APRENDE-SE TAMBÉM OLHANDO AS NUVENS PASSAREM
Por Angelo Brás Fernandes Callou
Pretendia me estirar na areia da praia do Pina para assistir ao mais demorado eclipse lunar total do século XXI. São poucos os seres humanos sobre a face da terra hoje que poderão, ainda, visualizar um acontecimento similar a este, mas não igual. Quem viu, viu. Quem não viu, não verá mais. Explico adiante. Mas as chuvas que caíram sobre o Recife me levaram a ver o eclipse da lua apenas nos pedaços de céu, que ainda restam sobre a cidade.
Tenho fascínio pelos fenômenos astronômicos. Sempre foi assim. E não estou sozinho nessa fascinação.
Da janela alta da minha casa, em Pesqueira, via-se a Serra do Ororubá, sob o céu mais estrelado da infância. Em várias ocasiões, N.C. apontava as fases da lua, a inclinação do Cruzeiro do Sul, o planeta Marte, que não lampeja como as estrelas, ou qualquer estrela cadente que cruzava à deriva aquela cidade noturna à beira do Sertão. Nunca consegui visualizar um meteoro, apesar do esforço dela em direcionar rapidamente o meu olhar para a trajetória do objeto luminoso, e meu, em localizar, ao menos, o que sobrara do rastro de luz deixado.
Certa vez, reencontrei esse céu estrelado, já esquecido pelas luzes da cidade. Estava em Fernando de Noronha. Caminhando com colegas da universidade por uma trilha às escuras em direção ao nosso alojamento, fui surpreendido por uma bola de fogo, de tamanho considerável, a cortar o céu do arquipélago. Involuntariamente, feito criança, pulei de alegria diante do fenômeno, para estranhamento dos que estavam ao meu lado, claro. Era a mais pura realização de um sonho pelo acaso da vida, tal como afirma Paul Veyne, em Como se Escreve a História, no sentido de que debaixo da lua, tudo é devir, acontecimento e acaso.
Às vezes, tenho a certeza de que foram os fenômenos astronômicos que me levaram a ter igual fascínio pelos acontecimentos históricos do meu...
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APRENDE-SE TAMBÉM OLHANDO AS NUVENS PASSAREM
Por Angelo Brás Fernandes Callou
Pretendia me estirar na areia da praia do Pina para assistir ao mais demorado eclipse lunar total do século XXI. São poucos os seres humanos sobre a face da terra hoje que poderão, ainda, visualizar um acontecimento similar a este, mas não igual. Quem viu, viu. Quem não viu, não verá mais. Explico adiante. Mas as chuvas que caíram sobre o Recife me levaram a ver o eclipse da lua apenas nos pedaços de céu, que ainda restam sobre a cidade.
Tenho fascínio pelos fenômenos astronômicos. Sempre foi assim. E não estou sozinho nessa fascinação.
Da janela alta da minha casa, em Pesqueira, via-se a Serra do Ororubá, sob o céu mais estrelado da infância. Em várias ocasiões, N.C. apontava as fases da lua, a inclinação do Cruzeiro do Sul, o planeta Marte, que não lampeja como as estrelas, ou qualquer estrela cadente que cruzava à deriva aquela cidade noturna à beira do Sertão. Nunca consegui visualizar um meteoro, apesar do esforço dela em direcionar rapidamente o meu olhar para a trajetória do objeto luminoso, e meu, em localizar, ao menos, o que sobrara do rastro de luz deixado.
Certa vez, reencontrei esse céu estrelado, já esquecido pelas luzes da cidade. Estava em Fernando de Noronha. Caminhando com colegas da universidade por uma trilha às escuras em direção ao nosso alojamento, fui surpreendido por uma bola de fogo, de tamanho considerável, a cortar o céu do arquipélago. Involuntariamente, feito criança, pulei de alegria diante do fenômeno, para estranhamento dos que estavam ao meu lado, claro. Era a mais pura realização de um sonho pelo acaso da vida, tal como afirma Paul Veyne, em Como se Escreve a História, no sentido de que debaixo da lua, tudo é devir, acontecimento e acaso.
Às vezes, tenho a certeza de que foram os fenômenos astronômicos que me levaram a ter igual fascínio pelos acontecimentos históricos do meu tempo, sobretudo aqueles que me mobilizam politicamente. Assim como os eclipses lunares, os acontecimentos históricos são únicos. Ainda que se repitam na história, jamais serão iguais aos anteriores. Já foi dito: nunca nos banhamos nas mesmas águas de um rio. O ato no rio poderá ser o mesmo, mas suas águas, não.
Confesso que vi. E vivi esses acontecimentos, tal como o eclipse de ontem. Com 14 anos, em 1968, na Rua Nova, assisti a uma das últimas passeatas de estudantes contra a ditadura militar; em 1978, foram imperdíveis e estrondosas as vaias ao reitor da UFRPE, ao negar cursos de férias aos alunos, por isso chamou os militares para invadirem e permanecerem no campus, por meses a fio; emocionante foi o comício de Miguel Arraes, no pátio da feira de Santo Amaro, na volta do exílio; esperançosas foram as manifestações pelas Diretas Já, como esperançosos foram, e são, os protestos contra o golpe político de 2016, promovidos pelo Coletivo Andorinha, nas ruas de Lisboa.
Se hoje são mais comuns os eclipses do sol nas praias do que lunares, em virtude dos fenômenos promovidos pelos astronômicos edifícios à beira-mar, apesar de tudo isso, ainda vale a pena olhar pro céu. Ouvi de Paulo Freire um dia: também se aprende vendo as nuvens passarem!
Praia do Pina, Recife, 28 de julho de 2018.
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