Votorantim Fercal
Depoimento de Nelita Souza Matos
Entrevistada por Andreia Aguiar e Marcia Trezza
Fercal, 08/05/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV007_Nelita Souza Matos
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – O nome da senhora?
R – Nelita de Souza Matos.
P/1 – Data de nascimento, don...Continuar leitura
Votorantim Fercal
Depoimento de Nelita Souza Matos
Entrevistada por Andreia Aguiar e Marcia Trezza
Fercal, 08/05/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV007_Nelita Souza Matos
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – O nome da senhora?
R – Nelita de Souza Matos.
P/1 – Data de nascimento, dona Nelita.
R – Vinte e oito de setembro de 1956.
P/1 – Dona Nelita, qual a lembrança que a senhora tem dos seus pais?
R – Bom, a lembrança que eu tenho dos meus pais, assim, que eles eram do tempo de antigamente mesmo, aqueles pais rígidos, na época da palmatória. Na época que eles se encontravam com os amigos, quando os amigos iam pra lá pra conversar, nós não podíamos nem passar, que ali com um olhar a gente sabia o que eles queriam falar pra gente, então a gente já saía, porque senão depois já era a palmatoriada na certa.
P/1 – E qual imagem que a senhora tem do seu pai?
R – Olha, eu tenho... A imagem do meu pai, assim, a lembrança que eu tenho dele é aquele pai muito paizão, porém muito rigoroso.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe já era... Mãe sempre já é mais assim... Então eu tenho uma lembrança afetiva, não consigo jamais esquecer da minha mãe. Não sei se porque eu era caçula, a caçulinha, então assim, ela sempre... O primeiro soninho era na cama dela. Mesmo com 15 anos, o primeiro sono era na cama dela, pra depois ir pra minha cama. Tanto é que eu com 13 anos, quando veio a minha primeira menstruação, eu estava dormindo na cama dela, eu nem sabia o que era aquilo, porque naquela época os pais não diziam, jamais, nada do que hoje as crianças de dois, três, quatro anos já sabem. Então quando eu vi aquele sangramento, eu saí apavorada, saí correndo apavorada. Aí ela simplesmente rasgou um lençol, pegou e me deu: “Olha, põe. Use”. E no outro dia ela saiu espalhando pra Vila Dimas todinha, onde nós morávamos, que eu tinha ficado moça. E eu nem sabia nem o que era aquilo, o que era ter ficado moça. Naquela época, quando a moça menstruava pela primeira vez, aí os pais comemoravam, ficavam feliz porque a filha tinha ficado moça.
P/1 – A senhora é a caçula, e os seus irmãos? Tinha mais irmãos?
R – Na verdade, na verdade, nós éramos três irmãos. Três irmãos. Duas mulheres, que éramos eu e minha irmã, ela faleceu com 55 anos, tem uns três anos, e agora eu só tenho um irmão, um irmão que mora lá em Anápolis, e ficou só nós dois mesmo.
P/1 – E o que a senhora poderia dizer um pouco da sua infância? O que a senhora fazia?
R – Nossa, a minha infância, ontem mesmo eu tava comentando na reinauguração da feira, de Sobradinho II, então eu estava comentando lá com o pessoal, tava passando aquelas músicas dos anos 70, e aí nós começamos uma roda de conversa lá e falar do passado, falar daquela época, que era tão boa, que nós éramos felizes mesmo e não sabíamos. Naquela época, meu pai era comerciante, era pobre, ele veio, como diz o outro, ele veio de São Luís do Maranhão, veio para o Tocantins, chegou lá ele roubou a minha mãe, porque os pais da minha mãe não queriam o casamento com um aventureiro. Aventureiro naquela época andava muito, viajava muito, não queria saber de... Então o que o meu pai fez? Ele roubou minha mãe, aí o meu avô deixou o cabelo dele, e o meu tio Salomão, deixaram o cabelo e a barba crescerem até certo ponto, dizendo assim, eu só vou cortar a barba e o cabelo quando pegasse o meu pai, porque tinha roubado a minha mãe. E aí, assim... Aí meu pai veio, eles vieram pra Brasília, no comecinho de Brasília. Em 56, eu tinha poucos meses de vida, aí eles vieram pra cá. Que era a minha irmã, que nós éramos de diferença de idade só nove meses. Aí com a minha irmã no colo, eu já também dois meses. E ele começou a vender peixe. Ele tinha uma bicicleta de carga, cargueira, então ele saía vendendo peixe lá no IAPI, no começo de Brasília, para os operários de Juscelino Kubitschek. Então de lá ele... Na época criou-se a cidade de Taguatinga Sul, onde ele foi contemplado com um lote.
P/1 – E você, Nelita, você nasceu em São Luís também?
R – Não. Eu nasci em Novo Acordo. Ele que era de São Luís do Maranhão, e aí conheceu minha mãe e de lá foi que aconteceu tudo. Naquela época era assim, ou casava, ou então roubava a moça.
P/1 – E ela contava pra vocês essa história? Como ela falava?
R – É. Ela contava. Contava a história de como era, como que queria casar e eles não deixavam. Os pais dela, os meus avós, não deixavam, aí eles combinaram de fugir, aí eles fugiram.
P/1 – E a sua infância, onde foi? Qual bairro?
R – A minha infância, assim, eu considero uma infância muito feliz, porque eu não tinha boneca, apesar... Eu não tinha boneca, não tinha brinquedo naquela época, não tinha brinquedos evoluídos na tecnologia como são hoje, mas assim, a gente, as minhas amiguinhas vizinhas, a gente brincava de “cozinhadinho”, a gente pegava uma latinha de sardinha, fazia a panelinha, ali eram as panelinhas. A gente queria brincar de boneca, a gente ia lá ao quintal do vizinho, roubava uma espiguinha de milho, as espiguinhas de milho, puxava os cabelinhos da espiga de milho, aí botava os bracinhos de fósforo, os bracinhos de fósforo. Então assim, nossas brincadeiras eram umas brincadeiras muito sadias, muito saudáveis. Então muito saudável. A minha infância, eu tenho muita saudade da minha infância. E assim, fui muito feliz nessa época lá na Vila Dimas.
P/1 – E os seus pais, nessa época, seu pai trabalhava com o quê quando você era bem criancinha?
R – Ele trabalhava nas obras lá no IAPI, na construção de Brasília.
P/1 – E a senhora lembra qual brincadeira que mais marcou na sua vida? Um fato?
R – Olha, a brincadeira que mais marcou nas nossas vidas, na minha vida em especial, lá na Vila Dimas, na época da infância, era aquela brincadeira: “Caí no poço, quem me tira?”.
P/1 – Ah, meu bem, né?
R – Der cair no poço, de esconde-esconde, essas brincadeirinhas que hoje a gente já não vê mais as crianças brincarem. Pular dado, a gente riscava um quadrado no chão, aí ir pular o dado. Corda, pular corda.
P/1 – E esse lugar que você morava nessa época, como era? Você lembra?
R – Na Vila Dimas? Ah, era assim, era quase igual. Como era bem assim... Era quase igual a Rua do Mato. A gente conhecia todo mundo ali. Todo mundo. Então assim, naquela época eu achava muito interessante, eu comparo o ontem com o hoje, naquela época, nossa, quando uma pessoa, uma vizinha ia ter neném, aí a outra vizinha acampava na casa dela e ali ficava, cuidava da vizinha, cuidava, lavava as roupas do bebê, fazia o engrossadinho para a que ganhou neném comer, então ficava ali o tempo todo. Quando a pessoa morria também, nossa, ali todo mundo prestava aquela solidariedade, ficava ali. Desde a hora que os pais da gente sabiam que o vizinho, o amigo tinha morrido, eles ficavam lá e sempre iam acompanhando ali aquela pessoa, dando aquele apoio. Eu lembro que quando morria um vizinho da gente, ali a gente não falava alto, meus pais não deixavam a gente falar alto, ele botava um pano na televisão, não deixava ligar a televisão, não deixava ligar rádio, nada, em sinal ali do sofrimento, da perda que a pessoa tinha tido.
P/1 – E uma lembrança da escola da senhora?
R – Vixe, eu tenho uma lembrança assim, eu sempre fui uma aluna destaque. Desde a primeira série eu queria sempre ser a aluna destaque da escola. E eu brigava com o professor. Eu lembro um fato, eu tava fazendo parece que a sétima, ou oitava série, naquela época tinha História, o professor dava História. E eu sempre gostei muito de História, de ler, Português, ler, Literatura. E eu lembro que eu estudei tanto pra fazer essa prova de História, e eu tirei nove e meio. Então quando eu vi lá a nota nove e meio, eu falei assim: “Não, professor, tá errado”. Nós brigamos feio. “Vamos recorrigir essa prova. Vamos pegar o livro, vamos recorrigir, o senhor vai ver que eu estou certa.” E aí nós fomos lá na prova, no livro, e realmente. Ele falou assim: “Não, você tá certa”. Aí ele me deu dez. Ele me deu dez. Então assim, eu sempre gostava... A primeira escola que eu estudei, na verdade, foi uma escola particular, a senhora, a professora, eu não lembro o nome dela, a professora era muito carrasca mesmo. Ela ensinava assim a tabuada, e ali se ela falasse assim: “Quanto é dois mais dois?”. A gente não podia repetir: “Dois mais dois?”. Se a gente não acertasse, era o bolo. Aí levava outro bolo. Então tinha que... Ela falava assim: “Amanhã eu vou tomar a tabuada de quatro”. Se a gente não tivesse ali na ponta da língua a tabuada de quatro, ali era castigo no milho, a gente ficava de joelho no milho, levava palmatoriada. Mas era bom. Isso era bom, porque pra mim... Naquela época, eu achava aquilo o cúmulo da absurdo, mas hoje eu achei que foi válido todos esses castigos que a gente levava. E, assim...
P/1 – Por que, Nelita, você acha que é válido?
R – Hoje? Não, eu acho que é válido, porque se os pais, os pais de hoje continuassem com esse mesmo regime de educação, acho que não teria tantos jovens perdidos por aí.
P/2 – Nelita, o seu pai sempre trabalhou em construção antes? Desde quando você era criança ele já...
R – Ele trabalhou... Na época que o pessoal tava... Todo mundo tava vindo pra Brasília pra construir Brasília, ele trabalha na construção civil.
P/2 – A sua mãe... Seu pai era do Maranhão. E a sua mãe?
P/1 – Dona Nelita, como você ia pra escola?
R – Andando. Eu estudava na Escola Classe IV, na Vila Dimas, e eu morava na QSE 4, Lote 1, e a escola era bem próxima de casa, então eu ia andando. Depois que começou... Naquela época era de primeira à quarta série, depois de quinta à sexta série, então cada... Depois que eu fui para o ginásio, depois do ginásio, aí a gente... Depois que eu comecei a pegar ônibus, quando eu já fui para o segundo grau, que eu estudava lá no CTN, Colégio de Taguatinga Norte.
P/1 – Mas a senhora costumava ir sozinha, ou tinha alguém que levava a senhora, ou a senhora ia com uma amiga?
R – Não, nós íamos sempre com as amigas.
P/1 – Teve alguma, assim, alguma coisa acontecer de especial nesse percurso com as amigas?
R – Não. Não. Não. Eu, assim, eu lembro que naquela época a gente usava mocassim preto, a meinha preta, a sainha plissada, a blusa do colégio com... Não era igual hoje, era com o bolso com o emblema da escola. Então ali era a maneira de identificar mesmo o estudante, identificar o aluno. Jamais entraria na escola, em sala de aula naquela época sem estar uniformizado.
P/1 – E qual foi o seu primeiro namoro? O seu primeiro namorado?
R – Meu primeiro namoro? O primeiro namorado foi Delson.
P/1 – Ah, que legal! Quantos anos a senhora tinha?
R – Ah, eu deveria ter 17 pra 18 anos, porque naquela época... Vixe, se eu for... Bom, quando eu cresci, fiquei mocinha e tal, aí lá na Vila Dimas foi criado aquele policiamento Cosme e Damião, que ficavam os dois juntos fazendo ronda na localidade. E lá tinha... E levaram, mandaram um soldado da PM pra lá, um soldado da PM junto com um cabo, e o soldado era Delson. Nessa época a minha mãe já tinha um bar. Já tinha um bar. Minha mãe, meu pai, eles tinham melhorado um pouquinho de vida e eles compraram um bar bem no Centro lá da Vila Dimas. Tinha a casa e tinha o bar. Era bar e restaurante. E aí eles venderam a casa e construíram tipo uma quitinete em cima do bar. Porque a minha irmã, ela com 13 anos, ela também fugiu com um rapaz, com 13 anos, e foi mãe com 13 anos. Naquela época, uma jovem ser mãe com 13 anos era coisa assim do fim do mundo, final dos tempos mesmo. E ela arrumou esse namorado, engravidou e foi embora. Aí a minha mãe com medo de acontecer a mesma coisa comigo, me tirou lá da casa, construiu uma quitinete e deixou eu e meu irmão em cima do bar. Então nesse tempo eu já tava, assim, 17, 18 anos, 19 anos, sei lá, 18 anos, não lembro, aí eu conheci o Delson. Assim, a gente não namorava, a gente só olhava. Ele me olhava, eu olhava pra ele e tal. Aí fomos olhando, olhando, depois começou. E meu pai e minha mãe não podiam nem saber, nem sonhar. Ele começava... Ele pagava, ele dava dinheiro para o meu irmão, dava uma balinha, um chiclete para o meu irmão levar, entregar a cartinha pra mim. Eu pegava, fazia, respondia a cartinha, às vezes eu botava... Naquela época não tinha aqueles perfumes que tem hoje, aí eu botava uma gotinha de lavanda, daquele... Ai, meu Deus, como chama? Alma de Flores, né? Alma de Flores, pra ficar perfumada a carta, aí mandava. Mandava a carta. Ele mandava com uma pétala de rosa. Era assim, uma coisa muito sadia, muito sadia mesmo. E a coisa foi caminhando pra um rumo, que nós ficamos namorando, tal, aí meus pais começaram a desconfiar.
P/1 – Mas vocês se encontravam?
R – Não. De jeito nenhum.
P/1 – Só pelas cartas.
R – Só pelas cartinhas. Pelas cartinhas e ele ia lá para o bar, aí me via no meio termo onde eu descia pra almoçar, já uniformizada, ia pra escola, e quando eu voltava. Acho que ele sabia mais ou menos o horário que eu ia pra escola, que eu vinha, pra me ver, aí ele ficava lá pra me ver. Aí nós, assim, de um tempo, passado assim um tempo, aí ele começou a ficar beirando a escola, lá na escola e tal. Quando nós nos apaixonamos, ele falava assim... Falava, porque o pai dele e a mãe dele moravam aqui, e ele lá, ele tinha um... Morava lá com os colegas e trabalhava lá nesse Cosme e Damião, e vinha pra cá de vez em quando. E ele falava para o pai dele: “Ih, pai, apaixonei por uma mulher que tem os olhos desse tamanho, os olhos lindos, então não sei o que eu faço, não”. Aí, tá. Tá bom. Eu sei que daí eu falei pra minha mãe, minha mãe já gostava muito dele. Minha mãe gostava dele. Meu pai falava bem assim: “Eu prefiro ver a minha filha casada com um cachorro a um PM” – meu pai. Não queria o casamento em hipótese alguma. Não queria mesmo. Eu fui e falei pra minha mãe. Falei, que eu era tão autêntica como ela. Falei: “Mãe, se a senhora não me deixar namorar, não me deixar casar, eu vou fugir igual a senhora fugiu. Eu vou fugir”. Mãe sempre dá aquele jeitinho, aí foi conversando, conversando, conversando com o meu pai. Aí começamos a namorar mesmo, a namorar. Mas o namoro era assim, era um metro de distância. Naquela época acho que não podia nem pegar na mão. Nem pegar na mão. E, assim, tinha um detalhe, logo eu comecei a trabalhar, meu primeiro emprego foi no Hospital das Forças Armadas, eu já estava namorando e quase noiva com o Delson. Então eu ia trabalhar, e Delson bebia muito. Ele não bebia, ele comia com farinha. Então ele comia mesmo com farinha. Era uma doença assim que acho que era incurável. Aí eu tinha mania de... Eu saía cedo, ia para o HFA, eu trabalhava na copa, de copeira, servindo alimento para os pacientes. Então eu ia... E antes de eu sair do serviço, eu ligava pra minha mãe, que eu tava saindo, que eu já tava saindo e que de lá ia pra escola, que eu estudava à tarde lá no CTN, Colégio Taguatinga Norte. Aí um dia nós já estávamos noivos de aliança, o convite espalhado já para o casamento, enfim, meu pai concordou não concordando, mas preferiu arrumar o casamento. Só que ele falou que não ia me levar à igreja. Ele não ia me entregar pra um policial militar. E ele não foi. Não foi. Não foi. Quando eu... Eu ligava sempre pra minha mãe: “Mãe, e aí?tousaindo daqui agora”. Sempre a gente tinha que... Tudo tinha que falar pra mãe, para o pai, os passos que a gente dava. Aí minha mãe falou assim: “Minha filha, olha, você nem vem aqui agora. Você nem vem aqui agora, porque se você vier, seu noivo bebeu tanto, tanto, tanto, quebrou as cadeiras do bar todinho e tá lá atrás bêbado, dormindo com a boca aberta e as moscas entrando”. Eu falei: “Mãe...”.
P/2 – No bar da sua família?
R – No bar da minha mãe, que eu morava em cima. Eu falei: “Mãe, então eu não vou pra escola, eu vou pra aí”. Que eu sempre fui uma pessoa muito, assim, decidida. “Vou pra aí.” Ele tava bêbado lá, esperei ele recuperar da bebida e tal. Quando ele acordou da bebida, ele tinha feito as necessidades, bêbado, meu pai era bem gordo, aí meu pai tirou a roupa dele, botou a roupa do meu pai, que era bem gordão lá, nele. Aí ele acordou assim, ficou meio sem graça, aí eu fui, só tirei a aliança, falei: “Olha, tá aqui a sua aliança. Não quero. Não quero casar com você mais, eu vou sofrer. Eu sei que eu vou sofrer”. Aí ele: “Ah, mas você tem que me aceitar do jeito que eu sou”. Eu falei: “Não. Se você fosse paralítico, aleijado, cego, mudo, surdo, eu te aceitaria, mas bebida não é doença. Então tá aqui a sua aliança”. E ele pegou a aliança e foi embora. E nisso já tudo... Arrumando tudo, faltava pouco tempo para o casamento. Aí ele pegou a aliança e foi embora. Aí passaram uns 15 dias...
P/2 – E você, Nelita, como você ficou?
R – Fiquei triste. Fiquei triste, tudo, mas mantive aquela postura mesmo. Eu, passados 15 dias, eu tava saindo da escola, eu o vi escondido atrás do poste. Escondido atrás do poste. Eu fingi que não o vi, passei, aí ele foi: “Psiu! Ei, quero falar com você”. Aí ele: “Olha, eu quero te dizer que eu refleti muito na minha vida, essa bebida tá até trabalhando a minha função de policial militar, então eu quero te dizer que eu parei de beber”. Eu falei: “Que parou nada, você quer é me enganar. Você quer é me pegar, casar comigo e depois voltar a beber”. Ele: “Não, eu fiz uma reflexão na minha vida e não bebo mais”. Eu falei: “Tá bom”. Aí reatamos o noivado. Reatamos o noivado. Mas eu falei pra ele assim: “Olha, tudo bem, nós vamos reatar o noivado, vamos nos casar, mas eu posso ter 15 filhos, se voltar a beber como você bebe, eu te largo. Pode ter 30, 20 filhos, eu te largo”. E graças a Deus, esses anos todinhos ele nunca mais bebeu na vida dele. Nunca mais. Nunca mais ele botou uma gota de álcool na boca. Graças a Deus, né?
P/1 – Logo a senhora casou depois dessa decisão? Continuou os preparativos?
R – É. Aí continuou os preparativos do casamento, o pessoal da Rua do Mato todo foi pra lá. Eu casei lá na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Taguatinga Centro, casei lá. E naquela época, a mãe fazia o enxoval. Fazia aquela caixa, o baú, aí comprava o enxoval completo, era roupa de cama, mesa, banho, toalhinhas, tudo. Tudo, tudo, tudo, tudo, comprava tudo. E arrumou meu enxoval, comprou meu vestido de noiva, tudo, aí o pessoal daqui na época no dia foi. Eu lembro que o bolo foi assim pequeno, mas aqueles bolos de antigamente, que batia a clara do ovo, aí cobria, fazia a cobertura do bolo, ficava durinho, botava aquelas pedrinhas da cor de alumínio. Aí você ia comer o bolo, você já sentia o cheiro do ovo. Do ovo. Eu lembro que na época do meu casamento ele ficou apavorado, porque tava uma chuva, uma chuva, uma chuva tão grande, tão grande, que era impossível sair. Não sei como ele foi pra igreja primeiro que eu e ficou lá duas horas e meia me esperando, porque a chuva era muito grande, e eu vestida de noiva, tudo, não dava pra sair naquela chuva. Aí foi o atraso de duas horas e meia. E de lá, quando terminou o casamento, tudo, aí o pessoal da Rua do Mato, os tios dele, os pais dele, as irmãs, foram lá para o casamento e teve uma recepçãozinha na casa da minha irmã, essa que faleceu. E eu lembro... Eles inventaram, tudo, inventava... “Vamos inventar o forrozinho.” Aí inventaram o forrozinho lá e tal. E eu lembro muito bem que lá pra... Eu tava cansada, noiva fica realmente cansada. Aí eu tava cansada e ele tava sentado assim no sofá de uma pessoa, aí eu caí na besteira de sentar no colo dele. Já tinha casado, passou de meia-noite. Nossa, minha mãe me deu uma bronca: “Que isso? Você tá doida? Você tá sentada no colo do...” “Uai, mãe, mas eu não já casei?” “Não. De jeito nenhum e tal”. Tá bom, levantei e tal. Aí já estávamos com a casa lá no Setor O, alugada, tudo prontinha, tudo arrumado. Aí eu estava de férias lá no HFA e ele pegou aquela licença de casamento, oito dias, a lua de mel. Nessa época não tinha dinheiro pra viajar, ninguém tinha, não tinha essas coisas de viajar, passar lua de mel longe. Eu sei que eu morava no Setor O e lá era o comecinho do Setor O. Era o comecinho. Nós fomos os pioneiros lá, na antiga X. Eles doavam a casa para as pessoas, e a pessoa ganhou a casa, não queria morar naquele poeiraço que tinha, que não tinha asfalto, não tinha estrutura nenhuma, aí alugou baratinho pra mim mais Delson. Eu fiquei oito dias organizando, arrumando as coisas e tal. Com oito dias a minha mãe chega lá batendo à porta: “O que foi, minha filha? O que foi? Você sumiu. Você tem que ir todo dia me dar bênção e tal. Parece que nunca viu homem e tal”. Eu: “Ah, mãe, eu não sabia que tinha que todo dia ir lá e tal”. Aí oito dias passados. Alguns dias também bateram lá à porta, Delson tava trabalhando e eu tava lá cuidando. Quando a gente casa, a gente quer fazer tudo perfeito, brincar assim de casinha mesmo. Tudo perfeito tal, aí bateram à porta no final da tarde, eu olhei na janela da coisa, vi, era uma senhora com um bebê na mão. Abri a porta, eu pensei que era uma pedinte de esmola, alguma coisa. Ela foi e falou assim: “É a senhora que é a Nelita?”. Eu falei assim: “Sou” “Toma! Quem quer o pai, quer o filho”. Aí deixou o bebê lá, que era filho dele com ela antes do casamento. Tinha... Creio, se eu não me lembro, deveria ter nove, dez, 11 meses. Eu falei assim: “Tudo bem. Pode deixar aí”. Peguei a criança, que é meu filho, hoje ele tem 40 anos. Quarenta anos. Peguei, acolhi o menino. Quando ele chegou, que viu aquele menino, ele ficou da cor de uma vela, branco. Ele não sabia que explicação me dar, o susto que ele levou. Aí eu fui e falei. Ele: “O que é isso?”. Eu falei: “Não sei. Você que tem que me explicar”. Ele falou assim: “Realmente tem essa criança, foi antes de eu te conhecer e tal, eu já tinha um caso com ela, então aconteceu. Agora cabe a você aceitar ou não. Ela não tem condição de criar”. Que ela morava numa república, essa mãe do meu filho, a mãe biológica do meu filho. Então ela morava numa república e nessa república eram só mulheres daquela época de programa mesmo. Eu falei assim: “Não, vamos criar. Vamos criar”. Eu acho que ela pensava que por eu ter saído de um berço, de uma casa, tudo, ela falou assim: “Eu vou dar esse menino pra ela, porque ali o casamento acaba na hora”. Mas não. Eu falei: “Olha, vamos lá conversar com ela”. No dia seguinte cedo nós pegamos o menino, muito doente, muito doente, muito doente mesmo essa criança, maltratada. Nós fomos lá, eu sempre assim meio “aciganaiada” e meio “abaianada”, eu fui lá e falei assim: “Você quer me dar esse filho mesmo?” “Quero. Não tenho condição de criar. Quero”. Eu falei: “Então você some da minha vida e da vida dele. Esqueça que um dia você teve um filho”. E ela realmente esqueceu. Ela se esqueceu desse filho e tanto é que só depois que ele sofreu um acidente de carro, e o médico tinha desenganado mesmo, que ele teve traumatismo craniano, que nós pensávamos que ele ia chegar a óbito mesmo, aí Delson falou assim: “Nelita, acho que tem que procurar a Sueli, a mãe do Júnior”. Eu falei: “Não, tem sim. Vamos achá-la aí”. Nós chegamos a um ponto de referência com a irmã dela, que toda vida trabalhou na funerária, que trabalha até hoje. Nós pegamos, fomos lá e falamos que o Júnior tinha sofrido um acidente, tava muito grave no hospital, na UTI, e que era pra ela ir lá. Como eu tava de plantão na porta da UTI, no dia seguinte ela chegou lá, eu a chamei, falei assim: “Dona Sueli, olha, ele tá em coma profundo, eu não sei como é o coma, se escuta, eu só quero que você olhe e não diga que é mãe, nem chore, nem nada no leito dele, só quero que você olhe”. Ela pegou: “Não, tudo bem, dona Nelita. Tudo bem”. Ela me respeitava muito assim. Ela chegou e olhou lá, começou a chorar, deitou em cima dele: “Meu filhinho e tal, não sei o quê, pepepe, e tal”. Aí eu a tirei e falei assim: “Olha, eu te pedi pra não fazer isso. Então agora eu vou dizer para o diretor, para o chefe da UTI, pra não ter mais visita sua aqui”. E assim foi feito.
P/1 – Ele sabe?
R – Sabe. Assim, quando passaram alguns anos, uns dez anos, 15 anos, quando foi um dia, seis horas da manhã, cinco horas, o telefone aqui toca, aí Delson atendeu, era a irmã da mãe do Júnior falando assim que ela tinha falecido, a mãe do Júnior, e que o último pedido dela era levar o Júnior lá no enterro dela. Eu falei: “Delson, como ele tem amnésia, ele esquece tudo, ah, vamos lá levar”. Fomos lá leva-lo lá ao enterro lá, tal. Ele ficou ali, eu falei: “Olha, Júnior, essa aqui é a sua mãe, que pariu você. Eu sou sua mãe que te criei e tal. Mas essa é a sua mãe”. Aí ele chorou lá um pouquinho, mas depois quando virou, ele já tinha esquecido tudo. Aí acabou. Mas aí vem assim...
P/1 – A senhora teve quantos filhos, dona Nelita, além do Júnior?
R – Olha, na verdade eu tive dois filhos. Então não vou contar as outras histórias, porque... Então assim, eu tive dois filhos, mas assim, por problemas de saúde mesmo a minha primeira gravidez eu quase morri, tive uma pré-eclâmpsia. Na segunda gravidez, os médicos fizeram a cesariana, tirou o Daniel, esse que tá formando em médico, terminando a residência, eles tiraram antes do tempo e já fizeram a laqueadura tubária naquela época, antes, até mesmo sem me consultar, sem consultá-lo. Depois de três, quatro anos, eu falei assim: “Delson, agora tá na hora de a gente ter outro filho”. Que só tínhamos dois. Não tinha jeito mais, não engravidava. Eu fui, não fazia uso de anticoncepcional, nada, aí voltei ao hospital lá, onde eu já trabalhava, que eu já era concursada. Marquei uma consulta na ginecologista, ela fez exame, tudo. Ela: “Não, você não vai engravidar mais, você fez uma laqueadura tubária”. Eu falei: “Mas como sem a minha permissão, sem a permissão dele, tal?”. Ela pegou, falou: “Pois é, tá aqui, tá tudo aqui, você é laqueada, você não vai ter, nunca mais você vai ter filho”. Eu fui, marquei a consulta com o nefrologista, o cardiologista, e falei que ia entrar com uma ação na justiça, porque foi uma mutilação. Uma mutilação no meu organismo sem me avisar. Os médicos lá falaram assim... Pegaram meu prontuário, falaram assim: “Olha, tá aqui assinada a ata pelo cardiologista, pelo nefrologista e pelo ginecologista, então não tem o que contestar. Você corria risco de morte se tivesse outra gravidez”. Aí eu adotei a Deise. Adotei a Deise, a caçula, de 27 anos, que ela tem, acho que 26, 27. Adotei a Deise. Que eu tenho o Daniel, a Daniele, a Deise e tenho o Júnior, que são os meus quatro filhos. A Deise é adotada, mas eu falo que é adotada só assim quando a gente tá conversando, mas pra mim, ela é igualzinha ao Daniel e a Daniele, que saíram de dentro de mim.
P/1 – Fala um pouco desse trabalho de concurso que a senhora disse. Desse seu trabalho.
R – Ah, sim. Eu trabalhava na copa, servindo comida para o paciente. E aí saiu um concurso naquela época, em 78, saiu um concurso pra auxiliar de laboratório. Só que eu nem sabia o que era auxiliar de laboratório, ou o que fazia um auxiliar de laboratório. Aí eu me inscrevi. Inscrevi-me. Como eu era muito comunicativa, popular, fazia amizade com todo mundo, aí eu fui lá ao laboratório, que o chefe era um coronel, eu falei: “Seu coronel, eu sou a Nelita, sou copeira da Sanoli, e me inscrevi no concurso e quero que o senhor me conceda um estágio pra eu aprender aqui pra eu passar na prova, que eu não quero ser copeira para o resto da minha vida”. Ele foi: “Não, tá bom”. Ele foi, me apresentou logo pra todo mundo, no dia seguinte eu já comecei o estágio. Aprender. Porque o auxiliar de laboratório, ele auxiliava o técnico. Aí eu fui aprender como esterilizar os materiais, conhecer pipeta, proveta, esses materiais de laboratório. Fiz o estágio, fiz o concurso, passei em primeiro lugar, fui chamada. Ainda tava pouco, eu falei... Eu já era auxiliar de laboratório, lavava materiais, os materiais que eram usados: placa, pipeta, de fezes, tudo. Porque os materiais naquela época, nenhum era descartável, era tudo que tinha que lavar com luva e esterilizar naquela autoclave bem grande pra usar no dia seguinte. E eu ficava muito olhando já os técnicos, que só recebia tudo pronto e só ficava olhando no microscópio. Eu falei: “Ah, não, eu quero ser técnica de laboratório”. Aí peguei, fui, e fui estudar pra técnica de laboratório. Na época eu já morava aqui. Já morava aqui. Então eu fiz o curso técnico. E quando foi em 86, eu já era servidora pública federal, aí em 86 teve a última ascensão funcional pra técnica de laboratório, era uma prova interna. Eu peguei, fiz a prova, passei e fui reclassificada logo em seguida pra técnica de laboratório em análise clínica, na qual eu sou até hoje. Sou aposentada já do Ministério da Saúde como técnica de laboratório, final de carreira do Ministério da Saúde.
P/2 – E você trabalhou todo esse tempo como técnica, até se aposentar?
R – Não. Não. Eu sempre... Eu trabalhei 25 anos como técnica de laboratório e análise clínica. Depois veio a política, aí eu sempre era convidada pra assessorar um deputado, pra assessorar, assim, cargos comissionados requisitados. Sempre alguém me convidava pra eu ir assessorar e me requisitar pra outros órgãos pra trabalhar. Também trabalhei por quatro anos no Cerimonial do Ministro, assessora do ministro da saúde, onde eu dei graças a Deus, porque eu conheci o Brasil todinho, porque eu ia na comitiva do ministro. E aí eu conheci todo o Brasil viajando a serviço e também conhecendo...
P/1 – Que época foi essa que você foi assessora?
R – Foi de 98 a 2000, quando eu trabalhei no Cerimonial do Ministro. Eles... Como eu era técnica de laboratório, e eles gostavam muito de mim lá, então assim, eu fui pra São Paulo fazer o curso de cerimonial, fiquei lá muito tempo lá fazendo curso de cerimonialista. E eles me capacitaram bem mesmo pra ser uma cerimonialista lá no gabinete do ministro.
P/1 – E nessas viagens, o que mais encantou a senhora? Teve algum lugar assim específico que teve um marco, uma história assim dessas viagens que a senhora fez?
R – Teve. Teve. Eu, assim... Teve... O lugar que eu mais gostei, o lugar que eu mais gostei foi Cuiabá. Cuiabá. Porque nós dissemos assim, o ministro, todo mundo, a equipe todinha do ministro fez amizade com o secretário de saúde, e lá ele não deixou a comitiva ir para o hotel, a gente não pagou nada. Eles nos levavam, o secretário de saúde levava todo mundo pra comer aquelas caldeiradas de tambaqui, de peixe, nossa, era maravilha. Agora, assim, uma coisa ruim da viagem foi quando eu fui acompanhar o ministro num congresso em São Paulo. Quando eu estava vindo, estava no aeroporto lá em São Paulo, Guarulhos, né? Tem dois Santos Dumont, né? Aí tava em num dos aeroportos, aí liga no celular institucional uma pessoa dizendo que estava com o meu filho na W3, na W3, aí passou a voz do meu filho: “Mãe, deposita o dinheiro na conta desse pessoal”. Sequestro pelo celular. E eu mais desesperada. Eu fiquei desesperada, porque a voz, eles põem as vozes idênticas mesmo a dos filhos. Eu desesperada falei: “Moço, pelo amor de Deus, não faça nada com o meu filho. Liga para o meu marido”. Ele me segurou no celular e ligou pra Delson, falou assim: “Olha, estou com a sua esposa aqui no aeroporto, e eu vou estourar os miolos dela se o senhor não depositar a quantia que eu estou pedindo. Eu vou estourar os miolos dela”. Delson ficou aqui desesperado, acionou a polícia daqui, tudo. E quando eutoulá esperando o voo, aí me chamam no som: “Senhora Nelita de Souza Matos, compareça ao Departamento de Polícia Federal no aeroporto”. Eu falei: “Meu Deus, o que será?”. Eu fui lá e: “Não, é porque tá acontecendo alguma coisa. A senhora tá bem? A senhora tá bem?”. Eles estavam tudo preocupados comigo: “A senhora tá bem?”. Eu: “To bem. O que tá havendo?” “Não, fique aqui”. Eu fiquei lá, eles me serviram água, café, lanche, tudo. Quando o avião pousou, tudo, eles me conduziram até o avião. Enquanto eu não tava lá sentadinha, já com cinto, tudinho, eles não deixaram. Quando eu cheguei aqui a Brasília, aí tava também o aparato da polícia me esperando, né, me esperando. E o comandante da época da Polícia Militar aqui era tão assim... Por Delson ser da polícia, ele orientou Delson a ficar negociando com o suposto sequestrador. “Não, fala, Delson, que você tá sem dinheiro, mas que você tá levantando, vai vender o carro dela, tá levantando um dinheiro e tal, perere e vai enrolando-o pra gente ir gravando e pegando e rastreando”. Até que quando eu cheguei e tal, eles todos lá me esperando, o pessoal lá da polícia, Delson, todo mundo me esperando. Aí já no final da tarde, quando eles ligaram: “Agora o senhor vai para o banco, deposita”. Delson falou assim: “Olha, eu não consegui o empréstimo, eu não consegui vender o carro. Eu tenho cinco mil. Então o senhor me dá o número da conta”. Ele falou assim: “Não. Vá para o Banco Itaú, chega lá na fila, seu Delson... Senhor” – não sabia o nome do Delson, não – “O senhor fica na fila e lá quando o senhor estiver na fila eu passo o número da conta pra você”. Delson foi, ficou na fila, aí: “Já tô aqui na fila, na boca do caixa, no Banco Itaú aqui em Sobradinho. Aí Delson depositou um real pra descobrir o número da conta. Aí descobriu, era gente da penitenciária que tava fazendo isso.
P/1 – Dona Nelita, como foi? Quando foi esse acidente do seu filho, a idade dele? Conta um pouco pra nós.
R – Olha, o meu filho, o Júnior, faltavam oito dias pra ele ingressar também na Polícia Militar (breve interrupção)... Ele tinha 18 anos, ele tinha passado no concurso da Polícia Militar, já tinha arrumado tudo, já ia entrar, ingressar na Polícia Militar. E o primo dele também, que chama Júnior, tinha passado na UNB e tinha passado no concurso da Caesb aqui no DF e tinha tirado a carteira de motorista, aí foram comemorar em Itiquira. Aí foi aquela turma lá pra Itiquira. Só que o meu Júnior tinha mais experiência em carteira, aí levou o carro pra Itiquira, que é um lugar bem... Igual a estrada de Santos, que você conhece, né? Então assim, o Júnior levou o carro, chegaram lá a Itiquira, ficaram o dia todo lá, beberam, tal. Quando vieram, aí Júnior veio meio embriagado no banco de trás, não colocou o cinto de segurança. E o primo dele que tava comemorando a carteira capotou o carro. Capotou o carro e o Júnior foi expulso do retrovisor do carro, só que ele caiu numa ribanceira, embaixo, lá embaixo lá na estrada. E quando o helicóptero chegou, viu todo mundo lá em cima, aí levou e esqueceu o meu Júnior lá. E eu tava numa reunião na casa de um futuro candidato a deputado. Quando lembraram, chegaram lá, que se lembraram de Júnior, aí voltou o helicóptero pra pegar Júnior lá no lugar do acidente. Levaram-no pra lá para o Hospital de Base. Quando eu cheguei aqui, era mais ou menos umas nove e meia, pra dez horas, aí a casa da minha sogra tava cheia de gente, a minha casa aqui tava cheia de gente. Eu fui chegando, eu tinha um Corsinha II, né? Corsinha II não, Escort, né?
P/1 – Escort.
R – É. O Escort II. Aí fui chegando, eu falei assim: “Ei, aconteceu alguma coisa, porque cheio de gente lá em casa, na casa da minha sogra, todo mundo na rua ainda, dez horas da noite, não é normal”. Eu cheguei, aí a Nathália, a Nathália falou assim: “Você tava onde?”. Eu falei: “Eu tava na reunião na casa do Chico Floresta”. Ela falou assim: “Não, porque Júnior sofreu um pequeno acidente e estão te esperando pra você ir para o Hospital de Base agora”. Eu só saí de um carro, entrei no outro e fui par ao Hospital de Base. Da hora do acidente, que foi mais ou menos em torno de umas 17, 18 horas, quando conseguiu, quando o acharam, que o levaram pra lá, eu cheguei lá abrindo porta lá no Hospital de Base, o encontrei jogado numa maca. Aí eu já vi que ele já estava com hemorragia digestiva, enfim, aí eu saí gritando naquele hospital, falei assim: “Se meu filho morrer, gente, meu filho tem 18 anos, meu filho tem uma vida pela frente. Isso aqui, olha, é negligência médica mesmo, tal”. Saí gritando. Liguei naquela época pra secretária de saúde, Maninha, aí ela chegou de imediato, acionou todos os médicos, tudo, aí ele teve parada respiratória, teve traumatismo craniano, teve que operar o baço, enfim, ele ficou muito mal mesmo. Muito mal. Mas os médicos sempre falavam que dali ele não saía. E eu mais Delson, nós, todo mundo, eu cheguei até um pouco entregar os pontos mesmo. Minha cunhada me deu uma sacudida boa e falou assim: “Uai, mas você não crê em Deus, não? Você não crê em Deus? Peça a ele seu filho de volta. Peça!”. E eu com fervor mesmo pedi. Aí ele foi voltando do coma. Ele voltou do coma, aí passados uns cinco dias, ele foi já pra enfermaria de neurologia. E de lá já estava arrumando toda a documentação pra ele ir para o Hospital-Dia, pra ele ficar lá. A secretária, que era minha amiga, falou assim: “Nelita, vou te dar um conselho, não o leve para o Hospital-Dia, leve-o pra sua casa”. Dessa sala aqui, eu fiz um hospital, aluguei cama, aluguei tudo, e chamei os amigos do gole e fiz uma escala, cada dia um vinha banhá-lo, cada dia um vinha ficar com ele, porque eu tinha que ir que trabalhar, o pai ainda não tinha aposentado naquela época, se eu não me engano, acho que não. Então eu fiz uma escala com os amigos daquela época dele. E os colegas dele iam andar com ele no sol, que ele andava de muleta, e era aquela confusão. Já tinha um filhinho, né, ele, que hoje ele tá com 17 anos, meu neto.
P/1 – Ah, já?
R – E os amigos dele foram assim muito solidários mesmo. Falaram assim: “Bom, nós estávamos na bagunça e tudo”. Então todos eles me ajudaram. Todos. Um vinha, ficava pela manhã, dava comida. Porque ele não reconhecia ninguém, ele não falava. Aí à tarde vinham outros, outros jovens, ajudavam. Por fim, eu comprei aqueles bambus tabus pra encaixar a perna dele pra ir andando, aí os meninos saíam andando com ele aí. E graças a Deus, hoje, apesar de ele ter esse problema de memória, ele lembra tudo o passado, mas ele não lembra o presente. Mas graças a Deus ele tá aí, tá vivo, tá bem com a gente, andando. Tá muito bem. Ele é aposentado e tem esse filho de 17 anos.
P/2 – Dona Nelita, e sobre a Fercal? Quando começou o seu trabalho social? Como foi chegar à Fercal? Como era a Fercal?
R – Olha, quando eu vim... Eu não tinha planos de vir morar aqui na Rua do Mato, na Fercal. Eu vim devido a uma situação, porque Delson... Eu já tinha a Deise, Deise tava com oito meses, oito meses, tinha o Daniel, Júnior e Daniele, cada um na barra da saia, um pegava de um lado, outro pegava aqui, outro aqui. E eles iam, estudavam do lado do HUB, onde eu trabalhava, eles iam comigo e voltavam comigo, que na época tinha ônibus funcional. Eu os levava e voltava. E Delson entrou de licença especial, ele tinha um Opala, pegou a máquina, como ele gosta, vocês já perceberam que ele gosta muito de fotografar, ele pegou a máquina e simplesmente, olha: “Fui”. Foi embora. Largou-me lá mais os meninos. Nós não nos separamos, ele foi curtir a licença especial dele, e eu fiquei com os meninos. Ainda morávamos de aluguel. Nós moramos 18 anos de aluguel. E nós morávamos, nessa época, da Ceilândia Centro, onde era o pior lugar mesmo de se morar. E eu saía cedo, eram cinco e meia, pra seis horas pegar o ônibus funcional. Aí Delson não dava notícia, já tinha três meses que ele tava pra lá, não dava notícia, e eu com aqueles meninos ali naquela agonia, naquela confusão danada, eu e esses meninos, dormindo sozinha mais as crianças. Aí eu pensei, falei assim: “Gente, mas eu não sei o que eutoufazendo aqui nessa Ceilândia. Não sei”. Aí do nada me deu um estalo. E eu quando dá um estalo assim, não tem nada que tire a minha ideia da cabeça pra eu deixar de fazer. Eu: “Espera aí”. Fui lá ao centro da Ceilândia, vi um caminhão lá, falei: “Moço, quando o senhor cobra pra levar a minha mudança, meus cacarecos daqui pra Fercal?” (risos). O cara, se eu não me engano, falou assim: “Cento e 20 milhões” – naquela época, né? Mil cruzeiros. Eu não lembro a moeda.
P/1 – Cruzados.
R – Eu falei: “Moço, então o senhor por favor... Pobre muda de noite, então cinco, cinco e pouco o senhor esteja a minha porta. O senhor aceita um cheque pré-datado pra 30 dias? Olha, pra onde eu vou, o senhor vai levar a minha mudança, lá eu vou ficar. O senhor aceita o meu cheque, que eu não tenho dinheiro agora?”. Ele: “Não, senhora, eu aceito”. Ainda ajudou botar os cacarecos tudo. Quando foi lá pelas 11 horas da noite nós conseguimos vir pra cá. Meia-noite nós conseguimos vir pra cá, debaixo de uma chuva, uma chuva. Isso aqui era só argila, não tinha nenhuma casa desse lado aqui, olha. Não tinha nenhuma casa, isso aqui era tudo terra vermelha, argila mesmo, porque a Tocantins explorava aqui. Isso aqui era um morro de argila, onde é lugar da minha casa. Eu cheguei meia-noite com o caminhão, com os meninos, com os cacarecos. Eu só lembrei que eu falei para o meu sogro, falei: “Olha, quem tem filho irresponsável, quem tem que cuidar dos netos e da nora é o sogro e a sogra”.
P/2 – Eles sabiam que você tava vindo?
R – Não. Foi surpresa. Foi no estalão. Aí meu sogro falava assim... Que ele era desses bem calminhos, aí ele: “Ah, meu Deus, cadê Delson?”. Ele sabia que Delson tava por aí. Tanto é que nessa viagem da licença prêmio de Delson, a irmã dele, que morava naquela casinha ali, chegou a óbito, e pra gente encontrar Delson, nós tivemos que anunciar naquele programa de rádio: Eu de cá, você de lá.
P/2 – Do Luís Alberto.
R – Aí alguém ouviu a notícia e... Alguém ouviu a notícia, ele tava em... Sei lá. Esses lados aí de Goiás. Alguém ouviu a notícia e passou pra ele: “Olha, a sua irmã, parece que faleceu uma irmã sua lá em Brasília”. Aí ele veio correndo. Quando ele chegou, já tinha enterrado, porque não deu tempo. Mas, voltando, a chegada. Eu cheguei, meu sogro acomodou e tal. E, coincidentemente, o primo dele, que já tinha uma casa ali construída definitiva, mudou pra Planaltina e a casa ficou pra alugar. Aí eu corri, peguei e aluguei essa casa. Quando Delson veio das viagens dele de lá, quando terminou a licença prêmio, ele foi direto lá à Ceilândia. Chegou lá, cadê a mulher? Cadê os filhos? Sumiram. Ele perguntava, os vizinhos: “Não. Sei não. Ela mudou. Chegou com o caminhão aí, encheu aí com o caminhão e não deu... Não falou pra onde ia”. E eu não tinha falado mesmo pra vizinhança nenhuma pra onde eu tinha vindo. Ele só veio pra cá e eu já tava lá na casa com os meninos, alugada, que é do Wilson e Domingas. Ele chegou a ir e: “Pai, cadê minha mulher? Cadê os meninos?” “Uai, sou eu que vou saber da sua mulher e dos seus filhos?”. Meu sogro o deixou sofrer um pouquinho, quando foi de manhã ele falou assim: “Vá lá naquela casa lá”. Quando ele chegou lá, estávamos nós tudo lá, eu, os meninos, tudo lá. E aí começou. E aí assim começou, aí eu peguei logo que terminou a exploração de argila aqui, deixou plano, aí eu fui e falei para o meu sogro, falei que queria um pedacinho pra eu construir uma casa. Ele foi e falou assim: “Não, você pode construir”. Deu-me esse terreno pra eu construir. Só que eu não dinheiro. Deus é tão bom pra gente, Deus é tão bom, tão maravilhoso, que eu era estatutária naquela época, eu era estatutária e passei pra celetista. Não, eu era celetista e passei pra estatutária. E aí na época eles pagaram o tempo de serviço, porque o estatutário não tem direito mais a fundo de garantia, nem nada. E na época que era celetista tinha o acúmulo do FGTS. Aí eles me pagaram o FGTS e na época foram 18 milhões de cruzeiros, onde eu comprei os tijolos, e tudo, e levantamos essa casa aqui. Terminamos lá em 98 e estamos aqui no cantinho aqui. Aí começou.
P/2 – E você continuou trabalhando lá?
R – No...
P/2 – Onde você trabalhava?
R – É. Continuei. Continuei.
P/2 – Ia todo dia?
R – Todo dia. Todo dia. Muitas das vezes, muitas das vezes quando eu morava... Não tinha ônibus. Aqui não tinha ônibus que entrava aqui, nós tínhamos que subir lá pra cima. Eu saía daqui quatro horas da madrugada. Saía daqui quatro horas da madrugada. Sempre meu sogro me levava de carroça, ou então Delson me levava. Sempre alguém me levava até lá em cima pra eu pegar uma carona com o motorista da Cimento Tocantins que ia pegar os engenheiros pra trazer, aí eles me deixavam próximo ao hospital. Isso aí foi muito tempo pra mim. Eu falei assim: “Gente, isso é um absurdo. Pessoas idosas, pessoas com deficiência, pessoas com feira na cabeça descendo isso”. Sempre eu fui meio maquiavélica para o bem. Eu falei assim, eu vou convidar o secretário de transporte pra vir comer uma galinha caipira aqui. Aí marquei com ele pra ele vir e tal. Quando... Eu sabia que ele gostava de uma 51, aí eu comprei uma 51, fiz a galinha caipira. Ele falou assim: “Eu vou, dona Nelita”. Só que ele veio, eu fui esperá-lo lá em cima, aí o fiz deixar o carro dele lá em cima, pra ele descer a pé, pra ele sentir o que nós sentíamos. Aí desceu, comeu, ele até já faleceu, o Vadjo Gomide, o ex-secretário. E ele era bem gordo, comia muito, bebia muito. Aí eu enchi mesmo o bucho dele de comida, de cachaça e tal. Quando foi umas três horas, aí ele: “Vou embora e tal”. Aí ele foi. Como a gente já era acostumado, pra gente era um pulo, mas pra ele chegar lá com essa barriga cheia foi complicado, ele chegou lá quase que um metro de língua pra fora. E foi tão bom que à noite, à noite, nós já tínhamos um ônibus entrando aqui, foi uma festa. Ele ficou tão penalizado com a nossa situação, e a situação dele em subir (risos), que ele já mandou naquele dia um ônibus adentrar na comunidade, trazer o pessoal e pegar o pessoal daqui da comunidade, aqui dentro. Foi onde os ônibus começaram a entrar aqui. Quando foi 98, na época não tinha telefone, a gente era assim, bem jogado mesmo aqui, principalmente na Rua do Mato, porque lá no Engenho Velho já pega um sinal bem melhor de telefone, de televisão e tal. Aqui não, por ser muito um buraco, tanto é que se chamava... Nos documentos originais chama-se Vão do Buraco. Aqui. E naquela época, não sei que ano, não tô lembrada que ano, veio um deputado federal, a Andreia até conhece, o Osório Adriano, e me deu dois cartões, um pra mim, outro pra Delson, pra gente pegar um Ônix. Um Ônix, que naquele tempo era o carro da moda, pra gente fazer campanha pra ele aqui. Eu falei: “Epa, não é assim, não. Eu vou fazer uma reunião com a comunidade e o senhor virá, vai ouvir a comunidade, vai ouvir as reivindicações da comunidade e ver. Porque o mandato de deputado federal é muito bom”. Aí ele: “Tá bom”. Aí ele pediu, eu marquei a reunião, chamei até os cachorros lá para o centro comunitário e orientei o pessoal a pedir um telefone comunitário, todo mundo. No dia que ele veio, todo mundo foi ali para o centro comunitário pra reunião. Eu abri a reunião, falei: “Olha, deputado, aqui a gente não tem um telefone, é muito difícil, a gente não se comunica com ninguém. Se acontece um acidente, alguma coisa, não tem como pedir um socorro. Então o que nós queremos é um telefone comunitário. Se o senhor trouxer um telefone comunitário aqui pra gente, pra nós aqui da comunidade, a comunidade vai votar no senhor por unanimidade”. Aí ele: “Eu vou pensar”. E foi. Acabou a reunião, foi embora. Passados uns três dias, ele me ligou: “Ah, não, dona Nelita, o telefone é muito caro, eu fui ver e tal, é muito caro, não dá e tal. Fala aí com a comunidade, conversa aí com a comunidade”. Eu falei: “Não tem conversa. Foi na reunião decidido”. Eu falei assim: “Olha, deputado, é pegar ou largar. Nós estamos precisando do telefone, o senhor tá precisado dos nossos votos, então...”. Eu sei que com menos de oito dias chegou. Ele contratou uma empreiteira lá em Goiânia, a empreiteira trouxe uma torre de 45 metros, que botou aqui no fundo do quintal, de 45 metros, e puxou... Ali naquele... Tá ali, olha, posto telefônico. E ali ficava um posto telefônico igual ainda tem nesses municípios bem pobrezinhos. Naquela época, alguém ligava pra mim, ou ligava pra qualquer pessoa, minha sogra atendia, que ficava responsável pelo telefone. Minha sogra: “Olha, liga daqui meia hora”. Minha sogra descia, ia lá embaixo, ia lá em cima, falava: “Olha, ligou fulano de tal, pra você ir daqui meia hora vir ligar”. Aí as pessoas vinham pra ficar esperando o telefone. Quando foi em 1998, acho que eu adoeci, falei assim: “Vou sair candidata à deputada estadual pela Fercal. Vou sair candidata”. Naquela época eu era filiada ao Partido dos Trabalhadores, hoje graças a Deus não tenho partido, de 2002 pra cá. Mas em 98 eu fui candidata à deputada estadual. E, assim, fiz a campanha aqui, os colegas ajudando, os amigos. Lá no Ministério da Saúde os colegas fizeram um livro ouro lá, eu tenho até hoje esse livro ouro com a assinatura das doações. E o meu slogan era: Nelita, uma mulher de luta. E a minha história. E eu ainda consegui naquela época sem dinheiro, sem nada, só com a ajuda dos amigos mesmo, eu ainda conseguiu 1798 votos aqui na Fercal. Mas também foi uma experiência muito negativa, porque eu saí, terminou a campanha, eu fui direto pra UTI. É. Eu fui direto para o hospital. O carro perdeu acho que o freio lá no Alto Bela Vista, ainda tem até umas coisas aqui, o carro por pouco ia passando por cima da minha cabeça, ia esmagar a minha cabeça, se não fosse o... Como chama aquele moço que mora lá? O Dino. Dino não. Ele até morreu um tempo desse aí. Que ele pegava feno pra dar para os cavalos, aí o carro vinha, ia descendo, e eu rolando no chão.
P/1 – O Dida?
R – É. Dida. E o carro ia passando e eu rolando, eu não tinha controle de levantar. E Delson segurando o carro pra não passar na minha cabeça, em cima de mim. Aí o Dida, esse que Deus o tenha em bom lugar, ele viu, ele chegou na hora. Foi Deus que mandou. Chegou na hora, ele viu, aí ele foi e com o carro dele segurou o meu. Foi onde me tiraram debaixo lá do chão, toda ralada, toda machucada. Eu tava assim, parece que os miolos tavam tudo fervendo lá dentro da cabeça, sabe? Aí terminou a campanha, eu sabia que não ia ganhar, mas o que eu queria? Por que eu decidi sair candidata? Pra mostrar que a Fercal existia naquela época. Tanto é que depois dessa candidatura, o Governo, eles olharam, tiveram outro olhar pra cá pra Fercal. Tiveram outro olhar. Mas aí, assim, nunca mais vou ser candidata, nem à presidente de síndica, porque a experiência foi muito ruim, eu adoeci, eu tive um infarto, eu fiquei na UTI, eu tive um... Como fala? Isquemia da aorta mesentérica, aí tive que fazer uma cirurgia, fiquei com 38 quilos. Aí os médicos achavam... Os médicos estavam investigando, eles pensavam que era Aids, porque eu trabalhava com área insalubre, o pessoal contaminado. Pensavam que era câncer, pensavam que era leucemia, enfim, eles pensavam tudo o que eu tinha, mas não chegavam a um diagnóstico. Eu fui, chamei, falei para o meu filho: “Pode chamar um padre, porque eu vou me confessar, receber a comunhão, porque dessa eu não volto mais pra casa”. Aí o reitor lá do seminário menor foi lá, eu confessei, recebi a comunhão, ele fez a unção dos enfermos, ele foi e falou assim: “Minha filha, nessa missa de hoje à noite eu vou colocar a intenção de que esses médicos hão de descobrir o que você tem”. Passados alguns dias, o médico descobriu. Eu tinha um tumor na vesícula que tava fazendo aquele estrago todinho. Aí operou, levou pra biópsia, graças a Deus era benigno, não era nada de maligno, e estou aqui pra contar a história. E aí vem sempre lutando.
P/2 – Nessa campanha que você fez, por que foi tão assim difícil que você chegou a ficar doente?
R – Difícil assim, porque sempre eles falam que o partido ajuda financeiramente, que o partido ia ajudar ou ajuda financeiramente os candidatos do partido, a coligação, enfim. Eu sei que o dinheiro não teve. Então era aqui mesmo, era subindo o morro, descendo o morro, eu e Delson, nós dois subindo morro, descendo morro, alguns colegas, alguns amigos que acreditavam, que gostavam de mim. Então assim, é difícil, porque não tinha dinheiro. Nós não tínhamos dinheiro nem pra fazer um cartaz. Tanto é que depois que passou, depois que passou, eu ainda fiquei devendo, ainda fiquei devendo à gráfica. E aí parcelei pra poder pagar à gráfica, os cartazes da campanha. E aí falei: “Nunca mais vou querer”. Mas pra mim foi válido. Válido, porque pelo menos eles viram que a Fercal, se nós quisermos nos unir, juntarmos, a gente tira um distrital daqui. Tira um distrital daqui. Aí os políticos, o Governo, tiveram um olhar pra Fercal, tanto é que criou-se uma RA, uma administração regional, que é a RA 31, e muitas coisas vieram pra cá: o Cras veio pra cá depois dessa candidatura.
P/3 – Você já foi líder da comunidade aqui?
R – Já.
P/3 – Como foi essa experiência?
R – Olha, quando eu era presidente associação, eu fui acho que por duas vezes presidente da associação aqui, então no primeiro mandato, assim, a minha experiência foi boa, porque eu chegava aos políticos, eu, assim, já chegava assim: “Olha, se vocês não fizerem o que nós estamos precisando na Rua do Mato, eu vou por uma cancela na entrada da Rua do Mato e vocês não vão entrar pra pedir voto lá”. Quando eles fizeram... Porque o político é assim, o Governo, geralmente é assim, esse asfalto todinho foi feito em três etapas. Quando a minha cunhada era presidente, ela conseguiu fazer da ponte pra cá. Da ponte pra lá deixaram. Aí eu tava em uma dessas andanças aí, reuniões políticas, aí encontrei o governador do DF e ele já me conhecia muito, eu fui e falei: Olha, governador, se o senhor não terminar aquele asfalto da ponte até a entrada da Rua do Mato, o senhor não vai ter um voto lá na Rua do Mato, porque eu vou trabalhar contra”. Na hora ele: “Fulano...” – chamou o secretário de obra – “Vem cá. A Nelita tá me dizendo aqui que vocês não terminaram o asfalto lá”. Passados alguns dias, o próprio governador veio aqui fazer o lançamento já do asfalto da parte de cima. Ele tava até com a perna quebrada, tava na cadeira de rodas. Aí trouxe maquinário, trouxe tudo, aí terminou. Então assim, eu fui muito assim, eu era muito briguenta, eu brigava demais com os políticos. Eu era muito cri-cri, sabe? Muito mesmo. Então às vezes tinha as reuniões, eu ia, mas eu não ia pra jogar confete neles, não. Eu ia pra cobrar. Quando precisasse elogiar, às vezes a gente elogiava, mas naquela época não tinha muitos elogios, era só mais é cobrança. Daí nós fizemos um... Na minha gestão, eu trouxe a Biblioteca Cora Coralina pra cá, trouxe o filho da Cora Coralina pra inaugurar a biblioteca que nós denominamos Cora Coralina em homenagem a ela e depois nós... As mães estavam precisando muito trabalhar e não tinha quem ficar com as crianças, aí eu busquei junto aos órgãos a criação do Centro de Convivência Infantil, aí onde nós ganhamos todo o equipamento: colchonete, panelas, tudo pra ficar ali o dia todo com aquelas crianças.
P/2 – Aqui na Rua do Mato?
R – Aqui na Rua do Mato. Centro de Convivência Infantil.
P/1 – Foi mais ou menos em que ano essas duas conquistas?
R – Foi em 90. Nos anos 90. Nos anos 90. É. E também nós tínhamos um problema muito sério aqui na comunidade, que era a questão da água. Porque a nossa água aqui, ela vem da mina, ela é canalizada da mina. Só que ela era canalizada com mangueira, e na época, assim, ela saía, se expunha ao sol a mangueira e ali estourava. E onde o pessoal via, via uma meia velha ali, aí amarravam o cano com a meia. Uma luva velha, não sabiam nem de onde era a luva, qual era a procedência da luva, aí amarravam. Uma senhora, que era administradora, a Nilceia Machado, ela foi candidata à deputada estadual e veio nos pedir apoio, nos pedir apoio. E eu fiz a mesma coisa que com o outro, eu falei: “Só se a senhora canalizar a nossa água da mina até aqui, mas não com mangueira, com cano de alumínio mesmo, fundido mesmo, debaixo da terra mesmo”. Ela: Mas, Nelita, onde eu vou arrumar esses canos?” “Vire-se. Vire-se”. Aí ela, sei lá, conversou com alguém que tava criando outra cidade, não sei se era São Sebastião, ou Recanto das Emas, que estavam canalizando lá, ela pediu e ganhou os canos. Quando pensa que não, já tava aqui, a retroescavadeira já tava rasgando tudo da mina pra cá. E hoje fez a canalização, nós temos a canalização que nunca mais tivemos problema com água. Tem o Timané que cuida da água, a Caesb dá o suporte, o orienta pra clorificar a água, tratar da água. Nós temos um reservatório, não falta água, e pagamos dez reais por mês, e ainda tem gente que não paga essa taxa de água aqui. E aí assim, se eu for citar todas as conquistas que nós... A iluminação pública, por exemplo, a iluminação pública era terrível, a gente descia no escuro. Descia no escuro, era perigoso. Naquela época não era tão perigoso, porque era pouca gente que morava na Rua do Mato, mas a gente queria ter iluminação pública, e aí mais uma vez... Porque assim, aqui, por a comunidade ser só parente, aí quem foi a primeira presidente? Não era nem presidente, ela representava a comunidade, que era a mãe de Delson, dona Darcy. Quando vinha autoridade, ela tinha que vir, chamar Delson pra vir lá de onde a gente morava, pra ele vir pra falar em nome da comunidade, porque eles tinham vergonha, tinham medo, não sabiam falar. E daí a LBA naquela época, junto com a Dona Maria Alice Guimarães, e a Nemaura, falecida Nemaura, aí criaram-se as associações, tanto é que quando vocês forem, vocês vão ver a plaquinha lá: “Fundada em 1986”. A associação daqui.
P/2 – Cada comunidade tem uma associação?
R – Tem uma associação.
P/2 – Essa que você foi presidente é Associação da Rua do Mato?
R – Da Rua do Mato. É Associação Comunitária da Rua do Mato. Mas só que a minha sogra, seu Agenor, que já faleceu também, meu sogro, tudo, quando eles trabalhavam aqui, eles trabalhavam mais com o assistencialismo. Eles traziam o feijão, o óleo, eles pegavam empréstimo no banco que tinham convênio e aí pagavam com o sabão, pagavam com a banha de porco. Então assim, era mais com o assistencialismo. E eu sempre... Como eu sempre fui assim preparada e ensinada, eu aprendi a não... Assim, a dar o anzol pra aprender a pescar, a pescar o peixe, não dar o peixe pescado. Então assim, aí vieram muitas conquistas, veio a iluminação, depois veio... Por último, a última conquista mesmo que nós tivemos agora em 2015, que esse postinho nosso, o Posto de Saúde da Rua do Mato, ele tinha 50 anos que tava lá, então o DFTV já tinha passado por aqui, porque os pacientes era cobra mesmo, cobra venenosa que ficavam circulando o posto e tal. E eu fiquei sabendo, fui convidada pra participar de uma inauguração, reinauguração da reforma do Posto de Daúde do Córrego do Ouro. E aí o secretário de saúde estava lá, aí eu já vim com ele, no carro com ele, no carro dele, oficial dele, aí fomos, eu o trouxe aqui. Eu falei: “Olha aqui, secretário, isso é um posto de saúde da Secretaria de Saúde do Distrito Federal”. Ah, mas ele ficou indignado: “Mas, Nelita, eu não sabia disso, e tal”. Enfim, hoje é um posto de saúde que nenhum município tem um posto de saúde dessa qualidade.
P/2 – Nelita, e esse mudar de ser uma associação mais assistencialista, pra ser uma associação assim de reivindicar as coisas, como você vez? Como a comunidade também entendeu isso?
R – Eu sempre, assim, eu trabalhava aqui na Rua do Mato porque o pessoal, os moradores, eles não eram acostumados a participarem muito de reunião, eles queriam eram máquina pra costurar, eles queriam as coisas. Queiram só ganhar as coisas. Eu fui começando a abrir a mente deles. Tentar abrir a mente deles. Muitas das vezes eu trazia uma autoridade pra gente pedir uma coisa, aí eu saía de casa em casa: “Gente, nós temos que ir, gente. Se eu sou presidente, se vocês não me apoiarem, eu não posso ajudar a comunidade. E outra, agora é a hora de a gente pedir, é a água, é a luz, é isso, aquilo, aquilo. Então o povo hoje não participa muito. O presidente hoje tem séria dificuldade de reunir a comunidade, por quê? Porque está quase tudo pronto, graças a Deus. Então, assim, quando uma cidade, uma comunidade não tem nada, aí eles vão. Hoje como já tem ônibus, hoje quase todo mundo aqui tem nível superior aqui na Rua do Mato. Nós temos pedagoga que estudou aqui na escola da Rua do Mato, nós temos advogada que fez de primeira a quarta série aqui. Então assim o povo foi mudando, mudando a ideia de que a melhoria pra comunidade era melhor do que... Eles traziam o cursinho de pão, ali fazia o curso de pão, mas ficava naquilo, a gente não via um empreendimento pra montar uma padaria, uma pequena empresa, ficava naquilo, no curso do pão, no curso do biscuit, no curso de fazer flores. Então a gente... Eu fui fazendo a comunidade entender que não era isso que a gente queria, que nós queríamos muito mais. Muito mais. E graças a Deus, hoje tá assim, todo mundo tem seus carros, todo mundo tem sua vida própria, todo mundo tem seu emprego, que seja no terceirizado, que seja no Governo do Distrito Federal, ou na esfera federal.
P/1 – E, Nelita, você falou agora, o pessoal acha que já teve todas as melhorias e agora não tá com muita vontade de participar.
R – Não.
P/1 – Mas aí teria algumas outras coisas que poderiam ser motivo assim de...
R – Sim. Sim. Porque sempre estão surgindo algumas coisas. Hoje, por exemplo, eu entendo aqui na Rua do Mato, por quê? Por ela ter crescido muito, igual, tem a família ali dos baianos, então o que ele fez? No sentido do lado esquerdo ele fez uma rua que são só os filhos, os netos que moram. Então ali vai ter que ser asfaltado, porque chove viram as crateras. Aí quem mora lá em cima, nossa, o carro... Então tem que... Assim, nunca que acabam os problemas de uma comunidade. É um asfalto que vai gastando, que tem que renovar a camada asfáltica. Enfim, nós estamos agora tentando melhorar o sinal, o sinal de telefone celular. Porque é um absurdo. Um absurdo. Hoje você tem que ter um da Vivo, um da Tim, um da Claro, um da Oi, pra poder falar no celular. Muitas das vezes as pessoas nos ligam aqui, o celular tá lá dentro, não atende, só chamada de emergência. Então a batalha agora é pra vir o sinal de comunicação do celular. Isso, se eu não me engano, já até me ensinaram os caminhos da pedra. Disseram que é com o Ministério das Comunicações, com a Anatel, Embratel, sei lá, e nós vamos correr atrás.
P/2 – E o que a senhora faz hoje, dona Nelita? Hoje. A senhora é aposentada, como a senhora disse. O que a senhora faz hoje?
R – Olha, hoje eu fui convidada, há uns dois meses eu fui convidada trabalhar, pra assessorar o senador da república. Eu o conhecia de 86 e ele lembrou que existia a Nelita aqui, que a Nelita briga mesmo, então ele foi e me convidou pra eu ir lá assessorá-lo, trabalhar. Então hoje eu sou assessora especial parlamentar do gabinete do senador.
P/2 – Qual senador?
R – Senador Hélio José. Então eu trabalho lá.
P/1 – Com essa luta, com essas histórias, quais são seus sonhos futuros, os seus planos? O que a senhora almeja ainda com essa energia boa?
R – Olha, o meu sonho, assim, é nunca parar. Parar quando morrer. Parar quando morrer. Sempre eu vou continuar. Eu quero sempre. Eu faço programa de rádio, Fercal Cidadã, e sempre eu falo no programa que os nossos jovens têm que cuidar, têm que tomar conta, têm que ter essa disposição da Nildinha que teve anteriormente, da Tereza, da Nelita, da Baronita, até de outras, outras lideranças, seu Belmiro, seu Nonô, que sempre lutaram, mas que agora, olha, o seu Nonô nem andar mais ele anda. Seu Belmiro também não anda. Daqui uns dias eu também. Eu tô aí de bengala, porque é o ciclo da nossa vida. Não é que eu estou esperando a minha morte daqui pra amanhã. Não. É o ciclo da vida. Até achei outro dia engraçado, eu tava ali no salão fazendo uma escovinha, aí a minha colega: “Ah, por que você não põe botox aqui, faz a cirurgia aqui?” Tirar as rugas, né? Eu falei: “Minha filha, se é uma coisa que eu nunca vou lutar é contra a lei da natureza. Isso eu não vou lutar”. Mas eu acho que a luta nunca acaba. Nunca acaba. E assim, o meu sonho é sair do gabinete, que eu ainda estou lá no gabinete, porque eu ainda tô investindo nesse meu filho, que dia 25 de junho ele volta, talvez pelo Mais Médico. E quando ele terminar, falar assim: “Mãe, missão cumprida”. Que eu não precisar mandar mais um centavo pra ele, aí eu pretendo cuidar dos oito netos. Dos oito netos. Que eu amo meus netos de paixão. E, você vê, tudo é apegado mesmo comigo. Quando é sexta-feira à noite, eles vão chegando, aí Delson tem que sair da cama. Delson tem que botar um colchão ou tem que dormir no sofá, porque todos os netos querem dormir com o avô e com a avó. Delson finge que tá lá, eu deito, espalha as “netaiadas” todinha numa cama de casal, porque eles querem dormir com a gente. Então eu espero assim em Deus ter muita vida e saúde, e disposição pra sempre continuar essa luta. Porque as coisas sempre vêm, assim, os problemas. Sempre vêm os problemas, pequenos problemas. Agora mesmo dia 12 eu estou aí lutando e pedido jovens, e chamando todo mundo, porque vai ter uma audiência pública dos transportes da região norte. Do Itapuã, Paranoá, Fercal, Sobradinho I, II, e Planaltina. E eu já falei com algumas pessoas que o modelo de transporte que nós temos hoje é de 50 anos, onde nós tínhamos mil famílias. Hoje nós temos 35 mil famílias, são os mesmos ônibus. Então é mais uma luta que nós todos vamos encampar.
P/2 – Eu preciso perguntar uma coisa.
P/1 – Pode perguntar.
P/2 – Nelita, tá fora da ordem, mas não dá pra deixar de perguntar. Você vivia muito próximo da construção de Brasília. Como você se lembra dessa fase quando começaram a construir Brasília e depois? Você ia falar também do bairro que construíram ali perto, não sei se é bairro ou cidade satélite, né, Tabatinga.
R – É. Taguatinga Sul.
P/2 – Taguatinga.
R – É.
P/2 – Mas fala da construção de Brasília. Como você lembra?
R – Olha, o que eu lembro naquela época era que o meu pai chegava com aqueles chapéus tipo daqueles da Tocantins, ele chegava com aquele material, que ele era lá da construção civil da Novacap, daquela época. Então ele quando tava terminando de construir, aí tava construindo o Palácio do Planalto. Palácio do Planalto. Já tinham terminado, aí foi construir lá no Bandeirante, que é o no IAPI, foi fazer uma obra lá, que eu não lembro que obra é, aí ele caiu de lá. Ele caiu e quebrou a coluna cervical, quebrou. Ele não ficou tetraplégico, graças a Deus, mas devido ao problema de saúde dele, que naquela época o pessoal tudo tinha aquela doença de chagas, do barbeiro, então ele aposentou. Então eu lembro com muita saudade que a gente, eu, minha irmã, meu irmão, minha mãe, a minha mãe não tinha o bar ainda, então a minha mãe ficava... Cuidava da nossa roupa, fazia nossa comidinha a tempo e a hora, e aí a gente ficava no portão esperando o meu pai pra fazer aquela festa quando ele chegava. Assim, uma lembrança muito vaga, mas muito bacana essa lembrança quando o meu pai trabalhava junto com o pessoal. Nós tínhamos até pouco, a minha irmã tinha uma foto bem amarelinha junto com a turma e o Juscelino Kubitschek, e o meu pai estava nessa foto.
P/2 – E ele estava nessa foto, você lembra o que tava acontecendo nesse momento?
R – Eles estavam tirando a foto do pessoal que estava ali ajudando a construir ali o Catetinho, assim, Brasília mesmo.
P/2 – E você se lembra do dia da inauguração?
R – Não. Lembro não.
P/2 – Vocês moravam próximo do Centro ali, do Plano Piloto?
R – Não. Nós morávamos na invasão do IAPI. Nós morávamos na invasão do IAPI. Quando criou a cidade satélite de Taguatinga, naquela época, aí meu pai ganhou um lote lá na Vila Dimas. E lá que nós vivemos. Eu vivi a minha vida todinha lá na Vila Dimas.
P/2 – Muito bom.
P/1 – Carol?
P/3 – Você disse que não quer mais participar de se candidatar, essas coisas, mas assim, a política... Você saiu da política ou a política saiu de você? Você vai continuar envolvida, ou você acha que agora...
R – Não, eu, assim, eu não saí da política e nem a política saiu de mim, porque a vida da gente é uma verdadeira política. O que eu... Assim, eu quero continuar trabalhando em prol da minha comunidade, da minha cidade, da RA31, da administração da Fercal. Mas eu não quero mais é me candidatar nem a deputada distrital, nem a federal, a nada, e nem a presidente de associação. Agora mesmo teve eleição aqui pra presidente da associação, continuou o presidente, o seu Erasmo. Todo mundo: “Ah, não, Nelita, você tinha que voltar”. Eu: “Não. De jeito nenhum”. Continuo trabalhando, a gente trabalha muito em parceria. Às vezes eu vou a uma reunião, eu olho assim, não tem ninguém da Rua do Mato, não tem o presidente da Rua do Mato, não tem ninguém da diretoria do seu Erasmo, eu vou deixar passar batido? Não. Eu tenho que falar da minha Rua do Mato. Eu tenho que pedir alguma coisa pra minha comunidade da Rua do Mato. Uma benfeitoria, alguma coisa pra comunidade da Rua do Mato.
P/3 – Nelita, em alguma luta sua você não chegou a vencer alguma conquista?
P/2 – Nas suas lutas, nas suas batalhas, a senhora teve algum êxito, teve alguma decepção?
P/3 – Por exemplo, você falou que vive pressionando os políticos, né? Se teve algum que disse não e manteve a palavra. E qual foi essa questão?
R – Não. Eu acho assim, que nós, e eu em especial, tudo que eu pedi pra eles, eu consegui o objetivo.
P/2 – Difícil dizer não pra Nelita.
R – Reformar o posto de saúde.
P/2 – A estrada.
R – A iluminação, a estrada. Agora, a única coisa assim que não pertence a mim e sim ao presidente, o senhor Erasmo, é cobrar o asfaltamento entre ruas.
P/2 – Entre quadras.
R – Entre ruas, entre quadras, né?
P/2 – Isso.
R – Que tem que fazer isso. Mas isso ele tem que também ter esse espírito de luta. E também sou frustrada com o Telecentro, que nós ganhamos 12 computadores, o sinal digital, o sinal, enfim, nós temos aqui o Telecentro, eu já chamei o DFTV umas cinco vezes, já mostrei os computadores, já mostrei tudo, já fiz o que podia e o que não podia pra abrir esse Telecentro pra nós, não só a comunidade da Rua do Mato, mas a comunidade da Fercal, a inclusão digital. E eu ainda não consegui. Agora, quem sabe eu vou conseguir, porque eu conversando com o meu chefe de gabinete, ele sugeriu que eu fosse às faculdades que têm o curso de Ciência da Computação e fazer um convênio, a associação vir à faculdade pra ver se eles mandam os estagiários a darem aula de computação aqui. E com certeza a minha frustração é essa. Porém, entretanto, eu játouvendo a luz que eu vou buscar, com certeza.
P/1 – Mais alguma coisa? Dona Nelita, e como foi contar a sua história, toda essa história?
R – Olha, foi muito bom contar a minha história de vida, me lembrar do meu passado, quando eu era criança. Então foi muito bom, espero sim que dê certo esse projeto, cada cidade tem a sua história pra contar. Vocês percebem que cada um tem a sua individualidade, tem a sua historinha pra contar. Olha, vocês ontem entrevistaram a Tereza, Tereza é minha conterrânea, nasceu lá na cidade, lá em Tocantins, e eu também lá, nossas histórias são totalmente diferentes, a realidade dela é uma, a minha é outra totalmente diferente.
P/1 – E veio encontrar na Fercal, né?
R – Agora, pra terminar, eu quero contar só uma historinha aqui que eu não contei, uma historinha aqui do meu esposo, que ele era tão apaixonado por mim, mas tão apaixonado, tão apaixonado, que quando ele bebia, ele botava a vitrola na cabeça e tinha aquela música que eu amo de paixão, essa música... Eu acho que vocês já ouviram. Aquela música: “No meu castelo de sonho, você é a rainha. No meu céu sem estrela, você vive a bailar. Eu te amo, meu bem, mais que a minha vida. Já não posso viver sem o seu olhar”. Então aí ele ficava lá com a vitrolinha debaixo lá e fazendo a serenata pra mim (risos).
P/1 – Muito bom, Nelita.
P/2 – Muito bom, dona Nelita. Então obrigada por sua história, pra gente foi muito bom ouvir. Parabéns pelas suas, pela perseverança, viu?
R – Eu que agradeço vocês de me darem essa oportunidade. Porque hoje o que a gente vê é que o WhatsApp, as redes sociais, o computador, não deixam mais a gente sentar e conversar, ter essa conversa saudável, trocar ideias, as experiências que nós tivemos no passado, da nossa idade. Eu pelo menos sinto muita falta de fazer uma roda de conversa, um chá da tarde, e a gente contar, conversar, bater papo mesmo, aquele papo sadio, saudável. Outro dia mesmo eu tava... Eu fiquei com tanta raiva, eu peguei o meu neto, ele tava com o prato aqui no colo e o celular aqui no WhatsApp. Quando eu vi, eu já tinha tomado o celular dele. Eu falei: “Júlio, não tem condição, meu filho, você tá almoçando e no WhatsApp”. Tudo bem, é um mecanismo de informação, é bom ter amigos no WhatsApp, é ótimo, é excelente. É excelente. Agora, o que não é bom, o que não é bom mesmo é a gente acabar a família. A família tá acabando. Hoje ninguém se reúne. Aqui em casa reúne todo mundo de sexta, aí fica sábado e domingo, mas cada um com seu celular. Cada um com seu celular. Então eu só tenho a agradecer a vocês, viu? Agradecer mesmo. E vamos aí tentar resgatar essa coisa assim que é... Eu, graças a Deus, não tenho mágoa de ninguém, eu sou amiga de todo mundo. Às vezes a gente... Como se diz? Sofre assim uma puxada de tapete, fica triste, fica chateada, mas passou, no dia seguinte a gente já esqueceu tudo, bola pra frente. Bola pra frente. Então é juntar mesmo. E nós antigos, os mais velhos, temos que passar as nossas experiências para os nossos jovens. Porque eu digo mesmo, eu falo assim: “Gente, se esses jovens não entrarem nessas questões aí de lutar pela Fercal, eu não sei o que vai ser”. Não sei o que vai ser. Vai voltar tudo que era, na estaca zero, quando nós começamos. Porque vai chegar a um ponto em que a Tereza não vai poder mais lutar por nada, a Nildinha não vai, a Nelita não vai, o Delson não vai, esses antigos mesmo, esses que já passaram da terceira idade pra lá, já estão com meio caminho andado.
P/2 – Porém fortes, né?
R – Então eu espero mesmo ter... Eu tenho esperança nos jovens.
P/2 – Muito bom, dona Nelita. Obrigada.
P/1 – Muito bom. Obrigada.
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