Ponto de Cultura
Depoimento de Rosa Maria Rossetti Zuccolo
Entrevistado por Gabriel Nascimento e Thiago Belotto
São Paulo, 02/10/2008
Realização: Museu da Pessoa
PC_MA_HV 159
Revisado por: Fernanda Regina
P/1 – Então Rosa, pra começar o seu depoimento, é o que a gente faz sempre aqui, eu ...Continuar leitura
Ponto de Cultura
Depoimento de Rosa Maria Rossetti Zuccolo
Entrevistado por Gabriel Nascimento e Thiago Belotto
São Paulo, 02/10/2008
Realização: Museu da Pessoa
PC_MA_HV 159
Revisado por: Fernanda Regina
P/1 – Então Rosa, pra começar o seu depoimento, é o que a gente faz sempre aqui, eu queria que você dissesse pra câmera o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – O meu nome é Rosa Maria Rossetti Zuccolo. Eu nasci no dia 28 de abril de 1941 na cidade de São Paulo.
P/1 – Rosa e sobre seus pais? Você sabe como eles se conheceram? Por acaso alguma história assim? De onde você veio.
R – Meu pai chama Aldo Rossetti é falecido já e a minha mãe: Francisca Beratti Rossetti. Os dois nasceram aqui em São Paulo. E parece que eu me lembro de que eles se conheceram no centro da cidade; na Barão de Itapetininga, alguma coisa assim (riso). A minha mãe costurava e nessa época, mesmo na época que eu era menina, a gente ia para o centro da cidade pra comprar tudo. Nos bairros praticamente não tinha comercio nenhum. Eu acho que ela foi comprar coisas lá e eles se viram e conversaram. Eles tinham muitas coisas em comum porque os dois são filhos de italianos, a colônia italiana não era assim tão grande nessa época; então encontraram várias pessoas de conhecimento comum, famílias de conhecimento comum. Eles começaram a namorar e meu pai era formado em Contabilidade e Economia. Ele se formou numa época ingrata aqui em São Paulo, porque ele se formou em 30, teve a Revolução de 30, aí depois teve a Revolução de 32 e os empregos eram poucos. Ele tinha feito um enorme esforço porque ficou órfão de pai quando tinha dois anos de idade. E a mãe que tinha vindo com três filhos lá da Itália, depois nasceram outros três aqui no Brasil. O meu pai é o caçula. Ela ficou sozinha aqui no Brasil, sem o marido, sem família, sem uma profissão. Então foi muito difícil para ela criar os filhos. Meu pai sempre contava que de menino pequeno ele tinha uma especialidade, que era fazer papagaio, né? Ele fazia os mais bonitos, elaborados possíveis e punha na vidraça da janela assim que dava pra frente, pra rua (riso) pra vender. Depois os irmãos mais velhos dele que eram bem mais velhos, o mais velho tinha 15 anos mais que ele, começaram a trabalhar e tal. E inclusive meu tio José, que é o mais velho, ele teve tipografia, e meu pai na adolescência já ajudava nessas atividades todas. Então sempre estudou e trabalhou. Depois de se formar em uma faculdade, que era um fato até raro na época, não conseguia emprego. Então como ele tinha sido amigo do José Olympio, quando o José Olympio morava aqui em São Paulo, o José Olympio já tinha editora lá no Rio de Janeiro o chamou pra trabalhar lá e ele foi pro Rio. A minha mãe nem queria pensar de ir embora de São Paulo. Ela sempre foi muito ligada à família dela à mãe, aos irmãos. Eles namoraram dez anos (risos). Depois desses dez anos, que ela já estava acho que com 30 anos, né? Aí meu avô (riso) falou pra ela: “Ou você casa de uma vez e vai pro Rio, ou então acho que é melhor você desistir porque já está passando da hora”. Né?
P/1 – Mas como foi? Desculpa. Eles namoravam a distancia?
R – A distancia. Ele vinha. Uma vez por mês ou qualquer coisa assim. Ela resolveu casar e foi morar no Rio de Janeiro. Meu pai gostava muito do Rio de Janeiro. Meu pai era um bom nadador, nadava toda manhã, ele gostava muito. Era uma vida muito diferente da de São Paulo. Porque o carioca sempre soube temperar o trabalho com o lazer e etc. E aqui em São Paulo o pessoal era muito... Meu pai gostava muito, eles moravam no Morro de Santa Tereza, ele sempre dizia como ele curtia aquela vista toda do mar que ele tinha lá de casa e tal. Mas a minha mãe sempre dizia: “Nós vamos voltar, né?” (Riso) “Nós vamos voltar”. Aí meu irmão mais velho nasceu lá, o Antônio. Quando ela estava pra dar a luz de mim, ela veio pra São Paulo. Também o Antônio nasceu aqui porque ela fazia questão que todos nascessem aqui. Aí ela falou assim: “Agora você vai dar um jeito porque eu não vou mais voltar”. (Riso). Eles mudaram pra São Paulo. Nós fomos...
P/1 – E aí se estabeleceram em São Paulo?
R – Isso. O meu avô materno tinha construído uma casa na Rua Bela Cintra e na ocasião meu avô já havia falecido. E a minha avó convidou, pelo menos de inicio, pra gente ficar na casa dela enquanto nos estabelecíamos aqui em São Paulo. Mas aconteceu que daí os meus tios casaram e a minha avó tinha uma casa menor ao lado. Minha avó resolveu mudar pra casa ao lado, e ir com a minha tia Carmem que era solteira. Nós ficamos nessa casa que meu avô construiu até eu acho que eu tinha uns 16 anos, depois nós fomos morar no Sumaré. Era uma outra São Paulo, completamente diferente. Porque a Rua Bela Cintra, que eu acho que vocês conhecem, ela hoje é muito central, né? Eram três quarteirões da Paulista, então paralela à Augusta, paralela à Consolação, hoje é movimentadíssima. Mas era uma rua muito tranquila, a gente brincava na rua, andava de bicicleta. Tinha um costume bem interessante que, principalmente no verão que demora mais pra escurecer, né? A gente jantava e ainda estava claro. Então as crianças iam brincar na rua, os pais pegavam a cadeira e iam sentar ou no jardim, ou mesmo na calçada pra ver os filhos brincarem. Todo mundo se conhecia, todo mundo conversava.
P/1 – E aqui, perdão, e aqui seu pai também chegou ele estava trabalhando na José Olympio também? A partir de São Paulo.
R – Sim. Meu pai veio trabalhar em São Paulo. Ele trabalhou durante uns 25 anos numa indústria pesada, onde ele era o diretor administrativo e financeiro. Eu comecei a ir pra escola no maternal, que não era também costume. Parece que eu era levada demais (riso) e minha mãe achou que era melhor já me por na escola. Era uma escolinha, chamava: Jardim Escola São Paulo. Que era na Rua Augusta. Então, se fosse pela rua direitinho, era um quarteirão e meio da minha casa (riso). Mas a casa dos meus primos, que eram quase vizinhos a nossa casa, dava o quintal com quintal da escola (risos). Então na maior parte das vezes a gente pulava o muro (riso) entrava direto pelo quintal. Mas justamente porque os meus irmãos eram todos homens, e então depois de mim nasceu outro menino, Aldo Luis, o Antônio é três anos mais velho que eu e o Aldo Luis é três anos mais novo que eu.
P/1 – Você é a do meio então?
R – Eu sou a do meio. E os nossos primos que moravam, porque era um habito das famílias italianas de morarem todos mais ou menos perto, né? Então os meus primos que moravam perto eram também todos homens. Então todos só tinham amigos homens. Eu só brincava com os meninos, de brincadeira de menino, de subir nas árvores. Os quintais eram enormes com muitas arvores frutífera. Subir na árvore, subir no poste, correr pelo muro. Hoje quando eu olho um muro assim (risos), eu lembro que a gente brincava de pegador correndo em cima do muro. A minha mãe falou: “Não, ela não pode continuar brincando só com meninos”. E convenceu meu pai que eu tinha que ir para o colégio de freiras (riso).
P/1 – Isso quando que foi mais ou menos?
R – Isso quando eu tinha sete anos.
P/1 – Antes disso só brincava com meninos?
R – Só brincava nos quintais assim, era uma liberdade total. Eu estranhei demais, era o colégio Boni Consilii que é nos Campos Elíseos das freiras da Madre Cabrini. Era um rigor enorme. A gente não podia fazer nada. Eu era semi-interna. Eu chegava às oito horas da manhã e das oito mais ou menos até 15 pro meio dia, as meninas do primário que só tinham aula à tarde, ficavam numa sala de estudos. Nessa sala de estudos não tinha nada, a gente ficava sentado na carteira, quer dizer, em meia hora você já tinha feito a sua lição. E o resto do tempo tinha que ler livros assim de santos, coisas assim. Não podia ficar distraída, assim olhando assim. Levei nove reguadas de uma freira que era um horror. Chamava Madre Clara.
P/1 – Como é que era essa sala então? Era uma sala com carteiras...
R – Era uma sala para todas as crianças semi-internas que eram do primário. Todas as meninas, porque só tinha meninas. Todas ficavam lá fazendo as suas lições. Tinha um intervalo mais ou menos às dez horas assim, de uns vinte minutos. Depois a gente voltava outra vez pra lá, não tinha uma atividade direcionada, alguma coisa assim. Nada. A gente tinha que resolver o que ia fazer. Mas não podia ficar distraída que ela dizia que era coisa do demônio. (Risos). Ela vinha dar aquelas reguadas doídas na gente. Não podia trazer um gibi, uma revista, um livro infantil; não podia. Era só...
P/1 – Não tinha uma biblioteca lá nessa sala?
R – Tinha. Mas era só de vida de santo. Pra menina de sete anos que ainda está começando a ler não era muito interessante. Mas eu sei que aí eu vi, logo na primeira semana eu vi que de tanto em tanto, uma menina levantava a mão e falava: “Eu posso ir lá fora?” E a freira dizia: “Quando fulana voltar você vai”. Daí eu falei: “Puxa vida, pode vir lá fora”. Esse colégio que existe até hoje e ele é tombado pelo Patrimônio Histórico, era de uma família, dessas quatrocentonas, riquíssimas do começo do século 20, e era chamada Chácara do Carvalho. Porque era esse tal Carvalho que construiu. É uma casa lindíssima, um palacete enorme e rodeado de muito terreno. Eram jardins franceses lindíssimos e tinha horta, tinha pomar, tinha o playground. A hora que ela falou que eu podia ir lá fora (riso) fiquei contentíssima, né? Quando chegou a minha vez eu fui lá fora correndo, desci as escadas correndo (risos) e fui passear pelos jardins, que não podia. Mas ela disse que eu podia (riso), eu fui. Depois fui pro playground e fiquei balançando.
Eu gostava porque a gente brincava de balanço, gostava de balançar bem alto assim. Dava aquele impulso. (Riso) Aquela roupa que vinha até aqui assim, né? Naturalmente deve ter levantado (riso).
P/1 – Você pode descrever roupa que vocês usavam nessa escola?
R – Posso. Era uma camisa, tinha uma gola de um babado e abotoado aqui, nunca podia ficar desabotoada, né? A saia tinha uns suspensórios largos e a saia era toda pregueada e vinha assim até, ela [a freira] media, tinha um dia do mês, na hora que a gente entrava na sala, que chamava palestra, que era a sala que a gente ficava quando chegava. Tinha uma freira com a fita métrica, tal. Ela media mês a mês pra ver se a gente não tinha encurtado a saia. Tinha uma meia branca que vinha até aqui assim, até o joelho. E o sapatinho de verniz todo fechadinho. De repente, eu vi assim aquele bando que parecia uns urubus (riso) coitadas. Porque eram todas de preto com véu preto e tudo. E eram muitas, eram umas seis que vinham assim em minha direção. Eu pensei assim: “Ai, alguma coisa está errada” (Risos). Aí elas: “O que você está fazendo aqui?” Falei: “Mas eu pedi pra ir lá fora. Ela disse que eu podia ir lá fora”. (Riso). Quer dizer ir: ao toalete. (Risos) Mas isso eu não sabia. Mesmo eu não sabendo eu fiquei de castigo uma semana. As outras ainda no intervalo iam pro recreio, eu não podia ir, aquelas coisas todas. A gente só andava em fila com os braços assim pra trás, né? E sem poder conversar com ninguém, nenhum lugar a gente podia conversar. Nem no banheiro, em lugar nenhum, só no recreio. Mas a gente acostuma com tudo, então eu fiz o primário e o ginásio lá. Quando eu saí chorei bastante porque eu não queria sair de lá (riso).
P/1 – Vamos voltar só uma coisinha aqui então. Sobre o seu bairro, se você sempre frequentou o centro, né? Nessa infância; vocês costumavam viajar ou sair muito longe do centro da cidade onde vocês moravam?
R – Sim. O meu pai, não sei quando foi exatamente, mas aos cinco anos de idade que eu já me lembro de muita coisa, eu sei que ele já tinha um carro. Era um Citroen. Depois quando a Bardela, que era a firma que ele trabalhava, fez um convenio com uma firma alemã, a Ford, eles traziam os Mercedes. Depois disso, meu pai sempre teve Mercedes. Com esse Citroen todo domingo fazíamos um passeio fora. Que pra nós parecia muito longe, pois era até Interlagos, até Santo Amaro, no Pico do Jaraguá. Pico do Jaraguá era um dos nossos passeios prediletos. Na Cantareira onde eu moro hoje (riso). Meu tio José, que é o irmão mais velho do meu pai, fez o primeiro condomínio fechado lá da Serra da Cantareira. Um senhor alemão tinha os terrenos, então eles se uniram pra fazer esse loteamento fechado. Por isso íamos muito pra Serra, acompanhar os trabalhos, tal. Até os 11 anos de idade, os nossos passeios eram passeios de manhã, com meu pai e dois tios e cada um de nós, a cada vez um, podia convidar um amiguinho ou uma amiguinha pra ir junto fazer esses passeios. A minha mãe não ia, minha mãe nunca queria ir e ela ficava fazendo o famoso almoço de domingo. Ela era uma cozinheira fabulosa. Acho que nunca mais vou comer as comidas do jeito que ela fazia. Porque realmente era... Os meus filhos mesmo falam que até o bife da vovó era diferente. Porque era, né? Então ela fazia aquele famoso almoço onde cada um podia pedir um prato que queria e ela fazia e tal.
P/1 – O que geralmente vocês comiam no almoço de domingo?
R – Sempre era macarrão feito em casa. Minha mãe fazia todas as massas em casa. Às vezes, não era a gente que pedia não, ela cismava que a gente gostava de uma coisa. Ela sempre falou que eu gostava muito de gnocci. Eu falava: “Mãe, eu não lembro que é gnocci era o meu prato predileto”. Ela falava: “Mas era”. E meu pai, por exemplo, (riso) ela tinha cismado que ele não gostava de ravióli. O ravióli da minha mãe era uma coisa fantástica. Ela fazia um por um, né? Sempre de queijo porque era o que a gente gostava. Então ela falava sempre pro meu pai: “Não. Pra você eu fiz fusilli porque você não gosta de ravioli”. Ele falava: “Mas eu gosto de ravioli” (Risos). Ela dizia: “Não, não, eu me lembro muito bem que você não gosta”. (Risos). Então depois das massas que geralmente eram duas ou três, ela nunca fazia uma só. Tinha as carnes, era frango ou era lagarto. Ou era... A especialidade dela era o coelho e o cabrito. Que ela gostava. As famílias do meu pai e da minha mãe gostavam muito. Nós crianças não gostávamos muito não. Depois as saladas. Na minha casa era servido prato por prato. Então era servida primeira a massa, todo mundo comia, depois era trazido outro prato e etc e tal. As sobremesas que eram fabulosas. A minha mãe, além dos bolos, que eram muito bons mesmo, ela fazia quindim, fazia merengue, aquele suspiro, né? Recheado com chantily. E tortas, a famosa pastiera di grano dela. Que era uma torta com ricota e trigo e com frutas secas e tal, era muito boa, era da família dela.
P/1 – Então a sua mãe era uma grande cozinheira? Estou impressionado de quantas coisas boas.
R – Nossa Senhora (Riso). É. Ela em contrapartida, nunca me ensinou a fazer nenhum desses pratos. Porque como ela cozinhava tão bem, ninguém queria que ela parasse de cozinhar. Meu pai falava: “Não, você pode por empregada pra limpar a casa, pra lavar, pra passar, pra o que for. Mas cozinhar...” Ela respondia: “Eu sou uma escrava desse fogão” (Risos). Ela não queria que eu aprendesse pra não ser uma “escrava do fogão” (riso). Mas na realidade ela gostava de cozinhar. Depois no fim da vida dela, né? Quando nós todos já tínhamos casado, já tínhamos saído de casa e meu pai tinha morrido, a gente arrumou uma acompanhante pra ela. E ela que cozinhava pra acompanhante, porque ela gostava de cozinhar (riso). Ela adorava convidar os netos pra eles virem comer os pratos prediletos. Na realidade ela nunca quis parar. Mas ela dizia assim: que ela era a escrava.
P/1 – Já vou emendar uma outra pergunta então. Você falou sobre a colônia italiana que era muito junta, o que você lembra sobre isso, dessas relações? Vocês tinham festas, tinham rituais próprios?
R – Então, na família do meu pai, como eles não vieram com família. E o meu avô morreu muito cedo e tal. Eram só mesmo o meu pai e os irmãos deles que sempre foram muito unidos. Isso eu sempre falo com os meus filhos que: se eu quero deixar assim alguma coisa bem marcada pra eles, é essa questão família. Porque tanto o meu pai era unidíssimo com os irmãos dele. Meu pai era o mais moço, mas no fim como ele que teve mais sucesso profissional, estava melhor; arrumou a vida de todo mundo. Todo mundo. Ele arrumou emprego pros irmãos, ele arrumou isso, arrumou aquilo. E todos eles, a gente aos sábados, se reunia na casa de uma das minhas tias, a tia Ina. Íamos nós todos pra tomar o lanche na casa dela, que era um lanche curtidíssimo. E os meus filhos, mesmo quando pequenos, chegaram a participar disso. Depois a minha tia Ina morreu e acabaram os lanches de sábado. E a família da minha mãe, que era uma família mais numerosa, porque tanto uma família, como a outra, vieram por um acaso pro Brasil. Porque o pai do meu pai tinha um pequeno hotel em San Veneto, na terra dele. Mas ele já tinha estudado Engenharia na faculdade de Bolonha, que é a faculdade mais antiga da Europa. Pra ele aquilo tudo era muito pequeno. Ele sonhava em ir embora de lá, ir pra um outro lugar maior. Cismou com a Argentina. Então ele estudou espanhol, se preparou todo pra ir pra Argentina e compraram as passagens, como eu falei. Eles já tinham três filhos, três meninos: meu tio José, meu tio Colombo e meu tio Léo. E embarcaram no navio que, segundo eles contam, era um horror porque no fim eles foram postos no porão. Era assim com dormitórios enormes cheios de beliches. Onde todo mundo dormia junto, as pessoas passavam mal, eram muito mal alimentadas e cheiravam mal. Diz que era um verdadeiro horror, né? Bom, e esse navio vinha percorrendo a costa brasileira toda, desde o nordeste. Ele foi se apaixonando pela costa brasileira. Porque ia parando, ele ia vendo as coisas e ele ficou apaixonado pelo Brasil. Quando chegou a Santos, ele resolveu descer. Mesmo que não era pra descer (riso).
P/1 – Ele te contou alguma história dessas...
R – Então, eu não conheci o meu avô porque ele morreu quando meu pai tinha dois anos de idade. Meu pai também só escutava falar o que os meus tios ou a minha avó falavam. Então disse que quando eles chegaram lá, a grande maioria, quase que a totalidade dos que estavam no navio tinham sido contratados pelo governo paulista, por fazendeiros paulistas, pra ir trabalhar nas fazendas. Eles eram recebidos lá no Porto de Santos e subiam com aquele famoso trenzinho pra vir pra Pousada do Imigrante, que hoje é um Museu.
Mas ele não pode (riso) porque ele não era contratado de ninguém, ele não estava previsto, não podia nem ter descido em Santos porque o passaporte dele era pra ir pra Argentina. Eu sei que, de alguma forma, eu acho que ele pagou a viagem de trem, veio pra São Paulo. Mas chegou aqui ele não tinha pra onde ir, né?
P/1 – Nem registrou a entrada no caso.
R – Não. Não, então eu fui procurar lá no Museu do Imigrante e a gente não encontrou nada porque ele era irregular aqui. O que meu pai contou é que o meu avô só se lembrou que tinha um rapaz que era empregado dele; porque esse hotelzinho que eles tinham, tinha uma pequena fazenda que fornecia todo o alimento, tudo pro hotel. E esse rapaz era empregado do meu nono lá na fazenda. Meu pai sabia que ele tinha vindo morar em São Paulo, o meu avô, né? Aí meu avô foi procurar por ele. São Paulo era uma cidade bem menor, dava pra você encontrar. Principalmente quando faz amizade com os italianos, um conhece o outro, etc e tal. E aí conseguiu encontrar. Esse rapaz tinha montado uma firma de transporte, ele tinha caminhões que transportavam alimentos, alimentos em sacarias. Ele deu o emprego pro meu avô de carregar os caminhões. Pelo que a minha avó falava, na época se conhecia muito pouco a Medicina, era muito mais atrasada e também, ou ela imaginou isso, ou realmente é isso, não sei. Mas que meu avô era uma pessoa muito magrinha, franzina assim e não acostumada com trabalhos pesados e que isso foi um dos motivos pelos quais ele morreu tão cedo. Ele tinha 40 anos quando morreu. Depois desse emprego, que não foi muito do agrado dele. Ele começou realmente a adoecer, sentia muitas dores nas costas. Foi trabalhar, como ele sabia falar espanhol, num clube de bocha de espanhóis, onde ele fazia a contabilidade do clube. Quando ele estava melhorando de vida, porque eles organizavam clubes nos bairros pra congregar os italianos. E eram sociedades que tinham finalidade além de recreativa, de assistência pros italianos que estavam passando dificuldade, parece que as crianças pequenas aprendiam as primeiras letras lá também. Tinha toda uma parte de cultivo das tradições com danças, o pessoal tinha oportunidade de falar a língua deles, que eram sempre os dialetos. Comer a comida típica do local e tudo mais. Meu avô fundou a primeira, chamava: Società di Mutuo Soccorso, Sociedade de Ajuda Mútua. Lá da Barra Funda, ele que fundou a primeira. E aí começou a conhecer muita gente. Viu que os italianos daqui sentiam muita saudade das coisas que ele... Dos vinhos italianos e das coisas que eles comiam lá: o prosciutto crudo, os queijos todos. O azeite. E ele começou a importar. Quando ele estava já melhorando de vida e tal (riso) coitado, ele tinha úlcera; e eu acho a ulcera rompeu e ele teve um sangramento interno, não foi socorrido a tempo e morreu.
P/1 – Qual que era o nome dele Rosa?
R – Ele chamava Antônio Rossetti. E o meu irmão chama Antônio por causa do avô.
P/1 – E daí então a gente agora voltando as _______ da Itália, seu avô faleceu?
R – É. Então, eu acho que eu vou...
P/1 – Eles viveram aqui também na Barra Funda eles viviam?
R – É, eles viviam na Barra Funda. A minha avó teve muita dificuldade. Os meus tios que já tinham 16 anos ou coisa assim, tiveram que começar a trabalhar e tudo. Porque não tinha mais quem sustentasse a família, né? E os meus tios todos: tanto os três homens, como as duas mulheres, a tia Ina e a tia Hebe; fizeram o Liceu de Belas Artes. O meu tio mais velho era um pintor maravilhoso, os quadros, ele não se dedicou a isso, porque não era possível financeiramente. Mas todos nós temos em casa quadros dele que são maravilhosos. Todo mundo que vem logo pergunta: “De quem são esses quadros?”. E ele também fez curso pra fazer livros e encapar livros essa coisa toda. Que depois ele trabalhou com isso também. Foi sócio do Monteiro Lobato, na editora que o Monteiro Lobato tinha. O meu outro tio, o segundo, o meu tio Colombo, meu padrinho, era fotografo, foi fotografo profissional. O meu tio Léo era cenógrafo, ele foi o primeiro cenógrafo do Municipal durante, não sei, 25 ou 30 anos. Ele era fabuloso nisso (riso). Do nada ele montava um cenário,
hoje as coisas são muito facilitadas, mas na época era preciso quebrar um monte de galhos pra você fazer isso. E a minha tia Ina que chamava Angelina Brasilina (riso) porque tinha nascido no Brasil. Ela era bordadeira, fazia enxovais maravilhosos. A minha tia Hebe era costureira. Todos aprenderam os ofícios lá no Liceu...
P/1 – Incrível, todos fizeram...
R – É. Então, todos fizeram o que hoje é o ensino fundamental. E depois o ensino médio também. Meu pai fez primeiro Contabilidade no ensino médio e depois fez faculdade de Economia na Álvares Penteado.
P/1 – Também lá, né? Tudo cerca.
R – É. P/1 – E daí você também frequentava, entre família Rosa, essas comunidades, você falou a Sociedade...
R – Não. Porque nós tivemos mais contato com a família da minha mãe que era uma família bem grande. Uma família do sul da Itália, eles são da Campânia. E era então uma família muito alegre, eles tinham muitas festas. E a minha, então, que eu falei que o meu avô chegou por um acaso aqui. E da família da minha mãe também foi a mesma coisa (risos). Porque eles tinham uma propriedade rural lá em San Rufo, a cidade deles chama San Rufo. E um dos tios da minha mãe, irmão da minha avó; gostou de uma moça que era filha de um colono lá da propriedade. Essa moça ficou grávida. Na hora que essa moça ficou grávida, ele era um rapaz novinho, tinha 17 anos, qualquer coisa assim. Ele não achou nenhuma graça de ter que casar. Meu avô e a minha avó falaram pra ele que ele ia casar com a moça. Ele falou com os amigos dele e não sei o quê; e arrumou um jeito de vir pro Brasil. Porque tinha algum parente da minha avó que morava aqui. Ele tomou o navio e veio embora pro Brasil. A hora que a minha nona percebeu. A gente chamava de mama grade, a nona era avó, né? E ela era bisnona (risos). Então a gente chamava de mama grande. A mãe grande, né? A mãe da mãe... Quando ela soube que tinha vindo pro Brasil, ela não teve a mínima duvida: arrumou os papéis dela, comprou a passagem e veio embora pra cá sozinha. Pra busca-lo. E imagina? Uma mulher do campo, né? Numa época que, provavelmente, ela não sabia nem ler. E que nunca tinha ido nem pra uma cidade grande. Nápoles era a cidade grande maior lá perto dela. Mas ela nunca nem tinha ido pra lá. Foi pra embarcar no navio e veio embora aqui pra São Paulo. Ela teve um azar muito grande que ela ficou doente aqui. A gente não sabe direito que doença foi essa, mas eles classificaram como uma doença tropical; uma doença que não existia na Europa. Então ela não poderia ir embora, não poderia voltar. Porque ela ia levar pra lá algum vírus, coisas que lá não existiam e que eles não tinham como se proteger. O que aconteceu? O meu bisavô resolveu vir pro Brasil com os filhos todos. Só ficou na Itália, a filha mais velha que já era casada, tinha acabado de casar. Ela ficou lá pra tomar conta das propriedades e das coisas todas; e o meu bisavô veio com os outros filhos. Chegou aqui a minha avó piorou e acabou morrendo. Vários dos filhos já tinham começado a se integrar aqui no Brasil. A irmã da minha avó já tinha, estava namorando um rapaz, não queria ir embora. O outro tinha arrumado emprego, estava gostando, não queria ir embora... Então ninguém quis voltar. O meu bisavô tinha as coisas todas lá, ele tinha que voltar. Ele queria levar pelo menos a minha avó, que era a mais nova, que na ocasião, acho que tinha 12 anos. E essa mais velha, a tia Maria, falou assim: “Se ela quiser ficar, eu já vou casar”. Que ela já estava com o casamento marcado. “Eu tomo conta dela”. Ela quis ficar e ficaram todos. Meu bisavô foi embora sozinho e ele acabou morrendo lá na Itália sozinho. Sozinho, ele tinha a filha lá e tinha os outros parentes e tal. Mas sem os outros filhos. Para a minha avó, ele mandava o dinheiro, ela foi criada com todo o mimo. E se apaixonou por um rapaz que era sapateiro (riso). Ninguém gostou da escolha dela, né? A tia Maria falou: “Você não vai casar com ele e jeito nenhum, Isso é um casamento que nem a mamãe, nem o papai aprovariam. Você não vai casar”. Mas ela era apaixonada por ele. Eu sei que eles acabaram casando. Foram morar na Bela Cintra, que meu avô que construiu aquela casa que eu falei, onde ele tinha os outros parentes; as irmãs também moravam lá. Ele montou a sapataria dele na parte da frente da casa. E então (riso) a minha avó diz que precisava ficar prestando atenção porque era tudo feito no martelinho, né? Alguma coisa que fazia barulho, porque ela precisava ficar prestando atenção. Se ela escutava o barulho; porque a hora que ela não estava escutando o barulho ele tinha ido dar uma volta com algum amigo e tinha ido tomar uma cervejinha no bar, tal (risos). Aí ela ia busca-lo e tal. Porque as dificuldades financeiras eram grandes. A minha mãe é a mais velha. Aí foram nascendo os filhos. O segundo era o que morreu criança ainda, que eu não conheci. Chamava Ernesto. Depois o terceiro era tio André; o quarto tio Domingos, que a gente chamava Mimi e a quinta é a minha tia Carmem, que a gente chamava Luta, tia Luta. As despesas foram aumentando e a minha avó foi ficando aflita porque o dinheiro que entrava da sapataria já se ele trabalhasse bastante (risos) não seria muito. Mas ele... Coitado. Parece que ele era uma ótima pessoa, minha mãe adorava o pai. Ela foi pedir socorro para as irmãs, para os irmãos. E eles falaram: “Ah! Aconselhamos tanto” Aquela história toda. Eles trabalhavam com mantimentos: sacarias, arroz, feijão, batata essas coisas. Tinha o deposito que era lá na Rua Santa Rosa. E eles então falaram: “Nós podemos fornecer os mantimentos e vocês montam uma barraca na feira. Que isso é uma coisa que dá dinheiro. Se ele trabalhar firme ele vai progredir”. Quando eu nasci meu avô já tinha morrido, mas os meus tios ainda continuavam na feira. Mas logo depois eles tiveram um posto de gasolina. Mas eu me lembro de quando eu era pequenininha na casa da minha avó, que tinha um fogão à lenha e que os empregados da barraca entravam pra tomar o café e carregar o caminhão. Isso é uma coisa que eu me lembro. E então, a minha avó ela, depois foram morrendo as irmãs, os irmãos mais velhos e ela virou a matriarca da família. Uma coisa que eu lembro bem de menina é que no dia do Natal a família toda vinha cumprimentá-la e tomar a benção dela. A casa dela era unida com a nossa casa, não tinha muro separando. Tinha uma parreira. E ela (riso) fazia a minha tia fazer os saquinhos pra por nos cachos de uva pros passarinhos não comerem. Nem nós podíamos mexer nas uvas que estavam amadurecendo até esse dia de Natal. Porque se montava uma mesa enorme embaixo da parreira e era lindo ver aqueles cachos de uva todas maduras em cima dessa mesa. Onde se punha todas aquelas coisas típicas: as sepolas, que era uma massa frita que depois...
P/1 – Eu tinha algumas curiosidades, algumas coisas que eu acharia interessante perguntar também pra você Rosa.
R – Você acha melhor eu terminar daí depois você me faz as perguntas?
P/1 – Perdão, você estava falando sobre a família. Claro, claro.
R – Né? É. Então depois que eles começaram então a sair de casa, a se casar; que o Roberto hoje mora em Maringá. E a Alessandra mora na Serra. Aliás, eu fui lá pra Serra da Cantareira por causa dela. Que ela foi morar lá e já tinha a filha mais velha; a Cristina. Eu queria ficar mais perto das crianças. Mas a minha intenção era ter uma casa lá pra ir passar fim de semana, férias. Não tinha intenção de sair daqui de São Paulo. Mas depois a casa lá foi assaltada duas vezes. Aí meu marido falou: “Não, ou nós vamos pra lá ou nós vendemos a casa porque não dá. Cada vez que a gente chega lá...” Até geladeira, tudo tinham levado embora. Nós acabamos vendendo o apartamento aqui e fomos morar lá. Há nove anos. Conforme eles foram saindo, foram casando, etc. eu resolvi que eu ia fazer outra faculdade. Fui fazer faculdade de Teologia, que é a Faculdade Dominicana de Teologia que é lá em Perdizes também. Perto da PUC (Pontifícia Universidade Católica). Ela funcionava no prédio que fica atrás da Igreja de São Domingos, que dá pra Rua Atibaia. Hoje ela mudou e está no Alto do Ipiranga. Foi uma coisa ótima pra mim. De voltar outra vez pra banca escolar mesmo. Estudo, professor, prova (riso). E num assunto que eu sempre gostei muito. Depois de formada, o diretor da faculdade, que era professor de Moral me convidou. Eu dei aula lá uns três anos. Mas depois quando eles estavam pra mudar pro Alto do Ipiranga e eu morando na Cantareira, e tendo que chegar às oito horas da manhã à faculdade, tinha que sair três horas antes, foi ficando assim muito inviável pra mim. Eu continuo dando curso em Paróquia, na Liga das Senhoras Católicas, dando palestra no Movimento das Equipes mesmo. Todo lugar que me chamam. Isso é uma coisa que eu gosto muito de fazer. Esses cursos todos de formação que foram feitos na creche foram cursos todos que eu acompanhei e acompanhei em todas as áreas. Eu fazia principalmente o de administração. Mas eu acompanhei na área pedagógica e na área de Higiene e Saúde também. Agora estou fazendo também esse curso de berçário. Na Criança é Vida. Porque uma coisa que eu percebi é que é muito importante ter uma pessoa que fique de ponte entre o funcionamento da creche, as reivindicações dos funcionários e a diretoria. Porque a diretoria fica muito alienada de todas as reais necessidades. Se não tem uma pessoa que explique: “Não, esse dinheiro é importante ser gasto nesse projeto por causa disso, disso e daquele outro”. Como o dinheiro é sempre muito curto eles acabam achando que não vale a pena gastar esse dinheiro lá, né? Então eu sempre fiz questão de fazer os cursos e estar por dentro das reais necessidades pedagógicas da Creche pra eu poder fazer essa ponte: levar pros diretores, e como uma diretora. Porque é muito diferente, eles recebem muito diferente, se é uma funcionária que está reivindicando ou se é alguém da diretoria. Que não tem nenhum interesse naquilo a não ser o bom funcionamento mesmo da Creche. Eu sempre gostei muito de todo esse processo educacional que já mudou demais. Vai mudando sempre. E a valorização da pré-escola que está sendo feita agora, que nunca foi feita. Mas justamente então, não de todo mal essa mudança toda que a gente estava falando. Porque o que acontecia? Assim como tinha creches como a nossa que eram capazes de alfabetizar as crianças no pré então a criança chegava no primeiro ano já alfabetizada e podendo então acompanhar o currículo do primeiro ano. Tinha muita criança que chegava sem noção, não conseguia acompanhar e daí as repetências todas. Nessa modificação que eles fizeram a criança, mesmo que ela venha sem noção, quando entra na escola é hora dela aprender as primeiras letras mesmo, aprender a ler, a escrever. Então todas vão aprender juntas e todas vão ter oportunidade de seguir sem repetências. Porque mesmo que o sistema seja de não repetir. Não adianta. Porque você passa sem saber, então uma hora você vai ter que repetir, porque você não conseguiu acompanhar mesmo. Em todos esses campos, tanto da família, que hoje eu curto demais os meus netos (riso). É como que se a gente estivesse tendo a ultima oportunidade de ter crianças e de brincar com crianças e de amar essas crianças. Eu curto demais os meus netos, a minha família e o meu marido que agora estamos outra vez só eu e ele.
Assim como curto muito o trabalho que eu faço na creche, o trabalho que eu faço com os velhinhos e o trabalho em Teologia. Não foi uma vida assim tão inaproveitada. Apesar de ser uma vida (riso) comum, né?
P/1 – Não, está sendo. E bem, a gente está chegando ao fim mesmo. Vocês querem fazer alguma pergunta? Ah, então vou perguntar. Tem alguma coisa que você queira dizer ainda Rosa, que eu não perguntei?
R – Não. Acho que não. Acho que já falei tudo.
P/1 – Queria que você dissesse o que você pensou de dar a entrevista, de falar sobre a sua vida. O que você achou disso.
R – É, até estava falando com ele que nesses últimos dias... Porque quando eu comecei esse processo eu não achei que eu ia fazer um depoimento da minha vida pessoal. Aí quando eu soube que eu ia fazer, eu fui fazendo um balanço da minha vida nesses últimos dias e foi bem interessante porque você vai lembrando de coisas que você já não lembrava mais, valorizando algumas coisas que você deixou passar e eu achei bem interessante. Gostei.
P/1 – Bacana. Então obrigada Rosa pelo seu depoimento.
R – Eu que agradeço é muito interessante esse trabalho de vocês. Eu sou Rosa Maria Rossetti Zuccolo. Nascida dia 28 de abril de 1941 aqui na cidade de São Paulo. E acho que nessa altura do campeonato eu vou me apresentar como avó e como diretora de creche (riso). Que são as coisas que mais me marcam.
P - Então, Rosa, estamos aqui de novo, pra fazer uma continuação da sua primeira entrevista, e hoje então nós vamos conversar sobre a sua família, enfim, a sua, a família que você constituiu ao longo da vida, né?
R – Isso.
P - Você é casada?
R – Eu sou casada há 45 anos, eu conheci o Renato, meu marido, na praia, no domingo de carnaval de 62 Eu estava fazendo uma caminhada com duas amigas, a Ana Maria e a Mara, ele nos viu e veio conversar conosco. Ele foi todo gentil e atencioso com as três, no momento não percebi em quem ele estava interessado (riso). Aí depois na segunda e na terça de carnaval, a gente fez uma porção de coisas juntos: foi à praia, foi em desfile de carnaval, baile de carnaval... Depois do baile na terça-feira que ele foi nos acompanhar até em casa, e aí na hora de despedir ele falou: “Ah, eu gostaria do telefone de uma de vocês pra gente poder conversar em São Paulo e tal”... E aí a Ana Maria que achava que era com ela (risos), ela pegou e deu logo o telefone, aí a Mara também deu o telefone ele pegou e falou: “Olha, como eu to sem lápis e papel aqui pra escrever, acho que eu preferia o telefone da Rosa Maria porque ela mora no Sumaré, então eu já sei o prefixo do Sumaré, então eu só tenho que decorar quatro números e tal...”. Aí eu comecei a desconfiar que a coisa era comigo (risos). Eu voltei pra São Paulo na quarta, quando foi na sexta ele já telefonou e aí a gente marcou pra sair no fim de semana e depois disso nunca mais a gente separou, são 47 anos desde que eu o conheci
P - ... E você se casou em...?
R – Eu me casei em 64, porque no ano seguinte, então 63, eu... As férias de verão, eu fui fazer uma viagem com a minha tia Carmen e uns amigos dela e a gente sofreu um desastre muito grande e foi em Santa Catarina, nós ficamos internadas acho que quase um mês em Pomerrot (?) e aí meus pais foram, meus irmãos, e o Renato foi também, aí que eu achei que a coisa era mais séria, porque até então ele nunca tinha falado em qualquer outro compromisso, a gente só estava namorando mesmo. Eu tinha uma amiga que falava assim: “Você não sabe cozinhar, não sabe lavar, passar, arrumar, (riso) eu acho que ele não vai te pedir em casamento”. Mas pediu. A gente ficou noivo dia sete de setembro de 63 e dia dois de julho de 64 nós casamos.
P - Você lembra do casamento?
R – Demais (risos). Isso a gente nunca esquece, né? Naquela época costumava casar um dia no civil e outro dia no religioso. Dia primeiro de julho a gente casou no civil e inclusive teve toda uma polêmica entre meu pai e a minha mãe, porque a minha mãe tem uma família enorme, e ela queria então fazer uma festona convidar todo mundo, porque eu sou a única filha mulher. Aí meu pai falou assim: “A gente vai gastar um dinheirão pra dar de comer pra gente que não tem fome, será que não era melhor a gente destinar esse dinheiro pra instituições de caridade? Outras pessoas faziam uma festa menor, só pras pessoas mais íntimas”. Eles primeiro discutiram bastante, aí resolveram perguntar a nossa opinião, eu falei: “Não, eu acho que seria melhor mesmo fazer uma coisa mais íntima com quem realmente tá interessado no nosso casamento, pessoas que acompanharam nossa vida desde criança e tal...”. Foi feito desse jeito. No dia do casamento civil que foi em casa, teve uma festa pra umas 60 pessoas mais ou menos, e depois no dia seguinte nós casamos na igreja de São Domingos e só teve um bolo com champanhe mesmo, uma coisa mais simples pra todo mundo. Depois nós saímos então em lua-de-mel, nós fomos percorrendo o litoral até o Espírito Santo. Eu tinha uma grande amiga, que tinha sido minha amiga desde a infância e é minha amiga até hoje, a Regina, que ela tinha casado em fevereiro e estava morando lá em Vitória, aí nós fomos até lá fazer uma visita pra ela e tal, na volta ficamos muitos dias no Rio de Janeiro, porque a família do pai do Renato mora toda lá no Rio. E depois voltamos. Meu sogro tinha prometido um apartamento pra nós morarmos, que era um apartamento dele em Higienópolis, mas ele não conseguiu tirar o inquilino, então a gente casou e o cara ainda estava morando no apartamento, aí a minha mãe falou: “Não, vocês vem morar aqui porque você ainda estudando...” – quando eu conheci o Renato ele já era formado em Engenharia e eu estudava direito, então ainda estava na faculdade quando eu casei. Ela falou: “Você não sabe fazer nada, está estudando ainda, melhor você ficar aqui que aí eu já vou explicando as coisas e tal (risos). Depois eu fiquei grávida do meu primeiro filho, então acabou que ele nasceu nós ainda morávamos lá, e depois nós mudamos pro apartamento. O primeiro foi o Carlos, que nasceu no dia 29 de julho de 65, um meninão enorme. Eu tive muita dificuldade, porque eu não podia ter tido parto normal – nem dele e nem dos outros, porque todos foram partos normais – porque nesse desastre que eu tinha tido, eu quebrei a bacia: até que foram duas trincas e duas fraturas, então onde forma aquele calo ósseo a bacia já não tem mais aquela movimentação. O Carlos nasceu com quase quatro quilos, 52 centímetros, acho que foi umas 12 horas de trabalho de parto, então assim: terrível Mas ele nasceu bem forte e saudável, uma criança linda. Ele sempre foi assim uma criança muito atenta a tudo, ele via tudo, reparava em tudo, perguntava tudo, ele sempre foi assim, muito inteligente e desse tipo de criança que tem que ser primeiro em tudo, tem que ganhar tudo, até hoje ele é desse jeito (risos). Ele foi um aluno brilhante, aí ele entrou na Poli pra fazer Engenharia, no ano seguinte ele prestou também Administração na FEA e fez as duas faculdades concomitantemente, se formou nas duas. Aí começou a trabalhar como engenheiro, acho que mais por causa do pai, ele sempre foi muito ligado ao pai, muito admirador do pai. Mas aí ele logo achou que não era bem aquilo que ele queria, e foi mais pra administração, pra marketing. A primeira firma que ele entrou, foi a Unilever, como traineer. Ele conheceu o grande amor da vida dele, a Tânia, que aí em 90 eles casaram, tiveram o Bruno e o Lucas que hoje tem 15 e 13 e depois ele foi convidado pra trabalhar nos Estados Unidos, eles passaram quase oito anos nos Estados Unidos e lá nasceu o mais novo, o Eduardo. Hoje eles já voltaram, acho que faz um ano e tanto que eles já voltaram, porque eles estavam muito bem lá, mas faltava família e amigos. Eles têm um grupo de amigos que dura desde a época da Poli, então casaram e um é padrinho do filho do outro, todo mundo é compadre, é um grupo muito unido que se gosta muito. E lá nos Estados Unidos é muito difícil você fazer amizade, amizade verdadeira mesmo...
P - Rosa, vamos voltar um pouquinho: ele nasceu, você estava morando na casa da sua mãe ainda, né?
R – Mas aí logo que ele nasceu...
P - ... Você ainda trabalhava, você já trabalhava...? Como foi...?
R – É, então, annn... Enquanto eu estava estudando, sempre falei pro meu pai, porque o meu pai trabalhava numa indústria pesada, era um dos diretores e eles tinham um departamento jurídico muito grande e eu falei que eu queria fazer estágio lá. Ele falou: “Ah, muito cedo”. Primeiro ano é muito cedo, segundo ano é muito cedo, terceiro ano... “Não, mas vamos mais tarde...”. Eu vi que ele não ia me arrumar mesmo, aí eu arrumei estágio na faculdade e tal. Mas o Renato também não estava querendo que eu trabalhasse. Quando eu casei, eu estava ainda estudando, logo fiquei grávida e aí começou aquela campanha de marido, pai e mãe: “Não, melhor você ter os seus filhos primeiro pra depois você começar a trabalhar, né?”. E eu tive, em quatro anos eu tive os três filhos, então na hora que o Roberto, que é o mais novo, começou a ir pra escolinha, eu falei: “Bom, agora é a minha hora”.
Mas surgiu na minha vida a creche, que um amigo nosso tinha assumido a presidência da creche, e como ele falava era uma creche falida, que precisava demais de ajuda pra se reerguer, pra se reorganizar, então eu fui pra lá e estou lá até agora. Na área de Direito, eu continuo ligada à OAB, então eu posso, inclusive, atuar em processos trabalhistas, algumas vezes eu trabalhei e tal, mas não é a prioridade da minha vida. Mais tarde eu fiz Teologia, que é uma coisa que eu gosto muito, dei aula na faculdade de Teologia, até hoje eu dou cursos, dou palestras, eu gosto muito.
P - Então, mas como é que é essa coisa de mãe nova... Os três nasceram... São três?
R – (risos) São três, depois em 24 de maio de 67 nasceu a Alessandra, que essa minha tia, a Carmem, essa que foi junto comigo no desastre, era parteira, então ela que fez os três partos, era uma coisa que ela curtia demais, ela não admitia ninguém da família tivesse filho com médico, tinha que ser com ela. Ela quando você estava grávida, escutava o batimento do feto e ela dizia que era diferente quando era menino e era menina – quase sempre ela acertava o sexo da criança. E comigo o segundo ela sempre falou: “É outro menino, é outro menino”. Então na hora em que estava nascendo em que apareceu a cabeça, ela falou assim: “Nossa, esse é parecidíssimo com o Renato” – porque o Carlos era muito cabeludo, assim, com um cabelo preto, muito parecido com a minha família da parte materna, e a Alessandra ela era quase careca, tinha uma penugem dourada na cabeça, então ela falou: “Ah, esse é parecido com o Renato”. Na hora em que acabou de nascer, ela deu um grito: “Não, é mulher” (risos). Aí foi a maior felicidade, porque todo mundo estava querendo: depois de um homem, uma mulher. Ela também era uma criança enorme, mas foi um período muito triste na nossa vida, porque um mês antes, nós tínhamos perdido meu cunhado, o Roberto, o único irmão do Renato, de uma forma muito inesperada, foi leucemia, mas uma semana depois que ele soube que ele estava com a doença, faleceu. Ele era uma pessoa cheia de vida e de vitalidade, uma pessoa alegre, onde ele estava, ficava todo mundo em torno dele, porque ele era divertidíssimo, casado com sete filhos menores de idade, uma carreira brilhante – ele era engenheiro, a especialidade dele era cálculo de concreto e ele era um dos melhores calculistas de concreto do Brasil, conhecido internacionalmente, até hoje aparece artigos sobre ele, a ponte da Cidade Jardim, é o nome dele: Roberto Rossi Zucollo. Há também uma avenida também com o nome dele, ele foi uma pessoa muito conhecida. Foi uma tristeza tão grande, que ninguém estava muito alegre com o nascimento da coitada da Alessandra. E eu mesma, que a gente desconhecia muita coisa, então não pensava que a minha tristeza – muitas vezes eu estava amamentando ela e chorava, então eu não sabia que ela sentiria toda minha tristeza... Ela foi uma criança diferente dos outros, era muito inquieta, ela não ficava no berço, não ficava no carrinho, não ficava no cercado, ela chorava até perder o fôlego, até você pega-la no colo, ela não parava E estava sempre brava, descontente, e cresceu diferente, né? Ela foi à escola cedo, porque ela via o Carlos indo pra escola, ela quis ir, acho que com três anos ela já estava na pré-escola, mas quando foi com sete anos (risos), ela falou assim: “Agora já sei ler e escrever, agora já sei tudo o que eu preciso e não vou mais para escola”. Deu um trabalho pra ela continuar na escola, deu um trabalho Depois se formou na GV, fez MBA, hoje ela fala inglês, francês, alemão, italiano, espanhol, não para de fazer curso... Mas ela deu muito trabalho na escola, todo ano ela ia repetir, tinha que acompanhá-la assim, dia a dia, porque se não, se descuidasse alguns dias, pronto: já começava a tirar notas baixas, chegava ao fim do ano tinha aquele monte de recuperação, todo mundo perdia as férias por causa dela... Só melhorou quando ela entrou na faculdade, quando ela entrou na GV, ela teve uma coisa que eu agradeço a Deus, um grupo de amigos, de pessoas ótimas, um grupo de amigos que são amigos dela até hoje, e que a valorizaram muito Porque não tinha um porquê pra ela se desvalorizar do jeito que ela se desvalorizava Ela era uma moça muito bonita, muito inteligente, uma ótima pessoa. Mas ela mesmo não se valorizava, então ela achava que ninguém podia gostar dela, uma vez que nem ela gostava dela. Então foi um problema sério. Melhorou quando ela entrou na faculdade, mas realmente a coisa se modificou completamente quando ela casou: ela conheceu o Raul e não ligou pra ele. Mas ele ficou atrás dela, ficou atrás dela (risos)... E com todo carinho, com todo jeito... Ele é uma pessoa ótima, é um filho pra mim e pro Renato. Então conseguiu, aí eles foram morar juntos e quando a Alessandra estava grávida da Cristina, casaram. E filhos de filha são diferentes, porque elas dão muito mais acesso pra você participar de tudo, então me lembro que uma das maiores emoções da minha vida foi quando eu acompanhei no ginecologista, que era o meu também e vi o primeiro ultra-som: aquela coisa que nem era visível, aquele coraçãozinho batendo, batendo, batendo... Foi uma coisa assim fabulosa. Aí já desde o nascimento, porque foi no Santa Joana e aparece num telão assim as crianças que nascem,
então a gente viu ela quando acabou de nascer e sempre ela teve muito perto da gente. Eu e o meu marido fomos morar na Serra da Cantareira, porque a Alessandra morava lá, então a gente queria ficar mais perto da Alessandra, dos netos. E agora eu estou voltando, semana que vem eu estou mudando outra vez pra São Paulo. Depois nasceu a Daniela... A Cristina hoje tem 13 anos, a Daniela tem 10, annnn... A Moreninha do vovô como o Renato fala (riso), porque as outras duas eram loiras e ela é moreninha, mas agora a mais novinha também é moreninha. E em seguida nasceu o Ricardo, que hoje tem sete anos. É uma família bem bonita, bem constituída, e difícil pra Alessandra porque tem uma carreira profissional e tem família, filho, casa, marido, né? Mas, enfim, ela está se saindo muito bem, eu acho.
P - E o terceiro?
R – ...Então o terceiro é o Roberto. O Roberto nasceu em dois de fevereiro de 69 e era uma criança suave, gostosa, todo mundo fala que é o queridinho da mamãe, mas não é o queridinho da mamãe, porque a mamãe gosta de todos os filhos. Mas depois do furacão que foi a Alessandra, ter um filho assim gostoso de amar, porque ele era todo bonzinho, todo risonho, de bem com a vida. Então não só era o caçulinha, como era uma criança gostosa. E eu sabia que eu não queria mais filhos, então eu curti muito essa fase nenê dele. Foi muito gostoso. Ele sempre foi uma criança assim sonhadora... Sempre estava com a cabeça em outro lugar, também deu muito trabalho pra estudar. Eu já tinha essa coisa da Alessandra que eu já tinha que acompanhar, então... E de pegar... Porque ele era assim: as matérias que ele gostava, ele ia muito bem. As matérias que ele não gostava ele simplesmente ignorava, nem copiava a matéria no caderno pra fazer a lição, nada, simplesmente ignorava. E você ficava explicando as coisas pra ele, explicando e tal, parecia que ele estava prestando a maior atenção, você falava: “Roberto, você entendeu?”. Ele falava: “Mãe, você viu aquele passarinho que pousou ali? Aquele era um...”. E ele falava o nome do passarinho... Eu falava: “Mas não é possível, Roberto. Mas você não escutou nada do que eu falei pra você?” (riso). Daí o meu pai tinha acabado de se aposentar, e falou assim: “Bom, então deixa o Roberto comigo”. E ele ia à minha casa, três, quatro vezes por semana, fazer lição com o Roberto... Deu um trabalhão. Mas eu acho que foi bom, porque o Beto criou um método de estudo que vale pra ele até hoje, né? Ele também entrou na GV pra fazer administração, mas ele sempre teve muitos interesses, principalmente em artes: desenha muito bem, gosta muito de música, ele fez parte de um grupo de teatro amador durante muito tempo, e... (risos)... Ele é tão diferente que ele quis de todo jeito fazer serviço militar na época dele, todo mundo fugia disso, todo mundo queria que os pais fizessem algum contato pra livrar, não, ele fez a gente conversar com um coronel conhecido nosso, pra garantir que ele ia fazer o CPOR...(risos). E apesar de ter tido esse monte de problema, foi preso, passou fome, tudo... Eles tem um método lá que a pessoa tem que ficar fixado nas ordens, tem que obedecer ordem, não pode pensar com a própria cabeça, então ele teve muitos problemas, mas ele adorou fazer o CPOR, ele tem amigos até hoje que fizeram o CPOR com ele, como ele tem amigos que fizeram Dante, que fizeram GV, que fizeram teatro. Ele é assim, muito... Mas quando ele estava recém formado, conheceu uma moça, que era 13 anos mais velha que ele, mas isso era o de menos, o fato é que ela era uma pessoa bem pouco equilibrada, e todo mundo viu isso, menos ele. Também não adiantou falar, né? Acabou casando, o casamento foi um desastre, e a separação foi mais desastrosa ainda. Ela que já não era muito equilibrada, daí realmente se desequilibrou totalmente, e moveu montes de processo contra ele, contra mim, contra a família toda, uns dez pelo menos. E no meio de todo esse turbilhão, a Kim, a minha netinha que é filha deles, eu acho que quando a coisa começou ela tinha uns cinco anos de idade e a mãe envolveu ela em todos os processos, então foi uma coisa assim que felizmente passou... E quando há uns oito anos atrás... Hoje, ela vai fazer 14 anos, a Kim, há uns oito anos atrás, então o pai conseguiu a guarda dela, aí ela foi se aproximando de nós, porque ela então tinha na cabeça toda com aquelas coisas que a mãe falava pra ela. Então foi muuuito difícil essa conquista, mas hoje ela é muito minha amiga, ela é muito madura em certas coisas, então é uma pessoa com quem você pode conversar tudo. É uma delícia estar com ela. Ela vem de 15 em 15 dias pra visitar a mãe e ela fica conosco. Mas então, há uns cinco anos atrás, o Roberto recebeu uma proposta de emprego em Maringá, no Paraná e ele namorava com uma moça, a Cris, Cristiane, resolveram morar juntos, foram pra Maringá, então a Cris ficou grávida e foi uma gravidez que me preocupou por causa da Kim, né? Eu falei: “Agora ela vai se sentir, desprezada, porque vai ter outro nenê e não sei o que...”. E realmente ela não gostou. Mas Deus é grande, quando a nenê nasceu, a Laurinha, que hoje está fazendo três anos, ela se apaixonou pela irmãzinha, as duas são apaixonadas uma pela outra. É uma coisa linda da gente ver. A Laura fala: “A minha mãe, o meu pai, e a minha Kim”. (risos). O fio, uma coisa assim, que fez a família ficar mais unida, né? E com a graça de Deus eles estão muito bem, o Roberto agora está desempregado, mas ele tem um ótimo currículo, ele está acabando um MBA na GV e ele também fala várias línguas e tudo, então se Deus quiser ele logo mais vai estar empregado. E então (pigarreia) a gente fica olhando pra trás e fica achando que fez o melhor que podia fazer e que tem uma família muito bonita, né?
P - E hoje são quantos netos?
R – São oito netos. E os netos são o que mais aquecem o coração da gente atualmente, é uma delícia cada um deles. Foi uma delícia todas as fases, de ver cada progresso, cada gracinha, agora a fase da gracinha é com a Laura (risos). Essa semana eu fui lá ficar com ela, ela ficou um montão de tempo no meu colo, ela estava vestida de Branca de Neve, então eu falei assim: “Você sabe a história da Branca de Neve?”. E ela falou: “Claro que sei, vovó, então tem aquela bruxa má que deu a maçã envenenada pra Branca de Neve”. Ela falou: “Você sabe o que é isso?”. Eu falei: “Não, o que é que é uma maçã envenenada?” (risos). Ela falou assim: “Bom, também não sei, mas é uma coisa que não fez bem pra ela” (risos). Depois ela inventando porque ela não lembrava nome dos atores, ela foi inventando os nomes... É uma gracinha. Então é isso. Agora sou eu e o meu marido e... Eu lutei muito por essa volta pra São Paulo, porque nós dois gostamos muito da Cantareira, porque é um lugar lindo. Você abre a janela você está cercada de verde por todo lado. É passarinho, é borboleta, é cigarra, toda hora tem tucano nas árvores, os esquilos, os macacos... É uma vida diferente mesmo. Mas conforme você vai ficando mais velho, vai pesando, né? Eu e o Renato são quase três horas todo dia de vai e volta, e o fato de não ter nada pra comprar lá, tudo eu tenho que me lembrar de levar, no fim de semana tem sempre muita gente pra comer em casa, então você tem que pensar tudo com antecedência, a casa é muito grande e tem vários cachorros, tem um jardim enorme... Tudo isso já está me cansando demais, não adianta. E é longe de médico, longe de hospital... Acontece uma coisa aqui, eu não consigo levar ele até o carro, e nem ele também (riso) não consegue me levar. Então a gente, até que venha um socorro, alguma coisa... A gente tem que pensar nessas coisas... Então quando eu falei, e já há dois anos que eu estou falando pra ele: “Nós vamos ter que pensar em voltar e tal...”. No fim do ano passado, ele concordou: “Tudo bem, mas é você que vai tratar de tudo, eu não vou tratar de nada”. Então foi um processo doloroso, porque primeiro é a questão de toda a venda da casa. Que vender as casas lá na Serra não é fácil, as pessoas preferem construir uma coisa do que comprar uma coisa pronta, né? A nossa até que vendeu com rapidez, seis meses a gente já tinha vendido a casa. Aí os imóveis lá são muito mais desvalorizados do que aqui, então encontrar uma coisa como eu queria e eu morava nos jardins, eu morava na Alameda Itu esquina com a Casa Branca, então eu gostaria de voltar pra lá porque eu tenho muitas amigas lá, tenho a minha paróquia que eu gosto muito de frequentar: a Nossa Senhora da Mãe da Igreja, tem tudo por perto, né? Tem metrô por perto, tem ônibus, tem lojas, tem cinema, tem teatro, tem restaurante, tudo, né? (riso). Então eu comecei a procurar lá, depois eu falei: “Não, não dá pra eu comprar nada aqui, né?”. Porque eu não queria ir pra um lugar muito pequeno, porque a casa é muito grande, né? Ia ser uma mudança muito drástica e depois eu consegui lá mesmo na Padre João Manuel, mas o homem era uma pessoa difícil, foram três meses de negociação até eu conseguir comprar, agora as reformas todas que precisam ser feitas e tudo, tudo por minha conta. Já está praticamente pronto, porque semana que vem a gente já muda, o Roberto estava aqui em são Paulo porque ele veio festejar o aniversário da Laura, ele falou: “Mãe, quer que eu ajude em alguma coisa?”. Eu falei: “Ah, precisa pregar aqueles prendedores de toalha, aquelas coisas no banheiro e tal”. Ele falou: “Pode deixar que eu faço”. O coitado furou um cano (risos). E agora então precisou quebrar outra vez, agora estou procurando azulejo que eu não acho, mas no fim vai dar tudo certo, uma nova fase da nossa vida. Um casamento de 45 anos com muitos atritos, porque nós somos muito, muito diferentes um do outro, mas com muito amor. Nunca nenhum desistiu do outro, nem do casamento, né? E com todo esse passado em comum, que é um passado bonito, rico e com um presente, com esse novo – que ele fala – esse novo ninho de amor, e com um futuro, porque a gente não pode parar de sonhar,
eu espero que daqui pra frente ele possa trabalhar um pouco menos e a gente possa aproveitar um pouco mais: viajar e ir a eventos sociais e culturais juntos, etecetera e tal e é isso. A família sempre foi uma coisa muito importante pra mim: desde a minha família de origem – meus pais e meus irmãos, meus tios, sempre amei de paixão. Sempre foi uma coisa assim, uma coisa, um contato permanente com eles, enquanto eles viveram, e agora com os meus irmãos que são queridíssimos. É a raiz da gente, né? O solo onde a gente pisa, é o lugar de onde vem toda a nossa história.
E depois essa nova família que eu construí com o Renato que é justamente o futuro, o que vai existir depois que a gente se for, o que projeta a gente pra frente e pra cima. Então, realmente, não podia deixar de falar da família (riso)
P - ...Claro Claro Então ta, você quer falar mais alguma coisa?
R – ...Não, eu acho que agora ficou completo porque então no meu primeiro depoimento anterior eu falei muito da minha infância, falei muito da creche, né?
P - ...Profissional...
R – ... Do meu trabalho, do meu trabalho que eu faço pastoral da saúde também, que é um trabalho difícil, mas que eu sempre curti muito, porque os velhinhos e os doentes eles tem uma necessidade enorme de contato com as pessoas, de falar, de serem ouvidos, e muito pouca gente tem essa paciência pra ouvir. Eu sempre temperei isso com a creche, com as crianças, porque aí a gente tem os dois extremos da vida. E também falei muito do meu curso de Teologia, das coisas que eu curto muito, de dar as palestras e tudo... Eu sou muito ligada à questão da religião, então isso tudo eu já contei, né?
P - Então ta, muito obrigada por mais esse...
R – ...Eu que agradeço
P - ...Por conceder mais momento (riso) pra gente aqui tá?
R – Foi muito bom.Recolher