Projeto Nestlé Ouvir o Outro – Compartilhando Valores. Plano Anual de Atividades
PRONAC128976
Depoimento de Laura da Silva Dias Rahal
Entrevistada por Monique Lordelo e Gabriel Romito
São Paulo, 26 de fevereiro de 2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV04_Laura da Silva Dias Rahal
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Laura, seja bem-vinda. Obrigada pela sua presença aqui, em nome do Museu da Pessoa e da Nestlé. Eu queria primeiro deixar registrado o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Laura da Silva Dias Rahal. Eu nasci em Piracicaba, interior de São Paulo, no dia 25 de novembro de 1965.
P/1 – Conta um pouquinho desses sobrenomes, da onde vieram.
R – De onde vêm, né? Silva Dias, sobrenome que era do meu pai. Silva Dias é uma família brasileiríssima do interior de São Paulo, de Piracicaba. E o Rahal veio depois do meu casamento com um descendente de sírio-libanês, daí que veio o Hahal.
P/1 – E você conheceu seus avós?
R – Eu sou caçula temporã, então eu sou muito do final de uma geração. Eu tive pouquíssimo contato com meus avós, quando eu nasci eles já eram idosos. Não conheci o meu avô materno e nem a minha avó paterna e os que eu conheci eram muito velhinhos, eu era muito pequena, então eu tive pouco contato com eles.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai chamava-se Gastão da Silva Dias, minha mãe Terezinha da Silva Dias. Meu pai faleceu em 2008, minha mãe ainda tá viva com 83 anos, morando lá em Piracicaba.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Eu sei (risos). A minha mãe trabalhava no Senac, ela fez Sociologia Política e trabalhava numa cidade chamada Americana, que é perto de Piracicaba e o meu pai trabalhava no Banco do Brasil, lá também, isso nos idos de 50. Minha mãe era de Rio Claro, meu pai de Piracicaba, e os dois estavam trabalhando em outro lugar, e moravam numa pensão na época. Eles se conheceram nessa pensão e daí foi...
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PRONAC128976
Depoimento de Laura da Silva Dias Rahal
Entrevistada por Monique Lordelo e Gabriel Romito
São Paulo, 26 de fevereiro de 2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV04_Laura da Silva Dias Rahal
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Laura, seja bem-vinda. Obrigada pela sua presença aqui, em nome do Museu da Pessoa e da Nestlé. Eu queria primeiro deixar registrado o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Laura da Silva Dias Rahal. Eu nasci em Piracicaba, interior de São Paulo, no dia 25 de novembro de 1965.
P/1 – Conta um pouquinho desses sobrenomes, da onde vieram.
R – De onde vêm, né? Silva Dias, sobrenome que era do meu pai. Silva Dias é uma família brasileiríssima do interior de São Paulo, de Piracicaba. E o Rahal veio depois do meu casamento com um descendente de sírio-libanês, daí que veio o Hahal.
P/1 – E você conheceu seus avós?
R – Eu sou caçula temporã, então eu sou muito do final de uma geração. Eu tive pouquíssimo contato com meus avós, quando eu nasci eles já eram idosos. Não conheci o meu avô materno e nem a minha avó paterna e os que eu conheci eram muito velhinhos, eu era muito pequena, então eu tive pouco contato com eles.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai chamava-se Gastão da Silva Dias, minha mãe Terezinha da Silva Dias. Meu pai faleceu em 2008, minha mãe ainda tá viva com 83 anos, morando lá em Piracicaba.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Eu sei (risos). A minha mãe trabalhava no Senac, ela fez Sociologia Política e trabalhava numa cidade chamada Americana, que é perto de Piracicaba e o meu pai trabalhava no Banco do Brasil, lá também, isso nos idos de 50. Minha mãe era de Rio Claro, meu pai de Piracicaba, e os dois estavam trabalhando em outro lugar, e moravam numa pensão na época. Eles se conheceram nessa pensão e daí foi até engraçado, porque meu pai sempre foi muito tímido e minha mãe não sabia se estava namorando ou não. E pegavam o trem pra voltar pras suas cidades, aí chegou o Dia dos Namorados, ela bordou um lenço, mas aí ela falou: “Não vou entregar, porque não sei se eu estou namorando ou não” (risos). Na hora que ela entrou no trem, essa imagem é até bonita, meu pai pegou e deu uma carteira que ele tinha comprado pra ela. Deu, assim, de último segundo, daí ela pegou e deu o lencinho e foi: “Eu estou namorando” (risos). Eles namoraram super pouco, casaram logo e foi um casal que viveu sempre muito feliz. Eles se davam muito bem. Eu tenho mais duas irmãs, tenho uma irmã que é dez anos mais velha que eu e uma irmã que é oito anos mais velha, todos moram no interior, só eu que estou aqui em São Paulo.
P/1 – Conta um pouquinho da tua infância em Piracicaba, o que você lembra?
R – Minha infância foi muito boa, porque criança do interior há 48 anos atrás era uma outra vida, né? Sempre brincando muito na rua, andando de bicicleta. Lá em Piracicaba tem a Faculdade de Agronomia, a Esalq da USP, que é uma fazenda, e eu morava perto dessa faculdade, então é um lugar que a gente brincava muito, andava de bicicleta, de patins, subia em árvore, casa também com quintal grande. E sem os medos, sem essa forma como que hoje as crianças vivem, assim como foi diferente da minha filha que nasceu aqui em São Paulo, uma outra realidade. Então, às vezes, eu fico até pensando: “Nossa, que diferença de infância, a minha e a dela”. E foi uma infância muito tranquila, feliz, muitos primos, foi muito gostoso.
P/1 – Você lembra onde você estudou?
R – Eu lembro. Primeiro eu peguei uma fase da escola pública ainda interessante, fiz Grupo Escolar chamava Prudente de Moraes. Depois eu fiz da quarta série até a sexta numa escola do estado, daí ensino foi ficando muito complicado e eu fui pra uma escola particular chamada Colégio Salesiano Dom Bosco, em Piracicaba. Eu adorava a escola, tinha muita coisa com esporte, muito ativa, uma coisa muito legal, uma turma bacana. Eu fiz até o terceiro colegial lá nesse colégio Dom Bosco.
P/1 – Você teve contato com as tuas irmãs na infância, essas coisas?
R – É então, você sabe que é engraçado, nós acabamos nos aproximando mais pra frente porque quando eu tinha cinco, uma tinha 15, eu devia ser a chatonilda. Ela começaram a namorar muito cedo, casaram cedo também, e eu fiquei um bom tempo filha única, acho que dos meus 14 até... Morava só meus pais e eu, porque elas casaram e mudaram de Piracicaba. Então, lembrança, eu lembro só de eu brigando com a minha irmã mais velha, minha irmã do meio a gente tinha uma proximidade maior, mas eu não lembro de brincadeiras com elas. Eu tinha os amigos da rua, elas tinham uma outra turma. E no fim a gente se reencontra depois, num segundo momento, eu já adulta e elas também. E a coincidência é que eu casei com o irmão de meu cunhado, então são duas irmãs e dois irmãos, e a gente acabou se aproximando muito por esse parentesco, que acabou sendo mais forte, né? Porque além dela ser minha irmã, ela é minha cunhada (risos). A gente se aproximou mais pra frente, agora, né, do que na infância. E eu tive um outro privilégio, por eu ser temporã, de um pai que já era mais velho. Meu pai se aposentou super cedo, eu tinha oito anos quando ele se aposentou, então, eu tive um pai full-time. E meu pai era uma pessoa muuuito criativa, muuuito engraçada, de contar muitas histórias. Eu tive uma figura paterna muito forte na minha infância, então ele que me levava pra escola, me buscava, me ajudava na lição e contava muitas histórias, e muitos causos caipiras de Piracicaba, dos parentes e tal. E meus pais sempre gostaram muito de cinema, então a gente às vezes vinha pra São Paulo, pegava duas sessões de cinema seguidas, vinha de manhã e voltava à tarde. Então, eu tive uma proximidade muito grande com essa vivência junto com meu pai, principalmente. Eu acho que ele compensou um pouco a falta que eu tinha, o meu pai. Eu não tinha irmã, mas eu brincava com ele (risos). E ele era uma pessoa muito especial.
P/1 – Enquanto sua mãe trabalhava ainda.
R – É, porque minha mãe trabalhava e também as questões da casa, tal. Depois de um tempo ela parou de trabalhar, ela trabalhava naquela época e quando casou ela parou. Mas minha mãe sempre teve muitas atividades da casa, de administrar a casa, de cozinha e todas essas coisas. Acho que com minhas irmãs mais mocinhas, ela ficava mais atrás delas, sei lá, controlando, se elas estavam namorando ou não, meu pai era mais liberal, era mais tranquilo (risos). E daí a gente ficava muito próximo, foi muito próxima a minha infância junto do meu pai.
P/1 – E adolescência?
R – Adolescência também. A adolescência no interior é também uma coisa muito divertida, assim como a infância, porque os grupos se conhecem, se encontram sempre nos mesmos lugares, frequentam o mesmo clube. São duas escolas que são as escolas rivais e as pessoas se encontram nos lugares, né? E muita diversão também, dirigir sem ter carta, porque na época isso não era uma questão preocupante. Meu pai uma vez me deu uma mobilete, daí começou um monte de gente a ter mobilete, uns acidentes: “Eu prefiro que você dirija do que ande de mobilete”, então andava sem carta pela cidade inteira, dirigia. Era uma coisa bem livre, era uma coisa bem tranquila, bem divertida. E era uma turma enorme, sempre foi muito gostoso.
P/1 – Daí você terminou o terceiro nessa escola.
R – Eu terminei o terceiro e prestei vestibular. Eu queria... Quando a gente tem 17 anos você é meio nova ainda, não sabe muito bem o que você quer fazer. Eu não tinha noção se eu ia fazer Agronomia, eu gostava de Biológicas, gostava de Humanas também. E um dia eu tava vendo uma revista que estava falando sobre algumas profissões que estavam despontando, que seriam do futuro. E daí tinha falando sobre Nutrição. E falava as matérias, o mercado na época. O mercado de trabalho era bem mais restrito do que hoje, e eu me interessei, acabei prestando vestibular e entrei direto na Faculdade de Saúde Pública da USP. Então, daí foi um choque, porque daí eu saí dessa vida boa que eu contei, com os amigos e tal, morava perto da escola, não sei o quê. Vim parar aqui em São Paulo com 17 anos, sozinha. Lógico, com uma infraestrutura, meus pais ajudavam, enfim, mas eu não me conformava do trânsito, naquela época, 30 anos atrás, eu já achava absurdo ter que me programar pra sair uma hora antes de casa pra chegar até a faculdade. Foi uma ruptura a minha vida, a vinda pra São Paulo. Mas no fim tudo você vai se adaptando e acabei, de lá até aqui, na verdade eu já morei muito mais tempo aqui do que eu morei em Piracicaba. Eu vou direto pra lá por conta da minha mãe que mora lá, meus parentes, tal, mas em termos de vida eu já morei mais tempo aqui do que no interior. Quando eu cheguei o pessoal perguntava assim: “Nossa, você é de Piracicaba? Mas você não tem sotaque, lá o pessoal fala caipira”, eu falei: “É que eu disfaRRRço” (risos). “Eu disfaRRRço e ninguém peRRRcebe”, porque é uma cidade que tem uma característica do pessoal que fala muito puxado. Até hoje quando eu vou lá eu fico poRta, doR. E daí quando eu vim pra São Paulo, o meu cunhado falou pro irmão dele: “Olha, a Laurinha entrou em São Paulo, ela não conhece nada, você dá uma força lá”. Ele deu uma super força, casei com ele (risos). A gente começou a namorar depois, no meio do curso, quando eu já tava mais pro final da faculdade. E daí casei com o irmão do meu cunhado (risos).
P/1 – Mas quando ele te ajudou nesse início vocês ficaram amigos.
R – Nós ficamos amigos, assim, né? Tinha umas coisas que eu não tinha noção de locomoção, onde eu ia. E ele era uma pessoa bacana.
P/1 – E ele fazia o quê?
R – Ele fez Administração, ele já trabalhava, ele é sete anos mais velho do que eu. Ele tava recém-formado e eu tava entrando na faculdade.
P/1 – E você veio pra morar sozinha?
R – É, eu vim pra morar sozinha. Morei um tempo na casa de uma tia até arrumar um apartamento e ficamos morando eu e mais duas amigas, uma de Ribeirão e uma de Mairiporã. A gente fez tipo uma republicazinha, assim. E foi também bom, porque não deixa de ser bacana, mas é que fazer faculdade no interior é muito mais divertido do que aqui em São Paulo. Porque eu tinha muito contato com o pessoal da Agronomia, da Odonto lá de Piracicaba que morava em repúblicas, era uma outra vida. Aqui você não tinha essa vida acadêmica pós-faculdade como eu via, vivenciava lá em Piracicaba. Então São Paulo nesse ponto é meio chato, as coisas acontecem aqui, mas nessa parte você fica muito restrito mesmo, não tem essa coisa dessa bagunça que é no interior mesmo, né?
P/1 – E pros seus pais, como é que foi?
R – Ah, pros meus pais foi super tranquilo. Acho que como eu era a caçula temporã mimada eu estranhei pra caramba, então ligava chorando: (imita choro) “Eu não sei se vou aguentar”. Aí eles tinham que segurar a onda: “Não filha, fica, você vai”. Acho que se eu viesse muito de boa eles iam ficar preocupados, mas eu vim muito traumatizada. Depois que eu entrei eu falei: “Ai gente, o que eu estou fazendo aqui?”, não me conformava com São Paulo (risos). E aí eu acho que pra segurar essa minha onda eles mantinham: “Não, tranquilo, você vai levar, vai de boa”. E no fim fui mesmo.
P/1 – E como chama seu marido?
R – Chama George.
P/1 – George. Foi teu primeiro namorado aqui.
R – Aqui em São Paulo sim.
P/1 – Já casou.
R – É, mas a gente levou um tempo porque a gente começou a namorar, foi em... Eu entrei na faculdade em 84, a gente começou a namorar no final de 86, e eu casei em 91.
P/1 – Namorou um tempo.
R – É, namoramos um tempo. Daí me formei, comecei a trabalhar.
P/1 – E você já pensava em alguma área na faculdade? Já tinha algum encaminhamento?
R – Então, eu sabia que eu não queria trabalhar em restaurante industrial. A Faculdade de Saúde Pública da USP dá uma formação muito mesmo de Saúde Pública mesmo. E na época a gente já percebia a questão de algumas faculdades aqui de São Paulo que tinham um direcionamento. Tipo assim, uma faculdade que era a São Camilo era uma tendência mais à área clínica. E a Saúde Pública tinha um foco muito grande nessas áreas de Sociologia, Educação, Nutrição em Saúde Pública. E eu sempre gostei muito mesmo dessa parte de Saúde Pública, enfim, e eu não gostava dessa parte de nutricionista de refeitório, de fazer cardápio, cuidar de compra de alimentos, essas coisas eu não gostava muito. Eu dei sorte que quando eu me formei, eu mandei meu currículo e eu comecei já a trabalhar com a parte de aula. Entrei na São Camilo, num curso de especialização, e esse curso tinha várias áreas dentro do hospital e tinha uma parte que era de Administração do Serviço de Nutrição e Dietética, e eu fui auxiliar uma professora, depois fiquei dando aula. Daí prestei um concurso, fui chamada pra prefeitura em 90, então estou no meu trabalho dentro da Secretaria desde 90, já tem 23 anos de trabalho lá nessa área.
P/1 – Conta um pouquinho desse estágio que você fez nesse primeiro momento que você tava formando.
R – Ah, então. Eu fui fazer uma entrevista e dentro dessa faculdade, como eu falei, tinha o curso de Administração Hospitalar. Eles segmentavam o hospital em várias partes, então tinha enfermeiro que dava aula de lavanderia, enfermagem, contador, e tinha a parte de Nutrição. Essa parte de Nutrição era pra você dar para o administrador hospitalar umas noções bem básicas – administrador Hospitalar, não de empresas –como gerenciar um refeitório, como estar administrando o Serviço de Nutrição e Dietética dentro de um hospital, coisas de controles administrativos. Eu tinha isso de uma teoria muito boa, mas eu não tinha nenhuma prática, mas eu vendi meu peixe e eles me contrataram (risos).
P/1 – Você entrou com estágio, mas depois...
R – É, mas depois eu fui contratada. O interessante desse curso era que a gente viajava muito, porque eles vendiam esses módulos, essas formações, no Brasil inteiro. Então, eu conheci praticamente o Brasil viajando pela faculdade, que tinha curso em Brasília, Salvador, Recife e cada módulo ia um professor e dava. O pessoal gostava muito desses cursos, porque dava ponto pro funcionário público, então era só funcionário público que fazia essa formação. E eu fiquei lá um tempo. Mas depois foi difícil, porque como a gente viajava muito eu não tinha mais agenda própria, então assim, né? Foi a época que todo mundo da faculdade tava se casando: “Laura, você vai no meu casamento?”. Eu não sabia onde eu ia estar, se eu ia, eles não tinham muita organização, então não sabia se ia para aqui ou ali. Ainda eu falei: “Nossa, não paro mais”. No começo era gostoso (risos), depois eu falei: “Não aguento mais ficar viajando”. E daí eu mandei o currículo para uma outra empresa, que era uma área meio de marketing, pra trabalhar no uso correto daqueles vales-alimentação, chamava Cheque Cardápio, acho que nem existe mais, não sei. E sempre nessa área de palestra, de formação. Era vendido um trabalho que quem quisesse, a empresa fornecia o trabalho de nutricionista indo falar sobre importância da alimentação, pra eles usarem esse vale-alimentação de uma forma correta, não gastar com cigarro, bebida, orientação pra mães que queriam orientação sobre alimentação dos filhos. Eu daí eu fui trabalhar nessa empresa, fiquei lá um ano e pouco e daí saiu o concurso e eu fui chamada pra trabalhar na prefeitura. Era tudo o que eu queria, porque era Saúde Pública mesmo, era trabalhar com alimentação escolar, era um universo diferente e me interessou e estou lá nesse tempo todo.
P/1 – Você já tinha se formado no concurso?
R – Já. Eu prestei o concurso, eu tinha seis meses de formada, acho. Mas eles demoraram pra chamar. Eles chamaram depois de dois anos.
P/1 – E como foi o resultado quando você recebeu, teve uma conquista aí, né?
R – É, então. Na época eu até fiquei em dúvida: “Será que eu vou?”, porque eu também estava gostando desse outro trabalho que eu estava fazendo, era nova também. Mas foi bem legal. O departamento era muito diferente de hoje, era um grupo pequeno, fazia muito tempo que não tinha contratação, nem concurso. Na verdade não tinha concurso, acho que foi um dos primeiros concursos que teve lá pra trabalhar de nutricionista na área de Alimentação Escolar. E o concurso, na verdade, não era só pra alimentação escolar, ele era para a prefeitura como um todo. Então podia ir pra hospital, pra alimentação escolar, tinham “x” vagas, a hora que eu vi, tinha hospital e tinha merenda escolar. Na hora que eu vi: “Nossa, merenda escolar que é o que eu quero” e consegui a vaga. Foi bem legal, fiquei bastante feliz.
P/1 – Tinha um direcionamento nessa época pra merenda? Você chegou a estudar isso na faculdade?
R – É. Você acredita que a faculdade não dava essa formação? Agora eles estão até fazendo as parcerias com o departamento pra gente dar uma orientação, porque eles não tinham. A gente fez uma visita na época, eu lembro, mas não tinha um estágio, não era aberto pro pessoal de Saúde Pública, a gente tinha pouquíssimo contato, era uma coisa nova. E daí foi legal porque você trabalhar com um programa do peso que é São Paulo, um programa enorme, é um dos maiores do mundo no sentido da alimentação pública infantil dessa forma centralizada. A gente fornece mais de um milhão e 800 mil refeições por dia, quase 2.800 pontos de abastecimento. Dentro de toda essa logística e dessa qualidade que é o programa de São Paulo é muito desafiador, é muito legal. E dentro do departamento você consegue se encaixar, conforme a sua aptidão, em qualquer área que você quiser da Nutrição. Então, tem desde a nutricionista que trabalha em atividades bem administrativas, de gerenciamento, de relatórios que as escolas mandam; as nutricionistas que trabalham no cardápio, que fazem, calculam as dietas, os cardápios das crianças por faixa etária; um grupo que faz visitas nas unidades pra verificar como o programa está acontecendo dentro das unidades; e tem um setor, que é esse setor meu, que faz as formações. Eu sempre com essa questão das formações e dos projetos, um setor, ele chamava Treinamento e Projetos, no final do ano passado ele mudou de nome, ele deu uma aumentada, é Desenvolvimento e Comunicação. Então todas essas parcerias, os projetos, todos ficam com nosso setor. A gente também criou o site do departamento. É uma coisa bem dinâmica, bem bacana.
P/1 – Quando você entrou o que te animou e o que te desanimou? O que te chocou de forma positiva e de forma negativa?
R – Então, eu entrei num período interessante que foi o governo da Erundina. Era uma coisa, a discussão enquanto alimentação, enquanto direito era uma coisa bacana, sabe? De repente eu resgatei um monte de discussão da faculdade, questão de direito, essas questões sociais, então foi bem, bem legal. Depois eu percebi como o serviço público é difícil no sentido das mudanças de gestão. Aí teve uma ruptura muito grande, porque entrou um governo totalmente antagônico ao anterior. E daí você vê, nossa, quais as prioridades, você sente, você vivencia na prática essas tendências políticas e as prioridades que existem. Foi meio sofrido nessa mudança, você vai se adaptando, eles te dão um limão e você tenta fazer a limonada, você vai indo, vai fazendo. E como São Paulo é uma vitrine, no sentido do programa, tem muitos olhos, então, é um programa que eles não mexem muito. Às vezes, a gente tá mais pobrezinho, às vezes, tá mais riquinho, mas a gente tá sempre mantendo a qualidade do programa. Pra mim o que foi difícil, e pra mim até hoje é difícil são essas mudanças bruscas que às vezes acontecem a cada quatro anos, quando vem um novo prefeito, um novo secretário, então às vezes muda bem os encaminhamentos. E o problema foi assim, a gente começou num momento, quando eu entrei, que era de abastecer, de qualidade de alimentos, não se falava em Educação Alimentar e Nutricional, porque isso era uma coisa, era um depois, vamos primeiro abastecer, vamos primeiro ver se está tudo ok, não deixar alimento vencer, garantir um cardápio de qualidade. Daí eu fui trabalhar, eu trabalhei também na Supervisão, visitava as escolas e aquilo você já começa, não tinha um direcionamento da gestão no sentido de fazer atividade de educação nutricional. A preocupação do grupo, da direção, nesse momento que eu fui pra Supervisão era da gente estar verificando estoque, vendo se não tinha alimento vencido, se estava tudo sendo higienicamente sendo processado e tudo o mais, vendo se a cozinheira está usando touca. Então, a gente vem de uma visão higienista, tanto da faculdade, e daí você encontra um serviço que a prioridade era essa. Mas daí você começa a ver uma professora e fala: “Olha, nessa classe eles não querem tomar o leite”, “Ah, verdura e legumes estão indo pro lixo”, então, você começa a se preocupar com algumas coisas, né?
P/1 – Isso no começo?
R – Não... Isso... Porque quando eu entrei eu fiquei interna e fui pra Supervisão em 97.
P/1 – Você entrou quando?
R – Entrei em 1990. Eu fiquei um tempo interna, trabalhando numa parte mais administrativa mesmo e daí que eu senti a necessidade de conhecer o campo mesmo, ver como é que era a realidade do programa. Por isso que eu falei que a gente tem uma possibilidade de mobilizar, assim, dentro do nosso departamento, como ele é grande, tem vários setores, você pode ir achando a sua praia ali: “É, eu gosto de trabalhar com relatório”, então tem, “gosto de fazer isso”. Daí eu falei: “Não, agora eu estou num momento que eu quero ir conhecer o programa na prática ali, no campo, com a criança”. Esse é um trabalho que a gente chama de Supervisão. Mas no momento, em 97, o direcionamento desse trabalho era por uma questão de controle de qualidade e contar estoque, se o alimento está vencido, se estava higiênico ou não. Mas você começa a ver que tem outras coisas acontecendo naquele momento, né? E daí, eu e mais umas colegas, a gente já começou a fazer uns trabalhinhos bem pontuais nas escolas que a gente visitava com as crianças em relação à alimentação, começo de uma educação alimentar e nutricional mesmo, que era bem gratificante, mas eram coisas pontuais, né?
P/1 – Que são esses probleminhas que vocês estavam vendo que não tinha como fechar o olho.
R – É. Não tinha como fechar o olho. Mas não eram todas as pessoas que viam, algumas pessoas viam, alguns nutricionistas que gostavam. Mas não tinha assim: “Gente, vocês precisam trabalhar com isso”, não existia. Se eu quisesse trabalhar eu trabalhava, se eu não quisesse eu não precisava trabalhar, entendeu? Não tinha um direcionamento de gestão sobre isso. Mas é gozado que as pessoas que tinham essa preocupação era um grupo que depois, em um outro momento, com uma outra mudança de gestão – eu estou falando esse período era um governo Maluf-Pitta, que era esse olhar – de repente, em um determinado momento volta e fala: “Você, você e você, vocês querem entrar aqui pra fazer um grupo de trabalho pra dar um aporte com essas experiências que vocês tiveram, desse outro olhar, pra dar uma estruturada dentro do departamento?”. Então algumas pessoas foram convidadas pra voltar pra ser internas e fazerem parte de um grupo chamado Grupo de Apoio Técnico. Eu fui convidada a entrar e entrei, eu e mais outras colegas que já trabalhavam com isso, a gente ficou fazendo uma assessoria à direção, isso já foi no governo da Marta. E daí essas questões a gente falou: “Não dá pra fazer só coisa pontual, a gente precisa dar uma ampliada nessas questões, fica muito pequeno só nutricionista, né?”. E acabou tendo uma má vontade das pessoas olharem pra isso. E daí, esse Grupo de Apoio Técnico se desmembrou e eu fui fazer parte de um grupo que era um Grupo de Estágios. A gente começou a receber estagiários de Nutrição, a gente dava uma formação, fazia um projeto que de repente a direção tinha interesse em saber, então projetos de aceitabilidade da alimentação, condições estruturais. Então como não tínhamos muitas nutricionistas, a gente fez parceria com universidades e a gente formava esses estagiários, fazia um plano em parceria com as universidades e eles coletavam dados. E faziam um trabalho que a gente solicitava que era um direcionamento, e sobrava uma carga horária. A gente começou: “Vamos fazer trabalhos de Educação Alimentar e Nutricional dos estagiários com os alunos?”. Sempre com aquela vontade de estar trabalhando essas questões relacionadas à Educação Alimentar e Nutricional. E daí a gente começou a bolar trabalhos, elas faziam teatrinho, faziam isso, faziam uma série de coisas, tal. Chega um dia que uma estagiária chega pra mim, conta uma história, ela fala assim: “Laura, por que nutricionista tem mania, tudo tem que fazer, projeto tem que fazer uma avaliação pra ver se a criança aprendeu ou não pra mostrar na faculdade o projeto?”. Então, o trabalho delas era de incentivo ao consumo de leite, importância do leite para as crianças de EMEI, pra escola de quatro, cinco anos. E daí elas tinham que ver se a aulinha que elas deram, a brincadeira que elas deram teve resultado ou não numa avaliação. Elas colocaram uma caixa com várias embalagens de leite e derivados lácteos misturados com outras coisas pras crianças escolherem se aquilo estava certo, se tinha leite, o que era importante. E daí, a criança tava com um leite de UHT, pegou na mão assim e devolveu. E a estagiária: “Você não vai pegar por quê?” “Não, tá vazio”. Quando ela falou isso eu falei: “Para”. A gente não tem o mínimo conhecimento, nutricionista não sabe nada de Pedagogia! A gente não sabe se ela avaliou que aquilo tinha o leite, mas ela não tinha porque não era o concreto do leite, isso tá errado nessa questão de avaliação. Isso foi uma coisa que me incomodou muito, eu cheguei pra esse pessoal e falei: “Olha, a gente precisa buscar parcerias”. Nós não éramos da Secretaria de Educação na época, a gente era Semab, que era uma Secretaria de Abastecimento, também tem esse diferencial. Eu falei: “Gente! Para, a gente precisa falar com o educador, porque isso está ridículo. A formação nossa da faculdade é muito fraca na área de Pedagogia, você tem mínimas noções, mas a gente não tem esse tipo de coisa”. Daí nós fizemos um microprojeto e fomos bater na porta da Secretaria de Educação, que era uma outra secretaria. Então a gente teve que fazer uma ponte ali, porque a gente era de uma secretaria que fazia serviço na casa do outro, entrava nas escolas, porque a gente abastecia, não que a gente tinha preocupações pedagógicas ali sobre isso. E daí que foi um descobrimento da educação alimentar e nutricional enquanto uma parceria junto com o pedagogo, que o nutricionista tem uma expertise de uma parte, o pedagogo do outro. E o projeto só dá pra ser legal se a gente tiver em sintonia, né? E nós fizemos um projeto em conjunto com a Diretoria de Orientação Técnica na época, eu e mais duas colegas, de formação com professor e eu fui aprendendo muito com os pedagogos, com essa equipe da Diretoria de Orientação Técnica, que é o DOT que a gente chama da Prefeitura. E o projeto foi super legal, foi muito gratificante, eles tinham que fazer um projeto, tal. Um dia uma colega minha falou: “Olha, eu estou aqui num site, dá uma olhada nesse projeto aqui”. E o projeto deles, eles tinham uma formação muito semelhante ao que a gente tinha feito sem conhecer o projeto, que era a formação do educador, da equipe, da cozinheira pra fazer um projeto. A gente falou assim: “Nossa, que legal, gente! Vamos ligar lá, ver se a gente consegue conversar pra gente apresentar o que a gente faz, o que eles fazem”, isso foi em 2004. E daí, nó com a cara de pau, fomos lá com um projetinho, falamos. Eles viram uma possibilidade de 2004 pra 2005 de se fazer um trabalho, viram que era interessante esse universo da prefeitura, que até então eles não tinham feito essa parceria ainda. E nós construímos um projeto junto com a equipe da época, que é a Rosana Padial, que estava lá naquele dia que é pedagoga, mais a Silvia Zanotti que era da Fundação. Só que ele surgiu num modelo diferente de como a gente trabalhou depois, porque a gente dividiu os conteúdos, a gente dava uma parte da formação, eles davam outra. A gente usava o espaço da Fundação, então foi muito rico e daí que surgiu esse nosso elo junto à Fundação Nestlé, através dessa aproximação de confluências de ideias e vontades. Então a gente fez o primeiro programa, do primeiro projeto no ano de 2005. E depois aconteceu uma série de coisas, acho que também não sei se a gente... Não lembro, daí a gente ficou em um hiato, nós tocamos os nossos projetos, mas sem parceria com a Fundação. Em 2011 a gente volta, aí eles que procuraram pra gente estar restabelecendo a parceria. O modelo veio diferente também, mas sempre com a nossa parceria na questão de definição dos conteúdos, dentro do que a gente precisa mesmo. Porque como na Fundação, eles têm o Projeto Brasil, as demandas são bem diferentes, em que ponto está essa discussão pedagógica, de cada município. E São Paulo tem uma discussão bem firme já, de muitos anos, já tem um projeto mesmo consistente na área pedagógica, então a gente foi juntando as coisas e fazendo o projeto.
P/1 – Em 2004, 2005, como é que vocês foram recebidos?
R – Fomos recebidos super bem. Eu lembro que a gente ficou super feliz que eles adoraram o nosso projeto, foi uma coisa bem bacana. E eles deram uma estrutura que, infelizmente, o serviço público não te dá, né? De fornecer um espaço legal. Então, a gente levou as merendeiras lá pra Nestlé, tinha aqueles cafezinhos, elas adoravam. Forneceram almoço, material. Foi rico, porque a gente tinha uma dificuldade nessas coisas. Eles deram esse brilho, fora a questão de ter a pedagoga, a Rosana, discutindo junto com a equipe do DOT nosso, então foi uma construção, foi muito bacana essa parceria de 2005.
P/1 – Conta um pouquinho mais como é que foram as ações que vocês fizeram.
R – Nós fizemos acho que quatro turmas, limitamos o número de vagas por quatro regiões, publicamos no Diário Oficial, porque foi um curso que foi validado. No dia da publicação, praticamente, as vagas já tinham esgotado, de tanta vontade que as escolas manifestaram no curso. E daí o rico também foi, nessa parceria, a questão da culinarista, que era a Ana Maria. Então ela veio, e a gente falou assim: “Nós temos um problema de aceitação com esses alimentos”. Ela pegou e desenvolveu receitas que o pessoal ia pra cozinha e ela, de uma forma ou de outra, ela falava: “Gente, vocês têm um produto de altíssima qualidade”, uma pessoa que vem de fora, que não somos nós, é muito mais interessante, né? “Esses produtos são super de qualidade, dá pra fazer um monte de coisa. Eu visito municípios que não têm nada disso, dá pra fazer bastante variações e tudo o mais”. E o modelo do Nutrir que a gente mudou do anterior é que pra cozinha ia todo mundo, diretor, coordenador pedagógico, pai, a gente dividia pra todo mundo sentir aquilo mesmo, porque até então o Nutrir, no formato deles, só iam as cozinheiras escolares. Lá a gente fez uma mescla, ia diretor, CP (Coordenador Pedagógico) e cozinheiro escolar. E o pessoal todo ia na cozinha, então foi bacana, porque isso também foi uma questão diferente dentro das formações que a gente fazia, que era ter uma culinarista fazendo as receitas num espaço, que era a cozinha da Nestlé, era muito legal esse espaço que a gente usou na formação. Depois o pessoal degustava. E daí saiu um projeto, esses projetos encaminharam, esse que deu a questão depois do prêmio, que foi esse prêmio daquelas fotos que eu te mostrei do Prêmio Nutrir 2006.
P/1 – Você falou que quando você entrou na Supervisão lá atrás, você já viu que tinha problema de aceitação de alimentos das crianças, tudo. Você acha que é nesse momento que você consegue ver uma prática, acho que agora a gente tá conseguindo resolver, ou não?
R – É, então. Por que o que é que acontece? Você tem a prática diária, porque na verdade a escola tem que gerenciar os seus projetos, o nutricionista tem que dar um apoio, mas o grande responsável lá é a equipe pedagógica que tá na unidade mesmo, de estar desenvolvendo os projetos. Mas o que foi o rico é a gente expandir essas formações, falar a mesma coisa pra várias pessoas ao mesmo tempo, não só ficar numa ação, e inverter esse movimento. Então, aquela escola fica sensibilizada com uma formação maravilhosa que acontece, que vem pessoas super capacitadas pra isso e falar: “Nossa, eu posso fazer essas coisas”. “Ah, eu preciso de um nutricionista nesse meu projeto”, então inverte um pouco, a escola sente essa demanda, essa vontade e procura a gente pra parceria, e não a gente ficar lá: “Olha, você precisa olhar pra isso”. Esse movimento é importante também, mas esse outro movimento delas detectarem essa necessidade também, não vindo só da gente, é muito bom, né? Então, em um dos projetos de 2012, o relato de uma escola até que ganhou o prêmio, ela falou que depois da formação, ela saiu e voltou pra escola com um olhar de estranhamento. Porque você vai acostumando o seu olhar, né? E de repente ela chega e fala: “Nossa, mas por que isso acontece assim? Por que esse refeitório não pode ser de outro jeito?”. Ela voltar com esse olhar de turista, de estranhamento dessas questões relativas ao programa, saindo um pouco da sua zona de conforto e alguma cutucada que veio de uma formação, e despertar pra um projeto, isso é muito legal! E de repente: “Mas por que tem que comer assim, por que não pode ser assim, por que a mesa tem que ser assim?”. E fazer essas ações, esse despertar dela acontecer lá e virar um projeto da escola. Então, isso pra gente é muito gratificante.
P/1 – Conta um pouquinho dos resultados desse momento de 2005 que você lembra.
R – De 2005? Em 2005 eu lembro de um projeto muito interessante que foi um dos que a gente selecionou, foi de uma escola pra deficiente auditivo, que ela participou da formação, e daí deu um start. Porque a gente acha que a escola de deficiente auditivo é uma coisa silenciosa. Não, é extremamente barulhenta, porque eles não têm muita noção da altura do som da fala deles. E depois do projeto, da formação, ela teve a ideia de fazer um autosserviço, um self-service. Era um momento tumultuado na refeição, e ela começou a reolhar pra isso, movimentou toda a escola em cima da questão da linha da alimentação. E depois ela filmou um antes e um depois, apresentou nesse dia do prêmio. Foi muito bacana a gente ver todo aquele movimento que aconteceu numa escola depois da formação. Esse foi um dos pontos que eu lembro que marcaram.
P/1 – Ela era o que?
R – É uma Emebs, uma Escola Municipal de Educação Especial.
P/1 – Mas a pessoa.
R – Foi a diretora que participou da formação. Porque na formação a gente chama o diretor, o coordenador pedagógico, que vai alinhavar os projetos pedagógicos da unidade, uma pessoa responsável da cozinha e uma pessoa responsável da distribuição do alimento no momento do refeitório. Então, essas quatro têm que fazer, alguém tem que começar um movimento na escola em relação a isso, né? Eu lembro especialmente dessa escola, que foi bem bacana. Em 2011 teve vários trabalhos bons também, que a gente só fez em uma região, em Santo Amaro, que foi um piloto pra gente retestar um formato do projeto, e saíram projetos interessantíssimos. O Denilson, que era um professor de Educação Física fez o projeto, começou a trabalhar com desperdício, ele até agora está trabalhando com a gente lá no departamento. E mudou toda a vida daquela escola com o projeto de Educação Física, desperdício com os alunos. Ele até gravou um vídeo que a gente usou depois na formação de 2012, que foi um projeto bem bacana. Esse de 2012 também, que foi essa do olhar de estranhamento. Teve um outro que ela envolveu toda a comunidade, com as crianças, visita em sacolão, varejão, trabalhar com a questão do desperdício dos alimentos, aceitação das crianças, então tem coisas muito bacanas.
P/1 – Eu não entendi o porquê desse ato, dessa ruptura...
R – Sabe que eu não entendi muito também (risos). Eu acho que daí a Silvia saiu e talvez seja a leitura da Fundação mesmo, né? Eles devem ter tido um outro direcionamento, talvez não priorizaram São Paulo, foram pro interior. E também eu acho que foram os objetivos que eles deram na época.
P/1 – Um dos argumentos que eles utilizaram.
R – É. Porque na realidade foi essa premiação e eles tiveram uma mudança na condução. Eu não lembro porque disso, lembro de ter feito uma reunião lá, mas não lembro muito bem porque a coisa não foi pra frente. Daí também surgiram outras demandas, porque a gente também tem os nossos projetos, né? A gente tem os nossos projetos que não são em parceria com a Fundação. Essas questões de Educação Alimentar, a gente tem as nossas formações, as nossas coisas.
P/1 – Mas quem chegou com vocês e falou? Ou não teve? Você lembra?
R – Então, sabe... Eu não lembro se naquela foto, aquela pessoa que tá do lado da Silvia foi a pessoa que depois eu conversei isso, eu não lembro. Eu apaguei, eu não sei o que aconteceu (risos). Mas eu lembro que a gente ia fazer um livro com as experiências, a gente fez um material e daí isso não foi pra frente. Eu não lembro muito bem porque aconteceu isso.
P/1 – Mas as escolas que foram mexidas nesse primeiro momento, elas continuaram mexidas?
R – É. Depois nós fomos com um grupo de estagiários que estava fazendo um trabalho, a gente foi verificar se as escolas que participaram dessa formação, quais as práticas que estavam utilizando, se elas estavam continuando. E muitas estavam ainda continuando com as atividades. Porque é importante que a gente trabalhe essas atividades relacionadas à alimentação e elas entrem dentro do projeto pedagógico da unidade, pra ser efetivo mesmo, não ficar uma ação pontual, só uma mera atividade, uma campanha. Não, tem que ser um projeto mesmo, que seja sedimentado dentro da linha do que eles estão trabalhando naquele ano. Eu lembro que muitos continuaram com a questão da alimentação. Se a gente falar de dez anos atrás pra cá, as escolas estão muito mais envolvidas nessa questão da alimentação. E em 2009 acabou o Semab e nós viemos pra Secretaria de Educação. Isso facilitou também aquela interlocução que a gente tinha que fazer, de pedir pra um secretário, pra outro, agora a gente tá tudo na mesma casa.
P/2 – Que ano foi?
R – Isso foi no início de 2009. A Semab deixa de existir. Teve uma passagem antes com a Secretaria da Gestão, e quando o Kassab assumiu na gestão anterior, no dia 31 a gente dormiu na Gestão e acordou no dia primeiro na Educação. Então o Departamento foi pra Secretaria de Educação. E isso foi muito bom porque daí a gente tava trabalhando mesmo com as escolas, nós éramos assim e esse período a gente foi de estar alinhavando e mostrando que o departamento é agora da Educação, tal. Desde o ano passado a gente já está mais confortável dentro da secretaria no sentido da gente ser mais ouvido mesmo, ser mais participativo nessas questões. Então isso facilitou, o dote pedagógico que a gente tinha que buscar, hoje a gente trabalha junto, realmente numa forma bem mais tranquila.
P/1 – E em 2011 a Nestlé, ou a Fundação, quem procura vocês?
R – Na verdade foi a La Fabbrica, que era gerenciadora do projeto. Eles tinham uma ação com outros projetos pedagógicos na região de Santo Amaro. E daí eles procuraram a região de Santo Amaro pra fazer uma retomada do Nutrir em São Paulo.
P/1 – O que é a La Fabbrica?
R – A La Fabbrica é uma empresa de projetos sociais. A Nestlé passa as demandas, o que eles precisam fazer e eles operacionalizam a realização do projeto. A Nestlé dá as diretrizes. Quer dizer, era assim até no ano passado, a Nestlé dava as diretrizes, eles têm um grupo de formadores deles, eles que fazem material, tudo com aprovação da Fundação. O nosso contato com a La Fabbrica era bem estreito, porque a gente que via essa parte operacional: “Olha, vai ser em tais regiões”; elas que entravam em contato com o lugar, que viam ver o cofre, ver isso, ver aquilo, o formador, elas que ligam lá, instalam, lista de frequência, então eles fazem a operacionalização do projeto. Pra gente é bem confortável porque você tem alguém que está gerenciando, carregando um piano lá também na parte chata que é essa de ver o espaço, se tem água, se tem papel higiênico no banheiro. E não só isso, como também a questão da discussão do projeto, né? O ano passado a gente teve uma discussão conjunta com a equipe e com a Fabiana, que é uma pessoa que eu gosto bastante de trabalhar com ela, que é a Diretora de Projetos do La Fabbrica. E a gente tava pensando em mudar um pouco o formato da parte de culinária. Eu falei: “Eu conheço palestras de uma chef, em alguns eventos que eu fui da área de alimentação, nessa pegada da alimentação não higienista, mas essa questão mais cultural, social”.
P/1 – Você falando isso pra ela?
R – Eu falando com a Fabiana. É a Mara Salles, dona do Restaurante Tordesilhas, de comida brasileira, ganhou o Jabuti do ano passado com o livro dela, muito legal. E a Fabiana foi conversar com ela, ela se encantou e no fim rolou uma coisa. A Mara é uma pessoa incrível, ela ficou encantada com o programa, a gente ficou até amiga depois disso tudo e ela entrou nesse projeto. O que a gente pensou? Vamos pegar e valorizar o papel da cozinheira escolar. Então se a gente chama uma chef, que todo mundo acha que chef é aquela coisa, e ela começa a falar com a cozinheira, bola umas receitas legais com uma pegada diferente. Daí nós fizemos uma seleção na nossa rede, pegamos umas merendeiras legais, a Mara participou lá tudo. Fizemos uma seleção dessas merendeiras, escolhemos duas que participaram desse “Comida de Escola”, que é um vídeo que a gente pegou os alimentos que a gente queria e ela bolou receitas maravilhosas: com peixe, como fazer melhor esse peixe, por que desse jeito, então ela fazia um corte, punha a apresentação do pão. Depois vocês precisam ver esse vídeo, é muito legal. São várias receitas.
P/1 – Esse Comida de Escola era o projeto...
R – Que entrou no Nutrir do ano passado, de 2013. Então, quando a gente voltou em 2011 tinha esse modelo também da formação dos educadores: coordenador pedagógico, diretor, cozinheiro escolar e auxiliar técnico de educação. E as oficinas culinárias aconteciam com a Ana Maria que é uma graça de pessoa, que fez um receituário maravilhoso que a gente adora, adora a Ana Maria D’Angelo, a Katia D’Angelo (pedagoga), o pessoal é uma graça. E a Katia, na verdade, que nos procurou pela DRE de Santo Amaro, como lá era La Fabbrica ali, dando trabalho pra La Fabbrica, e a gente voltou pra essa parceria em 2011, nesse modelo. No final de 2011 a gente fez um piloto só com uma região de São Paulo. São Paulo é dividido em 13 macrorregiões de educação, e a gente trabalha muito com isso, DRE (Diretoria Regional de Ensino). E a gente fez na região de Santo Amaro, e em 2012 nós fomos para outras quatro regiões do universo do município e continuamos com a Ana Maria nessa parceria, com as oficinas, com a formação dos professores e o pessoal da cozinha fazendo as receitas e um receituário. E outra contrapartida legal também do projeto, é que essas receitas foram incorporadas no nosso receituário, então você pega uma culinarista que tem um monte de dica – a gente é tudo nutricionista, nutricionista não sabe cozinhar (risos), fala que sabe, mas não sabe, com raríssimas exceções. A gente tem uma formação dietética, mas é lá desnaturar a clara, não tem essa pegada. E daí você pega uma pessoa que tem esse olhar, a gente estava introduzindo a proteína texturizada de soja. Ela bolou um monte de receita de granola, fez isso, um croquete, fez um monte de coisa. E essas receitas incorporaram no nosso receituário do programa, então isso também é um ganho. Além de você estar trabalhando com o pedagogo, você está tendo esse olhar, que é uma parte importantíssima, porque se você não tem uma comida bonita, cheirosa, gostosa, todo o programa cai por terra. Um prato que é jogado no lixo, pra gente é o fim! Você tem que ter o estímulo pra que aquela criança coma, fora as outras atividades que acontecem da parte pedagógica que o Nutrir também forma. Essas receitas foram incorporadas, isso foi um ganho pra nós. E daí, o ano passado a proposta foi da gente tentar fazer, aí eu já não sei se foi uma proposta da Fundação ou se foi da La Fabbrica, enfim, de fazer uns vídeos pra gente expandir e não ter uma coisa só presencial, alguma coisa que desse pra se usar em várias formações, que só tendo um facilitador ali no momento do preparo das receitas, mas alguém falando como fazer. E foi nas conversas nessa discussão com a La Fabbrica que a gente sugeriu o nome da Mara Salles. Ela foi a algumas reuniões e ficou encantada com o programa, a gente fica tudo orgulhoso porque parece que o programa é nosso, fica... “Ai, ela gostou” (risos), enfim. E daí surgiu a ideia de fazer os vídeos com alimentos novos e com essa pegada que foi aquela gravação, que a Fundação fez a parceria com o Instituto Criar, que é do Luciano Huck, que tem os aprendizes que trabalham na parte de edição, direção e tudo o mais. Então foi uma outra coisa muito diferente pra gente estar trabalhando.
P/1 – Como chamava?
R – Instituto Criar.
P/1 – Mas a gravação.
R – Aí, o nome virou, nós escolhemos alguns alimentos carros chefe pra ela estar trabalhando, foi tudo discutido em várias reuniões que a gente foi fazendo com a Mara. Peixe é um alimento que a gente tem dificuldade, então ela bolou uma receita com peixe; a gente pegou apresentação dos sanduíches, dos recheios, ela fez uns patês com berinjelas. Isso tudo tá nesse vídeo, eu podia trazer pra vocês, depois pede pra Fundação esse CD. E foi dividido em episódios. E no final de cada episódio ela fala um pouco dessa pegada do alimento. Da importância que o alimento não é só um pacote de nutrientes, ele traz sentimento, ele traz isso, que você apresentar uma fruta, só dar pra criança, mas se você pica, se você faz, essa pegada que foi também uma evolução nossa dentro do programa. Então, aquelas questões de higiene que começam na década de 90 com o trabalho executivo da Supervisão, elas foram já sendo conquistadas dentro do programa, são coisas que a gente já tá com tudo isso “ok”. O que tá faltando? Esse brilho, essa outra parte, de você deixar uma comida... Eu tenho um arroz orgânico da agricultura familiar dentro do nosso programa. Como é trabalhar? A Mara falava: “Gente, que maravilha esse arroz orgânico, saber que veio de uma família que está lá produzindo, vamos valorizar”. Ela tinha umas falas também nessa filmagem, muito interessantes, em relação à origem desses alimentos. Ela falava: “Olha essa cenoura! Essa cenoura, mas se eu corto ela assim ela fica diferente”. Para as cozinheiras também valorizarem isso no momento do preparo dos alimentos, né? Então é isso que a gente está buscando agora, não só essa questão dos educadores com seus projetos, mas esse olhar de ser uma comida bonita, que seja bem apresentada. Ela pegou: “Olha, se eu entrego um pão assim, é um pão; se eu corto ele assim de um jeito que fica em duas metades e ponho na cumbuquinha, olha que diferente”. Então foram essas coisas que a gente filmou, ela filmou, foram dois dias de gravação, uma maratona lá, e daí surgiram esses episódios Comida de Escola com o receituário. Isso foi o projeto do ano passado, que pra mim foi muito interessante. E daí como a Mara Salles ficou super comprometida, era só pra ela filmar, mas ela foi fazer as oficinas também. Ela entrou, então ela foi nas regiões. Nós fizemos quatro grandes oficinas no ano passado, ela foi pra Campo Limpo, pra São Mateus, pra Itaquera e, qual foi a outra região? Daqui a pouco eu lembro, foram quatro regiões. Ela foi e deu a oficina culinária. E daí ela fala muito bem, vocês vão ver no vídeo, é muito bacana.
P/1 – E qual foi o resultado disso? Como foi depois que ela saiu, como a escola ficou?
R – Primeiro que valorizou muito o papel das cozinheiras porque, imagina alguém falar, ela chegava assim: “Gente, toda cozinheira é vaidosa, a gente gosta que elogiam a nossa comida”. Foi uma pegada assim, gente, é ela vindo falar. E passava o vídeo pra elas entenderem a importância que era essa pessoa também, ela não era qualquer uma que estava ali falando, né? Ela tem uma história dentro do restaurante dela, ela tem publicações de livros, ela também foi chef, alguma coisa relacionada ao curso de Gastronomia da Anhembi Morumbi, ajudou a formar, então, ela tem uma referência pra elas se valorizarem porque elas estavam falando com uma pessoa muito bacana ali, pra elas se sentirem valorizadas. Foi muito, muito bom. E isso a gente tá tendo. Hoje mesmo eu recebi um e-mail de uma região que foi uma formada no ano passado com fotos de preparação dessas cozinheiras que bolaram coisas, provavelmente isso é, não está escrito assim: “Depois que eu fiz a formação”, mas com certeza é um reflexo da formação que elas passaram no ano passado. Fizeram panqueca com biscoito. A gente não tem farinha de trigo, então elas bateram biscoito, virou uma panqueca, tem foto. Pegaram a PTS, a proteína texturizada de soja, e fizeram quibe. Quer dizer, você percebe que são coisas que estão vindo provavelmente num start ali que em algum momento surgiu.
P/1 – Tem um cardápio que vocês...
R – Tem. É, assim, a gente tem um cardápio já pré-estabelecido, ele é publicado mensalmente ou semanalmente no Diário Oficial, ou no nosso site. Então é assim – é tão complexo o programa – nós temos quatro modelos de gestão. Porque pra um milhão e 800 mil refeições/dia, a gente alimenta como se fosse uma Campinas e circunvizinhança todos os dias, de uma forma teoricamente centralizada. A gente tem um modelo que chama de Gestão Direta, que são poucas unidades, quando eu entrei era todo mundo assim. O funcionário da cozinha nosso, é funcionário municipal, e os alimentos nós que entregamos lá: todo dia vai uma coisa lá, vai um merendão que são os não perecíveis, aí vai pão, bolo, a feira com as frutas e legumes, duas vezes por semana, enfim. E a gente tem um modelo que é Conveniado, entidades filantrópicas, ONGs, tenho seis que a gente chama de CEI, que são público de creche, Centro de Educação Infantil, que são parcerias que a prefeitura faz pra atender essa demanda da pré-escola, e daí é um convênio que o funcionário é desse convênio contratado com uma verba que a prefeitura repassa. Os alimentos são nossos, então o departamento manda os alimentos e ela recebe lá o pão, o bolo, a feirinha duas vezes por semana, suco, todas as frutas ou legumes e verduras. E o funcionário é conveniado. E daí a gente tem modelo Terceirizado, que é uma boa parte, que o funcionário e o alimento são da empresa terceirizada. E a gente tem um modelo que é Misto, o alimento é nosso e o funcionário é terceirizado. Essas de Campo Limpo são alimentos nossos e funcionários terceirizados, a gente formou esses funcionários também, que não são municipais, eles são contratados. Então funciona dessa forma, e cada um tem a sua especificidade de trabalho. Na verdade a gente tem hoje mais mão de obra terceirizada, tanto do sistema Misto, que o funcionário não é nosso, como o Conveniado que também não é funcionário municipal. De funcionário mesmo de carreira, de merendeiras, daquelas antigas, a gente tem acho que umas 60 escolas só, nesse universo de 2.800, o resto é tudo mão de obra contratada.
P/1 – Você que está na iniciativa pública vê alguns marcos, alguns direcionamentos do governo, né?
R – Sim.
P/1 – Como que foi no Programa Nutrir? Você conseguiu ver como isso foi, algum direcionamento que eles também tiveram que se adaptar pra isso, ou ficar antenado pra uma ideia nova? Acho que a gente conversou um pouquinho disso no workshop.
R – É verdade.
P/1 – Será que a gente consegue dar uma retomada aqui?
R – Eu acho que a gente consegue. Eu achei muito interessante aquela construção que surgiu lá no workshop com aquela visão que ela foi dando dos programas sociais, das fases mesmo da vida política social brasileira em cima dos programas. A gente percebe isso claramente esses direcionamentos, com esse momento que a gente tá vivenciando. Se a gente for pegar o próprio histórico: ah, quando eu me formei. Eu me formei em 1987, ai gente, estou ficando velha. Na faculdade só se falava de desnutrição, não se falava em obesidade. E a gente viu lá, né? O Nutrir surge como um programa pra aproveitar partes não convencionais, para as crianças e tal. De repente hoje, a gente vê por esses dados todos, desses estudos sociais e epidemiológicos, que a gente tá com sobrepesos e desnutridos as crianças com quase 50% ou mais. Começa a ter uma preocupação grande do Programa Nacional de Alimentação Escolar em relação a questão dos alimentos, então tem listas de alimentos que são proibidos, que antigamente não se tinha, concentração de açúcar, sai normativas, diminuição de concentração de sal e de teor de açúcar, de sucos artificiais que são proibidos no programa. Então, a gente segue uma diretriz do Governo Federal, que é do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. A gente tem uma resolução que os municípios têm que se adequar a isso dentro da questão da qualidade e da efetividade do programa. E isso vem vindo junto, né, se você pensar. O Nutrir também muda num determinado momento com essa questão dessa preocupação também com a questão da obesidade, sobrepeso, e agora atividade física, que eles estão trabalhando bem fortemente nisso. E vem vindo calhando com todas as políticas públicas que a gente vê nesse sentido. Então, o nosso programa, a gente já foi mudando vários itens: há muito tempo a gente tirou biscoito recheado, todos os alimentos que tinham gordura trans, a gente aumentou a frequência de frutas, legumes e hortaliças dentro do cardápio. E esses cardápios são publicados, então as escolas têm que seguir. E por que eu falei dos modelos da gestão? Porque as empresas terceirizadas têm que cumprir um cardápio igual, exatamente como a gente determina porque elas recebem por isso, um contrato. Então elas são mais engessadas no sentido, porque elas têm que seguir. É bom porque também não dá para fugir, se a gente programa que tem que ter tal coisa, tem que ter aquilo lá. Tem uma série de normativas que essas empresas têm que seguir: não pode repetir fruta na semana, se elas têm algum problema de abastecimento, elas têm que comunicar ao departamento e perguntar se ela pode trocar. Porque o diretor está avaliando, o nutricionista visita tá avaliando, tem todo um critério de controle disso muito firme mesmo, muito efetivo. Existem penalidades, se elas não cumprem esse cardápio que é estabelecido, se ela não repõe um utensílio que precisa fazer, um leite batido, ela não repôs o liquidificador que ela tinha que por, o diretor aponta, ou o nutricionista visita, ela tem uma penalidade, é bem rigoroso o negócio lá. Então tem isso daí, tudo isso no programa, esse cardápio já está estabelecido com essas novas diretrizes em relação a cardápios mais saudáveis, exatamente pra gente evitar a questão desse problema que a gente tá tendo. A vantagem que a gente tem dentro da prefeitura é que nós não temos cantinas escolares dentro dos prédios da prefeitura, é proibido, a gente não tem, só as escolas do estado, na prefeitura a gente não tem cantina. Só que a gente tem o carinha na porta da escola vendendo salgadinho, tem aquela casa vizinha que tem uma garagem que virou um mercadinho de um monte de tranqueiras. Então a gente quer que esse diretor, essa equipe veja isso, para que não seja um concorrente do programa da alimentação escolar, esses alimentos não saudáveis. Tudo isso a gente trabalha nessas formações com os educadores. E o que aconteceu de interessante no ano passado, por conta dessa discussão e essa aproximação e uma diretriz da nossa diretora, a Educação Alimentar e Nutricional está muito forte dentro do programa do ano passado pra cá. E a gente formou um GT, um grupo de trabalho, de Educação Alimentar e Nutricional envolvendo todos os segmentos da secretaria que são envolvidos com isso. Tem representantes lá do departamento, tem do DOT Pedagógico, de Projetos, de Saúde Escolar, a gente tem várias pessoas que estão trabalhando nesse sentido. E nós fizemos uma ação em abril do ano passado chamando essas regionais com as equipes dessas regionais que são a miniatura da secretaria. Cada regional tem um diretor pedagógico, diretor de projetos, tem o supervisor que vai lá visitar, ver se está acontecendo o projeto, tem as suas nutricionistas. A gente começou “startar” essas questões de como que a gente vai estar trabalhando com as escolas para fomentar projetos que elas querem fazer e sentem falta de um apoio, ou estar sensibilizando, suscitando essas escolas. E daí a coisa meio que cresceu, nós conversamos com a equipe da Fundação Nestlé, que a gente tava querendo fazer uma ação grande, que foi um seminário pra essas equipes, porque a gente não conseguiu ir pra todas as regiões de São Paulo ainda, esse ano a gente vai fechar o ciclo de todas as regiões. A gente falou com eles que a gente tava querendo chamar todas essas equipes das DREs, não são as escolas, porque a formação do Nutrir é com a escola, vai o diretor da EMEF Chiquinha, o diretor da EMEF Joaninha, tá lá. A gente queria chamar a central das DREs pra estar falando o que a gente está discutindo dentro desse programa. Nós fizemos um seminário no ano passado que a Fundação nos auxiliou nisso, chamamos toda essa equipe e foi um mini-Nutrir com os formadores do Nutrir pra gente. Foram a Mara Salles, a Lilian que faz a formação Nestlé do Nutrir, para a gente começar a discutir indicadores de Educação Alimentar e Nutricional na rede. Então, a coisa tá avançando. Já fizemos uma outra reunião com esse grupo, cada Diretoria Regional está tendo uma ação de Educação Alimentar e Nutricional. Isso é uma coisa que, você vê, é um movimento que se eu for voltar de quando eu entrei pra agora, isso é uma grande diferença, um avanço no sentido dessas questões do programa. Daí tá aí o Nutrir que está junto com a gente.
P/1 – A gente falou da desnutrição. E quando que entra a questão obesidade?
R – Essa discussão da obesidade começa quando a gente começou a trabalhar a questão da transição nutricional, começa em 2003, 2004, assim, que se começa a ter essa preocupação. O que é que se chama de transição nutricional? A gente deixa de ser um país dos magrinhos e dos baixinhos pros gordinhos, né? Então é quando começam esses estudos apontando para esse aumento da incidência da obesidade e dessas comorbidades associadas. Que daí vem um monte de coisa ruim junto, diabetes, hipertensão, hipercolesterolemia, problemas ortopédicos, fora a questão psicológica daquela criança que sofre bullying, que não consegue correr na Educação Física, que nunca é chamado pra jogar futebol no time do outro. Todas essas questões começam no início do ano 2000, mas mais fortemente, dentro do programa, a gente fazendo palestras, falando sobre isso, que eu me lembre, em 2003, 2004.
P/1 – Do Programa Nutrir, você diz?
R – Não, estou falando dentro do nosso programa. E provavelmente o Nutrir também tava nessa. Quando a gente fez o Nutrir de 2005 a gente já tava nessa pegada dessas questões de Saúde Pública da obesidade e sobrepeso, já estava trabalhando nessa linha.
P/1 – Eu tenho algumas perguntas pra gente ir finalizando, mais reflexivas. Como você percebeu a ação do Programa Nutrir, e de vocês também, nessa parceria, de transformação dessa comunidade escolar? Dessa comunidade educativa. Até que momento vocês conseguiram perceber um tocar diferente, uma cultura diferente?
R – Então, o problema que existe de projetos de Educação Alimentar e Nutricional é que a gente tem uma grande dificuldade de avaliação no concreto. Tanto é que a gente tá agora discutindo lá com a equipe da Fundação uma outra forma de trabalho, a gente vai fazer uns pilotos em região. O programa está sendo restruturado e a gente tá trabalhando junto com eles nisso. Então, eu vou te falar assim, de mensurar, até agora a gente já formou 800 educadores, não sei quantas escolas. Falar: “Olha, realmente teve essa efetividade”, eu não tenho esse dado pra falar pra você, mas eu acho que essas ideias vão ficando. Alguém vem aqui, faz um Nutrir ali, daí vem outro e faz outra coisa, de repente aquela ideia te pega e você vê se a escola está trabalhando. A gente percebe o movimento muito maior hoje das escolas preocupadas com essa questão da alimentação, de estar olhando o programa não como um peso, porque muitas: “Nossa, eu tenho ainda que cuidar da comida dessa criançada”, era uma fala. Mas assim, mais como um programa dentro de um eixo pedagógico, é isso que a gente quer que eles pensem. Um programa, ele tem uma possibilidade pedagógica incrível do concreto ali. Eu tenho um programa de qualidade, que eu tenho uma oferta de frutas que essas crianças muitas vezes desconhecem, elas não comem na casa delas. Eu posso estar fazendo práticas didáticas, apresentando o que é uma pera, o que é um kiwi, o que é um melão, um abacaxi, quer dizer, fazendo esse concreto com o programa, a gente quer que isso aconteça. E que surjam projetos relativos à alimentação. Eu acho assim, que o Nutrir, obviamente nos ajudou com um despertar com muitos desses profissionais, a gente vê nas avaliações da formação. As devolutivas dos projetos com coisas realmente muito interessantes, coisas que já estavam acontecendo algumas vezes. Já existem atividades nessas escolas, às vezes falta alguém formatar isso. Então chega um: “Vamos fazer um projeto?” “Putz, a gente já tá fazendo tal coisa, vamos registrar isso”, então dão corpo pra essas ações. Efetivamente eu não conseguiria te dizer, mas eu acho que nunca é demais. Numa formação você sempre sai daquela turma toda. Essas merendeiras que fizeram essa receita, se isso foi despertado pelo Nutrir eu não tenho como avaliar, eu posso até ligar: “De onde veio essa ideia?” (risos) “Ah, é que eu fiz o curso”. A gente não tem essa continuidade, mas eu acho que isso é uma coisa que o projeto sente necessidade. Eu acho que vai ser um segundo momento do projeto agora, pelo que eu estou entendendo, a gente vai estar traçando alguns indicadores concretos pra gente saber até que ponto aquilo está sendo efetivo e está acontecendo na escola. Então é uma coisa que eles também sentem necessidade e a gente também, a gente tem uma grande dificuldade em mensurar tudo isso. A gente percebe um movimento, o movimento tá acontecendo.
P/1 – É difícil mesmo porque um leva pro outro, é um boca a boca muito grande. Então, às vezes você fala em números, não cabe dentro desses números, né?
R – É porque é assim... E qual é a proposta? A gente tem a proposta que eles insiram isso pra quê? Qual o objetivo final? Que essa criança adquira hábitos alimentares saudáveis. Essa criança não tem a alimentação só na escola, ela pode ser um agente transformador na casa dela, isso que seria o ideal dos mundos. Isso acontece, a gente tem relato. “Ah, a minha filha agora quer comer salada, ela não comia”. Isso é uma coisa que acontece. Mas esses programas, a gente foi até buscar na literatura mesmo, é difícil você ter uma mensuração exata. O objetivo principal do programa: mudar os hábitos alimentares. Será que mudou? Como que foi isso num estudo mais longo? Qual que a gente vai fazer? A gente tem uma dificuldade nisso. Pra nós, se de repente, de concreto do programa a gente perceber que tenha um aumento da aceitação da alimentação escolar, pode ser um indicador que a gente pode estar trabalhando com isso, mas a gente não conseguiu ainda fazer isso. E eu acho que isso é uma coisa que a gente tá quebrando a cabeça pra tentar fazer e o Nutrir também quer resultados mais concretos. Então, essa é a Fase 3 do projeto, vamos chamar assim, se pensar de 2005, depois 2011, agora a gente tá nessa construção conjunta ali. Eles fizeram a parceria com a Unifesp pra trabalhar com educador físico, a gente já teve algumas reuniões, então a gente tá... Isso que é legal porque você vai tendo várias pessoas pensando numa causa comum ali, vindo com uma amarração que a Fundação tem como fazer, e a gente nem sempre consegue, né?
P/1 – Você falou de falas, que a merendeira comentou alguma coisa. Acho que a gente pode finalizar com algumas falas, não sei se você vai lembrar. Mas uma fala que antes de vocês entrarem em parceria com o programa, que tipo de fala você escutava dentro da escola, e que tipo de fala você escuta na saída de vocês, quando o projeto foi lançado. E se tem uma fala sua também, antes e depois da parceria.
R – Deixa eu pensar em fala de escola. Uma fala que me marcou... No primeiro Nutrir de 2005, nós chamamos também pais, a escola podia levar um representante dos pais. E eu lembro que daí teve toda essa discussão, a gente falava sobre saúde, aí eles foram pra cozinha, a gente trabalhava com memória, como a alimentação é importante, tinha toda uma proposta, umas dinâmicas que a Rosana fazia. Acho que foram três dias de curso, era um curso longo. E na avaliação de um dos pais, ele escreve assim: “Nossa, como é bom saber que tem tantas pessoas preocupadas com meu filho na escola, eu nunca imaginei que isso fosse dessa forma”. É legal a fala dessa mãe falando que, nossa, que ela nunca imaginava que tinham tantas pessoas quebrando a cabeça de como fazer o filho dela comer melhor, preocupadas com isso. Isso foi uma fala que marcou. A outra fala, eu acho que é esse olhar desse estranhamento, dessa professora do ano retrasado, que ela sai da formação, chegando na escola com um outro olhar. Esse outro olhar que faz você sair da sua zona de conforto, do seu costume, daquela sua reta e vê porque isso está desse jeito em relação à alimentação das crianças. E com isso ela começa, porque todo projeto surge dos problemas e dos porquês, e daí ela começa a construir o projeto dela. Acho que isso foi uma coisa que me marcou, dela ter saído com esse olhar de estranhamento, que eu achei muito legal também. Se eu falar, vamos pensar agora de uma fala minha sobre o projeto. Eu acho que o que é rico dentro da Educação Alimentar e Nutricional, que é uma coisa que a gente precisa buscar, é a intersetorialidade. Você não consegue fazer sozinha, a Educação Alimentar e Nutricional tem pressupostos tanto da Educação, quanto da Nutrição, por isso que ela é composta, a gente tem que ter vários olhares e várias pessoas pensando sobre isso, né? Então eu acho que isso a gente já tem na secretaria como claro, mas quando vem uma outra instituição, um outro parceiro de fora, ele vai agregando outros olhares também, outras questões que são importantes e acaba dando uma viabilidade pra umas questões que, às vezes, a gente fica meio, no serviço público, uma coisa mais difícil, às vezes, de acontecer. Vem com verba, com qualidade de material, com coisas que são importantes, com algumas facilidades que pra gente fazer aquilo, conseguir, até uma coisa simples, é chamar a turma pra discutir determinadas coisas e ter um coffee bacana, sabe, que valorize a alimentação. A alimentação é valorizada em todos os momentos, então tem um café da manhã decente para eu estar ali oferecendo, uma coisa que a gente não consegue fazer com os nossos recursos esse tipo de coisa. Isso dá um diferencial, dá uma coisa que é importante pra estar discutindo sobre isso. E a questão dos próprios formadores deles, que são muito bons, esse olhar deles. Enfim, todo mundo sai feliz. Eu acho que é uma parceria, é uma simbiose mesmo, que todo mundo sai ganhando, não tem ninguém que está saindo melhor que o outro, acho que todo mundo cresce junto nisso, então acho que é por aí.
P/1 – Você gostaria de falar mais alguma coisa que eu não perguntei, que você pensou, quis dizer?
R – Acho que não, acho que falei bastante.
P/1 – Laura, muito obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
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