Projeto Morro dos Prazeres, este morro tem história
Realização do Museu da Pessoa
Entrevista de Maria Bernadete de Oliveira Rufino
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 06 de julho de 2002
Código MP_CB001
Transcrito por Manuelina Maria Duarte Cândido
Revisado por Bianca Albuquer...Continuar leitura
Projeto Morro dos Prazeres, este morro tem história
Realização do Museu da Pessoa
Entrevista de Maria Bernadete de Oliveira Rufino
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 06 de julho de 2002
Código MP_CB001
Transcrito por Manuelina Maria Duarte Cândido
Revisado por Bianca Albuquerque Marcossi
P/1 – Bom dia, Bernadete.
R – Bom dia [risos].
P/1 – Gostaria de iniciar nosso depoimento pedindo que você nos forneça seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Eu sou Maria Bernadete de Oliveira Rufino, sou natural de Vitória, Espírito Santo, nasci no dia 23 de junho de 1965.
P/1 – Sua família? A origem dos seus pais?
R – Bom, a origem do meu pai é de Vitória, no Espírito Santo, e a origem da família da minha mãe é de Minas Gerais.
P/1 – E por que a vinda para o Rio de Janeiro?
R – A vinda para o Rio de Janeiro se deu com o fato da minha mãe ter se separado do meu pai e ela veio conhecer o estado do Rio de Janeiro, então se (apossou?) em Angra dos Reis e dali ela levou eu e o meu irmão. Morei em Angra dos Reis. Cheguei em Angra dos Reis com seis anos de idade e morei em Angra dos Reis até 32 anos. Quando eu fiz 32 anos eu fui convidada para desenvolver um trabalho de alfabetização de jovens e adultos no Rio de Janeiro.
P/1 – Conta como era esse projeto?
R - Esse projeto é um projeto que nasceu quando Paulo Freire assumiu a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e que ele teve a oportunidade de implementar o tão sonhado projeto de alfabetização de adultos, que resgata a história de vida das pessoas a partir do momento em que elas desenvolvem um trabalho coletivo em sala de aula, com base em temas geradores. Um trabalho que possibilita com que as pessoas estejam trilhando caminhos para exercer a sua cidadania plena. E foi nesse projeto que eu praticamente me descobri enquanto pessoa. Eu digo que eu conheci Paulo Freire, eu conheci o sentido real da educação. Então eu desenvolvi este projeto em Angra dos Reis. Eu sou fundadora do MOVA, que é o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos em Angra, e deu super certo. No final de 1996 a Benedita da Silva me convidou para desenvolver esse trabalho como projeto de lei no Rio de Janeiro. Então eu desenvolvi a experiência aqui em 15 comunidades e, dessas 15 comunidades, todo o resultado desse trabalho se reverteu em um projeto de lei, que está na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. E no ano de 2001, eu fui convidada pela Secretária Municipal de Educação para estar me integrando a uma equipe de jovens e adultos na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Mas eu fiquei três meses na equipe e, devido ao meu conhecimento em educação popular, eu fui convidada para estar vindo aqui para o Casarão. A priori eu vim com o status de diretora. Foi a partir do dia 15 de maio de 2001, quando fez um ano, eu fui convidada para ser a diretora legal aqui do espaço do Casarão, que para mim é um prazer muito grande estar aqui neste espaço. Até relacionando com a história de vida, eu sou uma pessoa que começou a trabalhar com 12 anos de idade. Eu sempre lutei muito e sempre tive uma perspectiva de vida futura. E o meu caminho, eu nunca vi empecilhos nem obstáculos para estar trilhando esse caminho. Então eu me vejo aqui hoje, no Casarão dos Prazeres, como uma pessoa que pode estar contribuindo para que todas as crianças aqui do Morro dos Prazeres e do entorno aqui do Morro também estejam conseguindo trilhar a sua cidadania e chegar até um determinado momento em que ela diga que é uma pessoa que tem dignidade e que se orgulhe do passado dela e da trajetória dela. Eu acredito que isso está acontecendo. Nós atendemos a um número muito grande de crianças aqui hoje, que estão tendo oportunidade de ter contato com as variadas linguagens artísticas e com uma vocação educacional, seja através do balé, do teatro, das artes plásticas, da dança, e de várias outras atividades que estão sendo desenvolvidas aqui hoje.
P/1 – Fala um pouquinho desses projetos: quais são os projetos que são desenvolvidos, os nomes deles...
R – Aqui nós temos alguns projetos que são em parceria, que eu posso destacar a Companhia Morro de Prazeres, que está desenvolvendo um trabalho de teatro para crianças de seis a oito anos e também de 13 anos em diante. Além disso, estamos desenvolvendo aqui um trabalho com circo, trabalho de malabares. Eles vão contar a história do circo e está causando o maior frisson nas crianças daqui hoje. Temos projetos contratados, que é o BST, o Balé de Santa Teresa, que desenvolve um trabalho com 120 crianças aqui de balé clássico, que envolve história da arte e dança espanhola. Temos contratados os Horizontes Culturais, que desenvolve um trabalho com as crianças da Creche Doce Mel, que são 27 crianças que estão trabalhando música, um trabalho feito por uma musicoterapeuta, teatro e dança. E também os Horizontes Culturais ainda desenvolve um trabalho de dança para a galera, com jovens a partir de 15 anos de idade e também estão organizando um grupo da terceira idade.
P/1 – E quais são as metas futuras do Casarão?
R - As metas futuras, temos quatro oficinas para serem oferecidas em julho, que é uma oficina de fotografia, o curso de pinhole, que as crianças vão aprender a tirar fotografias com latinhas e caixas de sapato, quer dizer, pelo buraco da agulha. Vão estar desenvolvendo esta atividade que também vai culminar com uma exposição. Tem a oficina do carnaval, onde vão estar aprendendo a confeccionar a chapelaria, fantasias, toda a indumentária e adereços. E também a oficina do carnaval tem um outro segmento que é a oficina da percussão, que estamos montando uma oficina de percussão para 250 crianças . Além dessa, tem uma oficina de cestaria que é para ser desenvolvida com as mães dos alunos aqui do Morro dos Prazeres. Temos uma grande parceria com o Instituto Jetex Cidadania que é uma instituição americana que desenvolve já um trabalho em São Paulo, que está vindo implementar sua primeira experiência aqui no Rio de Janeiro, que será aqui no Casarão dos Prazeres. Estarão oferecendo 320 vagas, oportunizando as crianças a estarem exercendo todo o seu potencial criativo em arte e educação na tela do computador.
P/1 – Hoje, esse final de semana, está acontecendo o evento Santa Teresa de Portas Abertas.
R – Exato.
P/1 – De que forma Casarão dos Prazeres se insere e participa desse evento que é uma forma muito bacana de interagir, não só com o bairro de Santa Teresa, como a cidade de uma forma geral?
R – Exato. O Arte de Portas Abertas, na verdade, ele está vindo abrir as portas do Casarão dos Prazeres para todo o meio cultural e artístico do Rio de Janeiro. Tivemos uma festa linda no dia 2 de julho. Em um contexto com relação à questão da segurança no Rio de Janeiro, onde os morros estão oferecendo perigo, situações assustadoras para as pessoas, aqui no Morro dos Prazeres nós pudemos compartilhar com pessoas que são da comunidade e pessoas de níveis sociais muito mais elevados, porque tinham aqui pessoas do Leblon, São Conrado, Jardim Botânico, da Barra, grandes artistas de grande nome na cidade do Rio de Janeiro. No dia 2 de julho, artistas de nível social muito mais elevado e pessoas da comunidade, moradores da comunidade, também artistas da comunidade, viveram em um clima de perfeita harmonia aqui no Casarão dos Prazeres. E aí o que se quer é isso: que o Casarão dos Prazeres, que o Morro dos Prazeres, saia das páginas policiais para as páginas culturais, educacionais e artísticas do Rio de Janeiro. Este objetivo que eu estou cumprindo, eu estou muito feliz com isso [risos].
P/1 – Você fez uma avaliação interessante, quer dizer, como é que é a relação do Casarão com a comunidade do Morro dos Prazeres?
R – É um relacionamento que eu diria que foi construído durante um ano. Esse um ano foi um ano de conquista da comunidade, taí o Museu da Pessoa que vai poder explicar o resultado do trabalho, desse processo lento de chegada dos moradores até o Casarão. Tem uma história que explica isso. Eu prefiro até aguardar o momento da exposição do Museu da Pessoa para que todas as pessoas possam compartilhar dessa história. Mas as crianças sempre estiveram presentes aqui. As crianças entraram junto comigo aqui e com a diretora anterior. As crianças se sentem sócias do espaço, elas entram aqui de cabeça erguida, com muita dignidade. Cobram horário, sugerem atividades... Elas dividem o trabalho conosco. E através desse relacionamento tão próprio que as crianças têm com o Casarão, elas vieram trazendo os pais. Então nós temos aí hoje uma presença tranquila de toda a comunidade do Morro dos Prazeres. O relacionamento do Casarão com a associação de moradores é o melhor possível. Sem esse relacionamento eu não conseguiria desenvolver um bom trabalho, a associação de moradores também não. Então eu costumo dizer que as atividades que são desenvolvidas aqui, elas têm que percorrer esse circuito que é o Casarão e a Asamp, que é a Associação de Amigos do Morro dos Prazeres. E a relação está muito boa, muita coisa ainda tem que ser construída, mas o que importa é que a comunidade já se apropriou desse espaço que é dela.
P/1 – Para você, o que significa o Morro dos Prazeres?
R – O Morro dos Prazeres? Para mim significa [risos] muito aprendizado. Eu sou uma pessoa que eu já coordenei vários projetos em várias comunidades, não só em Angra dos Reis como aqui no Rio de Janeiro também. Eu também fui Coordenadora do Centro Comunitário de Defesa da Cidadania, então eu pude, eu tenho uma visão do que é o caráter comunitário no Rio de Janeiro, e o Morro dos Prazeres é o primeiro lugar onde eu fiquei instalada. Eu passo a maior parte do meu tempo aqui no Morro dos Prazeres. E é um lugar onde eu me permiti me conhecer. Como é que eu, que tenho uma experiência tão grande em projetos sociais em várias comunidades, agora eu estou centralizada em uma? Então com o tempo eu comecei a me relacionar com as pessoas, a andar pela comunidade, conversar com as pessoas e tal. E eu fui descobrindo o que é verdadeiramente viver dentro de uma comunidade que é um outro mundo. Mas essa aqui é uma comunidade onde qualquer um que venha desenvolver um trabalho deve se sentir privilegiado. Não só pela bela vista que ela nos oferece, como o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, a ponte Rio-Niterói de ponta a ponta, isso aqui à noite é um chão de estrelas, uma coisa maravilhosa! O ar circula aqui de uma forma completamente diferente do que circula lá embaixo. São 1400 metros quadrados de área verde. Eu me sinto uma pessoa privilegiada e o meu compromisso aqui é ser um diferencial na cultura, na arte e na educação de Santa Teresa. Que esse centro cultural, ele mesmo pela própria disposição física, ele já nos impõe metas de trabalho. A meta aqui é partir de cima para baixo, da comunidade de Morro dos Prazeres e seu entorno para toda a comunidade de Santa Teresa e do Rio de Janeiro, porque ele está de frente para o mar, de frente para o Rio.
P/1 – Você é moradora de que bairro?
R – De Santa Teresa [risos], esse é o lugar que eu escolhi para morar. É o lugar mais parecido com Angra dos Reis que eu encontrei. A tranquilidade... É uma cidade que está no coração do Rio de Janeiro mas tem um caráter de interior… É gostoso aqui! As pessoas aqui têm uma cabeça muito boa. Eu me identifiquei com as pessoas e com o lugar.
P/1 – Está bom. Então, para finalizar, gostaria de saber o que acha deste projeto de memória, “Este Morro Tem História”,e o que achou de ter participado desse projeto dando o seu depoimento.
R – O projeto de memória que está sendo feito pelo Museu da Pessoa é um projeto que vai nos dar possibilidades de estarmos criando outros projetos, mas só que é uma criação coletiva, que vai ter a participação efetiva da comunidade. Eu vejo esse projeto como eixo central de todas as atividades que serão desenvolvidas aqui no Casarão dos Prazeres.
P/1 – E o que achou de dar o seu depoimento?
R – Eu estou muito contente porque isso é história [risos]! Isso é história. E ter entrado aqui no Casarão quando ele estava somente restaurado, ter passado por todas as dificuldades e hoje em dia estar aqui já praticamente finalizando, em uma fase final do projeto do Museu da Pessoa, que é algo assim que eu sempre tive uma esperança muito grande, porque eu fui uma das pessoas que lutei muito para que o Museu da Pessoa desenvolvesse esse trabalho, não só pela qualidade dos profissionais que estão desenvolvendo o trabalho, mas pela metodologia que apresentou, que é um trabalho que está sendo desenvolvido com os moradores da comunidade. À medida que os moradores contam a história do Casarão, contam a história de si e contam a história da forma de organização da comunidade, que eu tenho certeza que, com os outros depoimentos, isso vai ficar muito mais claro: que essa comunidade tem uma organização muito interessante, muito bonita, muito participativa, foi feita de uma forma coletiva muito interessante. E eu espero que, com essa contribuição que a Secretaria Municipal de Educação está dando, todo esse trabalho seja realmente revertido em um produto, em um livro, na editoração de uma fita, onde nós possamos estar criando um acervo e também estejamos divulgando essa história, porque na verdade é uma grande contribuição que a Secretaria Municipal de Educação está oportunizando aos arquivos e à cidade do Rio de Janeiro.
P/1 – Então eu agradeço, Bernadete.
R – Muito obrigada.Recolher