P - Eu queria que você começasse falando o seu nome completo, o local em que você nasceu e a data do seu nascimento.
R - Primeiramente, é um prazer estar aqui participando dessa entrevista. Meu nome é Ailton de Araújo Ferreira, mais conhecido como Ailton Macarrão, tenho 26 anos de idade, n...Continuar leitura
P - Eu queria que você começasse falando o seu nome completo, o local em que você nasceu e a data do seu nascimento.
R - Primeiramente, é um prazer estar aqui participando dessa entrevista. Meu nome é Ailton de Araújo Ferreira, mais conhecido como Ailton Macarrão, tenho 26 anos de idade, nasci no Rio de Janeiro, na Rocinha, praticamente na Rocinha, no Miguel Couto que ficava o Hospital aqui ao lado.
P - E onde você mora hoje? Em que lugar?
R - Eu nasci, me criei e continuo morando na Rocinha.
P - Mas em que lugar aqui da Rocinha.
R - Estrada da Gávea, 398, onde eu moro e trabalho. Eu tenho um pequeno escritório, uma pequena consultoria, que fica num sub-bairro chamado Sete, que a Rocinha é dividida em sub-bairros.
P - E a casa é sua mesmo, Airton.
R - A casa é minha. Construí, ainda não está pronta, mas está lá.
P - Você mesmo que construiu.
R - Construí, aos trancos e barrancos, mas estamos indo.
P - Você é casado?
R - Sou, tenho uma companheira, há 17 anos. Já tive uma companheira, minha primeira mulher, com quem eu tive dois filhos. Separei e estou com a atual que chama Sônia Regina. Eu tenho dois filhos com a outra companheira, e ela tem dois filhos com outro companheiro. Então, eu moro com ela a 17 anos, na atual casa.
P - Mas seus filhos não moram com você.
R - Não, moram são tudo criado, não dão trabalho, graças a Deus.
P - Mas moram aqui na Rocinha?
R - Moram na Rocinha também. Moram e trabalham aqui perto também.
P - E você é nascido e criado nessa região da Rocinha?
R - Nasci, como eu falei, no Miguel Couto, fui criado na Cidade Nova, depois morei um tempo com a minha ex-companheira na Travessa Roma que é lá no Largo do Boiadeiro, e com a atual eu moro há 17 anos, lá no Sete, na Estrada da Gávea, 398.
P - O Largo do Boiadeiro onde é?
R - O Largo do Boiadeiro é um Largo, o Largo mais tradicional da Rocinha, que as pessoas mais conhecem. O nordestinho, tem a cara do nordestino, o Largo do Boiadeiro é barracas, é onde acontecem as feiras aos domingos, no caminho do Boiadeiro, que desemboca no Largo do Boiadeiro.
P - Aí você foi prá lá, por quê? Pro Sete.
R - Porque a minha esposa, o pai da minha falecida, o pai da minha ex-mulher, assim que eu engravidei ela, deu uma moradia pra gente (risos).
P - E aí, você teve em algum momento teve algum problema com habitação, com moradia?
R - Já.
P - Já? Pode contar prá gente?
R - Na realidade, a minha família ajudou a fundar a Rocinha, na década de 50 e tal. Veio prá cá o meu avô com a minha mãe, e a minha mãe se casou e teve os filhos. E o meu avô chegou naquela época onde tudo era, como é que eu posso falar, onde tudo era mais fácil. Tinha terrenos, tinha espaço, só que também a gente vivia naquela época da opressão, naquela época que também era mais difícil. Não tinha comunicação como tem hoje, meu avô era uma pessoa, era analfabeto, trabalhava em obras também, vendia quentinha prá obra. Mas ele, bom, ele se firmou aqui na Rocinha, construiu um armazém e a partir daí começou a vender, começou a viver, e deu, assim, uma melhor condição de vida prá gente. Mas depois que a gente cresceu aquela velha história, quando você tem uma família que o teu pai cuida de você, que o teu pai faz tudo, sabe? A gente não, a gente foi criado, assim, meio que no esforço, com trabalho, na rua. A rua não era como é hoje, a rua era mais sadia, não tinha tanta violência, tanta discriminação, não tinha tanto armamento. Era, meio que você estava vivendo como criança, mas de uma maneira a vontade, tinha espaço, não tinha tanta maldade. Aí no decorrer eu fui crescendo, conheci minha ex-mulher e eu tive que fazer a minha vida. Aí foi quando o pai dela cedeu um quarto prá gente morar, comecei a trabalhar, já fui funcionário público, depois eu chutei o pau da barraca, fiquei desempregado, fui prá sarjeta, passei noites, bebida, me separei da minha mulher, e fiquei aí... Mas uma coisa eu agradeço a Deus de não ter me envolvido com o tráfico. Para mim foi uma época difícil. Foi uma época que, isso que eu estou te falando, meus 20 anos, aí, 22 teve uma guerra imensa na Rocinha e você está ali desempregado, separado da mulher, e os filhos, e você não se envolveu. E as pessoas que eu vi crescer todas passando por isso. Eu arrumei essa atual companheira, morei num quartinho, aí que eu falo de habitação, morei num quartinho, que meu falecido pai morava, morreu lá dentro do quarto. Batalhei, levei a minha atual companheira prá lá, vivemos lá acho que uns oito anos ou sete anos, até eu vou te contar uma história aqui que, eu sou uma pessoa feliz, sou uma pessoa que para mim não tem tempo ruim. Não tem tempo ruim, eu sou uma pessoa que só vivo rindo, mas às vezes dá aquela depressão, como todo mundo. Então, uma vez estourou o esgoto dentro desse quarto onde eu morava, e eu sem dinheiro, sem poder fazer a obra, sem poder desentupir, quebrei tudo, ficou lá quase uma semana aberto, fiquei maluco, aí eu resolvi ir pro bar. Fui pro bar lá e comecei a cantar, e passou um vizinho lá, e falou: “Pô, tu... só você mesmo... tu na merda e cantando.” (risos) Literalmente, na merda e cantando. Graças a Deus, como são momentos que passaram, hoje eu tenho 44 anos, vou fazer 45, já vivi de tudo, mas hoje eu sei o que eu quero da minha vida. Eu construí uma casa, onde eu moro atualmente com a minha esposa, tem laje, ela não está acabada, mas eu tenho um espaço. Há três anos montei uma empresa, a M Consultoria, onde eu venho desenvolvendo um trabalho junto de comércio, de publicidade, de conscientização, e estou tentando também, sou presidente do Fórum de Turismo da Rocinha também, em abril do ano passado fizemos um movimento aí, e fizemos o Fórum. Então, o Fórum, ele está caminhando devagarzinho, mas está indo prá gente poder aproveitar melhor o potencial que a Rocinha tem.
P - E o que é esse Fórum?
R - O Fórum...
P - Quando foi criado....
R - Foi criado em abril no ano de 2009, com o apoio do SEBRAE, com algumas lideranças, prá gente tentar desenvolver o turismo, porque o turismo na Rocinha, dizem, estatística extra-oficial que é o quarto lugar mais visitado, depois do Maracanã, depois do Cristo. Não, depois do Cristo, depois do depis do Corcovado e depois do Maracanã. Dizem que é o quarto. Mas a Rocinha não tem catraca, né? O Maracanã você pode ir lá, tem catraca, aqui não. Aqui, vem gente de tudo quanto é lugar e você não tem como medir isso. Você vê aí, todo dia três ou quatro jeeps de manhã, três ou quatro jeeps a tarde. Fora as pessoas que vem de taxi, vem avulsa, que amigos trazem, entendeu? Então, essa medição ela não é correta. Essa estatística é furada. Porque eu acho que a Rocinha é em primeiro lugar. O cara vem para o Rio de Janeiro, vem para conhecer a Rocinha, ele quer conhecer a favela da Rocinha. E aí tem empresas que fazem isso aí de uma maneira, vendem esses pacotes direto lá no exterior, prá conhecer a Rocinha. E a gente quer aproveitar esse potencial interno do comércio forte, das empresas fortes, dos empreendedores, das pessoas que fazem cultura, que fazem arte, e agente precisa organizar esse pessoal e fazer com que isso funcione e através disso gerar renda, emprego e renda. Esse é o nosso objetivo. A gente também criou uma Revista chamada Revista M, que tem aí e a gente divulga o que a Rocinha tem de melhor. A gente está na luta.
P - O que você acha que as pessoas querem ver na Rocinha?
R - Rapaz, é aquilo, a Rocinha é uma marca forte, conhecida internacionalmente, a maior da América Latina, houve momentos difíceis onde a Rocinha repercutiu, amigos que vem e sabe que não é nada disso, quando vem se surpreendem. A Rocinha é igual a qualquer lugar, só que é o lugar, é um bairro popular. Eu não gosto nem de chamar a Rocinha de favela, a Rocinha não é favela, ela não tem uma característica de favela. Ela tem uma característica de bairro popular. Tem barracos? Tem, mas tem pontos que você não diz que a Rocinha é favela. Têm restaurantes bons, tem comércio farto, de qualidade e também tem aqueles comércios pé de chinelo, onde eu também adoro ir, adoro estar com os meus amigos conversando, tomando uma cerveja, trocando um papo. Têm armazéns que funcionam através de cartão de crédito, moderno, e têm armazéns que você ainda anota no caderno: “Óh, paga amanhã, oh, deixa...” Ainda tem aquela coisa familiar. Então aqui é um bairro que tem de tudo, é só a pessoa se adequar. O que ela quer? Ela quer ir passear prá quê? Prá conhecer? Prá conhecer o quê? Já conheceu, agora só não vai se envolver, se envolveu aí fica cada um por sua conta. Conta e risco. Não só a Rocinha, qualquer lugar. Você vai lá em Nova York, está arriscado, eu nunca fui em Nova York.
R - Quer dizer, se você for de repente, você vai ao Bar do Brooklin, dizem que o Brooklin que é o lugar pesado, se envolve lá com os traficantes, está arriscado a fixar por lá mesmo. Então, a pessoa tem que vir prá Rocinha sabendo que aqui é igual a qualquer lugar do Brasil e do mundo. Tem coisas boas, tem coisas ruins, tem gente boa, tem gente ruim. Tudo é igual, mas ela é uma comunidade diferente, comunidade popular, diferente de qualquer uma que você conhece no mundo. A Rocinha tem a sua energia. Ela tem uma energia, assim, muito legal. As pessoas são gente boa, as pessoas têm uma cultura, não menosprezando mais elevada, por se tratar da Zona Sul. Sabe, a Rocinha fica entre Barra, Copacabana, entendeu? Aqui, do lado direito, você olha aqui pro lado direito, tem o São Conrado, praia, Mata Atlântica, prédios riquíssimos, milionários, prefeito, governador, generais, tudo moram desse lado. Rocinha no meio, traço popular, e do lado esquerdo, Gávea, com a sua cultura, Baixo Gávea, Jardim Botânico. Então, a gente, às vezes não valoriza o que você tem do lado, porque a vida está tão assim banal, e você, caramba, você quer dar um pulo na praia. Cinco minutos a pé, se quiser ir prá praia agora, dar um mergulho, esfriar a cabeça. Tem um shopping aqui do lado, estamos no shopping, esta gravação está sendo feita no shopping da Rocinha. E se você quer sair mais um pouquinho, vai prá Gávea, Baixo Gávea, tem o Jóquei Clube, tem a Praça. Então, são ambientes que em torno da Rocinha favorecem a vida dos moradores da Rocinha. Então, eu acredito muito, assim, na vida da Rocinha, assim, de você dizer que mora bem na Rocinha. É só saber morar, é só saber viver, é só se adequar, é só correr atrás, batalhar que você vai ter uma vida boa aqui na Rocinha.
P - E é mais caro morar aqui perto da Rocinha, por conta de tudo isso?
R - Eu acho que é. Às vezes é, uns dizem que o aluguel está caro, o aluguel está caro, mas você paga pela qualidade. Isso daí é em qualquer lugar se você quiser mora no Leblon, você vai pagar. Aqui você tem, como eu já falei, pontos turísticos, você está perto da Barra, você fica perto da mão de obra, perto dos empregos, quer dizer, você está desempregado e quiser dar um pulinho na Barra e no Shopping, vários shoppings na Barra, Zona Sul, se batalhar aí, a própria Rocinha, aqui não dá prá morrer de fome.
P - E aqui também tem várias regiões, várias dentro da Rocinha.
R - É, a Rocinha é um bairro que é dividido a organização do PAC dividiu a Rocinha, quer dizer, a Rocinha, o próprio povo já dividiu ela, porque, por exemplo, aqui é o Bairro Barcelos, você sobe mais um pouquinho tem a Vila Verde. Então, o próprio morador, ali em cima do túnel é chamado Roupa Suja, mas aí já botaram o Morro da Alegria. Tem o Valão, que é o Canal. Aí o PAC, agora, com essas obras, veio e denominou oficialmente. São, se não me engano, são 27 sub-bairros. A Rocinha é um bairro que tem 27 sub-bairros. Se eu tiver errado, me desculpe aí, de 27 a 32, que ele já deve ter feito alguma. Então foi feito censo, foi feito várias, onde eu também participo lá como Consultor. Consultor voluntário. A minha empresa não trabalha pro PAC não. Sou como morador, vou lá, participo das reuniões no comitê lá no canteiro social.
P - Se você já participou alguma vez de algum tipo de organização, de movimento coletivo, associação de moradores, ou movimento por habitação, ou alguma coisa do tipo, que tem uma organização coletiva?
R - Não, eu nunca fui de nenhuma associação, mas eu sempre apoiei, eu sempre participei, apoiando, mas nunca eu estando à frente. Eu estou à frente, agora, no Fórum de Turismo, e também sou Vice-Presidente da Associação Comercial, porque a gente também tem uma Associação Comercial aqui, só que a gente está tentando, através desse trabalho fomentar tudo, se organizar.
P - Você já foi convidado alguma vez prá participar?
R - Já, mas eu achei no momento que não era a minha praia, porque é uma responsabilidade muito grande você estar na Associação dos Moradores, você não tem hora, você não tem tempo, e às vezes você precisa ganhar, eu preciso ganhar, vou ter que trabalhar, entendeu? Então, resolvi abrir uma empresa, onde eu faço o meu trabalho, e ainda ajudo a comunidade, com o trabalho empresarial. Essa é a minha idéia, ter uma empresa prá trabalhar em cima da necessidade de uma organização. Então, hoje, o turismo, precisa de uma organização. Então a gente está trabalhando em cima disso, o comércio forte, mas precisa de uma organização. As empresas que quiserem conhecer a Rocinha, que quiserem divulgar o seu produto aqui na Rocinha, a minha consultoria pode fazer isso, tem os caminhos. Eu tenho todo um trâmite para divulgar as empresas. Hoje eu faço o seguinte, eu peço às empresas locais e peço que as empresas de fora também, invistam em nossa publicidade, não invistam na nossa publicidade, mas invistam na publicidade deles, e a gente faz a publicidade deles, e com essa publicidade a gente tenta organizar, entendeu, ou não? Porque quando você pega e investe na Revista, você está pagando a sua publicidade, então isso está gerando uma publicidade e está gerando uma informação, isso está sendo divulgado: a conscientização. Essa é a idéia, entendeu? Pagam a gente, as empresas: “Ah, Macarrão, poxa, está ruim prá mim.” “Eu não posso ajudar não, não é ajuda, você vai investir na sua marca, sua marca vai estar na Revista, estar no site, vai estar no carro do som, ou vai estar na TV Rock. Você me paga prá fazer isso. E eu, em contra partida faço a tua publicidade e ainda informo a comunidade do que a gente precisa prá ganhar mais.” Porque a gente não tem investimento do Governo. Está tendo a área do PAC, está começando a ter, mas na questão do turismo, que prá mim é um ponto fundamental para o desemprego. Prá desenvolver a Rocinha, a característica que ela tem do turismo, ela pode ir muito além. Eu acho que é o filé prá tirar muita gente do desemprego, aproveitar muita gente nesse setor de turismo. Em tão, não tenho dúvida disso, agora, isso requer trabalho, requer união de lideranças, requer um projeto, requer um Governo também, as empresas também, fazer um capital misto. Como é que a gente pode fazer isso?
P - Você já teve alguma experiência com o Governo, com algum órgão governamental?
R - Não, eu não. A gente está assoviando e chupando cana. Quando você só assovia, fica mais fácil de você fazer uma música rápida. “Vamos fazer uma música não sei o quê...” Mas quando você, deixa eu dar uma chupadinha na cana, assoviar, quer dizer, aí o tempo a percorrer é mais longo. Agora, quando você tem um apoio empresarial ou um capital prá poder fazer essa organização, isso fica mais fácil. Mas a questão toda, a gente vai chegar lá, não tenho dúvidas que a gente vai chegar lá. Mas vai ter um pouquinho de tempo, amadurecendo. Estão tendo, a Prefeitura está formando gente para o turismo, as pessoas estão começando a serem informadas.
P - As pessoas daqui?
R - Daqui. Certo. Então, eu não vou daqui mais um ou dois anos, a gente vai estar com coisas diferentes aqui. Eu estou falando, eu estou dando prazo, assim, que eu acho, até antes, dependendo. Eu tenho certeza, prazo eu vou deixar em aberto, mas dentro de dois ou três anos a gente vai fazer uma coisa legal. Mas as pessoas estão começando a se organizar, estão começando a se informar, o material da Revista sai de dois em dois meses. A gente foca muito no comércio de turismo. Porque se as pessoas não tiverem imbuídas, abraçarem essa causa, só vai ganhar quem acredita. Não é a pessoa chegar: “Ah, tu ainda está aí? Como é que eu faço prá ganhar?” “Não sei, tem que trabalhar. Vamos se aliar aí, vamos ver o que tu faz. Fala inglês, fala espanhol?” “Não.” “Então, vamos fazer um cursinho aí, aprender espanhol. Artesão? Então vamos organizar uma feira.” Eu já sou aí com alguns amigos prá fazer uns projetos. Então eu estou esperando. Vou investir agora, porque eu tenho investido, Douglas, na comunicação. Estou divulgando a cultura, estou divulgando o lazer, estou divulgando os artistas, estou divulgando o comércio, estou divulgando o turismo. Então o meu papel hoje, é divulgar, é conscientizar. Mas a partir de uma certa data eu vou começar a investir no turismo interno, como empreendedor, entendeu? Eu vou criar, já criei um projeto, chamado Original Cia Tour e vou convocar as pessoas prá trabalhar, pé no chão. Vamos fazer uma coisa diferente? Vamos, criar uniformes, treinar a galera com a cultura local, o que a Rocinha tem de história, e depois a Revista você vai ler. Tem foto aí de 1934, com o Evandro Lessa, quando era a Corrida da Baratinha, ainda. Sabe a Estrada da Gávea era pista de corrida, ou não sabe?
P - Não sabia.
R - A primeira pista de corrida do Brasil eu acho que foi a Estrada da Gávea, o Niemeyer, isso aí é legal prá se falar. Tem a Mata Atlântica, bonita aí...
P - Você lembra de alguma coisa que já não existe mais aqui?
R - Lembro, lembro da Soareg, onde está sendo construído o Conjunto Habitacional, onde foi a garagem da Itaú, ali era a Soareg, era um clube, piscina, futebol...
P - Mas as pessoas daqui freqüentavam?
R - Freqüentavam...
P - Você freqüentava?
R - Eu era pequeno, mas freqüentava. Me lembro. Aqui onde é a Vila Verde hoje, onde é a URPA, já foi na URPA? Só subiu?
P - Passei lá com o Reginaldo.
R - Aquilo ali, aquela área toda ali, ali tinha cachoeira, tinha frutas, ali era o espaço, aqui ali era para ser um parque, mas aí o pessoal foi invadindo ali. Tinha uma caixa de água, que o meu avô viveu muito tempo da água, porque não tinha água, meu avô fez uma caixa e pesava a água e depois encanava para o morador. Então ali, aquela área ali era fabulosa. A gente entrava aqui e saía lá na Vista Chinesa. Ainda era Mata, tomava banho de cachoeira.
Brincadeira. Então, pracinha, onde você brincava na Festa Junina de pau de sebo, brincava de pique esconde, brincava de bolinha de gude. Depois, eu não vejo falar nisso. Eu não sei se é porque a gente está ficando velho, ou os espaços sumiram, não sei. Mas, criança hoje vão brincar no computador, brinca de papai e mamãe (risos). Incrível, né?
P - E, você estava falando dessa coisa, que tinha cachoeira, hoje você acha que é maior uma consciência ambiental, ecológica, ou ainda é muito pouco?
R - Rapaz, eu acho que o povo, o povo não tem tempo prá isso não. Claro, a pessoa tem uma condição, a pessoa é esclarecida, estudada, ele tem aquela consciência, mas o povo trabalhador, a maioria está sobrevivendo, ele está aí na marra. Ele, o tempo que ele tem “Tu nasceu prá quê? O que você quer na vida?” “Pergunta prá esse cara, to te entrevistando agora...”.
P - Não, a entrevista é com você (risos). O que você quer? Você acha que é possível mudar a realidade...
R - Eu quero ser feliz (risos), eu quero ser feliz. Pô, a gente nasceu prá quê?
P - Mas como é que você quer alcançar essa felicidade?
R - Prá alcançar essa felicidade, não adianta eu ser feliz e você do meu lado não ser feliz. Minha felicidade eu vou estar rindo e você chorando? Eu estou com o dinheiro e você está duro? Aí eu tenho que pagar tudo? “Ah eu estou duro” então eu com um pouquinho, você com um pouquinho, o nosso amigo ali também com um pouquinho, quer dizer “Vamos tomar uma caixa de cerveja? Vamos dividir prá três?” Por que um só pagar? Eu acho que isso é felicidade. Eu vi essa foto aí, da Revista, 1934, quando só tinha mato, aí eu fiquei pensando: Pô, eu queria ter nascido nessa época, porque você não precisava pagar nada, você pescava, você plantava, sei lá, tinha as suas dificuldades, mas eu acho que uma coisa, assim, acho que a pessoa era mais feliz. Hoje ela é muito estresse, tem que pagar conta, e só trabalha prá isso. É pagar moradia, quando o cara tem, beleza Mesmo assim tem que pagar a conta do telefone, o condomínio, o aluguel, o cara pagar aluguel é uma injustiça. Eu digo assim, quem tem não, mas, trabalhador, trabalhar prá no final do mês tirar ali pagar uma coisa que nunca
vai ser dele, é triste, né? O carro, você compra um carro, você paga aí em 50 vezes, ou até uma casa mesmo. Você sabe que daqui a 50 anos vai ser sua. Mas você pagar uma coisa que você não... é dose.
P - Você já alcançou a felicidade?
R - Eu sou uma pessoa feliz. Eu já alcancei a felicidade, agora eu quero alcançar a minha felicidade através da minha realização profissional. Essa é a minha busca. Mas hoje eu já sou feliz. Às vezes eu fico semana sem dormir, precisei fazer um projeto, sem capital, não tenho crédito na praça, e depois ter que cobrar. Aquele cheque que está lá prá bater, mas tudo tem um preço, tudo, assim, na maneira de, hoje eu como assim, um pequeno empreendedor, tenho que fazer um investimento, não tem jeito. O pequeno ou grande, sempre tem que melhorar, quer crescer tem que investir. É o que eu estou fazendo, estou investindo o que eu não tenho, ou o que eu tenho. Eu tenho, mas está virtual, está aí, só ir à luta, entendeu? E a Rocinha, é um lugar, assim, em que as pessoas elas acreditam desacreditando. Elas acreditam, mas é igual São Tomé, quer ver prá crer. Aí você: “Ah, é? Então paga prá ver.” E nisso eu estou há três anos.
P - E você, esta distribuição é interna?
R - É 70 por cento interna, mas ela também vai para fora, já me ligaram de, por conta da Revista, me ligaram lá de Mesquita, Jacarepaguá, São Gonçalo, porque eu tenho amigos lá. Eu arrumei porque eu não trabalho lá. As pessoas ficam assim: “Isso aqui é a Rocinha? Isso aqui não é Rocinha não.” Então isso é só curiosidade, a gente está mesclando a qualidade da empresa com matérias interessantes, com entrevistas.
P - Quais seriam os meios de comunicação, aqui na Rocinha?
R - Aqui tem rádios comunitários, tem a TV Rock, que é uma TV local, que ela retransmite alguns programas, inclusive eu tinha um programa junto com a Adriana, que era Forró Brasil, era um programa de segunda-feira, onde a gente levava pessoas do mundo do forró. Forró dela, é um programa de entretenimento, fazia entrevistas, sorteava brindes das lojas, as pessoas ligavam para o programa, deixavam o nome e o telefone. A gente ligava prá casa deles, mas só ganhava quem estava assistindo ao programa, tinha que falar: “Forró Brasil é mil.” Era uma coisa bem legal, mas é aquela velha história, você faz porque chegou a um nível profissional tão grande que a gente teve que parar, porque o capital de investimento. Então a gente deu uma parada porque, é o que eu estou falando, é uma questão de investimento, das pessoas apoiarem. “Ah, uma Revista... que bom, que legal... mas se não tiver dinheiro, não vai, minha filha.” É a mesma coisa que aconteceu lá com o programa: “Parou por quê?” O programa acabou, parou porque não estava dando, tirar do nosso o pouco que a gente já ganha, prá pagar as pessoas, pro câmera.
P - E Airton, a gente está meio que terminando, como é que você vê o seu futuro?
R - O meu futuro, eu acho que já, o meu futuro já está aí. Eu não vejo futuro, claro, futuro é o amanhã, mas eu vivencio isso dia a dia. O trabalho está me levando ao presente. Enfim, tudo prá mim é o presente, porque se eu for falar de futuro, vamos falar de futuro amanhã, quem garante? Ninguém garante o futuro. Claro, o certo é você fazer uma projeção, mas ninguém garante o futuro. Hoje eu estou aqui, amanhã posso não estar, e aí? Vamos só falar no futuro das Olimpíadas? “Ah, as Olimpíadas...” Porra, vamos falar do agora, sair daqui, beber água, beber uma cerveja, conversar mais um pouco. Vamos passar no Armazém do São João e falar com o meu amigo Marquinho, ver minha mulher. Aí é o futuro. Claro, você projeta uma coisa em longo prazo, mas ninguém garante. Mas a gente tem que planejar tudo bem, mas tem que vivenciar o dia a dia, minuto a minuto. Por isso que eu falo, eu sou uma pessoa feliz. O meu futuro já está aqui, o meu futuro é estar aqui contigo, estar podendo falar das minhas idéias, do que eu creio, da oportunidade de trabalhar o que você gosta, de acreditar no que você faz. Isso prá mim é o futuro.
P - E, já vou terminar, e Airton, você tem alguma coisa que você queria dizer e eu não perguntei.
R - Não, Douglas, eu sou uma pessoa, tipo assim essa entrevista aqui, ela, qualquer espaço que você pode falar, que você pode divulgar esse trabalho que a gente está fazendo aqui, não é só do Airton Macarrão, de outros, de outras lideranças que tem aí na Rocinha, que estão batalhando aí para uma melhora, para melhorar a qualidade de vida das pessoas, sabe. Então, qualquer espaço, quando o Reginaldo me encontrou lá em cima: “Ah, o Douglas quer falar contigo.” Falei: “Mas o que é, meu querido?” Sabe, porque é ainda mais o momento de televisões e de, como é que eu posso dizer, de imprensa, imprensa marrom, os caras falam o que quer, e tu bota a cara amanhã, né? É complicado. Agora, aqui, eu estou me sentindo a vontade. Não que eu não me sinta a vontade com a Globo, ou poderia até ser. O que eu estou falando prá você, eu vou falar prá Globo também, ou prá Record, eu vou falar, só que aqui eu me encaixo nesse perfil, é um projeto, certo? É um trabalho de raiz, a fundo. Não é uma entrevista prá tu falar uma porrada de coisas em um segundo ,aqui não, aqui é o material, eu aqui vendo você olho no olho. Eu tenho certeza que você vai nos ajudar, que você não, vocês. Vão nos ajudar a desenvolver, a melhorar a nossa qualidade de vida. É claro, dependendo das condições de vocês também. O que vocês puderem, eu tenho certeza, é o que eu estou fazendo. O que eu estou fazendo aqui é pra ajudar o trabalho de vocês, uma via de mão dupla, e vocês, não ajudar ao Airton Macarrão não, ajudar o Bairro da Rocinha. Esse é o objetivo de eu estar aqui, ter aceitado estar fazendo essa entrevista.
P - Tá bom, Airton. Obrigado, então.Recolher