meu pai foi ser pescador, apesar de ter sido professor, ele foi ser pescador. Eu sei alguma coisa, agradeço a ele porque ele vinha de pescar e de tarde dava aula para nós. Mas quando eu tinha doze anos, a minha mãe ficou doente. Aí eu tive que sair da escola para cozinhar lá em casa, para cozinhar na casa de mamãe. Eu não aguentava com as panelas. Esperava as pessoas chegar em casa, os homem, para poder tirar a panela do fogo.
P/2 – Isso você vai contar, assim, depois, mas agora eu queria que você me dissesse quantos irmãos vocês são?
R – Nós somos em onze. Atualmente nós somos em oito.
P/2 – E vocês são todos nascidos em Barra de Guaratiba?
R – Todos.
P/2 – Conta um pouquinho, então, quais são as suas memórias do bairro na sua infância? O que era Barra de Guaratiba?
R – Barra de Guaratiba era um presépio.
P/2 – Ah é?
R – É. Era um presépio. O mar ia até um certo ponto e descia, sabe? Não tinha nada. Tinha uma casa de farinha, onde fazia a farinha, biju, a sola. Tinha...
P/2 – O que é sola?
R – É uma coisa assim... Assa na palha de bananeira. Depois no fim, você toma com café, é uma delícia. (risos) Fazia biju também e aí na época do... E mamãe fazia peixe, mamãe secava peixe, secava. Bastante sal assim, a gente secava _______ de bananeira. A gente amarrava ela, um e outro, aí botava num varal e secava. Muito peixe que tinha na época e não tinha para onde vender e mamãe secava para a gente comer.
P/2 – Você morava aonde ali?
R – Eu moro ali onde tem a ponte de dois arcos, ali que eu nasci.
P/2 – E como era, assim, um pouco mais do comércio? O que tinha em Barra de Guaratiba na década de 40, década de 50?
R – Uma venda para vender arroz, feijão e só. E um restaurante. Arrastão que chama? É. Lá na praia. É um arrastãozinho porque era uma barraca onde vendia peixe pronto assim. Peixe frito, peixe ensopado e só. Não tinha mais nada.
P/2 – E, assim, as suas brincadeiras de infância, o que você lembra?
R – Tinha muito baile.
P/2 – Baile?
R – É, toda semana, todo mês tinha baile lá numa casa lá em cima. _____ papai também fazia muito baile para a gente dançar. Era bom à beça. (risos)
P/2 – Mas e que música que vocês dançavam, o que tocava? Era música, assim, ao vivo, era vitrola?
R – Era saxofone mesmo. Tinha um senhor lá que tocava saxofone. Outro tocava sanfona, outro, sabe? (risos) E tocava. Tinhas as festas de São Pedro, tradicional lá na Barra.
P/2 – Como que é a sua memória dessa festa, Palmira?
R – Essa festa é muito boa. Tem, assim... Tinha um leilão e tinha a festa em si. Todo mundo brincava, todo mundo... Ia todo... Era o dia de festa, todo mundo saía de casa. Aí ficava lá o dia inteiro. Depois foi evoluindo, evoluindo. Teve... Aí começa a pescaria, igual festa hoje em dia tem. Só não tinha briga, não tinha nada, sabe? Teve uma festa de São Pedro na... Agora, há pouco tempo... Um pouco tempo não, há muito tempo e tinha o Padre José que era muito nosso amigo, sabe? Ele levou nove anos lá na paróquia. Então fazia festa, aquela coisa toda. Aí houve uma briga qualquer lá. Aí começou, aí os veranistas. Os veranistas, uns gostavam, outros não gostava. Até hoje um gosta, outro não gosta de barulho, sabe? Mas eu brigo lá em casa porque se não quer barulho, fica aqui no centro, sabe? Nós lá em Guaratiba gostamos de uma festa de vez em quando, não é? Acho que nós somos filhos de Deus. (risos) Os veranistas que ficam nos seus apartamentos. Olha, a briga lá não tem. Não tem até hoje porque quando tem, quando os vândalos, os... Vão para lá e fazem alguma coisa, a gente faz justiça com as mãos. Isso eu falo sempre porque a gente briga, a gente cria caso e ninguém entende porque eu crio caso, sabe? Eu sou respeitada demais lá na Barra porque eu sou muito brigona.
P/2 – Mas você briga por quê?
R – Por tudo.
P/1 – Desde criança a senhora brigava?
R – Meu pai dizia que se eu chegasse com a cara quebrada em casa na escola, eu ia apanhar mais porque eu era muito brigona, sabe? Porque tinha motivo, né?
P/1 – E brigava com os seus irmãos, com irmãs?
R – Ah, brigava demais. Ai, minha filha, tem umas passagens engraçadas que era ferro de carvão, sabe? Aí eu fui lá... Eu estava passando roupa, o meu irmão queria roupa para ir namorar. Ele só usava calça de gabardine branco, sabe? E super bem passada. Estava passando, passando. Ele me amolou, eu joguei o ferro em cima dele. Sujei a calça dele toda e ele que viesse para casa tirar satisfação comigo, sabe? Assim, umas coisas, assim, de muitos irmãos, sabe?
P/2 – Agora sobre São Pedro, São Pedro é... Por exemplo, os pescadores são devotos de São Pedro?
R – São, são. Poucos pescadores que ainda existe são devotos de São Pedro e quando não tenho o pescador, mas tem o descendente de pescador, que é ainda devoto de São Pedro.
P/2 – Vocês são, a sua família é devota de São Pedro?
R – Ah, demais, demais. Precisa ver uma procissão de São Pedro. Meu irmão vai lá, meus irmãos vão lá, carrega o andor.
P/2 – Ah é?
R – É.
P/2 – E seu pai, sua mãe já eram devotos de São Pedro?
R – Já, já eram devotos de São Pedro.
P/2 – Mas, por exemplo, vocês tem imagem de São Pedro?
R – Temos, temos tudo.
P/2 – No seu restaurante tem imagem de São Pedro?
R – Tem. Está guardadinha lá atrás, mas tem.
P/2 – Palmira, conta um pouco como é que era uma casa de pescador em Barra de Guaratiba nessa década de 40 e 50? Havia alguma coisa de diferente, por exemplo, numa casa de pescador? Como que era a rotina? Teu pai saía de madrugada para pescar, como é que era?
R – Ah, saía, coitado. Ele saía de madrugada para pescar e a pescaria antigamente não tinha tanto conforto quanto tem hoje. Aí o meu pai saía, ia longe para buscar peixe. Na época da Tainha, ele vinha até o Recreio e quando não podia voltar, a gente tinha que subir o morro e muito longe para poder ver onde estava a canoa, que o meu pai não sabia nadar não. Era pescador que não sabia nadar não. E os filhos são ótimos nadadores, né?
P/1 – Ele tinha uma canoa dele?
R – Tem a canoa dele chamada Itajubá. Hoje ela está na Pedra e nós queremos resgatar ela para poder deixar em casa. Está muito difícil.
P/1 – É?
R – É, que o meu irmão herdou a pescaria do meu pai, a canoa do meu pai e ele precisou e vendeu.
P/2 – E o que significa para você recuperar, resgatar Itajubá?
R – Ah, é muito importante. Está no coração da gente, né? Aquilo que matou a fome da gente quanto tempo, né? Depois o carinho que papai tinha, que a gente chamava Tajubá e ele dizia: “Não, é Itajubá.” (risos)
P/2 – O que é Itajubá?
R – Não sei. Não sei. Minas tem também uma cidade, né?
P/2 – Itajubá, é.
R – É. Itajubá, não sei.
P/2 – E peixe? O que tinha de peixe na sua infância? Qual é a memória de peixe que tinha e não tem mais, por exemplo?
R – Não tem mais? Tudo, tudo. Acabou quase... Olha, os peixes que matavam: tainha está todo em Santa Catarina, não vem mais para cá, vem muito pouca. Mas arrastão de tainha eles pegava muito, sabe? Na época de julho, junho, julho, agosto, era muita tainha. Agora em Santa Catarina tem muito pescador de tainha. Aí ela fica por lá porque ela sai no rio... Aquele rio que tem em Porto Alegre, como é? Grande Rio, né? Ou, sei lá o nome do rio.
P/1 – Guaíba?
R – Guaíba, é Guaíba, né? Ela desova ali e ela sai e vem para cá, pelo litoral, né? Agora, acabou.
P/2 – Mas, por exemplo, camarão, polvo, lula, já tinha isso?
R – Não, tem, tem, isso tem, mas tem muito pouco.
P/2 – Comparado ao que era?
R – Ao que era tem muito pouco. Agora, não dava muita coisa não porque as pessoas não pescavam esse tipo de... Década de 40, não pescava polvo, não pescava... Camarão pescava muito camarão, mas agora não pesca mais, sabe? Agora que vai pescar e foram tanto as toca de polvo que acabou.
P/2 – E como é que o seu pai transmitiu, por exemplo, para os seus irmãos esse conhecimento da pescaria?
R – Ah, o meu era bravo.
P/2 – É?
R – É. Automaticamente, né, meu filho, porque ia para a praia arrumar a rede porque chegavam, esticava a rede e de tarde, na parte, depois do almoço, o meu pai almoçava às 9:00.
P/2 – Nossa! Da manhã.
R – Da manhã porque acordava cedo, né? Aí ia para praia arrumar a rede. Aí arrumar rede, atar rede, né? Atando rede, ele ficava até umas 16:00, umas 15:00. Aí voltava para casa, a gente jantava e depois ia estudar. Era a minha rotina de jovem era essa.
P/1 – E os seus irmãos iam com ele nessa parte da tarde, assim?
R – Iam com ele para pescar sim. Eu tenho um irmão que até hoje lembra... Até ri, hoje ele ri, mas ele chorava que ele não queria embarcar na canoa. Ele tinha horror.
P/1 – Até de madrugada eles iam?
R – Iam, sempre ia.
P/2 – E a escola? Qual foi a escola que você fez, qual era o nome da escola?
R – A escola era... Agora que tem nome, né, uns anos para cá. (risos) Antigamente só tinha o nome de Escola. Como é? Como é o nome daquela... Professor Viera Fazenda, que era do lado de fora... Lá na Barra, depois passou para dentro do quartel.
P/2 – Era na Barra de Guratiba?
R – Dentro do quartel. Mas eu não peguei lá dentro não. Eu quando larguei a escola, eu estudava lá fora.
P/2 – Como é que são as suas lembranças do período de escola? Quem eram os professores? Eram pessoas da localidade?
R – Não, não tinha professora da localidade não. Era dona Cecília, ela ia aqui do Rio para lá. (risos) Uma vez... Duas vezes por semana.
P/2 – Ah, você só tinha aula duas vezes por semana?
R – É.
P/1 – E de manhã, qual era o horário?
R – Era de manhã. Quando ela conseguia subir o morro era de manhã. (risos) Se chovia não tinha aula.
P/1 – Não tinha aula.
P/2 – É interessante, você falou agora, você falou: “Ela vinha aqui do Rio.” Quer dizer, Barra de Guaratiba é um bairro do Rio?
R – É.
P/2 – Mas era... A distância era tal que vocês tinham uma vida tão própria ali, como é que era isso? Vocês saíam dali do bairro para alguma coisa?
R – Não, eu não saía. Papai era... Como é que se diz... Tinha o mascate, tinha o mascate, eu lembro dele. Ele ia vender as coisas, assim, na casa, né? Tipo roupa... Roupa não, fazenda, tinha... Tudo que ele achava de diferente aqui, levava para lá. Ele ia de burro.
P/2 – Você lembra dessa figura, nome dele você lembra, não?
R – Não, lembro dele, mas não lembro a figura não.
P/2 – Era brasileiro, era estrangeiro?
R – Era brasileiro. Mas você sabe, ali no Grumari, a estrada para lá era uma estrada horrível porque ali na Grota Funda tem estrada agora, há pouco. É uma outra estrada que chamava “Quebra Cangalha” porque só subia burro, né? Aí descia lá na Ilha, sabe? Não tinha Grota Funda não. Essa estrada que subia, quem vai daqui, vê bem a estrada, que a antiga Grota Funda tem o “Quebra Cangalha” e aí descia carro, que os carros eram bem pequenos, né? Tinha... Não tinha tanta largura igual tem. Então descia carro ali e ainda sobe carro ali. Ainda existe uma estrada de paralelepípedo chamada “Quebra Cangalha”. Mas descia burro. No Grumari também. A Estrada do Grumari é pequenininha e é cheio de curva, também era igual, era “Quebra Cangalha”.
P/2 – Mas vocês, por exemplo, vocês precisavam sair do bairro para quê? O que vocês precisavam...
R – Não era nada. Os meus filhos nasceram, a maior parte nasceu com parteira. Tinha parteira, tinha parteira, tinha um posto médico que não funcionava. Tinha um enfermeiro lá antigo, onde costurava as crianças quando quebrava a cabeça, quando... Sabe? Eles que botava no lugar. Tinha um dentista lá que a gente ia... Ele era veranista, começou ir lá, ele ficou com muita pena da gente, ele levava, assim, aparelhos para arrancar dente. E o que mais? Tinha um mascate que vendia fazenda e papai vinha uma vez por mês, uma vez de seis em seis meses, aqui na Praça XV renovar as carteira de pescador. Papai era capataz. Então quando ele voltava, aí ele comprava a fazenda, mamãe fazia uma lista para ele, ele levava a fazenda para casa para fazer a roupa para gente.
P/1 – E como é que o seu pai vinha até aqui, Praça XV, como é que era?
R – Ele ia até Campo Grande, Campo Grande pegava um trem, aí ia à Praça XV.
P/1 – Era o quê, dia inteiro, né?
R – É, o dia inteiro. Outra hora ele ia para Pedra. Pegava o bonde, ia para Campo Grande, ia para... E casamento como é bonito. Lá de canoa, você já viu? Imagina um casamento de canoa, né? Olha...
P/2 – É. Como que é um casamento de canoa?
R – Ué, a noiva vai toda vestida de branco, toda arrumada. Eu ainda peguei alguns e o noivo vai também. Aí vão para lá, casam e vão embora para festa. Aí quando tem casamento é uma beleza. Aí tinha festa o dia inteiro.
P/2 – Mas espera aí, os noivos vinham de onde? De canoa ou eles...
R – Ia para Pedra e casava lá na Pedra. Só na Pedra que tinha padre, sabe?
P/2 – Eles iam de Barra de Guaratiba casar em Pedra de Guaratiba...
R – Pedra, é.
P/2 – Naquela igrejinha que tem lá no...
R – É, aquela que tem na beira da praia.
P/2 – Nossa Senhora do Desterro, eu acho.
R – Do Desterro, é.
P/2 – E aí vocês como convidados também iam de canoa ou ia de...
R – Não, não ia não. Não podia não.
P/2 – Não podia. (risos) De canoa só os noivos. Só os noivos porque só tinha uma canoa, né?
P/1 – Eles iam casar e voltavam para a festa?
R – Para festa.
P/2 – Mas, por exemplo, numa festa de casamento, o que é que se comia naquela época?
R – Muita coisa. No meu casamento teve de tudo. Peixe, camarão, porco, peru, pato, galinha, carne... Ah, teve de tudo, uma festança. Aí todo mundo comeu à vontade. E bebia vinho, né?
P/2 – Ah é?
R – É.
P/2 – Você falou que o seu pai vinha renovar carteira de capataz. O que é um capataz?
R – É o responsável pela capitania dos portos da pescaria. Responsável pelos pescadores que pescavam lá.
P/2 – Mas, quer dizer, o seu pai, ele trabalhava sozinho, ele tinha outros pescadores que trabalhavam com ele, como é que funcionava?
R – Ele reunia pescadores e muito pouco, né? E pegava as carteira e levava para lá para renovar, que existiu um registro, né?
P/2 – Quem era o cliente do seu pai, do peixe? Quem comprava o peixe do seu pai?
R – Ah, era em Campo Grande.
P/2 – Como é que era esse mercado de peixe, Palmira?
R – Olha, mercado... Como tinha muita quantidade, se ele conseguia vendera na Praça XV, eles já tinham enviado de Campo Grande para Praça XV para ver um caminhão para levar o peixe. Quando não tinha, mamãe secava e vendia seco, como bacalhau. Igual bacalhau. Até tem um lá em casa que eu vou fazer amanhã. (risos)
P/2 – Você ainda seca peixe?
R – Seco.
P/1 – E dura quanto tempo?
R – Ah, dura a vida toda se você... Uns seis meses a duração de um peixe. O que mais?
P/2 – Bom, assim, agora, a tua juventude. Você falou dos bailes um pouquinho, como é que era essa juventude? Vocês ouviam que tipo de música, como é que vocês se vestiam, Palmira, assim, filhos de pescadores, ele vivendo na praia? Você estava sempre na praia, por exemplo?
R – Sempre tomando banho de mar. Na praia não. No canal. Papai não deixava ir para praia não. A gente nasceu ali no canal, a gente tomava banho ali no canal. Não era poluído igual é hoje.
P/2 – Como é o nome do canal?
R – É Canal da Ponte.
P/2 – Palmira, como é que você ia para praia? De maiô? Como é que era teu maiô?
R – Ah, minha filha, bem comportado. (risos)
P/2 – Você lembra, assim, qual era o tecido, como é que era?
R – Não, porque era de pano, assim, usado que a gente fazia o maiô. Não podia comprar pano para fazer maiô não.
P/2 – Mas aí vocês iam, por exemplo, você ia o quê, os teus amigos, teus irmãos, todo mundo ia nadar?
R – Os amigos e os vizinhos, né? A gente ia para praia, mas não ia para expor no sol. Ia tomar banho de mar. Hoje é que todo mundo vai e se estica no sol, pega câncer de pele.
P/2 – E como é que era, então essa convivência, por exemplo, da comunidade de Barra de Guaratiba com esses militares que estavam aí?
R – Aí chegou os militares na década de 40, 1941.
P/2 – Como é que foi essa chegada e por que eles foram para aquele lugar, você sabe?
R – Porque área de segurança nacional. Ali era muito visado.
P/2 – É orla. Ali é mar aberto, ali é Atlântico, né?
R – É mar aberto. Ali nós temos para o lado esquerdo, nós temos o Japão, não é?
P/2 – Que ótimo. (risos)
R – Do lado esquerdo que só tem o Japão, né? Ali como era mar aberto ficou preservação. Aí eles estudaram naturalmente, viram aquela coisa toda abandonada e foi para lá fazer a ponte. Mas antes da ponte, na época da guerra, tinha o posto militar em diversos pontos estratégicos e um posto ficou lá no terreno lá de casa de mamãe. Um terreno mesmo, terreno, né? Ficou um posto militar ali, ficou um telégrafo e ficou um picão, sabe? Aí, vou te contar, mamãe cozinhava para os militares.
P/2 – Pois é. Então conta como é que era?
R – Aí mamãe cozinhava para eles. Ela fazia peixe para peixes, eles gostavam muito e conclusão, que quando nós saímos dali já tinha, mais ou menos, feito... Tinha arrumado... Na casa que era dos escravos, era uma casa bonitinha, tijolinho, assim, sabe? Parecia casa de tijolinho de armar. Assim e assim. E tinha posto de escravo, tinha bastante coisa lá. Tinha corrente, tinha tudo, coisas horríveis lá. E eles foram para essa casa, os militares enquanto fazia a ponte, sabe? Mamãe ainda cozinhava para eles. Depois eles, automaticamente, fora, cozinhando, aquela coisa toda. Aí foi muita gente estranha para lá.
P/2 – É?
R – É. Muito estranho, muita gente que foi e ficou, outras não. Não ficaram, voltaram. O construtor da ponte, por exemplo, eram dois italianos de São Paulo, que eles foram para construir a ponte. Eu fui babá do filho dele.
P/2 – Você lembra o nome?
R – Não, não lembro, não lembro o nome.
P/2 – Mas deixa eu entender, quer dizer, quando constrói a ponte vocês moravam numa casa, então vocês têm que sair...
R – Nós saímos para construir...
P/2 – Aquela parte toda é demolida e aí vocês vão morar aonde?
R – Nós fomos para o lado de cima da rua. Papai comprou o terreno e o Exército fez a casa. Demoliu o tijolo por tijolo, porta, janela e fez a casa lá do outro lado.
P/2 – E como é o nome dessa rua, que você mora e que é?
R – É Caminho do Souza porque só Souza foi morar naquela rua, sabe? Não tinha nada. Então tinha mato, sabe, tinha muito cafezal, meu pai foi e fez um caminho para o Souza.
P/1 – A família toda?
R – É. Porque a família toda fez casa ali.
P/1 – E que ano que foi isso, mais ou menos, que vocês se mandaram?
R – 1945, 1946.
P/2 – Esse período da guerra, da Segunda Guerra Mundial, de alguma forma, você tem alguma lembrança, como é que era aquela região ali da cidade, aqueles militares tomando conta da orla?
R – Era horrível, né?
P/2 – Por que, Palmira?
R – Porque a gente não sabia o certo quanto papai trancava a gente dentro de casa, né, que eu não sabia como é que era. Tem boas lembranças deles, boas lembranças. Depois foi chegando devagarzinho, foi chegando e aonde eles estão até hoje lá.
P/2 – Mas, por exemplo, tinha aquela coisa dos submarinos, você via isso ali?
R – Via.
P/2 – Via. Você via?
R – Via.
P/2 – Via?
R – Via, sabe? Via porque a minha tia, a madrinha do meu pai tinha uma casa estratégica, assim, que foi do Barão de Guaratiba, depois foi de uma porção de gente, ficou para ela, sabe? De dia era uma velhinha que tinha lá, muita branca, sabe? Era dona da casa, não sei que ______ fazer. Eu lembro dela. Ela, a madrinha do meu pai, tinha essa casa, nós íamos para lá ver. Ela tem uma luneta antiga e a gente ficava olhando, ela mostrar para gente. A gente ficava lá, via mostrando.
P/2 – Tinha luz em Barra de Guaratiba?
R – Não, não. Quando a ponte foi para lá, aí que puxaram um fio, um único fio para abastecer o alojamento. Isso na década de 40, 1946, 1947.
P/2 – Na sua casa, como é que vocês iluminavam a casa?
R – Ah, mas nós tinha pistolão, né? (risos) Aí nós puxamos um fio lá para casa, mas era um fio só para uma lâmpada. O resto era lamparina, lampião.
P/1 – E os veranistas tinham pessoas que iam só para janeiro, fevereiro, como é que era?
R – Não, o Paulo Soares tinha uma casa de veraneio lá muito bonita, sabe?
P/2 – Desde essa época?
R – Desde essa época. Tinha umas casas bonitas. Tinha três casas bonitas e a dele quatro.
P/2 – Quem era ele?
R – Era um industrial do Alto da Tijuca.
P/2 – É Paulo o quê?
R – Paulo Soares.
P/2 – Bom, ________, então agora vamos retomar, quer dizer, as suas memórias como uma menina como você contou de dozes anos de idade que começa a ter que cozinhar, né? Como é que foi isso?
R – É, aí eu comecei a cozinhar. Via mamãe cozinhar, eu comecei cozinhar também e fui obrigada. Que mais? Aí eu fui cozinhando, mamãe foi ensinando, eu brigando, eu... Sei lá, aí eu resolvi fazer com mamãe, ajudava ela a limpar peixe, a fazer as coisas e onde eu comecei tudo.
P/2 – Você é a filha mais velha de mulher?
R – Não. A filha mais velha é Maria, sabe? Lá em casa, mamãe repetiu todos os nomes dos avós, tá? Tem Julia, tem Álvaro, tem... É Julia, Álvaro, tem Maria, tem Domingos, todos são avós, todos é irmão.
P/2 – E Palmira?
R – E Palmira.
P/2 – Palmira era nome de quem?
R – De mamãe.
P/2 – Ah, o nome da sua mãe?
R – Mamãe é Palmira com Y, eu sou com I. Faz diferença.
P/2 – Então como é que foi esse teu primeiro contato com essa coisa, assim, de comer, por exemplo, de limpar um peixe? Isso era uma coisa, assim...
R – De criança, minha filha. Automaticamente foi de criança.
P/2 – Mas você gostava disso?
R – Olha, vou dizer que eu não gosto. Eu gostava mesmo era de costurar. Eu costurei muito, muito mesmo.
P/2 – Para fora?
R – Não, para mim, para fora. Não ganhava dinheiro. Mas aí eu fui, mamãe foi... Quando mamãe morreu, deixou uma porção de pessoas que pedia, mamãe fazia um peixe, fazia um frango, fazia uma carne. Aí mamãe morreu, ficou doente, morreu. Ela era diabética e ela deixou muita gente aí, eu já fazia com ela. Aí eu continuei fazendo sozinha.
P/2 – Mas vocês faziam para quem?
R – Para veranista que ia lá, alguns veranistas. Aí como eu tinha cinco filhos, eu fazia comida para cinco filhos, aí o senhor Lourenço falou: “Palmira, você faz para fora, faz um prato para o Zeca, que o Zeca vai morar aqui agora”, sabe? Aí eu fazia o prato do Zeca. Aí veio Joãozinho, ficou comendo lá. Aí veio outro, aí quando vinha os surfista, vinha e não tinha dinheiro. “Ah, mas você come assim mesmo. Vai comer e depois você traz o dinheiro.” E assim foi nascendo o surfista.
P/1 – Esses surfistas vinham da onde?
R – Iam daqui do Rio, vinha daqui da cidade, Copacabana, Leblon.
P/1 – Mas iam surfar aonde?
R – Lá na Barra, lá em Guaratiba.
P/2 – Lá em Barra de Guaratiba?
R – É.
P/2 – Surfavam ali na praia da Barra?
R – É, porque lá tinha o melhor lugar para surfe, o canal. Até hoje. Aí eu fui fazendo comida para um, para outro, para um. Quem tinha dinheiro comia, quem não tinha comia também, sabe? Eu tinha uma horta, eu criava pato, criava galinha, sabe? Eu só fazia isso e peixe. Peixe eu tinha de graça.
P/2 – Mas isso era aonde?
R – Lá em casa, na minha casa.
P/1 – Eles iam na sua casa?
R – Na minha casa comer. Aí eu fazia... Assim, refrigerante não tenho. Eles traziam lá do botequim ou então não tomava. Tomava água. Aí os pais queriam saber por quê que os filhos falavam que comeu muito bem um prato feito e comeu peixe, não sei o quê, “mas aqui você só quer comer batata frita e bife.” Aí os pais iam lá porque queria saber quem é que...
P/1 – Que milagre que estava comendo peixe.
R – Quando é que foi aquela chuvada que quebrou ponte, não sei quê? Parece que foi em 1900 e... Olha, foi 1997, não sei, não sei quando foi uma chuvada que arrebentou ponte. Um deles ficou lá preso. Aí o pai ficou apavorado e foi lá na Barra de Guaratiba buscar o filho que estava lá com motorista. Escuta só essa. Aí foi buscar o filho. O filho e foi... Não estava lá em casa porque não tinha lugar para botar. Eu fui, mandei para casa do seu Lourenço, para a casa do Zeca, né? E o pai falou: “A senhora tem que dar conta do meu filho, eu sei que ele está aí.” Eu falei: “Não está não.” Pô, o homem me bateu, quis me bater de guarda-chuva, sabe? Devia ser muito importante, estava com motorista. Fui, acordei um dos meus filhos, falei: “Vai lá na casa de Zeca, mostra a casa para esse homem e diz que o filho está lá.” Mas passei muito aperto, nossa senhora. Os militares prendiam as pranchas. Eu ia lá...
P/2 – Ah, então conta, Palmira, por que, era proibido?
R – Era proibido porque ali passa dois anos, três anos, sabe, no máximo de coronel para coronel, de general para general. Agora é general. Mas nessa época, um coronel lá da vida, um tenente que morava lá, prendeu as pranchas e quis prender os surfistas também. Eles deram uma volta enorme com os meus filhos para poder chegar lá em casa por dentro do mato.
P/1 – Mas eles queriam proibir o surfe?
R – Eles queriam acabar com os surfistas ali, de qualquer jeito. Não tinha nada, menina. Aí, umas pranchas ele ficou, uma ou duas e o resto tudo botou lá em casa, não podia sair, né? Eu falei: “Não, amanhã eu tiro. Você vir aqui que amanhã eu tiro.” Aí o meu filho teve que levar ele para um outro lado, para pegar o carro, um só foi no carro para pegar o carro para vir embora. Foi engraçada, né? Aí no outro dia eu fui lá na Marambaia, no quartel e falei: “Eu quero as pranchas dos meninos, está aqui, não são marginais.” Aí o coronel me deu. Eu sou brava até com eles, sabe? (risos)
P/2 – Mas, Palmira, para gente, então, entender, quer dizer, você começa a cozinhar, quer dizer, você dá continuidade, então, um pouco aos negócios da sua mãe, que já trabalhava para os veranistas.
R – Isso, é.
P/2 – E você faz na sua casa. As pessoas sentavam, por exemplo, na mesa, lá junto com vocês?
R – Na mesa, é, é. Não, na mesa. Eu não sentava na mesa não. Uma das filhas me ajudava. Shirley não, foi com dezoito anos foi morar no Méier com a minha irmã. A Rita ficava comigo, aí eu fazia prato e servia eles, sabe?
P/2 – Quer dizer, os seus primeiros clientes, então, foram os surfistas?
R – Foram os surfistas.
P/2 – E já existia nessa época, o que a gente chama de “PF” ou não?
R – Não, nessa época só eu. Chamava “PF”, prato feito.
P/2 – Mas vocês já chamavam essa palavra “PF”?
R – Já, “PF”.
P/2 – E o que consistia um “PF” da Palmira?
R – Ah, tá. Feijão, arroz, uma farofa, uma carne ou um peixe que digo. Era sempre peixe, ovo e uma verdura da horta, qualquer verdura. Assim, legumes não, verdura. Aí eu fazia alface ou couve e eles comiam. ______ nunca gostava, né? (risos) Eu só fazia se gostava, nunca gostava. Eles comiam era feijão, que vinha morrendo de fome, feijão, arroz e peixe.
P/2 – E essa era a sua casa, qual era o endereço? Era Caminho...
R – Era Caminho do Souza, 18, Bairro de Guaratiba. Eu só mudei para cima. Eu saí da onde é o 18, fui para o 32 ali em cima. Mas é no mesmo complexo.
P/2 – Hoje, o seu restaurante é qual endereço?
R – É Caminho do Souza, 18, Bairro de Guaratiba.
P/2 – É onde você começou?
R – É.
P/2 – Então, assim, e os outros clientes? Por exemplo, você me conta que começa a fazer, vender marmita para...
R – Para os veranistas. A marmita consiste; arroz, feijão, uma verdura, um peixe, aí já podia ir carne ou galinha, né? Ou uma farofa ou um legumes. Essa é a marmita para dois ou para um, ou para quantos fossem da casa, né?
P/2 – E como é que era uma marmita nessa época?
R – Ah, a gente comprava, assim, aquele jogo de marmita, que tinha cinco marmita. Ali a gente fazia. Tem uma senhora que tem o nome até hoje da marmita.
P/2 – Como assim?
R – Ela guardou.
P/2 – Ah, ela guardou essa marmita.
R – Guardou a marmita. Ela tem até hoje um esparadrapo com o nome dela. (risos)
P/2 – E a clientela dessa da base, da _______?
R – Da base é...
P/2 – Quando é que foi, quem foram os seus primeiros clientes ali?
R – Aí veio os franceses.
P2 – Pois é. Quem eram esses franceses?
R – Da Aérospatiale da França, Espatiale. Aí esses franceses começaram a comer lá em casa porque aí eu já estava, assim, mais ou menos falada. Era a única que tinha ali na Barra na década de 60.
P/2 – 60.
R – É, aí eles começaram a frequentar a Barra, a Marambaia e iam embora. Mas era muito distante. Eles ficavam no quartel e eu fornecia almoço para eles. Era só uma refeição.
P/1 – Eles iam lá almoçar ou era marmita?
R – Não, primeiro atendia eles no quartel. Eu levava lá...
P/2 – A marmita?
R – Não. Aí também não. (risos) Levava comida...
P/2 – Como que você levava, Palmira?
R – Levava porque o jipe vinha buscar.
P/2 – No panelão ou no prato?
R – Não, já ia confeccionado. Tinha umas travessas, era um quartel, emprestava, o coronel me emprestava, aí eu levava comida pronta. Aí depois, um dado momento, o capitão falou: “Olha, Palmira, eu vou para França fazer um curso, eles vão ficar aí.” Falei: “E como é que eu vou falar com esses caras? Como é que eu vou falar com esses franceses, eu não sei falar até hoje.” Ele falou: “Ah, você bota na mesa e eles se viram.” Aí eu botava sempre uma sobremesa, banana frita, era só banana frita. Aí eles faziam assim, eu botava quentinha, eu sacudia, assim, a banana, aquele mel, eles botavam Cointreau e flambava ali no prato. Aí eu aprendi fazer... Aí eu inventei a banana flambada. (risos)
P/2 – Mas aí eles iam a você já?
R – Já. Só a mim.
P/2 – Ainda era a mesma casa que você morava com os seus filhos?
R – Ainda era a mesma, uma coberturazinha. Depois eu comprei umas telhas de amianto, fiz uma coberturazinha. Ali eles faziam piquenique, minha filha. Depois deitava na rede. Tinha sempre uma rede para eles. O pessoal da Air France, na época do Concorde, também ia lá para casa, falava quantos tinham. Ia para o Grumari, tomava banho, depois voltavam e ficava lá, almoçava e depois descansava e vinha embora.
P/2 – O que você acha que atraía esses estrangeiros na sua comida?
R – Ah, não sei. Sempre um levava mudinha de bananeira para França, sabe? (risos) Uma mudinha de uma coisa, de outra, eles gostavam e o meu modo de atender o pessoal, né? Sempre foi assim.
P/2 – Como que você era atendendo?
R – Expansiva, né? Atendendo bem, socorrendo... Sempre tive que socorrer os outros porque um queimava demais. (risos)
P/2 – Branco.
R – Branco, né? Outros comiam alguma coisa pelo caminho, passando mal. Então tinha sempre um chá.
P/2 – E, assim, o que tinha de tempero nessa época? Na década de 60, o que o estrangeiro gostava, assim, de um tempero diferente de um peixe que tinha aqui?
R – Não tinha tempero não.
P/2 – Não tinha.
R – Era cebola, tomate e alho. Só. Até hoje, eu gasto muito alho. Olha, eu gasto dez quilos, quinze quilos de alho por semana.
P/2 – Nossa! (risos)
R – Por semana. Que mais? Eles gostavam muito da comida, gostava muito.
P/2 – E o que era? Era um peixe, era um pirão?
R – Era camarão...
P/2 – Camarão.
R – Camarão, era... Me aperfeiçoei num bobó de camarão, sabe? Sempre um camarão, um peixe. Eles comiam muito ovos de ouriço...
P/2 – O que é ovos de ouriço?
R – Ouriço, ouriço, aquele espinhudo. Apanhava... Eles levaram até uma luva para mim, eu tenho até hoje. Pegava com a luva e cortava com a tesoura, assim, em cima e puxava, sai toda as vísceras do ouriço. Aí jogava água fora. Aí você passa cada nozinho daquele ouriço tem ovos. Aí você vai botando num prato e come com cebola.
P/2 – Cru?
R – Cru.
P/2 – Que nem ostra?
R – É, é o prato do natal deles. É muito caro. Aí veio um dizendo: “Ah, vamos exportar, não sei o quê.” Não, não tem condições. Mas tinha muito ouriço.
P/2 – Lá em Barra de Guaratiba?
R – Lá em Barra de Guaratiba. Agora não tem mais nada.
P/1 – E é legal que eles ensinavam um pouquinho para você, você ensinava para eles.
R – Pois é, eu ensinava para eles.
P/2 – Ostra tinha lá, Palmira?
R – Tinha ostra, siri, muito caranguejo. Agora, se você me oferecer, eu não como de jeito nenhum. Agora não, há muito tempo atrás.
P/2 – É mesmo?
R – Está tudo poluído.
P/2 – Isso foi uma coisa que mudou na região?
R – Mudou, mudou completamente.
P/2 – É interessante porque é uma região de peixes, quer dizer, a própria região acabou perdendo.
R – Hoje eu só tenho camarão, tenho polvo, que eu tenho um pouco, mas tenho polvo, mas geralmente não tem. Eu tenho lula de Paraty, tenho camarão de Paraty porque lá dá muita lula. Eu tenho, assim, eu invento, eu faço vatapá, eu faço bobó de camarão. Vatapá é peixe, camarão, caldo de peixe. Eu seco camarão lá em casa. Agora, eu tenho lula refogada. Agora tenho sururu, o sururu atrás da restinga, tem muito vôngole.
P/2 – Vôngole.
R – Lá tem muito vôngole.
P/2 – E não tinha?
R – Não tinha na época porque não apanhava. Agora a necessidade apertou, todo mundo vai pescar. Quem tem barco grande. Até nós paramos lá agora. Eu fui para passeio de barco, paramos lá aonde põe _____ é longe para burro!
P/2 – É mesmo?
R – É muito longe.
P/2 – Palmira, voltando, então, a coisa dos franceses, quer dizer, como é que você... Você nessa época já tinha um nome? Por exemplo, você tinha, informalmente, o seu restaurante, já era um restaurantezinho, tinha nome, quem deu o nome, como é que foi essa criação do nome “Tia Palmira”?
R – Ah, tá. Eu tinha uma contadora, sabe? Aí eu fui obrigada a tirar firma, já estava crescendo, né?
P/2 – Quando isso, Palmira, você acha?
R – Ai minha filha, não lembro não, mas eu sei que foi preciso tirar firma. Aí eu tirei a firma e a contadora, a Solange, falou assim: “Como é que nós vamos botar o nome?” Pô, tem que ser Palmira no meio porque Palmira tem que ser marca registrada. Mas não tem nada não. Eu recebi um... Aí eu vou te contar, aí é Palmira, “e como que é?” “Não, vai ser Chez Palmira.”
P/2 – Ah, chez, francês.
R – É, francês. Botou nome... Era como se fosse “Tia Palmira”, mas em francês, sabe? Então até hoje é Chez Palmira, mas o fantasia é Tia Palmira.
P/2 – Mas quem foi que primeiro te chamou de Tia Palmira, como é que era?
R – Os surfistas, me chamava de tia. “Só tia fazia aquilo. Só tia fazia aquilo.” De dar comida a eles e não querer exigir o dinheiro, sabe?
P/1 – E eles pagavam depois?
R – Pagavam. Se não pagasse, tudo bem, vai pagar em outro lugar. (risos) Não, não voltava não. Todos eles pagavam direitinho. “E só tia fazia aquilo, era Tia Palmira.” Aí voltou “Tia Palmira, Tia Palmira”, hoje estou com esse. Mas antes de ser conhecida no Brasil, eu fui conhecida na França, sabe? Aí eu fui na França...
P/2 – Ah, você foi lá?
R – Foi. Rony me levou. Rony é um ex... Como é? Comissário de bordo, era chefe de cabine. Ele casou com uma francesa e estava morando na França.
P/1 – Ele é da Air France?
R – Não, não, ele era da Varig. Mas aí ele estava morando na França, casou, morou na França, eu fui lá, aí ele morou num restaurante mais chique de Paris. Aí chegou lá já me conheciam.
P/2 – Como _______?
R – De nome, oshh. Olha, me conhecia de nome. Aí o Rony levou... Eu dei cartão e tudo, né? Até foi no meu aniversário. Aí o Rony falou... Como que é? O Rony... Eu dei o cartão para ele. Quando foi depois o Ronaldo Rosas foi à França, que a família dele é quase que parente a mulher dele, é quase parente da família de Rony, ele foi passear na França, aí ele chegou lá em casa, mexendo comigo à beça. Aí ele foi nesse restaurante com ele, aí o maitre tirou do paletó o restaurante, conhece? (risos) Ele ficou muito bobo.
P/2 – Ficou vaidoso, né?
R – “Estou comendo no restaurante que a Tia Palmira comeu.” Mas chegou lá em casa, fez uma brincadeira porque ele falou assim: “Poxa, Palmira, você não está orgulhosa não? Está metida não?” “Não.” “Por quê?” “Porque eu fui num restaurante na França, quando veio o maitre tirou lá da carteira dele seu cartão.” Eu falei: “É?”
P/2 – Mas, por exemplo, quando você vai num restaurante desses, você vai na cozinha?
R – Não.
P/2 – Ou não?
R – Eu não.
P/2 – Não vai porque é tímida, não quer, não gosta, não é uma prática sua?
R – Não está igual o meu. (risos)
P/1 – Melhor nem ver, né?
R – Nem ver, né? Melhor não ver. Olha, eu sou muito escrupulosa.
P/2 – Conta como é que era nesse começo ainda, década de 60, a tua casa. Como é que era a tua cozinha?
R – Assim como outra cozinha qualquer, tá? Era o meu fogão, eu tinha um fogão de lenha que me ajudava e...
P/2 – O que você cozinhava a lenha ainda?
R – Ué, quase que tudo. Era fogão de querosene, eu não tinha gás. Aí depois foi comprando o gás, tentando ir comprar o gás. Aí eu tenho o fogão à lenha, sempre tive, gostava. Agora eu não tenho não, mas estou com vontade de fazer por causa do neto.
P/1 – E quem te ajudava?
R – Os filhos, os irmãos, todos eles ajudavam. A Shirley dizia que só arrumava a cozinha, não botava mesa... Botava mesa, mas deixava para lá porque tinha um medo de gente que só ela.
P/2 – Conta, então, um pouco, já que você falou da tua família, antes da gente entrar, então, na atual fase, conta com quem que você casou, o nome dos filhos, como que é isso? O nome do teu marido...
R – Eu casei com homem que eu nem gosto de dizer o nome.
P/2 – Tá.
R – Tá.
P/2 – Era uma pessoa do local também?
R – Não, era mineiro.
P/2 – Sim.
R – O nome dele era Peri dos Santos Leal. Os filhos é Shirley de Souza Leal, é Ubiratan, é Rita de Cássia, é Palmeri, é Wilson de Souza... Wilson também, Palmeri e Ricardo. Esses são os filhos.
P/2 – Como é que era um pouco essa infância deles ali, no bairro?
R – Como praia era o único divertimento, né? Estudaram...
P/1 – Estudaram lá.
R – Estudaram lá, fizeram Primário lá, o Ginásio em Campo Grande.
P/2 – E ligado à pesca tinha alguém, algum dos filhos?
R – Todos eles, todos eles pescam um pouco, mas pescam. Desde Bira até Palmeri... Até Ricardo pesca. Mas não pesca, assim, arrasto não. Bira tem um barco, Palmeri tem um barco, mas pescam, assim, só para casa.
P/2 – E como é que era essa convivência das crianças com esses clientes, com os surfistas, com os franceses, como é que era?
R – Ah, era boa, era boa.
P/2 – Um dos filhos ajudava mais, tinha algum mais interessado no negócio, como é que era?
R – Não, ajudavam sim, ajudavam. Todos eles ajudaram.
P/2 – Você tinha empregados no começo, Palmira?
R – Não. Tinha uma filha de criação chamada Catarina, hoje ela não está mais no restaurante, que me ajudou muito. Catarina foi o meu braço direito.
P/2 – Mas, quer dizer, nessa década de 60 era uma mistura da casa com o teu trabalho.
R – É.
P/2 – E aí você abria na década de 60 o restaurante quando? Era todo dia, mais sábado e domingo, como é que era?
R – Não, não. Quarta-feira, os franceses chegavam. Na quarta eles iam para... Chegavam quarta, iam quarta, aí voltava no domingo, já esperava eles. Mas nesse intervalo sempre tinha alguém, tá?
P/1 – Não fechava, assim, nenhum dia?
R – Não, não. Toda hora estava lá porque era a minha casa. Era só bater, “Palmira, quero comer.” Lá ia eu fazer comida.
P/2 – Ah, é? Era assim?
R – É.
P/2 – “Palmira, quero comer” e você ia fazer?
R – É, é, é.
P/2 – Essa década de 60, 70, seu restaurante já se torna mais conhecido e começa ter uma frequência de pessoas da Zona Sul, não é isso?
R – Isso.
P/2 – Como é que você acha que foi sendo feita essa sua propaganda do teu restaurante?
R – Não sei, boca a boca. Foi boca a boca, até hoje, porque eu não tenho... Tenho a propagandazinha, mas é para... Muito pequenininha e mais é boca a boca. Um fala para outro, outro fala... Até domingo tenho gente, que foi porque Fulano falou bem, não sei o quê. Toda hora tem essa gente assim.
P/2 – É?
R – Que fala. Agora tem muito paulista, tem mineiro, têm alguns, gaúchos têm alguns. Mais é paulista. Paulista baixou lá em casa direto.
P/2 – É?
R – É.
P/2 – Mas, assim, antes? Quer dizer, o teu restaurante também fica sendo conhecido por... Assim, o pessoal da música, alguns intelectuais, não é isso?
R – Também, também.
P/2 – Como é que foi se dando isso? Por exemplo, quem ia, assim, na década de 70, poetas, músicos, como é que era?
R – Chico Buarque... Enfim, todos eles. A viúva do Elvis Presley... Eu não sei falar.
P/2 – A viúva do Elvis Presley?
R – É, lançou um disco aqui no Brasil, isso foi na década de 60, e ela foi lá em casa.
P/2 – Ah, é?
R – Ela foi lá em casa. E, assim, muitos estrangeiros.
P/2 – É?
R – Que eu não sei falar o nome não. Músico, músico, conjunto, tudo.
P/1 – Artista francês também vinha lá da...
R – Também. A embaixatriz da França esteve lá em casa. Aí um cônsul foi lá em casa ver o ambiente do restaurante, que todo mundo falava tudo, ela veio com o intuito de ir lá em casa. Aí o embaixador foi lá, o cônsul foi lá, olhou e disse assim: “Ah...” Eu vi aquele homem entrando pela cozinha adentro, não entendia nada. Aí ele falou: “Ah, não tem condições, não tem condições.” Bati a cabeça para a mulher, na filha agarrada aqui na mulher, “não tem condições não.” Aí eu ______ “o que houve, o que o senhor está procurando?” Ele falou assim: “Não, é que nós íamos trazer uma pessoa aqui, não tem condições de trazer ela aqui não. Aqui é muito ruim.” Eu falei assim: “É?”, “É muito ruim. Aqui não tem condições de trazer ela aqui não.” Aí foi embora. Quando foi depois ele voltou. Isso foi durante a semana. Voltou: “Dona Palmira, eu quero uma mesa para tantas pessoas.” Era o cerimonial do Palácio Guanabara...
P/2 – O cerimonial.
R – O cerimonial da França e a embaixatriz da França. Menina, eu tinha mesas de lata, né? E toalhinhas de pano. Eles falaram: “Ah, a senhora escolhe a melhor toalha e junta direitinho essas mesas porque eu quero tudo arrumadinho, não sei o quê.” Eu falei: “Quer o quê?” “Não, eu quero tudo arrumadinho, que eu vou trazer a embaixatriz da França.” Eu falei: “Ai, melhor o senhor não trazer não. Aqui não tem condições não.” Não é? Não tinha que falar a verdade, eu falo a verdade. Aí ele ficou assim e falou assim: “Não, tem condições.” Depois ele falou para mim arrumar as mesas, no outro dia ele foi lá para arrumar as mesas, não sei o quê, que ela ia tal dia, que eu preparasse o almoço, não sei o quê, que ele ia... Primeiro ele ia provar a comida para depois ela provar, para ver se estava bom. Falei: “Não senhor. Eu só aceito se eu botar na mesa e ela comer.” Aí ele aceitou tudo, aceitou tudo que eu queria. Sabe por quê? Ela bateu o pé. Sabe o que aconteceu? Ela não sentou na mesa não. Ela sentou embaixo da seriguela, tirou o sapato, sentou na cadeira e dá-lhe caipirinha. (risos) Isso foi verdade. Ele... Olhava para a cara dele assim, tudo de paletó, tudo formal, ele... “Madame, não sei o quê, a madame não sei o quê.” “Ah, eu não quero ser madame nenhuma não. Eu quero sentar aqui e tomo a minha caipirinha.” Largou as mesas que ele queria, o cerimonial ficou para lá, né, comendo. E ela estava tomando caipirinha.
P/2 – Esse pé de seriguela é famoso no seu restaurante?
R – É, tem 53 anos.
P/2 – E da seriguela você faz alguma coisa?
R – Não, porque dá tanto trabalho. Ninguém quer trabalhar hoje. Quando era Bira fazia batida, né?
P/1 – Porque é gostoso, suco.
R – É gostoso, era suco de seriguela. Agora ninguém quer trabalhar, ninguém quer fazer nada, tudo é impossível.
P/2 – Você falou, Palmira, das mesas de latão. Como é que eram essa mesa, como é que eram as tuas cadeiras, as tuas louças?
R – Não, eu tinha uma mesa grande, que era dos franceses, aquela mesa grande existe até hoje. Eu mudei a tábua, mudei a madeira, está lá. Tinha uma mesa de madeira, mas foi aumentando, eu aumentei o espaço, eu comprei a casa, eu aumentei oito metros de espaço. Aí a Coca-Cola veio me dar...
P/2 – As mesinhas.
R – As mesinhas. Aí eu aceitei de bom agrado. Não podia comprar. Não podia... Olha, não entrei no negócio com o capital de ninguém, só dos meus irmãos. Aí foi indo, foi indo, foi girando e eu _____.
P/2 – Então como é que você... Qual é, assim, qual é o momento que você diz assim que o teu negócio deu a virada?
R – Quando que deu a virada? Ah, não sei.
P/2 – Quer dizer, você começa com os surfistas, os franceses, mas chega um momento... Por exemplo, como é que você expande? Quando é que você faz obras para aumentar?
R – Eu fiz uma obra para aumentar porque não podia, não suportava mais a fila, sabe? E agora está pequeno também. A expansão está pequena. Aí, Paula, eu sei que eu expandi e eu botei mesa de madeira.
P/2 – Isso quando? É década de 70, 80?
R – Ah, eu acho que foi 80, foi no princípio de 80, sabe? O rapaz criou caso que eu tinha que tirar outra mercadoria da mesa. Eu disse que não tirava, ele falou que ia tirar as mesas. Falei “tira agora.” Aí tirei as mesas e dei para ele. Ele ficou muito aborrecido, não voltou mais lá em casa.
P/2 – Quem era esse?
R – Era o dono da Brahma, sabe? Que ele não queria a Coca-Cola e eu disse que ia ficar com a Coca-Cola. Ele falou: “Então eu vou tirar as mesas, vou levar.” Falei: “Tira, tira agora.” Eu sou muito desaforada, né?
P/2 – Tia Palmira, né? Então vamos dar uma paradinha só para um cafezinho e para a gente voltar, tá?
R – Tá.
P/2 – Então, olha Palmira, a gente pára agora, toma um cafezinho...
(pausa)
P/2 - Bom, Palmira, assim você tinha comentado sobre quem foi afinal o teu amigo que foi para França, que conhecia...
R – Que conhecia o restaurante.
P/2 – Que conhecia o restaurante.
R – O Celso Freitas. O Celso Freitas chegou no restaurante lá na França e falou assim, conversando lá com o maitre, aí o maitre perguntou para ele se ele conhecia a Tia Palmira. Aí ele tirou o cartãozinho, mostrou para ele. O Celso Freitas ficou: “Poxa vida, mas até aqui Tia Palmira veio.” E chegou lá em casa falando que “Palmira, fui num lugar.” “Ali aonde?” “Está famosa, ein?” Falei: “Aonde?” “Na França.” Falei: “Ah, eu sei.” (risos) Mas ele é muito bacana.
P/2 – Bom, então você estava falando da década de 80, quer dizer, qual é o outro público, então, que começa a frequentar o seu restaurante, assim, de que forma a presença ali daquele...
R – Olha, eu não posso dizer qual o público, que o público que vai lá em casa, a maior parte, são fregueses de vinte anos, sabe? Tem freguês que foi embora, voltou, está lá em casa. Enfim, a Barra cresceu, o Recreio está crescendo e são esses fregueses que vão lá em casa.
P/2 – A Zona Sul ainda, o cliente da Zona Sul ainda vai?
R – Vai, vai, alguns vão, alguns vão.
P/2 – E essa coisa, assim, dos mais, dos intelectuais, dos músicos, dos artistas, eles também...
R – Ah, vão.
P/2 – Quando é que eles começam a ir mais? Quando a Globo se instala na região?
R – É, a Globo tem uma externa lá... Tinha uma externa lá na Barra. Gabriela, filmou a Gabriela, filmou muita novela lá...
P/2 – Na Barra de Guaratiba?
R – Na Barra de Guaratiba. E os artistas todos iam lá em casa.
P/1 – Nos intervalos de gravações eles iam?
R – No intervalo de gravação ia almoçar, sabe? E assim, quando não almoçava, levavam para lá, lá na externa, né? Enfim, todos eles, assim, Vinícius de Morais, Chico Buarque, assim, grupos estrangeiros de músicos também vão lá em casa.
P/2 – Eu soube que o Pink Floyd, gente do Pink Floyd foi lá também?
R – Foi, foi, o campeão de surfe também, americano, foi lá em casa. E tinha, assim, uma porção deles e os artistas em si, todos eles.
P/2 – Tem uma referência do seu restaurante em uma música ou em uma poesia do Vinícius de Morais, é isso?
R – Tem, ele citou no livro, livro dele, que ele queria ser mais... Queria durar mais tempo para ir frequentar mais o restaurante. Ele falou que por que levaram tão tarde ele.
P/2 – No restaurante?
R – No restaurante.
P/2 – Como é que ele era, assim, como cliente, você lembra?
R – Ah, ele era muito amigo, era muito simples, coitado.
P/2 – Comia a beça?
R – Comia bem.
P/2 – Bem. (risos)
R – O Menescal também é muito... O Menescal tinha uma floricultura lá na Barra. Ele frequentava muito lá em casa. Enfim, todos. Leda Nagle... Eu esqueço o nome deles, mas todos os artistas vão lá em casa, ainda vão lá em casa.
P/1 - Eles conheceram na época da novela e depois e...
R – E continuam, continuam indo.
P/2 – O que eu acho interessante, Palmira, é assim, você sempre se refere ao seu restaurante como a minha casa. Você toda hora fala, “eles iam na minha casa.”
R – Não, mas é porque foi feito, aconteceu lá em casa, lá em casa, minha casa. Podia dizer o restaurante, mas é mais fácil dizer a minha casa. Enfim, todos... Agora, o que é que você quer saber mais?
P2 – Então vamos agora começar, assim, o cardápio. Qual é o cardápio hoje da Tia Palmira e como se deu a ideia de se criar o cardápio único, que é... Você foi uma das que introduziu isso no Rio?
R – É. Primeira pessoa que introduziu isso.
P/2 – Como é que surgiu essa tua ideia, quando, Palmira?
R – Olha, isso surgiu... Hoje eu tenho um cardápio, então ele surgiu mesmo na década de 80, 70, com os franceses. Botava na mesa, eles se serviam. Aí eu adaptei o Vatapá, bobó de camarão, moqueca de sururu, moqueca de lula, arroz. Agora tem um arroz de frutos do mar, tem um ano e pouco. Tenho o peixe à brasileira que é servido com banana, tenho filé de peixe, tenho moqueca de cação, muito gostosa. Enfim, aí surgiu esse cardápio. Aí eu ponho na mesa...
P/2 – Como é que vocês põem, conta para gente.
R – Eu ponho na mesa e vocês se servem. Eu ponho um couvert.
P/2 – Que é de quê?
R – Pastel de camarão, camarão frito, casquinha de siri, mexilhão ao molho, mexilhão... Uma pastinha de peixe, que mais? Pastinha de peixe, pastel de camarão. É, se é criança, não gosta de pastel de camarão, faço pastel de queijo. Se a criança não gosta de peixe, eu faço um prato especial para eles. Só não faço carne, sabe? Não gosto muito de carne não. Aí eu faço ovo frito, faço batata frita, sabe? Para criança quando vai e que não gosta. Eu já sei, mais ou menos, o que não gostam, né? Depois eu ponho... Eu ponho o couvert, depois eu tiro, ponho a mesa que é as comidas que eu já falei, depois eu ponho as sobremesas. É banana caramelada, banana em calda, doce de mamão, abóbora com coco, baba de moça com coco que eu inventei. E outros, todo mundo faz em restaurante, em confeitaria, baba de moça, que eu ensinei para uma pessoa muitos anos e fui eu que inventei. E agora inventei um doce de grapefruit, grapefruit ou aquela laranja grande. E tiro as bagas, as peles brancas todinha da baga e faço um doce maravilhoso com coco, que mamãe fazia no natal para gente, doce de laranja, assim, laranja da terra... Laranja pêra, só se servia laranja pêra ou Bahia. Ela tirava todas as bagas no natal, chamava Baga de Ouro.
P/2 – Que interessante.
R – É. E ela já inventou esse nome, não existia esse nome. Aí deixava de molho de um dia para outro, depois escorria num pano e ponha na calda. Assim eu fiz essa baga dessa laranja.
P/2 – De Grapefruit.
R – Mas ficou gostosa. Eu inventei agora, semana passada. A dona que me vende o grapefruit falou assim: “Palmira, o quê? Eu jogo tudo fora.” Falei: “Vou trazer um pouco para você.” Aí levei para ela: “Que doce gostoso.”
P/2 – Mas como é que se dá esse processo de criação de um doce? Como que é? Você fala assim, “hoje eu vou inventar...”
R – Meu, meu, meu. Lembrei de mamãe, lembrei de mamãe. Lembrei e fiz. Se aparecer outro eu invento e faço.
P/2 – E, assim, você... Por exemplo, como é que se introduz ao cliente um novo produto?
R – Ah, eu ponho na mesa.
P/2 – Você põe sem avisar, você põe...
R – Sem avisar, sem nada. Você pergunta o que é, eu digo. Senão eu não digo.
P/2 – Senão você não diz. (risos)
R – Eu digo. Aí está muito... Essa banana caramelada, eu tirei de um francês, que ele botava a banana super quente com açúcar e canela e ele caramelava, ele flambava na mesa. Aí eu tirei, botei a calda, a banana e flambava e flambo até hoje. Aí muita gente já copiou, mas não sabe o detalhe da calda, que se não tiver manteiga, não funciona, tá?
P/2 – E assim, o que mudou, por exemplo, nas tigelas? Por exemplo, você antigamente ofereceu a tua comida em que tipo de tigela? Hoje é o alumínio, era de barro, era de vidro, como é que era?
R – Não, era de vidro, Pirex ou Pirex grande que eu fazia para quantas pessoas a quantidade certa, né? Certa, mais ou menos, que se você precisar de mais, eu vou apanhar lá na cozinha. Aí eu... Há vinte anos, eu achei as tigelas de barro. Achei a Cerâmica São Sebastião lá em Niterói... Não, é...
P/2 – Itaboraí?
R – Itaboraí, eles me fornecem até hoje a vasilha de barro e eu adaptei o tamanho certo para uma, para duas pessoas, para três pessoas e só. É o número um, dois e três que ele faz. Aí eu ponho na mesa.
P/2 – Mas elas têm a sua marca?
R – Não.
P/2 – Não.
R – Não. Nada tem a minha marca. Ah, eu não gosto dessas coisas não.
P/2 – Você tem marca o teu restaurante? Tem um logotipo, tem alguma coisa...
R – Têm uns plástico que Ricardo fez agora os... Como é que se diz, os...
P/2 – Os adesivos.
R – Os adesivos.
P/1 – Do lado de fora, como que é, tem escrito grande Tia Palmira?
R – Agora, o ano passado, o rapaz que faz as camiseta, ele me deu um painel grande, aí eu ponho lá na rua. Mas acabou aquilo, eu não faço mais não.
P/2 – Por que, Palmira?
R – Porque eu acho que o boca a boca é melhor do que o painel, sabe? Ainda vai gente lá em casa. Quando eu falo o preço, aí ele levanta e vai embora. Fica chato, né? Fazer propaganda assim. (risos)
P/1 – E o acesso para quem não conhece muito? Tem gente que se perde muito ali, demora muito para chegar?
R – É, demora, é chato. Domingo ainda foi um lá: “Poxa, dei uma volta.” Às vezes vai lá na Pedra. (risos)
P/2 – É longe à beça.
P/1 – Chega lá morrendo de fome.
R – Chega morrendo de fome. Mas, olha, e outra coisa, lá também eu não obrigo ninguém a sair cedo da mesa. Pode ficar conversando à vontade, que nem me importo. Tem fila lá, mas...
P/1 – Quantas pessoas cabem mais ou menos?
R – Eu tenho 140 lugar.
P/2 – Ainda dá fila no seu restaurante?
R – Olha, deu uma pequenininha domingo. Domingo, feriado não.
P/2 – Você faz reserva?
R – Não. Só se avisar no dia que vai para lá. Aí eu marco.
P/2 – Vocês têm alguém que tem pistolão, se chegar lá e tem direito a entrar na frente do outro?
R – Não tem não.
P/2 – Não mesmo, Palmira?
R – Não tem não.
P/2 – Se o Chico Buarque chegar lá?
R – Uhh, ele vai esperar. Olha, que tem uma caipirinha lá que faz...
P/2 – Esperar.
R – Esperar. Tem a caipirinha com pastel e faz esperar.
P/2 – Palmira, quando é que começa a se tomar mais caipirinha no Rio? Porque teve um momento que passou-se tomar mais, não foi isso ou não? Quando é que você começa a fazer caipirinha, você sabe? Os franceses já tomavam?
R – Já, já tomava caipirinha.
P/2 – De quê?
R – Limão. Agora eu faço de maracujá e de limão e lima.
P/2 – Lima da Pérsia?
R – É. Também faço isso. Bira faz de todas as frutas, eu não faço não.
P/2 – O que você acha que mudou no gosto do carioca? Quer dizer, o que o seu restaurante teve que se modificar para acompanhar, por exemplo, um modismo?
R – Não, na parte não chegou a isso não.
P/2 – Sei.
R – Às vezes teve um freguês que faz assim: “Palmira, vem a fumegante?” Esse é freguês antigo, né?
P/2 – O que é isso?
R – É uma moqueca de camarão que eu faço.
P/2 – Ah, fumegante.
R – Fumegante porque não pode falar alto porque o freguês do lado não pode escutar porque é só para ele, sabe? Eu não posso fazer para todos não, senão eu...
P/2 – O que ela tem de diferente?
R – Não tem nada. Ela vem fumegante, ela vem fervendo para mesa. Não tem nada. Os meus temperos lá, minhas magias lá. (risos)
P/2 – Tuas magias?
R – Você não quer que eu conte, né?
P/2 – Não. Agora, assim, você falou, por exemplo, do cação. O cação é um peixe que está se comendo agora mais?
R – Não, mas eu já oferecia.
P/2 – Ah, você já oferecia Cação?
R – Já. Olha, os meus filhos lá em casa começaram a comer cação cedo. Meu primeiro alimento foi cação, que não tinha espinha, tá?
P/1 – É o peixe mais, que sai mais agora?
R – É.
P/1 – O mais procurado.
R – É o mais nutritivo que tem.
P/2 – Você no teu restaurante, quer dizer, você... De onde você se abastece hoje, teus produtos?
R – Meu produto vem de Paraty e vai da Pedra. Os canoeiros da Pedra me leva camarão. Mas mais de Paraty.
P/1 – De Paraty vem o quê?
R – Camarão e lula e a carne de siri.
P/2 – Mas, assim, é direto do pescador?
R – Direto do pescador. Não tem atravessador não. Direto do barco do pescador.
P/2 – E as frutas? Você falou de banana, de mamão?
R – Ah, mas é de lá mesmo.
P/2 – De lá aonde?
R – Da Barra de Guaratiba. Tem um bananal que foi... É do quartel, que está... Bira arrendou, arrendou e tem muita banana. Agora, Bira passou para o Josias. Aí o Josias é um pobre coitado lá, que vive lá, muitos filhos e coisa, Bira passou para ele. É onde eu tenho banana. Banana lá é toda hora. Onde você passa tem banana para vender.
P/2 – E aí no seu restaurante, a banana se come com salgado e com doce?
R – Com doce.
P/2 – E essa coisa de botar fruta na comida, isso é brasileiro?
R – É.
P/2 – De onde? Como é que você se expirou para trazer...
R – Mamãe fazia pirão de banana. Eu faço também um pirão gostoso com banana que é uma delícia. Caldo de peixe com banana. Eu faço peixe frito com banana. Bota banana frita do lado do peixe frito. Muita saída.
P/2 – Você teria, assim, um prato ou um produto que você diria “este é o que é mais pedido”?
R – Bobó de camarão. É uma coisa. Todo mundo pede bobó de camarão.
P/2 – Por que você acha?
R – Porque, olha, o camarão como vai direto para a minha mesa, para a minha casa, eu não passo... Eu não compro camarão congelado, tá? O camarão entra lá em casa fresco para poder limpar e eu limpo ele muito bem limpo porque antes de tirar a casca, eu lavo ele no vinagre, na água de vinagre. Isso ninguém sabe. Aí o vinagre tira, o ácido do vinagre tira um pouco daquela coisa... Aquela (sica?) que tem no camarão, aquela foligenzinha e já vai limpar praticamente lavado. Já vai lavado.
P/1 – E o camarão, aquele grande, médio?
R – Ah, eu tenho todo tipo.
P/1 – Todos os tipos.
R – É. Aí você sabe que faz o camarão ______. Um senhor, sexta-feira passada, foi sexta-feira passada, no mês passado, ele chegou cheio de pipoca lá de Fortaleza: “Não quero camarão não, dona Palmira, que eu estou cheio de pipoca, alergia a camarão.” Aí passou, sexta-feira, ele foi lá em casa. “Palmira, eu já posso comer camarão.” “Não, não, é o camarão lá de casa”, que ele já podia comer. Eu tenho duas pessoas só para limpar camarão, sabe? Eu não faço... Eu não faço economia não. Se eu fizesse economia eu estava rica, se eu comprasse congelado, usasse o congelado. Agora, o recheio do pastel sou eu quem faço, recheio de siri, a barquete de siri é muito gostosa. Inventei aquela barquete no Mediterranee, que eu estava procurando uma coisa que não fosse a casca do siri, sabe? Para fazer a casquinha de siri. Aí no Mediterranee, eu olhei aqueles doces muito sofisticado lá, cozinha francesa, brasileira, aquela coisa toda, eu prestei muita atenção. Aí eu vi, falei: “Experimentei a massa, perguntei, falei para você: “Como é feito essa massa?” “Ah, essa massa aí é uma massa da casa, é farinha de trigo, não sei o quê, não sei o quê.” Fui para casa e fiz. Sucesso. Aí eu faço recheio, fica no banho maria e vou tirando e vou recheando na hora. Para mesa vai quente, agora a barquete eu faço de véspera, né, porque não dá para fazer tudo no mesmo dia não.
P/2 – Agora, assim, em termos de bebida, né? Assim, o que antigamente se comia, o que... Por exemplo, refrigerante, desde quando aparece o refrigerante? Sempre teve, se bebe mais refrigerante, se bebe mais suco? Como que é? Se bebe cerveja junto com peixe?
R – Gozado, bebe mais refrigerante do que suco. O suco tem muita saída, mas refrigerante tem muita saída. Cerveja tem muita saída e vinho tem pouco. É uma por semana, duas garrafas. Tem gente que toma mais.
P/2- E refrigerante desde quando se toma?
R – Desde quando saiu no mercado.
P/2 – É?
R – Na década de 60, né?
P/2 – Década de 60.
P/1 – No começo, então antes dos franceses, dos surfistas era o quê? Só suco...
R – E água.
P/1 – Água.
P/2 – Agora, você falou do...
R – E vinho, né? Vinho eles levavam, levavam vinho, francês levava o vinho e tomava o vinho que eles queria. Então guardava, deixava para guardar para outra vez que eles viessem.
P/2 – Você falou das pessoas que tem trabalhando com você, por exemplo, limpando camarão. Como que é a sua equipe de funcionários?
R – Olha, primeiro na década de 60 eu que limpava o camarão. Depois eu arrumei uma pessoa para limpar o camarão. Você perguntou o quê?
P/2 – Você tem muitos funcionários, quantas pessoas trabalham para você, como é que funciona isso?
R – Fixo eu tenho mais seis fixa. O resto é freelance, por dia, sabe? Fim de semana.
P/1 – Pessoal que serve as mesas.
R – É. Eu também sirvo a mesa. Eu vou servir também. Mais eu fico olhando. Fico olhando, nossa senhora. Eu cobro muito deles.
P/2 – Quando um funcionário entra para trabalhar com você, qual é a primeira coisa que você diz para ele?
R – Freguês tem razão. Você não pode discordar do freguês. E você trata muito bem. Não são meus fregueses, são meus amigos.
P/2 – Esses funcionários, a maioria são moradores do bairro?
R – São de lá.
P/2 – E assim, qual é a época que você tem mais movimento?
R – Verão.
P/2 – No restaurante. O que é o verão? É janeiro ou mês de fevereiro, é carnaval, como que é?
R – É o verão em si, todos os dias. Agora, ultimamente, todo dia. Todo sábado e domingo. Durante a semana, muito pouco.
P/1 – E feriado, esses feriados que a gente teve?
R – Feriado também. Agora não tem mais, né?
P/1 – Agora não tem mais.
P/2 – Como que é o horário de funcionamento do restaurante?
R – É de 12:00 até às 17:00 de terça a sexta. E sábado e domingo até às 19:00. Agora, tem um freguês que chega lá e sai 21:00, 22:00.
P/1 – Só fecha quando ele sair.
R – Só fecho quando ele sair. Eu não mando embora não.
P/2 – Para você, Palmira, o que mudou ao longo desses anos num restaurante? Quer dizer, o que tem de modernidade, que te ajudou? O que você acha que... Por exemplo, você falou do fogão, que antigamente você cozinhava à lenha, hoje cozinha à gás. O que você acha que mudou, que trouxe melhorias para o teu ramo de comércio?
R – Ah, muita coisa, muita coisa.
P/2 – O quê, por exemplo, que você citaria?
R – Ah, não tenho ideia. Não tenho ideia, mas muita coisa.
P/2 – Agora, assim, em relação à região, você é uma das pioneiras do uso do nome “Tia Palmira”. Hoje o bairro de Barra de Guaratiba...
R – É só Tia.
P/2 – São várias tias que são proprietárias de donos de _____. Eu gostaria de te perguntar, quando é que começa ampliar no bairro os restaurantes, se essa concorrência atraiu mais pessoas, se foi boa ou se foi ruim? Por favor, se você pudesse comentar.
R – Olha, o meu comentário é o seguinte; é que elas nasceram, não faz igual a mim. Fica todas elas para trás. Não cozinha bem. Eu vou falar mal porque é verdade. Eu vou dizer que cozinha bem e depois chega lá, você chega lá tem uma comida horrível, né? E não cozinham bem. O único lugar que é mais ou menos é Tia Penha e Petisco da Barra. Petisco da Barra é. Petisco da Barra. São os únicos dois que eu aconselho você ir lá.
P/1 – Na sua rua mesmo tem outras Tias?
R – Não, não. Só tem uma pizzaria que é da Rita, minha filha. Não tem Tia não.
P/2 – Mas você acha que esse...
R – As Tias morrem ali onde eu fico, onde eu estou. Para frente não tem nada. Tem um tubarão lá e para trás é que tem as Tias. O Bira não quis ser Tio não. (risos) é Bira Bira, é Bira mesmo.
P/2 – O Bira é um filho seu que abriu um restaurante do mesmo ramo?
R – Não, mas não serve igual não.
P/2 – O que é de diferente? O que tem?
R – Lá é à la carte. Muito chique, pô. Mas lá é muito bom também. Tem uma vista maravilhosa.
P/1 – Qual é o nome do restaurante?
R – É Bira, é 68 A. Ele também serve moqueca... Eu não sei como é que ele chama moqueca de camarão. Ele serve um robalo gostoso, filé de robalo. Eles trabalham só com coisas boas, sabe? Camarão VG, filé de robalo, sabe? E tem poucas coisas para você... Não precisa se enrolar no cardápio não porque é aquilo ali. Ele serve um arroz de camarão com filé de robalo, uma farofa de dendê... Ah, tem farofa de dendê no meu cardápio. Muito gostoso. Faz moqueca de camarão, faz... Que mais, a moqueca mista com todos os peixes, camarão, lula, polvo. Ele trabalha com polvo também porque é à la carte, pode cobrar.
P/1 – E quem cozinha para ele?
R – Era ele e uma cozinheira que era minha. Há dez anos que ela... Há muitos anos que ela ia lá em casa. Agora está lá com ele, dei ela para ele.
P/2 – Como é que você vê isso? Quer dizer, ao mesmo tempo o seu filho, ele não dá continuidade ao seu negócio, ele abre um do mesmo ramo, mas com diferencial que é, talvez, um pouco mais refinado. Como é que você vê isso?
R – Eu acho muito bom, acho muito bom. Porque ele tem o dele e eu tenho o meu. Ele não gosta que eu vou no restaurante dele para dar palpite. Eu também não gosto que ele vai lá em casa para dar palpite. Cada um fica na sua. E melhor.
P/2 – Mas você tem um filho que trabalha com você?
R – Tenho, o Ricardo. Ricardo está lá acompanhando comigo, mas eu acho que ele não vai ficar não.
P/2 – Por que, Palmira?
R – Ah, ele é muito devagar.
P/2 – O que precisa para ficar? O que é que precisa para dar continuidade?
R – Precisa ter amor às panelas, menina.
P/2 – Ah, que ótimo. Ter amor às panelas.
R - Cada panela lá em casa tem um nome.
P/2 – Ah?
P/1 – Fala os nomes.
P/2 - Me dá o nome de uma. (risos)
R – Ramona. Ramona era... Essa panela foi de mamãe, sabia?
P/2 – Ai, que legal, Palmira.
R – É grande, enorme. Essa panela foi de uma senhora chamada Ramona, aí ficou com apelido até hoje. “Me dá essa Ramona.” Até ontem, “pega essa Ramona aí.” (risos)
P/2 – Mas você gostaria que um dos filhos desse continuidade ao seu negócio?
R – Eu gostaria, mas eu não sei se vai, não sei se vai. Vai ser diferente, te garanto. Igual não vai ser não.
P/2 - O que você acha que o seu restaurante tem que você imprimiu o seu particular e que você acha que é o que te diferencia?
R – Ai, o meu particular? Tudo, tudo ali é a minha vida. Tudo ali, tudo ali é igual. Assim, eu brinco com as crianças, iiiiih nossa senhora, eu falo daqui, eu falo dali, eu exijo a comida bem feita. Quando não está bem feita, eu vou lá e pego os temperos e boto, sabe? Até hoje ainda dou receita para os meus empregados porque se deixar eles botam um pinguinho de alho, um pinguinho de cebola, um pinguinho... Não é pinguinho, é muito, para dar gosto, é paladar porque o alho hoje não tem o mesmo paladar de antigamente.
P/2 – Não é?
R – Não. Olha, eu trituro no multiprocessador, o meu alho que eu vou trabalhar. Então quilos de alho, mas eu gosto de botar alho na comida. As pessoas “por que a sua comida tem gosto, Palmira? Tem um paladar bom.” É o alho.
P/2 – Você tem livro de receita?
R – Não.
P/2 – As receitas estão todas na sua cabeça?
R – Todas na minha cabeça.
P/2 – Você nunca pensou em escrever?
R – Não.
P/2 – Nunca se preocupou?
R – Não, não.
P/2 – Ou é proposital?
R – Não, não, não.
P/2 – Não.
P/1 – Uma coisa que eu queria saber, assim, como é que fica a sua privacidade na sua casa com esse monte de gente entrando e...
R – Ah, eu perco a privacidade ______.
P/1 – E não te incomoda, não incomoda?
R – Não, a mim não incomoda não. E não gosto que diga que incomoda, está entendendo? Não gosto que digam que incomoda.
P/2 – Mas hoje você já não mora onde é o restaurante?
R – Há muito tempo.
P/2 – Tem uma casinha pertinho?
R – Há muitos anos. É pertinho, do lado.
P/2 – Do lado.
R – É em cima. Uma casinha velha, que é a minha casa.
P/2 – Palmira, assim, o que você acha, a Zona Oeste, a região de Guaratiba, ela tem todo um potencial de um pólo gastronômico e turístico?
R – Tem, tem.
P/2 – De que forma você acha que os restaurantes têm... Que papel que você acha que eles têm para a região, como um comércio de restaurantes de peixe, de especialidade porque aquela região é especializada em restaurante de peixe, né?
R – É.
P/2 – Como é que você acha que isso é importante para a região?
R – Olha, eu não posso nem te falar porque... Não sei, eu acho que é muito importante, mas eu acredito que muito restaurante vai no Ceasa comprar peixe, sabe? Eu falo de cadeira porque muito dos donos de restaurante vão para Ceasa comprar peixe, comprar verdura porque lá pede... Você pede um peixe à brasileira, não sei, eles botam, assim, batata, chuchu, repolho, assim, legumes no peixe cozido, sabe? Agora não sei. Eu nem vou lá porque tudo tem camarão, tudo tem peixe.
P/2 – Uma pergunta que eu esqueci, você acha que esses vários “Tias” que nasceram em Barra de Guaratiba são por tua... Você foi a primeira Tia?
R – É, fui, fui a primeira Tia.
P/2 – Foi a primeira Tia.
R – É.
P/1 – Tem algum Tio?
R – Não, não tem Tio não, mas tem uma porção de Tia.
P/2 – Você acha que as mulheres são melhores cozinheiras do que os homens?
R – Ah, são.
P/2 – É.
R – É, são.
P/2 – O que diferencia uma mulher na cozinha de um homem?
R – Ah, eu acho que a mulher é mais limpa, né? (risos)
P/1 – Caprichosa assim?
R – É.
P/2 – Mais caprichosa.
R – Apesar de Bira ser cozinheiro, né? Mas ele faz na cozinha, assim, quando tem muito movimento. Meu neto que está progredindo lá com ele.
P/2 – Ah é?
R – É. O Pablo. Ele está como chefe de cozinha lá no restaurante dele.
P/1 – Você ensina, dá dica?
R – Eu dou dica.
P/1 – Não dá receita toda.
P/2 – Você dá receita? Tem alguma receita que o Bira faz no restaurante dele que ele diz assim: “Essa é receita da minha mãe”, como você disse, “aquela da grapefruit é da minha mãe”? O Bira tem uma receita que é da mãe?
R – Não, porque ele é orgulhoso.
P/2 – Que nem a mãe, né?
R – É. Ele é orgulhoso, não dá.
P/2 – Bom, Palmira, tem, assim, mais alguma pergunta?
P/1 – Não.
P/2 – É. A gente conversando, você me disse, assim, de outras atividades. Você tem um grupo de amigas que são as culinárias.
R – É, são culinaristas.
P/2 – O que é e quem vocês são?
R – Olha, quem... O nome delas eu não sei não, porque são todas estrangeiras.
P/2 – Sei.
R – Eu só, tem a Doracy, que é maranhense, eu e a Ivone que me levou para lá. Ivone é uma suíça que mora na Barra. As outras têm todas nome, assim...
P/2 – Estrangeiro.
R – Estrangeiro, eu não sei não. Mas nós somos em doze culinaristas. Então um mês... No mês que vem sou eu porque eu vou dar um almoço lá em casa. Aí eu faço o que eu sei da cozinha brasileira. A Doracy faz do Maranhão, eu faço do Rio, Doracy faz do Maranhão. As outras, cada um faz da sua nacionalidade. A Ivone é suíça, ela sempre faz um fondue.
P/1 – Uma vez por mês vocês se encontram?
R – É, é.
P/1 – Na casa de cada um.
P/2 – Qual é a outra nacionalidade que tem, você sabe?
R – Acho que são todas. Tem árabe, tem francesa, tem americana, tem...
P/2 – Essa é boa. O que americana cozinha?
R – Ah, sei lá. (risos)
P/1 – Faz hambúrguer.
R – Tem mais outras, sabe, que eu não sei o nome. Não guardei a nacionalidade delas.
P/1 – Sei. Tem alguma comida que você gosta, em especial, de outro país, assim, um prato, assim, que você “ah, eu adoro comer macarrão”, alguma coisa assim?
R – Não, mas eu comi um ravióli.
P/2 – Tem italiana nesse grupo?
R – Tem. Um ravióli, mas uma delícia.
P/2 – É.
R – Uma delícia. Não esqueço até hoje. Faz dois anos.
P/2 – Nesse grupo?
R – Nesse grupo. Essa senhora mora lá em Santa Teresa... Santa Teresa ou Copacabana, não sei aonde que ela mora. E ela faz uma vez por mês também comida na casa dela. Junta um grupo, cada um paga tanto e ela faz comida na casa dela.
P/2 – Mas, assim, o que é que move vocês a se reunirem e vocês discutem receitas, vocês trocam receita?
R – Discutimos. Pois é, trocamos receita e discutimos receita. Já faz quinze anos que eu tenho esse grupo. Eu entrei há cinco ou seis, alguma coisa assim, que eu entrei para lá. Mas esse grupo é grande.
P/2 – Você é a única dona de restaurante?
R – Sou. As outras... Uma é professora de culinária, outra faz comida em casa, convida... Avisa os amigos uma vez por mês e faz comida em casa e vende, sabe? E as outras são donas de casa.
P/2 – Assim, o ramo do comércio de restaurante, o que ele mudou ao longo dos anos, se tornou mais difícil, melhorou, a clientela aumentou? As pessoas tem hoje mais dinheiro, consomem mais, vão mais a restaurante ou menos, Palmira?
R – Já tiveram mais dinheiro e já consumiram. Agora não. Agora tem menos dinheiro ou por causa da violência, não quer sair de casa...
P/2 – Você sente isso no seu restaurante?
R – Sinto, sinto. Muito disso. Ou tem medo da violência, pede a comida em casa, que tem muito fazendo isso, ou pede... Ou vão para um restaurante que já conhece o restaurante.
P/1 – Vocês entregam em casa, a Tia Palmira?
R – Não.
P/1 – Não.
R – Não.
P/2 – E a Tia Palmira é um programa, né?
R – É.
P/2 – “Vamos sair de casa, para aí.” É um programa.
R – É um programa.
P/2 – Você acha que isso mudou um pouco na cidade do Rio?
R – Caiu um pouquinho o movimento.
P/2 – Então o movimento caiu?
R – Caiu.
P/1 – E as exigências, assim, dos clientes com higiene, tem gente que quer entrar para ver como que é a cozinha?
R – Não, fala “só pelas cozinheiras e pela ajudante de cozinheira e as panelas, já vi que é muito limpo, que as panelas estão brilhando.” Todas de toca na cabeça. (risos)
P/2 – É?
R – Ah é. Todas de uniforme.
P/2 – Como que é o seu uniforme lá do restaurante?
R – É bermuda, camiseta do restaurante e toquinha na cabeça. Só isso.
P/2 – Isso é interessante. Quer dizer, as pessoas atendem de bermuda, o que é muito carioca, né?
R – Não, é bermudinha.
P/2 – Bermudinha, claro.
R – Não, atender é depois do joelho, tá? É depois do joelho. Não é calça comprida não. É meia canela.
P/2 – Agora, em termos de formas de pagamento, Palmira, qual é a forma de pagamento que se usa mais hoje? É cartão, é cheque, é dinheiro?
R – Ah, é cartão. Nossa senhora!
P/2 – Quando é que você introduz o cartão no seu restaurante, você sabe dizer?
R – Ah, não sei não. Mas acho que, assim, que saiu o cartão, eu botei logo o América...
P/2 – Mas isso é o quê, dez anos atrás, mais ou menos?
R – Eu acho que tem mais.
P/2 – Mais.
R – Mais. Mas hoje em dia era muito pouco. Agora é muito cartão. Tem dia que eu não recebo um cheque. É mais ou menos dinheiro, o resto é cartão.
P/2 – Assim, na sua opinião, o restaurante, o ramo de restaurante de peixe é um ramo, assim, um pouco elitizado? É caro? Peixe é caro, né?
R – É caro. É caro, mas não é tão caro assim não.Pelo que eu ofereço não é tão caro não.
P/2 – Pois é. Você tem fartura, sobra muito, né, Palmira?
R – Sobra, leva para casa. Eu já tenho quentinha padronizada para levar para casa, sabe? As pessoas levam.
P/1 – Já pedem para levar para casa?
R – É. Agora está muito elitizado, sabe?
P/2 – Mas, assim, desde quando as pessoas, assim, perguntam se podem levar para casa?
R – Ah, mas eles perguntam e leva na cara de pau.
P/2 – Aí você tem uma quentinha?
R – Tenho, tenho a quentinha padronizada.
P/2 – O que é a sua quentinha padronizada?
R – É desse tamanho.
P/2 – Desse tamaninho?
R – É. Que sobra pouquinho. (risos) Mas querem levar pouquinho, então leva essa paradinha.
P/2 – Mas eles levam, por exemplo, levam os doces, levam o peixe, levam o arroz, o que é que leva?
R – Leva tudo que sobrar.
P/2 – Peixes?
R – É, leva tudo que sobra.
P/2 – Arroz, o peixe...
R – Diz que é para o porteiro. Outros diz que é para o cachorro, mas não levava tudo separadinho para o cachorro dela.
P/2 – Se fosse para o cachorro não leva separado?
R – Não, não. Os doces, às vezes, levam. Também tem um potinho para levar.
P/2 – Você vende doces, por exemplo? Se alguém chegar lá e falar, “Palmira, eu quero levar para casa doce de mamão”, é possível isso no seu restaurante?
R – É, mas eu dou. Não paga não.
P/2 – É.
R – É. Ainda domingo levou uma quentinha de Baba de Moça com coco.
P/2 – Isso é uma mistura de uma coisa meia portuguesa com brasileira, né, Baba de Moça?
R – É, eu acho que Baba de Moça é. Mas eu fazia Baba de Moça só. Ia talhando, né? Aí eu botava numa panela. Aí fazia a outra, quando mexia, mexia, aí desandava, voltava. Aí eu enchi uma panela, já estava chateada de fazer Baba de Moça, que tem a medida certa, mas tem uma hora que você não acerta. Aí eu falei: “ah, não vou jogar isso fora não. Eu vou botar coco.” Aí eu botei coco, deu certo. Gritei tanto na cozinha. (risos) Aí deu certo. Agora é um tal de bolo, torta, não sei o quê, não sei o quê, torta com leite de coco. Mas eu ensinei para Teresa... Teresa não, uma dona lá do Barra Shopping, assim que o Barra Shopping abriu, eu ensinei ela a fazer a Baba de Moça, que ela foi lá em casa e gostou, ela passou a rechear as tortas com Baba de Moça, é um sucesso.
P/2 – Agora, isso de alguma forma, quer dizer, te enaltece ou te chateia uma pessoa usar uma receita sua, por exemplo, e não atribui a você, por exemplo...
R – Não, mas eu fico chateada, mas não ligo não. Fico chateada, mas não ligo não. Deixa para lá. (risos) Deus tem mais para me dar do que o diabo para carregar.
P/2 – Então, tá. Então, olha, para gente encerrando, como que é hoje um dia da sua vida, Palmira?
R – Hoje?
P/2 – É.
R – Eu vou para casa e vou para o restaurante.
P/1 – E na sua folga?
R – Ah, na minha folga eu fico em casa costurando, que eu também gosto de costurar.
P/1 – E passear, ir no Shopping, praia?
R – Já gostei muito. Agora não gosto não. Nem de caminhar na praia que eu fazia, agora eu nem gosto, sabe? Cismei lá com o coronel, que está chato, não vou mais não. Eu vou lá na praia mesmo, volto. Se não for eu fico em casa, sabe?
P/2 – Mas você se permite, por exemplo, o descanso? Você se afasta, qual é um período maior que se afasta do seu restaurante?
R – Até 28 dias eu já me separei. Fiz um cruzeiro. Fiz um não, fiz diversos cruzeiros.
P/2 – Você viaja à beça, né?
R – Viajo. É 28 dias. Não, agora eu só saio, assim, oito dias, três dias, oito dias, três dias.
P/2 – Mas porque você tem que estar lá?
R – Porque sou eu, sabe? Sou eu mesmo que gosto. É porque eu sinto falta do restaurante. Sinto falta de brigar com as pessoas, falar alto, de gritar, eu sinto falta disso. E depois, sei lá, as amigas não são mais as mesmas. A gente viaja, tem uma criando caso, outra criando caso, outra criando caso, falei: “Ah, vão plantar batata! Chega de criar caso!” Aí eu me isolo.
P/2 – E a família, ela está sempre presente ali no restaurante?
R – Está. A gente quando tem uma festinha a gente se reúne. Quando tem aniversário a gente se reúne. E a gente conversa com um, com outro.
P/2 – A tua família é grande ainda em Barra de Guaratiba?
R – É grande. Mas tem sempre aquela que “não quero ir, não quero ir. Eu vou.”
P/1 – E os clientes quando vão no seu restaurante, você não está. Eles ficam muito decepcionados?
R – Ah, ficam chateados. “Eu vim aqui, você não estava. Eu vim aqui, você não estava.” Falei: “Ah, estou passeando.” (risos) Prego uma mentira e muitas e muitas.
P/2 – Palmira, você sai de casa para comer em outro restaurante?
R – Olha, eu saía. De vez em quando, segunda-feira, eu saio assim, vou ali no (Dinos?) para comer. Mas eu não gosto de carne. Tomei nojo de carne. Sabe por quê? A carne é muito cheia de coisa. Olha, muito hormônio. Eu vejo televisão, agora que eu fico sem televisão uns tempos para cá, é hormônio para galinha, é hormônio para pato, é hormônio para boi. É tanta vacina que dão nos bois, coitado. Ah, nossa senhora! É muito contaminado, né?
P/1 – Prefere o seu peixe, né?
R – É o peixe, né? O peixe lá nasceu em mar aberto, que tem peixe lá.
P/2 – Aquela região de Barra de Guaratiba é um grande manguezal, né?
R – É.
P/2 – Tem mangue, tem caranguejo, siri. Você também compra dali, dessas pessoas?
R – Eu não compro dali não.
P/2 – Não.
R – Dali não. Eu compro de lá. Ali eu não compro não. O mexilhão vem de... O mexilhão que eu vendo é aquele de cativeiro, aquele de... Em Angra tem muito. Você não viu lá em Angra tem umas boias azul, coisa assim. Ali que tem os cativeiros de ostra... Ostra não, de marisco.
P/2 – Agora, assim, no teu terrenozinho, por exemplo, você tem uma horta, você tem tempero?
R – Tenho.
P/2 – Você usa isso no restaurante?
R – Uso. Tem manjericão, tenho hortelã. Eu faço molho para servir com uns croquetes de camarão que eu sirvo no couvert, você molha ali naquele molho...
P/2 – De quê? De hortelã?
R – Nada, hortelã nada. Não sei.
P/2 – Ah, não sei. (risos) Que ótimo.
R – Mas é muito gostoso, menina. Muito gostoso. Só você vendo para você... Está convidada.
P/2 – Então, para se encerrar, e o que aquela vista sensacional que a gente tem no seu restaurante?
R – Todo dia a gente tem aquela vista. Todo dia eu tenho aquela vista porque olha, de casa eu vejo o pôr do sol. E conheço o tempo também, sabe? Sou meteoróloga... Meteorologia, também se intero quando vai chover, quando vai ventar do mar.
P/1 – Só de olhar dali você já sabe?
R – Já sabe.
P/1 – Se vai dar praia, se vai dar movimento.
R – E praia não vai ninguém lá em casa.
P/1 – Ah, não?
R – Não. Só vai de carro para ir... Ah, tem um estacionamento.
P/2 – Ah, isso é importante.
R – Tem um estacionamento.
P/2 – E você sabe para quantos carros, mais ou menos, você consegue ali?
R – Dá uns quarenta carros.
P/2 – Que você numa subidinha íngreme é...
R – É. Ali embaixo até onde nós fomos, ali embaixo eu tenho um estacionamento.
P/1 – Então as pessoas vão de carro?
R – Vão de carro.
P/2 – Bom, então para encerrar, se você, Palmira, pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória da sua vida, você mudaria?
R – Acho que não. Eu estou com 70 anos, 71 anos, procurar mudar alguma coisa... Está dando certo.
P/2 – Está dando certo. A tua avaliação é de que está dando certo?
R – É. Está dando certo, eu vou ficar por aqui mesmo.
P/2 – Se você tivesse que dar uma dica para quem quer começar cozinhar, aprender a cozinhar, o que você fala, qual é a primeira lição, hein?
R – Ah, que se não quiser, não vai não. Não vai que não chega lá não.
P/2 – Está bom. Dona Palmira, o que você acha, então, de ter dado o seu depoimento e contribuído para o projeto de memórias do comércio da cidade do Rio de Janeiro?
R – Olha, você me convidou, eu achei que não ia dar certo. Até na hora de... Que chegou lá com o carro, ai, eu estava pensando que era um sequestro. (risos) Juro que eu estava pensando que era um sequestro.
P/2 – Aí chegou um fusquinha, né?
R – Aí chegou um fusquinha, “vamos comigo.” Mas eu achei bom você me chamar, eu dei um depoimento. Nunca dei para ninguém. Primeiro e espero que dê certo seu livro. Felicidades para o seu livro, para o livro da...
P/2 – Do SESC.
R – Isso. E estou aí.
P/2 – Mas você sai em revista às vezes?
R – Ah, saio.
P/2 – Então.
R – Jornal.
P/2 – Em jornal e revista você volta e meia sai.
R – Mas eles não faz entrevista não.
P/2 – Não? O que é que eles fazem?
R – Eles perguntam ___ só de peixe, camarão. (risos) Não faz uma pergunta igual a você fez.
P/1 – Da vida inteira, né?
R – É.
P/2 – Mas hoje você ainda vai para o restaurante?
R – Vou.
P/2 – Está bom. Então eu agradeço muito a tua contribuição para o projeto, muito obrigada.
R – Olha, espero que não tenha falado nada errado não.
P/2 – Não. Que nada, falou tudo... Mas você só não contou as receitas. De resto... (risos)
R – Ah, não. A receita é de mão.
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