P/1 – Seu Miguel, vou pedir para o senhor falar de novo o seu nome completo.
R – Miguel Antônio Zarvos.
P/1 – E o senhor nasceu em que cidade?
R – Cuiabá, Mato Grosso.
P/1 – Em que dia?
R – Dia 27 de outubro de 1920.
P/1 – E o nome dos pais do senhor?
R – O meu pai era Antônio Miguel Zarvos e Joana Maria Zarvos.
P/1 – E o seu Miguel era grego e a Dona Joana era índia é isso?
R – O pai era grego e a mãe era brasileira
P/1 – Ah.
R – Nasci aqui e depois com onze meses, eu fui para a Grécia e voltei já como grego, não sabia falar português (risos), era brasileiro e não sabia falar português. Eu fui com onze meses e voltei com dezessete anos.
P/1 – E por que o pai do senhor voltou para a Grécia?
R – Ele voltou porque o serviço que ele... Primeiro veio trabalhar aqui, é para explicar ou não?
P/1 – Conta a história.
R – Pode explicar?
P/1 – Conta
R – Depois corta o que quiser, não tem problema nenhum.
P/1 –... Sim.
R – Então, eles vieram em 1913, aqui para o Brasil, sem saber aonde eles iam, o que iam fazer, trabalharam um pouco, inclusive trabalharam naquele Viaduto do Chá na...
P/1 – Santa Efigênia.
R – Santa Efigênia, bravo, e depois começou a guerra, a primeira guerra mundial e o consulado avisou a eles que agora eles não teriam mais serviço em São Paulo, porque pararam a comunicação entre a Europa e o Brasil e que deveriam ir para o interior. Então, falaram: “Para onde?”. Perguntaram o que ele sabia fazer, ele disse: “Eu sei fazer cal”, como eu também trabalhei em forno de cal com meu pai lá na Grécia. Então, eles disseram: “Olha, o único jeito então, é vocês irem para Cuiabá onde tem uma empresa alemã e ela precisa de gente para fazer forno de cal”, mas ele não sabia onde ficava esse Cuiabá, nem nada, né? Como eles...
Continuar leituraP/1 – Seu Miguel, vou pedir para o senhor falar de novo o seu nome completo.
R – Miguel Antônio Zarvos.
P/1 – E o senhor nasceu em que cidade?
R – Cuiabá, Mato Grosso.
P/1 – Em que dia?
R – Dia 27 de outubro de 1920.
P/1 – E o nome dos pais do senhor?
R – O meu pai era Antônio Miguel Zarvos e Joana Maria Zarvos.
P/1 – E o seu Miguel era grego e a Dona Joana era índia é isso?
R – O pai era grego e a mãe era brasileira
P/1 – Ah.
R – Nasci aqui e depois com onze meses, eu fui para a Grécia e voltei já como grego, não sabia falar português (risos), era brasileiro e não sabia falar português. Eu fui com onze meses e voltei com dezessete anos.
P/1 – E por que o pai do senhor voltou para a Grécia?
R – Ele voltou porque o serviço que ele... Primeiro veio trabalhar aqui, é para explicar ou não?
P/1 – Conta a história.
R – Pode explicar?
P/1 – Conta
R – Depois corta o que quiser, não tem problema nenhum.
P/1 –... Sim.
R – Então, eles vieram em 1913, aqui para o Brasil, sem saber aonde eles iam, o que iam fazer, trabalharam um pouco, inclusive trabalharam naquele Viaduto do Chá na...
P/1 – Santa Efigênia.
R – Santa Efigênia, bravo, e depois começou a guerra, a primeira guerra mundial e o consulado avisou a eles que agora eles não teriam mais serviço em São Paulo, porque pararam a comunicação entre a Europa e o Brasil e que deveriam ir para o interior. Então, falaram: “Para onde?”. Perguntaram o que ele sabia fazer, ele disse: “Eu sei fazer cal”, como eu também trabalhei em forno de cal com meu pai lá na Grécia. Então, eles disseram: “Olha, o único jeito então, é vocês irem para Cuiabá onde tem uma empresa alemã e ela precisa de gente para fazer forno de cal”, mas ele não sabia onde ficava esse Cuiabá, nem nada, né? Como eles falavam sempre, tanto ele como o meu sogro foram para lá. Então, eles foram lá e conforme iam indo já cansaram, uns já pararam lá em Três Lagoas na viagem, era uma viagem comprida sair daqui...
P/2 – Conta a história do trem.
R – Ah, sim.
P/2 – Do trem que ia lento.
R – Era longe de São Paulo, e naquele tempo o trem, então, era muito mais vagaroso, como dizia sempre o meu sogro que viveu comigo um tempo e o meu pai também que era tão vagaroso que chegava a pular do trem em baixo, catar uma melancia e ainda dava tempo de subir e na subida ele ficava “nham, nham.” Então, alguns deles chegaram em Três Lagoas e disseram: “Daqui eu não vou mais” e outros chegaram até lá, até Cuiabá, e não foi nem em Cuiabá, que ele trabalhava foi numa cidadezinha Guia, não é Guia Lopes, porque existe uma outra cidade Guia Lopes, não é esta, chama-se Guia, uma cidade pequena, perto de Cuiabá, mas o serviço era duro, muito duro, então, eles largaram também. Eu tive um tio, por exemplo, chamado Nicolau Zarvos que era menino de... Veio com treze anos aqui e foi trabalhar lá com talvez uns quinze anos, por aí, mas o serviço era muito difícil e ele ganhava pouco, então, ele falou para o meu pai: “Olha, eu vou embora, eu não vou ficar aqui fazendo cal, porque se não aqui...” enfim o meu pai ficou lá, foi o único que ficou lá, e os outros foram embora porque era muito difícil lá a vida e ganhava pouco. Ele achou uma menina lá muito bonitinha com treze anos, casou com ela, foi a minha sorte, porque eu nasci daí, não é? Eu nasci lá em Cuiabá, então, ele tinha... Desculpe o que tinha me perguntado? A minha cabeça já num está mais...
P/1 – Não, a gente vai conversando é assim mesmo.
R – Sobre o que era mesmo? Porque que...
P/2 – Conta um pouco da história do seu pai.
R – Ah, por que ele saiu de lá, né?
P/1 – Isso.
R – Então, o serviço era muito difícil e não tinha futuro nenhum, então ele juntou algum dinheiro e voltou para a Grécia outra vez para Rodes, porque eles falaram: “Olha, fazer cal aqui ou fazer cal lá, então eu prefiro Rodes, Rodes é...” Quando o sol pediu um presente de Zeus, ele escolheu Rodes, é muito bonita, eu vivi lá, então, ele foi para lá. Foi fazer também cal lá, eu também já trabalhei com ele lá mesmo ajudando ele a fazer cal, que é o pior serviço, o serviço mais difícil que existe é fazer cal.
P/1 – Como é que é?
R – Olha, primeiro tem que abrir um poço, vamos supor de uns dois ou três metros redondo de largura, com um metro mais ou menos ou dois de altura e escolhe umas pedras daquelas que você bate e faz tim, não é qualquer pedra que serve, escolhe aquela lá, e vai fazendo a parede assim, redonda, vai subindo e depois lá em cima, eles põem uma pedra e daí põem mais pedras em cima e fica a porta, enquanto isso, algumas moças, senhoras vão arrancando os arbustos, é assim que fala, né? E vão fazendo uns montinhos lá e vai fazendo dois, três mil desses, já é difícil, agora quando chega a hora de queimar mesmo, aí o pai tem que trabalhar com os filhos, então, era o meu pai, eu menino ainda e o meu irmãozinho também mais novo ainda, então, um vai botando fogo e aquilo lá quando o fogo sai para fora assim, sabe, quando joga aquela lenha, aquela coisa toda sai. Um serviço muito difícil, então, quando cansa um, deita lá mesmo, aí outro pega e só a família, né, que faz o serviço. Depois na hora de tirar também a cal quando está pronto, porque sai aquela fumaça preta, então, não está pronto ainda e quando começa a sair só coisa amarela assim, como se fosse gema de ovo, amarelinho que sai o fogo daí a gente sabe que está pronto já e daí, então, vai catar aquele cal, ensacar e vender. No caso, por exemplo, nós vendíamos para uns italianos lá, que eles faziam uma cidade nova e aquele pó que sai da cal a gente respira aquilo, quer dizer, eu acredito que seja o serviço mais difícil, eu não conheço outro serviço mais difícil do que esse não.
P/1 – Seu Miguel, o que o pai do senhor fazia quando morava lá em Arcângelos ainda? Antes de vir para o Brasil pela primeira vez? Já trabalhava com cal?
R – Sim com cal. Teve um caso, porque naquele tempo não tinha nem estrada, às vezes eles carregavam... Você conhece Arcângelos, né? Vocês conhecem a cidadezinha, então, naquele tempo não tinha praticamente nem estrada assim, então, eles tinham uns animais que trazia mercadoria de Rodes para Arcângelos e... Olha, na realidade, na verdade mesmo isso porque a cal também... Eu posso continuar falando, né?
P/1 – Pode. Fique à vontade.
R – Corta o que quiser.
P/1 –...O senhor vai contar aqui um monte de coisas.
R – Então, na verdade a cal também não era sempre, por exemplo, lá em Rodes que fazia, não era sempre. Então, na verdade os homens não trabalhavam, a mulher que trabalhava lá, a mulher que saía da casa, porque nós vivíamos sem... As necessidades não eram grandes, sapato, por exemplo, eu só usava para ir à igreja, era descalço e formava em baixo uma sola tão forte que a gente pisava no carvão e não doía nada. Então, eu corria nas montanhas, naqueles espinhos, aquela coisa toda e não machucava o pé da gente, corria atrás... Caçava até um carneiro às vezes, na montanha assim, correndo. Quer dizer, então, não tínhamos muita despesa, não tinha luz, não tinha... Água era do poço, a luz era do lampião e não tinha muito... As mulheres faziam roupa, daquela roupa que às vezes vê no cinema, às vezes, por exemplo, com outro aqui assim, na frente como se fossem mulçumanas e aquela roupa era a vida inteira. Os homens também usavam uma roupa assim, como se fosse uma bombacha e era a vida inteira, aguentava aquilo lá, quer dizer, não tinha muita despesa. A primeira vez que se viu assim, um homem usar calças assim, eles falaram que era o fim do mundo, que agora vai ser o fim do mundo, né, não é possível um homem usar calças desse jeito. Uma moça, por exemplo, que eu vibro, que ela veio de outro lugar com cabelo cortado, nossa senhora, era pecado, era... Então, não tinha serviço e as mulheres então, iam lá... Cada uma tinha uma chácara, uma pequena chácara, não é como aqui, por exemplo, que os coitados não têm nada, os sem terra não tem nada, lá cada um tinha um pedaço de terra que ganhava quando casava ou do pai dele e tudo, né? Mas como não tinha serviço, a mulher ia lá irrigar as plantas, colher alguma fruta, lavar a roupa, porque tinha um riozinho, lavava a roupa, catava alguma lenha que precisava para cozinhar, para essas coisas todas, né? E principalmente para o inverno e ela que trabalhava, chegava, trazia tudo. O marido ficava no café, eles chamam café lá, eu não sei como.
P/1 – Cafenil.
R – É, cafenil, cafenil e ficava lá, mas também como não tinha dinheiro levava um ovo, é (risos) segurava um ovo assim, chegava, dava para o dono café, do cafenil e o cafenil punha o café, então, com um café, ele ficava o dia inteiro com o amigo dele jogando como que chama aquilo? Távoli e passava o dia inteiro assim, desse jeito, não trabalhava e falando nas mulheres também, então, naquele tempo, por exemplo, desculpe se eu estiver falando besteira, mas é o que era realidade e depois você corta o que quiser. O marido mandava, quer dizer, a mulher apanhava, além de trabalhar ainda apanhava. O pai já tinha uma vara lá, é uma vara que pegava de uma certa planta que dá uma vara assim como se fosse chicote para os filhos... Não tem como é hoje, por exemplo, que eles falam: “Ah, o filho não pode falar isso, porque senão ele fica assim; não pode fazer aquilo, porque não sei o que lá e tal, porque o filho vai ficar não sei o quê” todos eles adoravam o pai e a mulher também (risos) coitada. Agora a vantagem da mulher qual era? É que depois chegava assim, nas vizinhas ou na irmã dela e elas diziam: “Como é que foi lá, você apanhou outra vez?” Dizia: “Apanhei” “É, coitadinha” então, essa era a conversa delas. Então, o marido a vida dele era esta: ficar no cafenil e não tinha serviço para fazer, não tinha indústria, não tinha o que fazer, era só ir à chácara então... E a mulher (risos) e ai da mulher se conversasse com alguém lá. Eu me lembro uma vez, isso eu vi, que eu vi um movimento lá perto da vizinhança da casa e eu falei: “O que aconteceu?” Eu era menino ainda, era um rapazinho e: “O que aconteceu?” Disseram: “A mulher, ela jogou gasolina nela, gasolina, petróleo e pôs fogo”, eu fui ainda cheguei a ver e ainda ela estava viva, ainda estava morrendo, porque lá na chácara deu de conversar sei lá, com outra pessoa e ela de medo porque alguém viu, de medo, ela mesma já se matou (risos).
P/1 – Nossa.
R – Bom, agora eu perdi um tempão com esse negócio aí.
P/1 – Não, é isso mesmo. O seu Miguel, quando o senhor era criança lá em Rodes, o senhor gostava de brincar de quê? O senhor falou que caçava carneiro. Quais eram as brincadeiras lá?
R – Olha (tosse), as brincadeiras eram principalmente futebol, mas era com um pano que a gente enrolava e com os amigos jogava lá bola ou então, Arvaneide, como que chama aquele que a gente soltava aquele lá, quando era criança, né? Como tem aqui...
P/2 – Papagaio, pipa.
R – É, papagaio, pipa. Soltava pipa ou então outros jogos que eu não sei como te explicar, por exemplo, é coisa de criança, né? Mas é...
P/1 –... Pode falar em Grego.
R – Sabe, que agora, eu já dei... Bom...
P/1 – Não tem problema. E era comum sair para fazer caçada assim, que nem o senhor falou com carneiro?
R – Carneiro, porque lá não tinha esse negócio, por exemplo, em primeiro lugar não tinha comida, não é sempre que a gente comia, era muito difícil, agora vai dizer como vivia, então, eu pegava uns figos secos, ovos, ovos tinha às vezes tinha, né, frutas, verduras, alguma coisa comia assim. O filho chegava e comia, agora quando tinha mesmo comida um irmão como eu, por exemplo, fazia, saía, a cidade é pequena têm três mil habitantes, naquele tempo acho que não tinha nem três mil habitantes, hoje tem uns cinco mil habitantes, então, o irmão saía como eu saía, por exemplo, e chamava o outro irmão, gritava de dentro da cidade: “Fulano, fulano” até achar ele e ele estava com outros moleques brincando: “Vem, que hoje tem comida, hoje nós cozinhamos”, então, dizia: “Mas o que nós cozinhamos?” “Olha, é pames” é quiabo, “Mas outra vez quiabo?” porque elas plantavam quiabo lá e era tão difícil a comida e eu falo com as minhas irmãs até hoje, a gente dá muita risada, fazia umas que eu trouxe lá, depois da guerra para cá. Hoje graças a Deus, estão todos bem, o filho é juiz de Direito essas coisas todas, estão muito bem graças a Deus e chega a mulher lá, para visitar, então, ela fala “Calespera porum calespera?”, “Calespera” a outra fala, quer dizer boa tarde, “Mas diga Nice o que você está fazendo?” Ela disse: “Naimais” quer dizer, o que você está vendo sentado e aí a primeira coisa que perguntam: “Cozinharam hoje?” era muito importante, claro que era importante, eu disse: “Cozinhamos”, “O que vocês cozinharam?” “Cozinhamos lopia”, por exemplo, que era muito importante, muito boa, eu gostava de feijão branco – lopia e você sabe que a mulher ainda ia lá para ver, levantava a tampa pra ver se estava de fato cozinhando (risos). Então, o menino, a não sei quando ele ia à escola, um determinado... Isso no tempo dos italianos, no meu tempo porque antes no tempo dos Turcos, não permitiam a escola. Rodes foi ocupada pelos Turcos e não podia ter escola, então, eram todos analfabetos. Agora já no meu tempo já eram os italianos que tomaram e fizeram as escolas e a gente ia estudar, então, a não ser a escola, cada um quando moleque saía, não tinha nada, por exemplo, para ter medo, medo podia ter de acontecer alguma coisa, mas tinha aquelas montanhas, aquilo a gente subia num instantinho até lá e ia caçar passarinho, sabe, com estilingue. Eu tinha, por exemplo, a minha segunda mãe que foi... Que estava doente do coração e tudo, então, eu procurava matar passarinho para levar para ela. Então, caçar passarinho, os carneiros não, os carneiros a gente só corria só pra... Só para se divertir para caçar o carneiro só (risos), na montanha, descalço. Então, as crianças saíam, por exemplo, iam para montanha e outra hora iam para o mar para nadar, que tinha perto lá, e era uma vida... Hoje pensando, por exemplo, muito boa, porque hoje em dia as crianças a gente está vendo, coitadas, elas têm que ir à aula de Inglês, na aula de não sei o quê, na aula de natação e lá, eles aprendiam para lutar, eles lutavam entre eles mesmos e aprendiam nadar também aprendia a nadar, não tinha nada, quer dizer a vida hoje, por exemplo, naquele tempo, a gente achava sei lá, que iria embora de lá, que queria não sei o quê e tal, mas era uma vida gostosa, boa de viver. E era pouca comida, quando chegava à comida, Vassilic, era uma mesinha redonda assim pequena, baixinha assim, redonda assim, mais ou menos em cima de uma esteira, então, quando chamava o irmão para ir comer, os outros... Era um prato só, desculpe, então sentava todo mundo ao redor da mesinha e o pai falava: “Calma, vamos rezar primeiro” então rezava o Pai nosso e depois que rezava o Pai nosso aí podia começar (risos), aí cada um pegava e quem comeu, comeu (palmas) e quem não comeu... (risos). Às vezes, o filho falando: “Pai, fala para ele fazer mais devagar um pouco” ou então depois que terminava dizia: “Mãe, a minha barriga não está cheia ainda”, dizia: “Toma um pouco de água meu filho, toma água” (risos), o negócio era difícil, mas olha, não morria de fome. Agora, no tempo da guerra sim, aí já morria, eu não estava lá, daí o meu pai, por exemplo, morreu de fome, minha sobrinha morreu de fome, aí morria de fome.
P/1 – Aí ficou difícil, né?
R – Não, aí foi muito difícil, mas no nosso tempo era... Não tem importância, comida pouca dava para viver, era magrinho e tudo, mas dava, não tinha sapato, mas tudo bem, vai descalço, a calça e a roupa da gente lá, tinha mais remendo do que o próprio... Por exemplo, essa calça aqui naquele tempo, não tinha, era de tecido, mas rasgava de tanto tempo a camisa que ela foi remendando, remendando, e tal, mas era... Hoje estou pensando que era tudo bem... Apesar que como hoje, agora, por exemplo, que eu vou lá sempre, eu fico num hotel muito bom, com piscina, com tudo e tem a dona que era minha colega de escola.
P/1 – Ah, é?
R – Então, nós conversamos agora, ás vezes, a vida que nós passávamos, trabalhamos, sabe, arar a terra era com enxadão, mas nessa fundura assim, no sol quente, comida pouca e água pegava com aquela coisa vermelha que tinha assim, então, pegava com um pano assim, e tomava a água, limpava a água então, quando eu falo com ela: “Maguetúlia”, ela se chama Maguetúlia, “Que tempo bom aquele que a gente passava, né? Era gostoso”, ela dizia: “Mas Miguel você gostaria de voltar outra vez àquilo lá?” De fato eu acho que não (risos), ela fala: “Miguel, você acha que seria interessante, por exemplo, a gente voltar a viver a vida que vivia naquele tempo?” eu falei: “Acho que não” Não tinha nada, né? Não tinha...
P/1 – Seu Miguel, o senhor estava falando que tinha que rezar o Pai Nosso na hora do almoço, da refeição, né? Quais os outros costumes religiosos vocês tinham assim... Vocês tinham que ir a igreja como é que era isto?
R – Olha, um povo muito religioso.
P/1 – Católico?
R – Ortodoxo. Católico e ortodoxo era quase igual, não tem diferença quase nenhuma e olha se não viraram, quer dizer... Se não perderam a nacionalidade grega lá, é justamente por causa da religião, porque os turcos que dominavam lá, quatrocentos anos dominaram, eram muçulmanos e nós lá, éramos todos católicos ortodoxos, ortodoxos que não tem diferença quase nenhuma para mim, por exemplo, eu vou a uma igreja e vou à outra também (telefone toca), tanto faz para mim, porque é tudo igual. Mas é porque de tanto eles dominarem lá, já muita coisa, por exemplo, lá na cidade já falávamos turco e eu quando fui à Istambul passear lá, eu vi lá muita coisa, por exemplo, como... Que eu falei, mas isso aqui é grego, verdura essas coisas que tinham lá assim vendendo de forma que o povo já ia praticamente se não fosse a religião talvez tivesse esquecido a Grécia, então, eram gente muito religiosa, muito religiosa. Vou às igrejas todos os sábados e domingos, só, não tem... O padre lá trabalha, não tem... Ele vai também trabalhar na enxada lá no terreno dele, pelo menos no meu tempo, agora parece que não. Eu estou dizendo tudo isso aqui, desculpa, seu nome é?
P/1 – Cláudia.
R – Cláudia, eu estou dizendo tudo isso aqui, naquele tempo.
P/1 – É. Exatamente.
R – Agora, depois eu fui em 62, ainda era miséria até 72, 74, mas agora todo mundo vira... Come e bebe do bom e do melhor, senta naquelas mesas lá, Vassilic, você conhece, cerveja que eles gostam de beber, peixes, comidas, todas e não tem um... Eu ajudei muita gente antes de 74, por aí né? Mesmo remédio, essas coisas, depois se você quiser ajudar alguém não tem, estão todos amigos, todos bem, por quê? Isso está dando o interesse, por exemplo, o turismo lá, muito turismo e todo mundo... Hoje não tem diferença de um garçom, por exemplo, um garçom ganha igual a um médico, a um advogado ou cozinheiro ou porteiro, qualquer coisa que ele faça, então, chamar a pessoa para trabalhar um dia, quer dizer, não estão trabalhando mais assim, nas chácaras deles de forma que tudo isso que eu estou falando é na minha época, como eu falo, às vezes, eu acho que falei com a Vassilic, uma vez eu vivi duas épocas: uma no tempo de Cristo, porque a mulher ia tirar água do jeito que a gente vê às vezes no filme quando eles tiravam, carregavam igualzinho.
P/1 – Como que carregava?
R – No ombro assim, né, e levava. Interessante, que quando eles iam direto... Eu era menino ainda, rapazinho e quando elas iam tirar água do poço, na hora de fazer o movimento assim, porque a calça delas vinha até aqui em baixo.
P/1 – Ah?
R – A calça dela, depois um vestido em cima, grosso e depois outro e depois aqui outro e depois aqui... Então, o marido não via nada, o moço, por exemplo, o homem não via nada. Diziam que uma vez, que um tio que eu tinha, que já estava noivo, chegou de repente assim, essas tias falando que a tia estava fazendo o pão, mas tinha levantado a roupa e ele viu o braço dela e ele desmaiou (risos).
P/1 – De emoção? (risos)
R – Então, na hora do movimento que elas faziam levantava isso aqui um pouco e os homens viam um pouco aqui assim, e eles ficavam então num bar. Eles tinham um bar assim, existe ainda o bar só que não funciona agora, com uma varanda assim fora e eles ficavam lá, porque na frente era o poço, então, (risos) viviam como se fosse no tempo de Jesus Cristo, a mesma casa, um cômodo só e comiam do mesmo jeito, com aquela mesinha assim...
P/1 – A mesa baixa.
R – Baixinha e redonda.
P/1 – E sentava no chão? Como é que era?...
R – No chão assim...
P/1 – Uma esteira?
R – Como os japoneses. Tinha esteira ou então, se estava muito quente era no chão mesmo ali porque o a casa, o piso dela era de terra, terra bem batida e a mãe limpava assim e depois jogava um pouco de água assim, (pronunciou alguma coisa em grego), você não fala grego, né?
P/1 – Não.
R – Então, ela limpava assim, ficava bonitinho, mas era tudo como se fosse... Quem tinha jumento era feliz, então, era tempo de... Quer dizer, eu conheci duas épocas, aquela que foi no tempo de Jesus Cristo, quando a moça casava não conhecia o... Pode contar isso também?
P/1 – Pode, deve.
R – Então, a moça, por exemplo, não conhecia o rapaz, eu me lembro, por exemplo, da minha irmã, essa eu me lembro, eu já era um rapazinho e eu sei que ela gostava de um... Eu sei, porque eu vivia junto e ela gostava de um outro moço que se chamava Timoléu, ela sabia que ia passar que ia lá, não sei para que, falar com o meu pai, aquela coisa, ela... Tinha o lampião e atrás tinha um espelho, ela tirou o vidro lá, como chama aquilo? E olhou no espelho, aí quando eu vi, falei: “Vou contar pro pai, vou contar pro pai que você está olhando no espelho. Por que você olhou no espelho?” Então: “Meu irmão, pelo amor de Deus, não conta” (risos) nossa senhora, não podia, né? Então, mas aí veio uma turma... Tinha uma mulher, uma velhinha sempre de preto chamada (Ladicô?), quer dizer, é uma pessoa como se fosse corretora, uma... Ladi é azeite, é como se fosse azeitar, preparar, então veio uma velhinha, acho que eles já sabiam que a velhinha ia lá, para mim claro, não falaram nada, então, estava todo mundo no sofá, naquela parte um pouquinho mais alta que tem com a esteira e (pronunciou alguma coisa em grego), então, eles já estavam lá todos, o meu avô, as tias estavam todos lá, e de repente lá vem essa (Ladicô?) e eles já sabiam, porque eles já mandaram avisar que ele ia. Então, ela chama e ela fala: “Olha, vocês conhecem o fulano de tal?” Claro que conhece é uma cidade pequena, todo mundo se conhece. “Conhecemos, é família boa e tudo”, então, ele quer casar com a Cília, minha irmã chamava Cília. Então, quando não interessa, eles já falavam: “Olha, minha filha não está preparada, não estamos preparados”, então, morreu o assunto. Se fala: “Bom”, está certo, é boa família vamos fazer o casamento, “Tá bom, e o que ele está pedindo? O que ele quer?” Fazer o negócio, como se fosse um corretor, dizia: “Olha, ele quer a casa e não tem nem discussão, tem que deixar a casa”, a casa daquele tipo de um cômodo, é simples de tudo, que eles fazem tudo... E disse: “Olha, nós podemos dar a casa, podemos dar também um pedaço de... Meu pai só tinha um terreno, dar a metade do terreno e daí ele volta e vai lá, e diz: “Olha, só isso aí não dá”, voltou: “Só isso aí não dá, precisa arranjar mais” “Mas eu não tenho mais” o meu pai falou: “Eu não tenho mais nada” porque ele vivia na... Casou com brasileira, não herdou nada da mulher e etc, então, não tinha. Então, saía uma tia e diz: “Olha, eu também dou uma oliveira em tal lugar, dou um pé de figo não sei aonde” e vai indo. E chega no fim depois de vai e volta, vai e volta, que os dois queriam de fato o casamento, né? Acaba combinando e disse: “E agora, algum dinheiro?” Disse: “Dinheiro? Como que ia achar dinheiro? (risos) Isso não tem mesmo”, aí a minha irmã ficou brava e disse: “Eu não quero casar, não quero casar” e a Ladicô disse: “Cala a boca você, cala boca”, todo mundo falou assim: “Você não pode dar palpite, cala a boca, você não pode dar palpite”, ela disse: “Se for assim, eu não quero casar” “Não, não pode dar...”, do lado de lá não está falando, só os pais dela que falam. Enfim, no fim saiu o casamento, daí eles com uma semana dançam, comem, bebem, dançam, se divertem durante uma semana. Quando chega no domingo ou no sábado, eles levam lá na... Fecham eles dentro da casa, aí se ela falar o nome do noivo... Nem depois de casada elas não falam, não pode. Então, tem um lugar lá especial, não sei se você viu Vassilia, que tem uns guarda roupas assim, que abrem assim, como se fosse no tempo de Jesus Cristo, não é guarda roupa de abrir assim, então monta, sobe naquele lá, e depois tem uma parte então que tem um mezanino com umas cortinas na frente e é onde eles passam a primeira noite, então eles deixam... Sobem lá em cima e depois fecham e todo mundo vai embora. No dia seguinte, vai todo mundo lá de manhã para acordar eles, então eles cantam: (cantando em Grego), eles cantam: “Acorda noivo e acorda também a sua perdiz de lado” (risos)
P/1 – Mas é um elogio, né? Como se fosse um elogio.
R – É. Daí precisava provar que ela era virgem.
P/1 – Aham.
R – Mas eles já vão com uma vara daquelas de derrubar as azeitonas, os pais do moço, se está tudo bem, está tudo bem, então, está consumado o casamento. Se não, eles derrubam tudo aquilo. (risos)
P/1 – Com a vara?
R – Com a vara (risos).
P/1 – Vixi Maria, é uma confusão?
R – Confusão (risos). Este na verdade, na verdade, eu nunca vi um caso desses, nunca, acontecia o casamento e dizem que era assim. Eu vi a mulher se queimando isso eu vi, mas de derrubar essas coisas eu nunca vi.
P/1 – E me fala uma coisa, seu Miguel, descreve para mim assim, como que é que é a paisagem? O senhor estava comparando que aqui fora é muito bonito está parecendo Rodes, né? Fala para gente assim, como que é a paisagem, que tipo de árvore que tem? Como é que é o céu?
R – Olha, desculpe, você me falou o seu nome e eu já esqueci...
P/1 – De antes de Cristo naquela época. É Cláudia o meu nome.
R – Cláudia, desculpe Cláudia.
P/1 –... Magina.
R – É que a cabeça já não grava mais quase nada, né? Lembra tudo de quando era moço, mas... Viu Cláudia, ali de fato Rodes, até eu falo para os meus amigos... Olha, eu conheço a Europa inteira, eu fui também à Turquia, fui ao Egito, fui à Jerusalém. Tem lugares bonitos, eu peguei pelo rio Danúbio, eu fui até, enfim, a Áustria, esses lugares todos eu conheço, 25 vezes eu fui, mas não tem como as Ilhas Gregas, não adianta, não tem, é indescritível a beleza, por exemplo, como Rodes, Mikonos, Santorini, é uma coisa que não dá para descrever, aquelas casas branquinhas, porque, por exemplo, Miconos, por exemplo, eles... Bom, você me perguntou de Rodes, então...
P/1 – Não, mas pode falar, pode falar.
R – Míconos, por exemplo, sabe que eles fazem aquelas casas todas bonitas, iguais, só muda a cor da porta, da janela, porque uns fazem vermelhas, outros fazem azuis, outra... É um sonho, um sonho, Mikonos, Santorini, todas as ilhas. Agora, a Ilha de Rodes, quando eu vou nestas outras ilhas e eles pela pronúncia que eu tenho, porque ainda continua tendo a pronúncia de Arcângelos, que como lá naquele tempo, Cláudia, não tinha comunicação de uma cidade com outra, uma moça, por exemplo, nunca podia casar com um moço de outra cidade, apesar de serem quatro ou cinco quilômetros, dois, mas não tinha nem estrada, então, eles viviam só eles e acabaram ficando só com uma pronúncia com dialeto, então, quando eu falo assim, em outra ilha, eles perguntam: “De onde é você afinal?” Eu falo: “Moro no Brasil, mas sou de Arcângelos, de Rodes”, “Puxa vida e você sai de Rodes para vir aqui para ver as outras ilhas, tão bonitas”. Dizem que Zeus deu um presente para cada Deus, só não havia... De repente Zeus pegou um rochedo e jogou no mar e naturalmente a história não que seja verdadeira e nasceu a Ilha de Rodes ali, gostou e tudo, então durante trezentos anos, trezentos dias por ano é sol, aquele sol que quando a gente vem aqui o sol bonito, por exemplo, eu falei: “Parece da Grécia”, mas nem assim mesmo, muito bonito, eu não sei por que acontece isso, um céu tão bonito e depois as montanhas, as montanhas que tem lá, o mar não dá, eu conheço Meca, que eu tenho ido. Olha, eu gosto do Brasil, talvez até mais do que da Grécia, mas a verdade é esta: não tem, não há... Eu conheço diversos mares aqui, mas não tem como comparar. Você pega uma lancha e vai andar um pouco, mas mesmo lá no... É tão claro, é tão limpinho, que a gente vê aqueles peixinhos, engraçado que quando eu ia com o meu avô, quando eu era menino, o meu avô me levava junto, nessa mesma praia, eu vou até... vou ainda e vou no mesmo lugar que ia com o meu avô e tinha uns peixinhos assim, pequenos, mas assim, bastante, pois olha, parece... Eu falei: “Meu Deus do céu, mas será que não passou o tempo?” O mesmo mar limpo, azul, bonito e os mesmos peixinhos, pelo menos eu tenho visto lá, então, se for o mar é... As casas, aquelas casas branquinhas, tudo, eu não sei descrever a beleza desses lugares, por exemplo, não dá, não dá para descrever. Santorini, também, né? Você conhece, não é Vassilic? Santorini, Mikonos, essas não dá, não dá, é muito bonito mesmo, muito bonito.
P/2 – E as oliveiras?
R – Olha, as oliveiras, lá no hotel que eu fico, por exemplo, é um pouco fora da cidade é perto de uma montanha, é na cidade e tem uma varanda no fundo... Tem a entrada da porta e tem a varanda para a vista e têm aquelas oliveiras, aqueles... Milhares de oliveiras e os carneirinhos passando lá, né? Então, é como se fosse no tempo de Cristo, é muito bonito, é muito lindo. Quando eu... Mesmo da Grécia, Grécia, Vassilic, que eu conheço, eu virei a Grécia inteirinha, fui até a Albânia, na divisa da Grécia com a Albânia e virei... Fiz isso na Grécia toda, tem lugares lindos, por exemplo, tem montanhas cheias de gelo branco assim, aquelas branquinhas tudo, mas comparar com as Ilhas Gregas não tem, não tem jeito.
P/1 – E seu Miguel, o senhor já falou assim, duas vezes, a coisa da mitologia grega, né?
R –... A mitologia, era isso que eu esqueci, essa palavra, mitologia.
P/1 –… Eu queria que o senhor me falasse um pouco assim, é muito forte a presença da mitologia Grega até hoje?
R – Se é fácil?
P/1 – Se é forte assim, as pessoas se referem aos deuses gregos? Como é que é isso? Mesmo sendo católico?
R – A mesma coisa, a mesma coisa.
P/1 – É?
R – O que eles não falam muito, por exemplo, que eu estranhei aqui quando cheguei, eles não falam, por exemplo, de Sócrates, de Platão, de Aristóteles e aqui quando cheguei aqui... Lá eles não falam e quando eu cheguei aqui eu fiz um ano de noite lá no colégio aqui e eles falavam de Sócrates e eu rapazinho ainda, não... Depois eu vi, que é claro que Sócrates, Aristóteles, Platão eram muito mais importantes que a revolução dos gregos contra os turcos, porque lá eles mais se interessam por quantos os turcos mataram, quanto o sujeito fez, essas coisa assim, sabe? Então, a mitologia continua, mas olha, estuda alguma coisa de mitologia lá também, pelo menos no meu tempo até encontro ainda, porque a maioria já morreu dos meus colegas de escola, os meus amigos já morreram, as mulheres, os homens.
P/1 – Mas as pessoas acabam conhecendo, igual o senhor falou assim, que deu de presente para...
R – Agora, então encontraram...
P/1 – Que Rodes foi um presente...
R – Isso. Agora encontro alguma moça que ainda não morreu da minha idade, colegas de coiso, nós falamos sobre isso, sobre a mitologia, eles falam ainda alguma coisa, fala bastante é claro, têm livros, eu trouxe livros de lá, mas... Não entendi, Cláudia, o que você... O que você gostaria...?
P/1 – Está na cultura do pessoal se referir aos Deuses Gregos? Um pouco isso assim... Vou só mudar a fita seu Miguel.
R – Ah, sim.
(troca de fita)
R – Pode falar?
P/1 – Aham, à vontade.
R – Então, tem uma ilha lá na Grécia, perto de Mikonos, como é o nome Vassilia? Esqueço sempre.
P/2 – Cirus?
R – Hein?
P/2 – Cirus, Pathos?
R – É perto da Ilha de Miconos, então, é o seguinte, pela mitologia claro, então, Zeus era muito mulherengo, ele gostava muito de mocinhas, né? E a mulher dele você deve conhecer bem, que era a Ira, chamada Ira ou Hera.
P/1 – Ciumenta.
R – Muito ciumenta e todas as moças com medo dela. Então, essa ele quis pegar, mas ela pulou, não sei de onde ela pulou e caiu no mar, aí o Zeus ficou com tanta raiva dela que a transformou em rochedo, um rochedo que não tinha nem base em baixo, dizem que não tinha base. Então, ela ia para lá, para cá e ficou lá e depois o Zeus foi pegar uma outra que eu esqueço o nome dela e essa aqui concordou, concordou e ficou grávida, mas aí ela ficou sabendo a Hera mulher do Zeus, então, ela fugiu. Foi lá e ela estava grávida, precisava dar a luz, mas ninguém aceitava, quer dizer, todo mundo, não sei se eles tinham jornal naquele tempo, o que eles tinham (risos) ou televisão ou internet sei lá, que eles ficavam sabendo: “Não, não, não, aqui não (risos), o Zeus acaba com a gente, aqui não”. Ela precisando dar a luz até que foi nessa ilha que infelizmente eu esqueci o nome...
P/1 – Depois a gente acha no Atlas, depois a gente pega no Atlas.
R – Então, e foi lá, como era só um rochedo, não era ninguém era só um rochedo grande, era uma ilha, mas sem base em baixo e falou para ela: “Olha” porque ela tinha sido transformada, mas com certeza falava ainda, então, ele disse: “Olha, eu vim aqui, você, por favor, me deixa ter o meu filho?” que seria o Apolo, o Deus da luz depois: Deixa eu ter o meu filho aqui?” Disse: “Já estou aqui nessa situação, porque a Ira está com raiva de mim agora... Ela disse: “Por favor, pior do que você está não fica, o que pode acontecer? Você é um rochedo, seco, não tinha vida nenhuma em cima e nem base você tem que fixa lá em baixo, então, o que mais ele pode fazer com você?” “Deixa eu ter o meu filho aqui, o Apolo e ele vai inundar de luz esta ilha, vai encher de vida e de riqueza a sua ilha”, então, ela concordou e nasceu o Apolo. E então daí o Apolo fez com que a ilha fosse a mais bonita de todas, muita luz, eu fui visitar ela também, inclusive tem um museu e têm umas estátuas ali que gente vende, tão bonitas, mas que eu pelo menos vi e não conseguia sair mais de perto, um rosto tão bonito que eles fazem e parece que vai falar de tão bonito, então... Mas hoje não tem mais nada lá, agora foi a ilha mais importante daquele tempo da Grécia, ficou a mais importante, muito rica e muito bonita. Agora isso a mitologia diz que é por causa do Apolo, agora na realidade, a História diz que não, como ela ficava entre o Oriente e o Ocidente, então, onde parava os barcos para qualquer coisa lá porque atravessava e é por isso que ficou rica, mas depois foi invadida pelos Atenienses, foi invadida por diversos outros povos e hoje, por exemplo, não tem nada, tem ainda a... Sobra, por exemplo, algumas coisas assim, umas estátuas, uns leões lá de mármore, sobra aqueles ripes...
P/2 – Estilos arqueológicos?
P/1 – Ah, são ruínas.
R – Ruínas. De forma que são agora e Mykonos, que está tão bonita, não sei se você sabe, Mykonos está tão bonita e tão importante hoje, porque antigamente não era nada, mas os turistas iam não por causa de Mykonos, eles queriam ver essa cidade por causa da história.
P/1 – Da história toda. Seu Miguel, e me fala uma coisa, aí com dezessete anos, o senhor resolveu vir para o Brasil. O que estava acontecendo na Grécia, lá em Arcângelos nesse momento?
R – Então, o Cláudia, você sabe que até hoje eu me pergunto por que eu vim aqui? Eu não sei, não sei, a não ser o destino que eu acredito muito (o entrevistado faz uma citação em Grego) os antigos gregos (citação em grego) e como acho que nós já falamos isso agora há pouco, na mitologia tinham os Deuses, Deus do Mar, Deus da Guerra, Deus disso, Deus daquilo e Zeus mandava em todos, mas tinha uma Deusa chamada Mira, que ninguém via, mas sabia que existia, porque mandava aqui se escreve... Em Grego é Moira em Grego ui se diz i, né, então seria Mira, mas aqui eles falam Moira. Então, existia e nessa aqui nem Zeus mandava (risos), o que ela resolvesse era aquilo, então, ela pela mitologia pelo menos pelo o que eu estou vendo agora com essa minha idade, por exemplo, eu vejo que passou, se aconteceu, não tem, não tem, é destino, por que eu tinha que vir para cá? Eu penso até agora.
P/1 – E aí como o senhor fez? O senhor tinha dinheiro? Como o senhor fez para bancar a viagem? Como o senhor conseguiu?
R – Eu falei para o meu pai: “Olha meu pai, se você não me deixar ir para o Brasil” principalmente porque me falaram que eu era brasileiro, lá eles me maltratavam porque diziam que eu era preto (risos), eles me chamavam de Magro Miguale Miguel preto e (tosse) que eu era brasileiro e tudo. Eu vi o mapa do Brasil enorme e a Grécia pequenininha, então, eu falei: “Eu vou para o Brasil, magina se vou ficar aqui, eu vou para o Brasil”, então eu falei com o meu pai: “Me dá a passagem para eu ir para o Brasil”, “Não meu filho, não vai”, “Vou, se o senhor...” imagina eu era moleque e falei: “Se não me der a minha passagem eu vou me enforcar” fiz chantagem com o meu pai coitado, (risos) e ele me deu a passagem e disse: “Vai com Deus”, eu era menor de idade, então, eu peguei um navio lá em Rodes... Posso contar isso também ou não?
P/1 – Deve.
R – Lá em Rodes, naquele tempo, os navios não encostavam no porto, não tinha ainda porto, então ficava no alto mar, a gente entrava numa canoa (tosse) e ia até o navio e o navio tinha uma escada de corda assim, para subir. Mas eles falaram que quem saísse dali de Rodes, da terra dele e não quisesse voltar mesmo que era para levar uma pedra e jogar para trás no mar, que aí nunca mais voltava e eu peguei uma pedra e graças a Deus, Deus não me escutou (risos). Peguei a pedra, a canoa já estava andando no mar e joguei para trás, para nunca mais voltar lá, entrei no navio, fui lá em Atenas, e em Atenas, eu já tinha passagem, tudo, peguei outro navio e fui até Marselha, e eu era menor de idade, não tinha dezoito anos, não tinha nem dezessete anos, não tinha completo. Então, peguei em Marselha um navio, não, peguei em Atenas um navio até Marselha, de Marselha peguei o trem e fui até Cherburgo, não Hamburgo porque Hamburgo é na Alemanha e Cherburgo é na França. Peguei um navio chamado Alcântara, um navio Inglês, quer dizer, fui de Rodes para Atenas, de Atenas para Marselha, de Marselha para Paris e depois Cherburgo e daí pegamos então, o Alcântara, comida boa, tudo maravilhoso, inclusive tinha uma menina (risos), uma mocinha, que eu namorei lá no navio, quer dizer, assim, conversar, fomos lá assistir ao cinema, dentro era uma beleza, comia bem. Chegamos aqui no Rio de Janeiro, era 13 de novembro de 1937, parece que tinha a revolução lá, porque não deixaram a gente sair. Bom, quando chegamos em Santos, foi no dia 15 de novembro, muito bom, chegou em Santos, o navio parou e eu falei: “Bom, agora eu vou descer”, a fila de gente passando com muito custo, carimbam o passaporte e vai embora e eu cheguei lá, o Capitão lá não sei quem era me tirou da fila, sei que era Inglês, eu não entendia e aí, eu já fiquei preocupado e eu falei: “Mas eu estou em Santos” é aqui que eu vou descer depois ia para a Argentina, então, ficava lá, e depois entrava na fila outra vez para ver se chegava outra vez e ele reclamava, porque eu era menor de idade. Aí para não encompridar a conversa avisaram a polícia e daí veio um negrão...
P/1 – Era a primeira vez que o senhor viu uma pessoa de cor?
R – É.
P/1 – E o que o senhor achou assim?
R – Não, até que foi uma pessoa boa e tudo, mas como eu não tinha visto... Era para ir para ali, eu falei: “Eu desço” (pigarro). Na minha mala...
P/1 – Quer dar uma paradinha para beber uma água?
R – Não, não, não precisa não, Vassilia, obrigado Vassilia, não. Eu tenho esse costume mesmo (pigarro). Então, eu pensei e falei: “A minha mala”, mas depois pensei: não tenho nada dentro da mala, não sei se tinha uma camisinha meio já... “Deixa”, mas já estava lá na polícia (pigarro), então, eu desci com o negrão, muito boa pessoa e entrei num bonde, eu nunca tinha visto essas coisas aqui, imagina lá em Arcângelo que era uma cidade de três mil habitantes, a gente via carneiro, via jumento, via coisas, mas não... Entrei e aí, o homem falou para pagar, eu falei: “Não tenho dinheiro” tinha algum dinheiro francês, mas eu mostrei para ele e ele disse: “Não” e ele pagou para mim, pagou e daí me levou até na delegacia, eles olharam: “Fica aqui”, não sei como eles fizeram que acabaram descobrindo (pigarro) um parente, eu sei que o parente veio me pegar e no fim foi... Ah, mas quando eu desci lá, esse parente que foi me esperar (pigarro) ele disse: “Vamos embora”, ele chegou lá, primeiro eu falei em português e o delegado então achou que ele não era parente, mas depois eu falei: “Então, fala Grego” ele falou Grego e enfim descemos ele disse: “Vamos embora rapaz, tem um parente nosso aí, que é rico e ele tem máquinas” eu falei: “Olha, Miguel...”, ele se chamava Miguel também “Você me garante que ele vai me dar uma máquina para engraxar?” Porque máquina, a gente tinha a impressão que era alguma máquina que funcionava que precisava engraxar. “Porque senão eu fico aqui, porque aqui eles vão me arrumar algum serviço”, ele disse: “Que máquina rapaz? Tem máquina de arroz, disso e daquilo, não se preocupa, vem aqui comigo”, descemos lá até o carro, eu nunca tinha visto também carro nem nada, ainda o motorista foi abrir a porta eu falei: “Meu Deus do céu, essa gente deve ser muito rica, né?” E tinha a minha mala e eu estava preocupado com a mala, porque a mala (pigarro) não tinha nada dentro, tinha uns (alguma coisa em grego).
P/1 – Tinha os trapos.
R – Os trapos lá dentro, eu falei para o meu primo: “Deixa essa mala, não precisa levar” (risos), ele disse: “Não, leva a mala, por que não?” eu falei: “Larga a mão, deixa” (risadas e pigarro), mas levou (risos) e aí pegamos o trem tic e tac, tique e tac, tac, tac e de lá de Santos, depois passamos em São Paulo, para ir a Noroeste que são mais quatrocentos, quinhentos quilômetros.
P/1 – Nossa Senhora.
R – E de vez em quando ele saía para fora e me deixava lá sozinho, ele demorava, ia ao bar comprar alguma coisa, eu falei: “Meu Deus do céu” eu não fiquei com medo de lá até aqui, como eu fiquei aqui depois, porque era só cafezal, eu falei: “Mas o que é isso aqui?” ele disse: “É árvore de café, cafezal” eu falei: “Nossa Senhora, mas tem tanto assim?” (pigarro)
P/1 – O senhor conhecia café?
R – Não.
R – Agora, chega...
P/1 – Nunca tinha tomado café?
R – Ah não, café sim.
P/1 – Ah sim.
R – Mas pé de café...
P/1 – A árvore...
R – A árvore não. Então chegamos em Lins, que era uma hora da tarde, que era mais ou menos o almoço (pigarro) e era o almoço, isso é importante até, tinha uns Gregos lá, que eram primos, parentes. Então cheguei lá e pegaram... O meu primo me pegou pelo braço e disse: “Trouxe o seu genro” porque a minha sogra estava lá, sabe, a futura sogra depois, né, ela estava lá, ele disse: “O seu genro” porque fizeram o nosso casamento, trataram o nosso casamento lá na Grécia, em Rodes, eu tinha uns oito anos, e ela tinha uns quatro ou cinco, mas eu queria era a irmã dela, até que não achei ruim e falei: “Bom”, porque eu me lembro da menina e era bonitinha (risos), mas cheguei aqui e me disseram que morreu aquela, então, agora eu tenho que ficar com essa (risos) e esta não era tão bonita assim, mas eu falei: “Paciência”. Isso depois, né? Mas na hora da comida eles falaram: “Venha, senta na mesa, vem comer”, claro que eu sentei, né? Lá comer era difícil (risos) e daí (pigarro) ele disse: “Sirva o que você quiser” falando em Grego todos, então, eu peguei o feijão, porque eu gostava muito do feijão branco, aqui vi feijão, pelo menos, este, né? Eu pus feijão e comecei a comer ele disse: “Põe arroz também” eu falei: “Mas vai misturar homem (risos), vai misturar?” (risos) ele disse: “Pode misturar”, então está bom, eu vou fazer o quê? Eles mandam, né? (risos). Então, eu pus arroz, pus feijão e depois tinha bife a cavalo, eles chamam bife a cavalo, era uma carne com um ovo em cima, ele falou: “põe também”, ai meu Deus do céu e depois mais batata e mais não sei o quê, mas tinha tanta comida, que você não faz ideia. Eu falei: “Meu Deus, mas aqui é o paraíso mesmo” (risos e pigarro). Aí chegou de tarde, ele disse: “Bom, agora você vai tomar banho” eu falei: “O quê?” (risos) Porque lá ninguém tomava banho e nem na Europa toda, não tinha esse negócio de banho na Europa, pelo menos era o que me falavam, mas na minha casa pelo menos não tinha, magina.
P/1 – Como é que era? De vez em quando? Tomava banho no rio?
R – Não, uma vez por semana, a mulher lavava os pés do marido, punha uma água para esquentar numa panela lá, uma coisa, sentava o marido e ela lavava os pés dele. Fora isso, não tinha nada disso, eu falei: “Mas por quê?” “Porque dizem que tiravam o miro, sabe, Vassilia?
P/1 – Tiravam o quê?
R – Veja bem, a Vassilic, por exemplo, pode ter vivido outra vida, a minha era essa. Miro, sabe quando o padre batiza põe um óleo e faz uma cruz, eles achavam que ia tirar, então não podia molhar, mas no mar podia, na água não (pigarro). Bom, então, mostra para mim como é esse negócio que eu vou lá (risos), então levaram no banheiro, tinha um chuveiro por cima e tinha a banheira, eu não liguei o chuveiro, mas enchi aquilo de água até que achei bom, gostei, tomei banho (risos). Depois no dia seguinte, outra vez, de manhã cedo comida e na hora do almoço toda aquela comida que eles faziam, às duas horas da tarde comiam outra vez, à noite comiam outra vez, eu falei: “Ah meu Deus do céu” chegou de tarde e então disseram: “Bom, vai tomar banho”, eu falei: “Pô, mas eu tomei ontem” (risos), ele disse: “Não, aqui tem que tomar todo dia” (risos), eu falei: “Está bom”, eu fazia tudo que eles mandavam, né? (risos) Mas depois começaram a reclamar porque eu gostava, eu cheguei a gostar bastante e no fim começaram a reclamar porque eu estava gastando muito sabão (risos), eu falei: “Primeiro vocês me mandam tomar banho, agora vocês reclamam porque gasta sabão” (risos).
P/1 – Ah, seu Miguel e o senhor não estranhou assim, ter ido para o interior de São Paulo? Para Lins?
R – Olha, foi bom você perguntar isso aqui, porque eu chorava, chorava e falei: “O que eu vim fazer aqui?” Tinha comida à vontade, mandaram fazer roupa para mim, sapato, enfim, não tinha nada, não tinha o que pensar, tinha empresa para trabalhar, por sinal o meu tio já me pôs como gerente sem me conhecer, na firma dele e depois eu assumi de verdade a gerência de tudo, mas eu tinha de tudo, mas me deu uma vontade, uma saudade, eu falei... Eu andava no sol, eu me lembro que eu chorava, chorava: “Mas o que eu tinha que vir aqui meu Deus do céu?”
P/1 – Saudade?
R – Saudades de Rodes, nossa Senhora, mas foi isso, depois eu me acostumei e no fim passa um tempinho e aí começa... Eu vi, por exemplo, o pessoal aqui se beijando, porque tinha os jardins lá onde passeia o pessoal e os moços se beijando com a maior safadeza, eu falei: “Ah meu Deus do céu, eu perdi a minha vida” eu falei para os gregos. Eu já tinha dezessete anos, e puxa tudo isso é tão bom e eu perdi tudo isso aqui (risos). Então, eu fui ao cinema e sentei com uma moça e assim que apagou a luz, eu peguei ela para beijar, mas ela me deu um tapa na cara (risos) a moça, eu falei: “Ah meu Deus do céu”, eu estou vendo toda hora aqui e agora... Fui lá falar com os meus parentes: “Aconteceu isso assim”, “Mas Miguel também não é assim, você chega... Você tem que namorar” (risos) quer dizer, então, eu comecei a gostar depois daqui e comecei a gostar, a caçar, pescar, eu trabalhei e depois também começou a guerra também e não tinha nem o que pensar mais, não tinha mais comunicação.
P/1 – E me fala uma coisa, como que o senhor aprendeu Português?
R – Pois é, foi difícil eu achar, por exemplo, quando eles falavam: “Sapato”, eu falava: “Meu Deus do céu, eu nunca vou aprender uma palavra destas” (risos), mas aprendi, quer dizer, em questão de dois meses. Logo que eu cheguei, me puseram na escola de noite e por sinal eu tirei o primeiro lugar modéstia à parte, era próprio de mim, eu digo eram três meses, então ia passando na frente lá e o meu primo que falava bem o Português que era daqui disse: “Escuta, estão falando que você tirou o primeiro lugar?”, eu falei: “Não sei”, “Vamos ver lá” fui lá e Miguel Zarvos e enquanto estava estudando, eu tirava sempre o primeiro lugar, mas aprendi, em questão de dois meses a gente aprende.
P/1 – E me fala uma coisa, a Vassilic estava me falando que lá em Lins tem uma igreja ortodoxa? Já existia essa igreja quando o senhor chegou?
R – Não, não.
P/1 – Vocês que construíram?
R – Não, um primo meu com o dinheiro dele, um rapaz que veio aqui chamado Estéfano aqui no Brasil, depois da guerra fez uma lavoura de arroz, ganhou dinheiro e aí trouxe as minhas irmãs para cá. Ele trouxe a mãe dele, a mãe e a mulher e depois a mãe deu aquela saudade também como dá na gente e principalmente da igreja que ela sentia a falta porque são muito religiosos lá, muito religiosos. Então, ela queria ir à igreja dela e ele disse: “Por isso não, eu faço uma igreja para você igualzinha, mas fica aqui mãe, fica comigo”. Então fez uma igreja que a Vassilic conheceu, igualzinha a que tem lá aonde a mãe ia, só que agora abandonaram e tal, não tem mais... Nós saímos todos de lá os ortodoxos.
P/1 – E ela é estilo bizantino, né?
R – Como é?
P/1 – Bizantino?
R – Bizantino. Muito bonita, muito boa a igreja, muito bonita, trouxe pintores da Argentina para fazer as pinturas muito boas dos santos e Deus lá em cima e tudo, muito bonita mesmo. Agora está um pouco abandonada.
P/1 – Certo. E o senhor ficou em Lins até quando senhor Miguel?
R – Fiquei em Lins até 1965, eu tinha... Eu me meti em política também, sabe?
P/1 – Ah.
R – Toda terça-feira lá tinha a reunião da Câmara e os amigos... Um advogado lá queria que eu entrasse como candidato a vereador, eu entrei e eles pensaram que eu ia levar alguns votos, mas eu não me elegi, mas depois na segunda eu fui o candidato mais votado lá e fui presidente da Câmara e fui tudo. Mas as minhas ideias eram um pouco esquisitas, eram nacionalistas e naquele tempo iam falar que o petróleo nosso era crime, então para quem leu Monteiro Lobato essa turma toda, por exemplo, se revolta e eu, por exemplo, assinei muitos... Assinei abaixo assinado que levaram ao presidente da Câmara para assinar que era pela paz, então eu assinei e pus ______, mas era crime naquela ocasião, não podia dizer que queria paz e nem que era... Nem relações, por exemplo, com a Rússia eu falei: “Por que não pode ter relações? Os americanos têm por que nós não podemos ter?” Comerciais e enfim, eu comecei a ser perseguido porque uma vez assinei e depois pegaram aquele abaixo assinado e já foram me pegar lá, mas eu não fui para a cadeia porque era uma família muito...
P/2 – Que época era isso? Na ditadura?
R – Na ditadura, na ditadura. Depois daí, eu já larguei a política também e vim para cá, mas eu fui vereador...
P/1 – E por que o senhor saiu de Lins e veio para São Paulo?
R – Porque os filhos já vinham para as faculdades, eu tenho agora um filho médico, um filho cirurgião dentista, uma filha que é a Marina é psicóloga e tem a outra já de História e tudo, né? Então, os filhos vinham para cá todos e lá também a firma já estava mesmo praticamente acabada, porque o diretor presidente morreu que era o Nicolau Zarvos. Então, eu vim para cá para São Paulo, por isso daí eu fiz uma construtora minha aqui, a Arcângelos Construções e eu pus o nome da minha cidade e construí muitas casas aí do aeroporto para lá, construímos também aqui perto do Shopping Ibirapuera. Naquele tempo era um córrego lá e um monte de lixo, mas nós começamos construir lá umas casas e teve sucesso, tinha vendido muito bem e hoje ficou um lugar muito bonito e depois eu fui indo para lá do aeroporto mais para longe, mais casas populares, quer dizer, devo ter construído umas trezentas casas pelo menos, Arcângelos até que os bancos pararam de financiar não a mim, mas os compradores. E eu também já estava bem mesmo, eu falei: “Não quero mais saber de trabalhar” aí eu estou nessa vida boa, graças a Deus (risos).
P/1 – Seu Miguel, e assim me fala uma coisa, a primeira vez que o senhor voltou para Arcângelos?
R – Ai meu Deus do céu foi bom perguntar. Que coisa, eu não acreditava, que coisa mais linda, que coisa mais... Chegar e ver aqueles lugares lá e já tinha passado 25 anos, por causa da guerra e tal, e por uma coisa ou por outra... Eu fui em 1962, a primeira viagem e quando eu vi aqueles lugares lá, eu falei: “Não é possível, é sonho”. E uma coisa que a gente estranha lá, porque aqui vê propriedades, por exemplo, mil alqueires, dois mil alqueires, cinquenta mil alqueires um mundo de... Tudo terra, terra boa, põe trator e o trator funciona e vai cortando uma beleza, quando vê que... Uma irmã minha tinha um... Que eu me lembro que tinha uma propriedade lá, uma propriedade, quando fui ver a propriedade eu até falava: “Não é possível” uma propriedade como se fosse... Um terreno, por exemplo, de 20 por 50, o terreno de uma casa eu falava: “Mas é essa que é a sua propriedade” eu tinha esquecido como era. Então eu achei... Eu gostei bastante, claro e depois daí demorei um pouco e depois comecei a ir outra vez. Eu viajava pelo mundo, mas sempre parava em Arcângelos, ali. Mas é muito, achei... É como se fosse um sonho, eu não acreditava, um sonho de ver o povo... Naquele tempo ainda era em 1962, não tinha riqueza ainda, né? Então era naquela pobreza, naquela...
P/1 – ___________
R – É. Inclusive eu me lembro que não tinha nem penicilina e eu mandava para eles depois. Gente pobre lá, tudo, hoje em dia...
P/1 – O senhor mandava remédio, essas coisas?
R – Mandava penicilina essas coisas, principalmente penicilina que eles queriam. Então, hoje já mudou completamente.
P/1 – E foi o turismo que acabou mudando?
R – Mudando. As mulheres agora trabalham, antigamente eu contei como era a mulher. Hoje em dia, se o marido falar isso aqui para ela, isso só, ele já acha a mala dele na porta (risos), verdade.
P/1 – Mudou tanto assim?
R – Mudou, a roupa delas é curtinha, vão ao mar vão... Igualzinho o que fazem as turistas, por exemplo, que vêem principalmente da Alemanha, da Holanda, daqueles... Do norte da Europa e elas são assim. Então, por quê? Porque hoje em dia, o pai como antigamente o pai continua com os mesmos costumes, dá a casa para a mulher, mas no nome dela como era sempre e não tem esse negócio como faz aqui, por exemplo, de divisão, porque o pai só dá para as filhas.
P/1 – Ah, tá.
R – E o filho tem que ganhar da mulher dele. Então, o que acontece? A mulher é dona da casa e dona da propriedade, ela trabalha, não tem uma que não trabalha mais nos hotéis, diversas... Ou no quarto, por exemplo, ou na portaria elas trabalham, então, ela tem o dinheiro dela, não precisa dele para nada. A casa é dela, ela tem carro, tem tudo, o marido é bonzinho que você não faz ideia (risos), eu falei: “Cadê aqueles gregos?” Eu me lembro agora o Lord Byron, uma vez eu li uma história de quando ele foi na Grécia, ocupada pelos Turcos, então, o grego se estava sentado tinha que levantar, se estava em pé tinha que abaixar na frente do Turco e o turco fazia o que bem entendia, que ninguém podia se meter com ele e esse Lord Byron chorou e disse: “Não é possível, a raça grega ficou desse jeito” e agora estou vendo também lá, eu falei: “Meu Deus do céu, mas ficaram...” Aqui pelo menos a gente ainda manda alguma coisa (risos), verdade, ainda manda alguma coisa, mas lá não manda mais nada, o homem é bonzinho, porque senão ele vai... E onde que vai achar, porque não tem casa, como o pai não dá, o sogro dá, mas dá para a filha, então, ele não tem propriedade e além de tudo tem que gastar dinheiro, tem que pagar para a mulher ainda e pagar para os filhos.
P/1 – Mas hoje existem mais trabalhos para os homens?
P/1 – Como é?
P/1 – Existe mais trabalho para os homens?
R – Todos os homens trabalham lá, os homens e as mulheres trabalham, mas não é vantagem nenhuma para o homem, então, então...
P/1 – Seu Miguel, me fala uma coisa da culinária grega assim, o que...
R – Hoje ou naquele tempo?
P/1 – Naquele tempo.
R – Naquele tempo como eu falei...
P/1 – Apesar dessa dificuldade assim, quais eram os pratos?
R – Era feijão branco – lópia chama-se, pames, que eu falei aquelas...
P/1 – Quiabo.
R – Quiabo. Não tinha muita coisa não, tinha mais verduras, frutas, essas coisas assim.
P/1 – E a presença sempre da azeitona, do azeite?
R – Ah, a azeitona, isso foi bom falar, porque todo mundo tinha azeite, porque todo mundo tinha algumas oliveiras e elas derrubavam com as varas e depois levava lá num cara que tinha uma pedra enorme, mas tirava o azeite. E trigo também, pão, por exemplo, todo mundo tinha um pedaço de terra onde ele plantava também o trigo dele, agora que nem o meu pai, por exemplo, que não tinha propriedade nenhuma, então, eu ia comprar no... O meu pai me mandava no padre, o padre era o mais rico de lá, porque os padres lá recebiam... Lá não tinham dinheiro, ninguém tinha dinheiro, então cortava um pão assim em pedaços, um pedaço era para o padre, um acho que era para o professor e enfim o padre juntava muitos pedaços de pão e vendia e nós íamos... Eu ia comprar lá, quer dizer, o meu pai mandava comprar lá. Até acho que ficava devendo e depois o padre não vendia mais fiado, então, eu falei para o meu pai: “Pai, deixa eu pedir para comprar um saco de farinha aí do fulano” chamava-se Pinicas, ainda vejo o filho dele porque ele já morreu, então, eu cheguei lá dentro: “Mas, meu filho, não vai vender para você, ele não vai vender para nós fiado”, “Mas deixa pai”. Precisava fazer pão, ele não tinha propriedade nenhuma como eu falei, porque casou com brasileira, ele não recebeu nada. Até que ele me deixou, eu fui lá e falei assim: “Senhor Pinicas”, eu era um rapazinho pequeno: “O meu pai mandou pedir um saco de farinha, só que eu não tenho dinheiro e é para você escrever”, ele pensou, pensou e não é que ele falou: “Bom, mas quem vai levar?” eu falei: “Eu levo” (risos), cheguei com aquele saco, quando cheguei para entrar na porta da casa era um pouco mais alta eu não conseguia e o meu pai também todo contente foi lá me ajudar (risos). Quer dizer, que pão, tinha azeitonas e verduras, frutas.
P/1 – Que fruta tem?
R – Ah, fruta acho que tem, por exemplo, figos, tem melancia, tem melão, tomate, tomate é uma delícia, não há meios de achar um tomate aqui que seja igual aquele, não sei por quê? Então, fruta tinha bastante, bastante frutas.
P/1 – E me fala uma coisa, uma dúvida que ficou, a mãe do senhor faleceu bem cedo, né? O senhor tem alguma lembrança dela?
R – Eu só lembro uma coisinha só, eu estava sentado na cúmela, eu sempre esqueço, sabe? É um lugar lá que, por exemplo, eles põem fogo para cozinhar dentro de casa.
P/2 – É uma espécie de forno à lenha, né?
R – É, uma coisinha... Estava sentada acho que era frio com certeza, né, eu estava sentado assim, todo dia entrou de manhã, eu quando eu faço... Mesmo na hora de levantar já penso nisso depois nas minhas orações também. Então, eu estava sentado, eu me lembro dela, mas não via o rosto dela, isso é que me deixa triste, então ela sentada atrás de mim e eu sentado aqui, o fogo lá e ela pôs acho que, não sei, um pedaço de polvo, lá tem bastante polvo no mar, uns pedacinhos e ali no carvão, ele eu acho que mexeu um pouco assim, e eu falei: “Bicho, bicho”, só lembro isso, que eu falei: “Bicho”, só. Eu não vi a minha mãe atrás.
P/1 – Uma cena bonita, né?
R – É, ele infelizmente não... Agora, depois tem, por exemplo, que eu não conhecia os parentes dela, não conhecia os parentes da minha mãe. Mandei gente procurar para lá e para cá e ninguém... Este não existe. Daí eu estava em Viena com a minha mulher andando no jardim, jardim do Imperador e uma moça lá, ela chega e escutou a gente falar em Português e disse: “Vocês são brasileiros?”, eu falei: “Somos brasileiros”, “De onde são?”, Eu falei: “Sou de São Paulo”, ela disse: “Eu sou de Cuiabá”, eu falei: “Puxa, eu nasci em Cuiabá, eu falo que é São Paulo, mas eu nasci em Cuiabá”, ela disse: “Qual é a sua família?” para não encompridar a conversa ela disse: “Eu vou descobrir a sua família” eu disse: “Não adianta, porque já tentei, já fiz”, ela disse: “Eu vou descobrir”, ela era secretária na Câmara dos Deputados.
P/1 – Nossa.
R - E foi lá, telefonou: “Seu Miguel, eu não consegui nada”, eu falei: “Não vai conseguir”, “Não senhor, me fala pelo menos os nomes”, eu falei: “Olha, se você achar, por exemplo, uma que era Maria, a outra Joana e Pedro é dessa família”. Bom, aí ela encontrou.
P/1 –... É mesmo?
R – E telefonou para mim, ela deu o telefone de um parente lá, que também chama Miguel Antônio dos Reis e disse: “Esse seu primo, telefone dele” E aí, eu telefonei lá, atendeu uma moça, eu falei: “O Miguel está aí? O Miguel Antônio?”, ela disse: “Está, quem quer falar?” e eu falei: “Miguel Antônio também” (risos). Então, ela chamou ele, chamou, pegou o telefone e eu falei: “Como vai primo?” Ele disse: “Que primo? Eu não tenho primo” porque dá outra parte, da outra coisa não tinha nenhum...
P/1 – Não teve...?
R – Então só dá... Eu falei: “Tem sim, tem, que morava na Grécia”, a mãe dele era Joana, oh, mas ele ficou, ele queria...: “Eu vou já para lá, porque o meu pai falava tanto nessa ilha me deu o teu nome” ele falou, porque ...
P/1 –... Nossa.
R – Quando saímos ele viu o teu nome, gostou e ele me deu o teu nome e enfim, daí nos conhecemos aí e temos amizade e tudo.
P/1 – Seu Miguel, infelizmente nosso tempo está acabando, estava tão boa a conversa assim, que se pudesse eu continuaria.
R –... Não, mas eu também, olha, eu tô feliz, que eu gostei muito de você, desculpe falar assim, naturalmente dá....
P/1 – Magina.
R – Já gostava bastante da Vassilia, dos moços aqui todos, eu agradeço a atenção e estou muito satisfeito.
P/1 – Que bom, a gente também está (risos).
P/2 – Dá tempo para fazer uma pergunta?
P/1 – Não.
P/2 – Não, né? Tá bom, depois a gente...
(Câmera) – Tem dois minutos.
P/1 – Dois minutos.
P/2 – A questão do sonho.
P/1 – Tá.
P/2 – Qual é o seu sonho hoje?
R – Como é?
P/2 – Qual é o seu sonho hoje?
R: O meu sonho hoje? Bom, na verdade, o meu sonho é continuar como eu estou vivendo, graças a Deus estou muito bem, né? Você disse, por exemplo, assim, na minha família, né? Se falar, por exemplo, do país ou de outras coisas aí já é diferente, mas digo, por exemplo, a minha família, os meus filhos continuarem bem como estamos e é isso aí o meu sonho é... Não tem mais. Oh Vassilic para dizer, por exemplo, quando a gente era moço... Eu quando era lá... Eu queria vir aqui no Brasil, para ser presidente da República e para acabar com a Turquia, ajudar a Grécia (risos), sonho de criança. Hoje, depois de uma certa idade (risos) não tem mais (risos)... Eu falava: “Vou ao Brasil” ainda como era grande: “Eu vou ao Brasil, vou ser Presidente da República e vou atacar a Turquia” (risos).
P/1 – Que ótimo isso.
R – Agora hoje em dia, por exemplo, com a idade em que estou, não mais, desculpe, não sei pensar...
P/1 – Não, está certo.
R – Não tem mais. É, continuando do jeito que está, está muito bom.
P/1 – Está muito bom, né? (risos)
R – Tá muito bom (risos).
P/1 – Tá joia, seu Miguel...
R – Graças a Deus.
P/1 – Obrigada.
R – Eu que agradeço.
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