Depoimento de: Roberto Schaeffer
Entrevistado por: Stela Tredice e Thiago Majolo
Local de gravação e data completa: São Paulo, 18 de abril de 2006
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: BIO_HV017
Transcrito por: Gustavo Prudente
Revisado por Thiago Majolo
P2: Bom, para começar, e...Continuar leitura
Depoimento de: Roberto Schaeffer
Entrevistado por: Stela Tredice e Thiago Majolo
Local de gravação e data completa: São Paulo, 18 de abril de 2006
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: BIO_HV017
Transcrito por: Gustavo Prudente
Revisado por Thiago Majolo
P2: Bom, para começar, eu queria que o senhor dissesse seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R: É... Roberto Schaeffer. Nasci no Rio de Janeiro, em 15 de julho de 1960.
P2: Qual era o nome de seus pais?
R: Minha mãe, que ainda é viva, Regina Schaeffer, e meu pai, que já faleceu, Frederico Roberto Schaeffer. Na verdade meu pai,ele é... tanto minha mãe, nasceram na Alemanha, então meu pai lá se chamava Friedich Robert Schaeffer, e minha mãe chamava-se Regina Lilehut Hein. Mas como vieram para o Brasil, fugindo da guerra na Alemanha, a documentação toda se perdeu no navio, no caminho, no navio, então aí minha mãe virou Regina Hein e o Lilehut se perdeu.
P2: O senhor se lembra dos seus avós?
R: Eu lembro os avós... os pais da minha mãe. Eu cheguei a conhecer o Wolfang, que era o avô que era pai da minha mãe, e a Metha - na verdade era madrasta de minha mãe. Esses dois eu conheci – viveram até quando eu tinha cerca de 15, 16 anos de idade. E, por parte de meu pai, o Max, que era o meu avô paterno, e a Alice, que era a avó paterna. E Alice morreu quando minha mãe estava grávida, e o Max, meu avô, morreu quando eu tinha 1 ano de idade, então eles realmente eu não conheço. Eu nasci quando meu pai tinha 48 anos de idade, e meu pai, por sua vez, nasceu quando o pai dele tinha 40 anos de idade. Então, realmente, hoje o meu avô teria 120 anos talvez (risos), e meu pai já é falecido.
P2: Roberto, qual era a atividade profissional dos seus pais?
R: É... bom, minha mãe veio para o Brasil com 9 anos de idade da Alemanha, então ela chegou aqui, trabalhou, deve ter feito um ou dois anos de escola primária no Brasil, e começou a trabalhar como costureira em casas de família, assim de pessoas da comunidade alemã que já estavam no Brasil, então minha mãe trabalhava, assim, como costureira etc etc, depois trabalhou no comércio, e depois virou dona de casa. Quando os filhos começaram a nascer, virou dona de casa e nunca mais trabalhou. E meu pai, também, ele veio da Alemanha ele tinha cerca de 20 anos de idade. Era de uma família muito rica na Alemanha. Chegou no Brasil com nada – uma mão na frente e outra atrás, né, e aí teve que arranjar emprego. Começou em emprego de vendedor de... vendia lixas e rebolos. Quer dizer, coisa de lixar madeira ou fazer... lixar... vidro para fazer óculos. Então, meu pai trabalhou sempre como comerciante, como vendedor.
P2: O senhor sabe qual a cidade da região da Alemanha que vem esse nome?
R: Minha mãe nasceu em Berlim, e meu pai nasceu numa cidade chamada Breslau, que é quase fronteira com Polônia hoje. É até curioso, porque eu cheguei de viagem agora, semana passada, da Alemanha, que eu sempre vou para lá, e eu tenho um filho de sete anos de idade que teve como dever de casa fazer uma pequena árvore genealógica da família. E por alguma razão ele se entusiasmou tanto com isso que começou a contatar pessoas, tios, pessoas distantes da família, para tentar montar essa árvore, e conseguiu ir bastante longe, assim, no tempo. E, por coincidência, tem um primo, um primo de meu pai que hoje mora nos Estados Unidos, o Pedro Schaeffer, que há uns três ou quatro anos atrás se interessou em fazer uma árvore genealógica da família Schaeffer, quer dizer, da linha do meu pai. E esse fim de semana, a minha irmã, que mora aqui em São Paulo, levou essa árvore lá para a gente, lá em casa, e é uma árvore, assim, enorme, que chega a ir 100 a 200 anos atrás no tempo. Então, por acaso, até essas perguntas eu estou
até um pouco fresco na cabeça, porque eu estava esse fim de semana olhando essa árvore genealógica da família.
P2: O senhor tem irmãos?
R: Eu tenho uma irmã, que mora aqui em São Paulo, e tenho um irmão, que há três anos atrás ele... ele faleceu. Eu sou o mais novo, meu irmão era sete anos mais velho do que eu e minha irmã é seis anos mais velha do que eu.
P2: E essa sua irmã, ela faz o quê?
R: É... minha irmã, ela nesse momento faz locução... ela trabalha com a voz. Ela, na verdade, faz propaganda de televisão, até nesse momento está um pouco trabalhando para o Fábio Feldmann, que ela está começando agora a tentar fazer, assim, CDs ou histórias infantis, que ela entende isso como sendo um mercado interessante. Aí conversando com o Fábio Feldmann, ela deu a idéia de por que não se pensar em colocar no site do Bioclima assim, tipo... histórias infantis ou temas infantis ligados à mudança climática como atrativo para as crianças. E aí o Fábio comprou a idéia e nesse momento, então, ela já fez duas revistas em voz e até está aparentemente fazendo uma versão de um livro e mais outras revistas para criança, sobre mudanças climáticas, para colocar no site do Fábio Feldmann. Ela está vendo um nicho interessante de mercado, conversando com o pessoal de uma associação aí de cegos, para tentar colocar em voz uma série de trabalhos, livros e histórias infantis, que é um mercado aqui no Brasil um pouco carente. Interessante hoje com essa facilidade, você gravar, digitalizar as coisas, então passa a ser um... Ela está tentando redirecionar a carreira profissional dela para isso.
P2: E, sobre a sua infância, o senhor consegue descrever a rua e o bairro onde morava?
R: Sim. Acho até essa um pouco uma tradição brasileira, eu acho, de as pessoas, se possível, viveram a vida inteira na mesma cidade, se possível no mesmo bairro, e se possível na mesma rua. E de fato eu nasci no Rio, no Leblon, na Rua Copertino Durão, e hoje eu moro três ou quatro quadras de onde eu nasci, e minha mãe mora também a uma quadra de onde eu nasci. Então, mais ou menos eu acho que é uma tradição brasileira, diferentemente do americano, que ele tenta arranjar o melhor emprego possível e aí vai ver onde vai morar. No Brasil, a gente tenta primeiro escolher onde quer morar,
e a partir daí tenta achar o melhor emprego possível.
P2: E o senhor consegue descrever desde o cotidiano até a aparência física, assim, um pouco desse lugar?
R: Sim, até porque esse prédio ainda existe. Na verdade, é um prédio antigo do Leblon. Na verdade, a minha família foi o primeiro morador desse prédio. Quer dizer, eu nasci em 1960, esse prédio data de 1952. Meu irmão, que era mais velho, nasceu em 53, então como meus pais casaram em 52, já se mudaram para esse prédio e foram os primeiros moradores desse prédio. E era um prédio típico de classe médio – sala, dois quartos – por acaso, até, com uma garagem para um carro. E naquele momento, quer dizer, década de 50, o Leblon era um bom bairro de classe média, mas não era o melhor lugar do mundo para se morar. Então, a classe média morava ali, mas quem pudesse moraria em Ipanema, quem pudesse moraria em Copacabana. Então, o prédio ainda existe, assim, bastante amplo, muito agradável, e curiosamente, o prédio do lado, que ainda existe também, a minha vizinha de janela é minha atual esposa. Na verdade, a Bete, que é minha esposa, foi para o jardim de infância comigo (risos). Até engraçado que a família brinca que quando a Bete ganhava um presente de aniversário ou de Natal, lá pela janela mostrava para mim, e eu também pela janela mostrava para ela. E aí a gente conviveu até os cinco anos de idade, e depois eu me mudei... Fui morar em Curitiba. Fiquei 17 anos em Curitiba. Nunca mais tive contato com ela. Aí, quando voltei para o Brasil, para o Rio, para fazer mestrado na Coppe, que aí eu procurei a família dela, mais numa de fazer uma social com a família dela, que minha mãe era muito amiga da mãe dela, que com isso (risos)...
P2: E os estudos foram em Curitiba, então?
R: Ë, na verdade eu fiz o jardim de infância aqui... no Rio. Aí meu pai, na época, se mudou para Curitiba a trabalho – foi ser o gerente de uma loja de rebolos e lixas em Curitiba, aí a família toda se mudou lá para Curitiba. E aí realmente todo, assim, o primário, como chamava o primeiro grau, foi feito em Curitiba, o ginasial também feito em Curitiba, o científico foi feito em Curitiba, a universidade feita em Curitiba – fiz Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Paraná, e quando eu fui fazer mestrado, que aí que eu mudei para o Rio, e aí que eu passei a ter minha vida no Rio. Até um ponto que... Ó, eu gostaria de destacar que toda a minha vida eu estudei em colégio público. Na verdade, toda a minha... à exceção do jardim de infância, aqui no Rio de Janeiro, eu falo “aqui’ porque eu penso que estou no Rio e eu estou em São Paulo. O jardim de infância eu fiz numa escola privada no Rio, mas quando eu fui para Curitiba, minha carreira inteira foi escola pública, universidade
pública, mestrado em escola pública, e quando eu fui doutorar nos Estados Unidos, aí não, era uma universidade privada. Mas paga com dinheiro público brasileiro. Quer dizer, eu ganhei uma bolsa de estudo brasileira, muito generosa. Ninguém pode se queixar. Pagava meu estudo lá e pagava, vamos dizer, meu salário. Os americanos não têm essa chance que a gente tinha e ainda tem no Brasil de o governo pagar uma universidade, um doutorado em casa, e ainda pagar uma mensalidade, uma bolsa, de maneira que a pessoa pudesse estudar e não trabalhar. Quer dizer, o americano quando decide fazer um mestrado ou doutorado, ele abre mão da sua profissão. Ele tem que guardar dinheiro, pagar a universidade, e, bom, ele entende que aquilo é um investimento para ele. Aqui no Brasil, eu hoje sou professor universitário e sinto as pessoas, assim, se queixando que a bolsa é baixa, isso e aquilo, quando nos Estados Unidos é inadmissível alguém fazer a universidade de graça, como é no Brasil, na Coppe – ninguém paga o mestrado. Ninguém ganha bolsa lá – quer dizer, aqui a pessoa ganha mestrado de graça, ganha bolsa e
ainda se queixa que a bolsa é baixa, isso e aquilo... Então é um pouco uma geração um pouco mal agradecida, eu acho (risos).
P2: Você consegue identificar nesse período escolar mesmo questões que te levaram a se interessar pelo meio-ambiente?
R: Olha, na verdade a trajetória é um pouco mais tortuosa do que isso. Quer dizer, naquele momento, que é quando eu comecei a ir para o colégio, na década de 60, né, e também por vias de uma família, como eu falei... A minha mãe, não vou dizer que ela seja analfabeta, mas é semi-analfabeta, no sentido de que ela fez um ou dois anos de primário apenas – o resto, a vida que ensinou a ela. E o meu pai também não tem curso superior. Então, eu sou a primeira geração, na minha família, de pessoas que tiveram acesso à universidade. E, por outro lado, quer dizer, por meu pai ter nascido na Alemanha e minha mãe ter nascido na Alemanha, ainda que não fossem pessoas, vamos dizer assim, de cultura adquirida na escola, vinha de uma cultura européia, onde o estudo era muito privilegiado, a leitura era muito estimulada. Quer dizer, então, a gente tinha um acesso cultural incompatível com a formação escolar dos meus pais. Mas, mesmo assim, naquele momento, pelo conhecimento genuíno que meu pai e minha mãe tinham... Quer dizer, o mundo se resumia à pessoa ser médico, advogado ou ser engenheiro. E eu, naquele momento, tinha uma facilidade matemática muito grande. Também tinha outras facilidades, mas na matemática era muito gritante assim que eu... não era um problema. E isso naturalmente, então, na cabeça das pessoas, isso já te dizia que você ia ser engenheiro. Não havia outra coisa. Então, eu cresci um pouco na família... Não sabia que existia jornalista, que existia historiador, que alguém pudesse ser músico, filósofo... Isso não fazia parte da questão. Por outro lado, meu irmão, que era sete anos mais velho do que eu, ele se interessava muito por música. A gente viveu muito década de 60 – pegamos os festivais da Record... A música era muito presente. Eu me lembro que uma das primeiras músicas que eu cantei foi “Ponteio”, do Edu Lobo, né, quando ele ganhou festival na Record. Acompanhei muito também a trajetória de Chico Buarque, com a “A Banda”, Caetano Veloso, com “Alegria, Alegria”, Gilberto Gil, com “Domingo no Parque”... Então, a música era muito presente. Então, ficava um pouco aquela contradição, quer dizer, na nossa casa eu e meu irmão quase só tocando violão, cantando, tal... Mas a gente ia sem dinheiro. E aí, bom, como meu pai, como eu falei, quando eu nasci ele tinha 48 anos de idade, quando meu irmão nasceu ele tinha 40, 41. Então, meu irmão também não tinha nada a ver com engenharia, mas ele... isso eu vim a saber mais tarde… ele, naquele momento, entendia que talvez, em algum momento, ele tivesse que sustentar a família, dado que meu pai... Era até curioso porque as pessoas, às vezes, quando meu pai ia me pegar ou pegar meu irmão no colégio, falava: “ó, teu avô chegou para pegar vocês”, porque meu pai era da idade ou mais velho que os avôs de meus amiguinhos, né? Então, meu irmão, o Renato, ele foi para engenharia, foi estudar no ITA, porque ele entendia que ele tinha que rapidamente se formar para poder sustentar a família, já que achava que meu pai podia morrer e minha mãe não tinha como sustentar. Então, ele entendia que ele ia ter que sustentar a irmã, a Sônia, e sustentar a mim, né? Até isso mais tarde eu vim saber, quer dizer, há 10 anos atrás, não é que ele me culpa, nada disso não, mas ele falava que parte da razão que ele foi para o ITA é que ele tinha um irmão sete anos mais novo (pausa) (segura choro).
P1: Você quer parar um pouquinho?
R: Não! Sete anos mais novo, e.... (pausa) Isso era um problema. E aí minha irmã foi para o ITA... (pausa) E fez engenharia lá, e sempre a música foi muito presente. Começou a estudar fotografia, fez fotografia e se formou no ITA, e aí começou a trabalhar com fotografia com o David Zing, que era um fotógrafo conhecido lá no Rio. Até tem uma capa de um disco do Chico Buarque que a gente tem… até o Chico comenta que foi fotografado pelo David lá na Lagoa e ficou até com medo que o David fosse atropelado. E aí então meu irmão foi para o Rio, começou a trabalhar com fotografia. Trabalhou depois com o Antônio Guerreiro, teve a Folha de Modas do Globo Fotografia. Mas sempre a música e a fotografia, então,na carreira de meu irmão. E isso também o irmão mais novo, que era eu. E aí, bom, a fotografia deu errado para meu irmão, e ele começou a... Ele foi para o ITA, ele foi fazer mestrado em energia nuclear. Largou. Mestrado em Engenharia de Sistemas. Largou. Fez mestrado na Coppe em energia, né, e isso fez então que eu, naquele momento, em Curitiba, já visse como alternativa interessante de largar engenharia, que eu não gostava, de tentar ir pra uma área intermediária. E essa área intermediária era, no caso, o mestrado que eu fiz e onde eu sou professor hoje, que é o planejamento energético, que era uma área onde, vamos dizer, o conhecimento técnico de engenharia era importante, mas você começava a migrar um pouco para a questão da economia e a questão do meio-ambiente. E isso novamente era uma influência de meu irmão, e aí... Eu me emocionei um pouquinho porque meu irmão morreu três anos atrás e isso é uma coisa que pesa em mim ainda... Bom, mas aí, então, nessa área de energia, onde meu irmão começou a fazer mestrado – não chegou a fazer tese, mas fez mestrado, tinha um professor espanhol, Juan, Juan Bautista Ésiles, que era uma pessoa, um espanhol… ele era advogado, depois ele fez doutorado em Engenharia Nuclear, mas ele sempre era um crítico muito grande, assim, da tecnologia... Então, eu me lembro uma vez de uma palestra que uma pessoa foi dar sobre engenharia nuclear, sobre reatores nucleares. Eu, na época, era aluno de mestrado e eu não me esqueço de seu Juan perguntar: “vem cá, mas toda essa complicação, reator nuclear, tal, tudo para ferver água?”. E é isso, uma usina nuclear mais faz do que ela ferve água, é uma chaleira! É para ferver a água, e essa água...”. E aquilo me marcou muito, então quando eu fui fazer o mestrado na Coppe, em planejamento energético, na verdade aquilo era uma maneira de
eu sair da engenharia e poder ter acesso… A gente tinha textos do Marcuse, textos, assim, de filósofos... Que, também, nós estamos falando do meu irmão aqui, que fez com que meu irmão por acaso se expusesse à filosofia. Daí meu irmão largou tudo, foi fazer mestrado em filosofia, fez doutorado em filosofia, e virou professor de filosofia na Universidade Federal de Juiz de Fora; acabou trabalhando com filosofia da mente... Bom, mas tanto ele quanto eu, quer dizer, a gente comentava, conversava muito sobre isso, se a gente tivesse vindo de família rica, a gente não teria sido engenheiro, a gente teria sido músico. Bom, mas então voltando: então, no caso, o planejamento energético, a razão de eu ter saído de uma engenharia elétrica em Curitiba e ir fazer mestrado na Cope, em planejamento energético, era a maneira que eu via de tentar justamente, vamos dizer, deixar para trás a engenharia, que foi feita por ignorância ou por uma razão de um pai velho, onde a gente tinha que talvez pensar no futuro... E também tinha um professor nos Estados Unidos que ele falava que ele via que o engenheiro era um grande covarde, que ele não tinha coragem ou de ser físico ou de ser outra coisa, e ele escolhia engenharia porque era a coisa mais segura, quer dizer, engenheiro sempre arranja emprego.
E um pouco isso foi o que aconteceu comigo talvez e com meu irmão, quer dizer... Bom, mas eu fui para o Rio fazer mestrado na Coppe em planejamento energético, e para mim aquilo foi um deslumbramento. Quer dizer, não era música, não era filosofia, mas pela primeira vez eu estava num lugar em que as pessoas podiam questionar a tecnologia, começar a falar de meio-ambiente, podia ter uma visão humanista de mundo, podia eventualmente discutir, sei lá, o movimento hippie dos anos 60 e 70 à luz de uma lógica que tinha por trás dele, quer dizer, explicando: “não, realmente, há o consumismo, há a questão da exaustão de recursos naturais...”. Então, para mim, vamos dizer, o planejamento energético, a área de energia, de energia e meio-ambiente, era uma saída honrosa para não jogar fora o meu passado, mas realmente... Eu me lembro, no meu tempo de engenharia, de vários colegas meus que se formaram comigo, quer dizer, eles se entusiasmavam realmente com aquilo, e eu me lembro que eu fazia questão de nunca ter ido em nenhuma visita técnica, nunca quis ver um poste de perto, um transformador. Que para mim aquilo até me atraía, vamos dizer, a questão assim... Trabalhar no plano das idéias, ou entender a coisa de maneira teórica, isso me atraia, mas como ir no laboratório e ver aquela verdadeira coisa, aquilo eu não tinha o mínimo interesse. Tanto que até hoje eu tenho carro, mas se ele enguiçar, eu não tenho a menor idéia de como ele funciona, e olhe que eu sou um engenheiro. Eu sou, né, mestre, doutor, mas realmente eu não tenho nenhum interesse em saber como as coisas funcionam. Não tenho nenhum interesse. Então, novamente, a questão do planejamento energético, a questão do meio-ambiente, era muito presente. De fato, quer dizer, eu fiz o mestrado na Coppe, entre 1900... Eu comecei o mestrado em 83 e defendi minha tese de mestrado em 86. E a minha tese de mestrado foi sobre impactos ambientais de grandes usinas hidrelétricas no Brasil. Isso foi em 86 e até curioso, porque esse assunto, naquele momento, quer dizer, falar em meio-ambiente no Brasil na década de 80 ainda era um grande tabu. Aí, sem usar termos chulos, eu me lembro que um colega meu de turma no mestrado me falou: “Roberto, tese de meio-ambiente na Coppe é coisa de viado”. Impressionante, assim, a gente pensar: há 20 anos atrás, numa escola de engenharia como a Coppe, se entendia que alguém se preocupar com o meio-ambiente... havia uma distorção. E eu me lembro: para fazer essa tese de mestrado, eu tive que visitar algumas concessionárias de NRA no Brasil, e uma das que eu vi que mais me ajudaram em meu trabalho foi a Cesp, aqui em São Paulo, onde na época o presidente da Cesp era o professor José Goldemberg, atual secretário de meio-ambiente aqui do Estado de São Paulo. Então, impressionante, porque a Cesp era, se não a primeira, uma das primeiras a ter um departamento de meio-ambiente. Porque minha tese era um pouco isso: era tentar entender de que maneira, vamos dizer, a preocupação ambiental no Brasil, no setor elétrico, estava evoluindo ao longo tempo. Na verdade eu estudei cinco hidrelétricas diferentes, construídas em diferentes períodos do tempo, para ver de que maneira ao longo do tempo a questão ambiental passou a ser considerada no projeto da usina hidrelétrica. E era muito claro, porque a gente via que nas primeiras, isso não era uma questão. E com o passar do tempo, começava a ser uma questão. Você começava, quando da decisão de fazer um empreendimento elétrico, você começava então a escolher qual que é a cota d’água que eu vou usar, estou alagando muito ou alagando pouco... Novamente, isso para mim era um deslumbramento, quer dizer, de poder sair de uma engenharia onde isso não era questão. Eu fiz engenharia elétrica em Curitiba, na Universidade Federal do Paraná, onde, vamos dizer, era a sede dos estudos da maior hidrelétrica do mundo, Itaipu. Era lá, o projeto vinha de lá. E meus professores eram, em parte, projetistas de Itaipu, eram pessoas de Itaipu, e eu nunca fui exposto, na minha engenharia, de alguém falar que Itaipu talvez tivesse um problema de meio-ambiente. Quer dizer, isso não era assunto. Isso para mim foi surpreendente, então, de eu ter que ir para o Rio fazer um mestrado e descobrir que aquilo que eu aprendi na minha engenharia era muito careta, quer dizer, que o pessoal em Curitiba estava atrasado. Até na Coppe estava atrasado, na medida em que o pessoal achava que aquela tese minha não era apropriada para a Coppe. E é muito curioso isso. E também, quer dizer, parte desse deslumbramento, foi que nesse trabalho, com a minha tese de mestrado, teve por trás dessa tese, um projeto financiado pelo IDRC, que era um instituto de pesquisa canadense, International Development Research Center, que estava financiando um estudo feito lá pela Coppe onde se estava olhando os impactos ambientais comparados entre nuclear e hidrelétrica. Naquele momento, quer dizer, anos 80, era o ano do acordo nuclear Brasil-Alemanha, era quando você partia para uma Angra II, Angra I, tal e lá... engatinhando ainda... Quer dizer, então, essa questão do nuclear versus...
e as grandes hidrelétricas, Itaipu, Tucuruí. Era uma questão internacional. Nos Estados Unidos, a discussão era nuclear versus carvão, o que era melhor ou pior para o meio-ambiente. E no Brasil, como a gente não tinha carvão – quer dizer, tinha carvão, mas era um carvão de péssima qualidade – então no Brasil a questão era hidrelétrica versus nuclear. E aí houve esse projeto de pesquisa financiado pelo Canadá, onde o coordenador desse projeto era o professor Luis Pinguelli Rosa. E aí eu fui uma pessoa que foi convidada a participar desse projeto e para mim isso foi muito interessante, porque nesse projeto tinha um sociólogo participando, tinha arquitetos, e eu fiquei encarregado de fazer o meio de campo entre a questão, vamos dizer, física
do reservatório, o impacto ambiental propriamente dito, no meio físico, no meio biológico, e o pessoal das Ciências Sociais, que era o pessoal do Museu Nacional do Rio, pessoal de Antropologia. Na época tinha uma professora lá muito conhecida, ainda conhecida hoje, a professora Lígia Sigaud, que estava muito preocupada com a questão das terras indígenas e populações locais.
Então, para mim também foi um deslumbramento, quer dizer, eu, ainda me considerando um engenheiro, vindo de Curitiba, quer dizer, me sentindo um pouco assim talvez, é... menor, vamos dizer assim – porque eu sou carioca, mas fui para Curitiba e, para mim, ir para o Rio era voltar para a cidade grande e aquilo me intimidava um pouquinho, ainda. Eu fui, então, designado pelo professor Pinguelli para fazer esse contato com a Lígia Sigaud e com o Museu Nacional para discutir com os antropólogos a questão da energia. E para mim isso foi muito interessante, quer dizer, de ir no Museu Nacional. Novamente, não era jogar fora a engenharia, mas mostrava que eu talvez conseguisse lentamente me aproximar das pessoas com quem eu me identificava mais. E para mim foi muito marcante essa questão de, quando eu discuti a posição do Museu Nacional, eles só viam a questão social. Quando eu estava na Coppe, na Coppe a gente só via a questão energética. E o que faltava era essa questão,quer dizer, então, eu notava... Isso é uma questão ainda muito presente... Não mudou. Você vê certas oposições, pressões: “não, não vamos fazer hidrelétrica, não vamos fazer nuclear”, mas não se oferecem alternativas. As pessoas não entendem que a gente precisa de energia para viver... Ou, quer dizer, se a gente achar que não precisa de energia, então as pessoas têm que mudar suas vidas para viver sem energia. Mas, de maneira geral, as pessoas que se opõem à grande hidrelétrica, ao nuclear, eu não vejo nas suas vidas pessoais elas fazerem nada que permita elas não dependerem de energia. Então, eu tive conversas interessantes com o pessoal do Museu Nacional nesse sentido. Quer dizer, de: “não, hidrelétrica não”. “Então, o quê?”. “Não, sim, então não sei. Então... eu não sei. Vocês resolvam o problema, mas hidrelétrica não”. Bom, então é isso. Essa tese de mestrado me levou para essa questão de discutir a questão ambiental, hidrelétrica, e social das grandes hidrelétricas e foi uma maneira de me colocar na questão do meio-ambiente.
P1: Só um detalhe: quando você fala “fiz mestrado na Coppe”... Coppe... Quando fala Coppe...
R: Tá, então deixa eu explicar: Coppe significa Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ. Na realidade a Coppe é a parte de mestrado e doutorado em engenharia da UFRJ. É porque como a Coppe é como que uma escola independente dentro da UFRJ, ela… não é que adquiriu vida própria, mas ela talvez tenha até um nome mais forte que a própria UFRJ. A Coppe é a maior escola de pós-graduação em engenharia da América Latina: são cerca de 3 ou 4 mil alunos, cerca de 250 professores, então é uma escola muito... Então, a Coppe, por isso que eu falei Coppe, então eu fiz mestrado em planejamento energético na Coppe, e a Coppe são doze programas: tem engenharia civil, engenharia elétrica, engenharia nuclear, engenharia mecânica, engenharia química, sistemas, metalúrgica, biomédica, engenharia de transportes, engenharia oceânica, engenharia de produção e planejamento energético, se eu não esqueci nenhum.
P1: Roberto, eu queria saber, mesmo que você não tenha participado diretamente: qual foi o seu envolvimento, qual o seu ponto de vista em relação à ECO 92?
R: Tá. Então, sem me delongar muito, deixa eu só, para chegar então. Então, foi essa tese de mestrado na questão das grandes hidrelétricas que me fez ir fazer doutorado nos Estados Unidos na área de planejamento energético. E lá nos Estados Unidos, eu fiquei lá nos Estados Unidos entre 87 e final de 92. Fiz o doutorado até 90, e aí depois fiquei dois anos como professor visitante no próprio lugar onde eu acabei meu doutorado, fazendo pós-doutorado também. Bom, e nesse momento então, 87, 92, é justamente o momento em que a questão da mudança climática começa a surgir. Na verdade, é final do século XIX, quando Arrhenius pela primeira vez faz estudo dizendo: “olha, se a concentração de CO2 na atmosfera aumentar muito, pelo desmatamento de florestas na Inglaterra e o uso de carvão, vamos ter um problema de mudança climática aí”. Isso há 130 anos atrás. Mas essa questão ele falou e ficou por isso aí mesmo. Quando a gente começa os anos 90, de novo essa questão volta um pouco à baila, e de fato você cria o IPCC, que o painel intergovernamental de mudanças do clima, que é o braço científico das Nações Unidas para mudanças do clima. E o IPCC lança um relatório, em 1990, onde pela primeira vez, é o primeiro relatório de avaliação do IPCC, ele fala: “olha, realmente mudança climática parece que está acontecendo, parece que tem uma mãozinha humana aí, e parece que realmente é um problemão”. Isso quando eu estava acabando meu doutorado. E aí então essa questão, que eu já trabalhava com energia, me interessava pelo meio-ambiente, e quando ficava fácil entre ponte entre energia e mudança climática, eu entendia que me parecia uma coisa interessante de eu estudar. E como, vamos dizer, a questão das emissões de gases estão muito ligadas a carvão, mas principalmente a petróleo, e no caso brasileiro a gente tinha a experiência interessante do álcool, quando eu estava terminando meu pós-doutorado nos Estados Unidos, eu comecei a olhar: “vem cá, em que medida o álcool, em sendo renovável, poderia contribuir para a redução de emissão no Brasil”. Ou seja, em vez de usar gasolina, usar álcool. Então, foi aí que eu comecei a me interessar pela questão de mudança climática, pela questão do álcool, que era uma questão interessante vista dos Estados Unidos, da realidade brasileira. Aí quando eu voltei para o Brasil em 93 – voltei para a Coppe como pesquisador visitante, e o professor Pinguelli estava começando a mexer com a questão de emissão de hidrelétricas. A medida que hidrelétrica é uma coisa muito presente no Brasil, e começava a se questionar em que medida, uma hora que você cria uma hidrelétrica, cria um lago, o alagamento daquela floresta não levaria aquela floresta a se decompor e emitir gases de efeito estufa. E aí então eu e o professor Pinguelli começamos a trabalhar com isso, um trabalho pioneiro no mundo: “vem cá, hidrelétrica emite gases de efeito estufa?”, e descobrimos que emitia. E a gente começou a trabalhar um pouco com isso, teve uma certa projeção internacional desse trabalho, e esse trabalho continua. Hoje eu não trabalho mais... E aí... Bom, e isso é começou de 93. Tá, então eu volto para a sua pergunta. Isso era um pouco depois da Rio 92. Então, quando eu estava no Estados Unidos, em 92, começando a mexer com mudança climática, que de fato eu comecei a prestar mais atenção à Rio 92. E visto dos Estados Unidos, a Rio 92 teve um impacto muito grande, porque, primeiro, se duvidava que um país como o Brasil teria a capacidade de organizar um evento daquele tamanho. E outro que, quer dizer, se surpreendeu também de você ter grandes signatários vindo para o Brasil e de você sair com, não vamos chamar de propostas concretas, mas de compromisso bastante assim... é... é... está me faltando a palavra, mas muito ambiciosos, talvez. Onde a questão da... da questão do clima, quer dizer, a Convenção do Clima, foi uma coisa realmente marcante e marcou todos aqueles que naquele momento mexiam com energia, e que tinham... e que começavam a mexer com questão de mudança climática. Isso então fez com que, vamos dizer, quando eu voltei para o Brasil para trabalhar na Coppe, você tinha, como tem hoje, muito poucas pessoas no Brasil mexendo com essa questão de mudança climática. Claro, naquele momento era uma novidade, então era muito centrado na Coppe – professor Luis Pinguelli Rosas, eu, outro professor da Coppe, professor Emílio la Rovere. Que era um grupo que mexia com isso e que tinha boa relação com o pessoal de Brasília – o professor Luiz Gilvan Meira Filho, relações boas com o professor Goldemberg... Então, em certo sentido, você tinha um pequeno grupo lá na academia, que tinha uma base científica muito sólida, que conseguia entender o que estava sendo discutido, e que tinha um papel importante na discussão daquele plano no Brasil. E também, dada a importância do professor Pinguelli e do professor Goldemberg, eram pessoas que tinham acesso muito direto ao governo federal. Isso explica um pouco porque que no Brasil hoje a questão de mudança climática, a questão do desenvolvimento limpo MDL, é tão importante e anda tão melhor que em outros países. É uma clara coincidência de pessoas com competência que tinham interesse pelo assunto e que tinham as ligações certas com o governo federal, que fizeram com que essas pessoas fizessem uma certa diferença. É isso. Voltando à sua pergunta, a questão da convenção do clima. Então, naquele momento, a convenção do clima, a importância da Convenção do Clima, fez com que lá na Coppe a gente entendia que esse poderia ser um nicho interessante de atuação profissional daquelas pessoas que já estavam começando a mexer com questão de emissão de gás do efeito estufa.
P1: Tá. E a seu ver, assim, quais as principais conseqüências e desdobramentos da convenção tanto para o Brasil quanto para os demais países?
R: Olha, eu acho que a principal conseqüência é sair do âmbito da academia, que começava a entender e a estudar o problema, para mostrar que, de fato... quer dizer, levar para... não vamos chamar de grande público, mas para levar para um público maior a questão que mudança climática era uma coisa para valer, e que teria que ter envolvimento de governos, de sociedade civil, para equacionar aquele problema. Quer dizer, que não era uma coisa que por si só se resolveria. E, de fato, a gente vai vendo ao longo do tempo, que, num primeiro momento, você tinha pessoas, empresas, grupos sociais, entidades em geral, tentando negar o problema, porque achavam que o problema morreria por si só ou porque entendiam que naquele momento aceitar o problema era ruim para essas pessoas. Então, de fato, você ter um acordo, uma convenção, no âmbito das Nações Unidas, amarrou extremamente bem e fez com que não tinha como você fugir do problema. E é muito curioso nesse ponto, nessa questão, a questão do papel dos Estados Unidos. Na verdade, os Estados Unidos é um signatário da convenção do clima, convenção essa que era até mais dura do que o próprio Protocolo de Kyoto, que surge em 97. Mas, claro, tem que entender que naquele momento você tinha... era outro momento dos Estados Unidos, era outro governo, né? Curiosamente, até, naquele momento, era o governo do Bush, do Bush pai, do pai do atual presidente americano, mas naquele momento, ou por descuido ou não, o fato é que ele se comprometeu mais do que de outra maneira,
os Estados Unidos gostariam de se comprometer. E naquele momento eles se comprometeram, quer dizer, eles assinaram a convenção do clima, e isso teve um impacto muito grande, assim, de outros países entenderam também que aquilo era muito importante. E o Brasil entendia muito, quer dizer, entendia que politicamente era muito interessante ter uma liderança naquele processo. Não só porque a Convenção do Clima foi feita aqui, quer dizer, foi assinada aqui, aqui no Brasil, a Rio 92, como também, uma grata coincidência, quer dizer, você tinha governos, naquele momento... você teve o Fernando Henrique Cardoso logo depois assumindo o poder... Me foge o ano agora em que Fernando Henrique Cardoso assumiu a presidência... deve ter sido... 94. Mas, então, logo depois de 92 você teve um governo que realmente se engajou muito nessa questão. Quer dizer, pessoalmente o presidente Fernando Henrique Cardoso tinha muito interesse nessa questão, e isso teve um papel decisivo para o engajamento do Brasil nessa questão, para que grupos de pesquisa, órgãos de governo do Brasil, tivessem os meios para trabalhar nisso, e mesmo fora do Brasil. Quer dizer, isso teve um impacto muito grande, porque o Brasil era e é um país que tem um certo peso. Em países em desenvolvimento, não há a menor dúvida de que é um país com peso altíssimo. Quer dizer, Índia, China e Brasil são os mais importantes, mas em algumas áreas o Brasil é até mais importante politicamente do que esses outros países. Então, eu acho que a convenção do clima teve esse papel muito importante de informar, de mostrar que não era mais uma questão apenas acadêmica, mas você tinha que ter governos por trás disso, para que você passasse a tentar lidar com o problema de maneira mais séria.
P1: Mas, na sua opinião, o fato dos Estados Unidos não terem protocolado, não terem ratificado o Protocolo de Kyoto, quais as conseqüências?
R: Olha, quando a gente fala de Protocolo de Kyoto, a gente tem que entender, vamos dizer... o que é que a ciência fala hoje? Você tem que estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, para que, com o passar do tempo, essa concentração, inclusive, se possível, ela se reduza. Bom, nesse momento, não só a gente não estabilizou... a gente sequer estabilizou a emissão ainda. O que é que significa isso? Na verdade, como é que é o processo? Você queima um combustível fóssil, você emite CO2, por exemplo, e esse CO2 vai se acumulando na atmosfera. Então... E a vida média desse CO2 é de centenas, ou até milhares de anos. Então, não basta você parar de emitir hoje para o problema se resolver por si só. Você tem que reduzir a emissão, se possível num nível que ela... vamos dizer... inferior ao que a gente tem hoje – bastante inferior: que os cientistas falam que teria que reduzir em cerca de 50% a 60% a emissão – para que a concentração de CO2 que já está lá em cima se estabilize. Na verdade, a gente emite hoje sete bilhões de toneladas de carbono por ano, em média, e a atmosfera, o meio-ambiente, só consegue se apropriar de três – três a três e meio – quer dizer, os oceanos, as florestas. Os outros três ou quatro estão se acumulando. Então, você tem que reduzir à metade a emissão. Bom, por que eu estou falando isso? O Protocolo de Kyoto dividiu o mundo em dois grupos de países – dois clubes: os países Anexo I, os países desenvolvidos, e os países não-Anexo I, os em desenvolvimento. E se concordou, num primeiro momento, que a apenas os países Anexo I teriam compromissos de reduzir emissão. Por quê? Porque, como eu falei: na medida em que essas emissões ficam na atmosfera centenas de ano, essa concentração que a gente tem hoje na atmosfera é muito mais uma herança de uma emissão passada do que dizer que hoje China e Brasil são grandes emissores. Começamos a ser grandes emissores, mas a atmosfera não está carregada por nossa causa. Está porque Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos passaram pela Revolução Industrial e estão há mais de cem anos emitindo, então eles têm um estoque muito grande de carbono lá em cima. Bom, então, reconhecendo isso, a gente chama de responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Concordou-se que, num primeiro momento, entre 2008 e 2012, os países Anexos I teriam que fazer a sua parte. Só que essa parte é muito pequenininha. Essa parte é reduzir suas emissões, em média, em cerca de 5,2%, em relação – nesses anos de 2008 e 2012 – em relação ao que elas eram em 1990. Bom, em 1990, os Estados Unidos era, como ainda é hoje, mais ou menos responsável por 25% das emissões do mundo. Que quer dizer, aos países em desenvolvimento... Aos países desenvolvidos, os países do Anexo I, muito mais – provavelmente da ordem de 35% a 40%. Então, você não ter um Estados Unidos ratificando o Protocolo de Kyoto, isso enfraquece sobremaneira uma coisa que já é fraca, que é reduzir 5,2% de uma parte dos países, quando o necessário seria 50% ou 60% de todo o mundo. Então, respondendo a sua pergunta, a não-ratificação americana é muito ruim nesse sentido, quer dizer, o principal emissor, se ele não ratifica, é porque ele não reconhece o problema. Na verdade, ele, em algum momento, ele disse não reconhecer o problema. Quer dizer, em algum momento, o atual presidente Bush, né, em 2006, que estamos agora, ele dizia... ele questionou a ciência por trás da mudança do clima. Convocou os cientistas dele lá… Escolheu a dedo seus cientistas e os cientistas que ele convocou o desmentiram. Mostraram que não é nada isso, que tem básica científica sim, então o problema é sério. Num segundo momento, então, ele começou a desqualificar a ratificação do Protocolo, falando o seguinte: “tudo bem, então o problema existe, mas por que eu vou ter que fazer isso, se países importantes como Índia, China e Brasil não estão fazendo sua parte?”. E aí que entra um pouco a questão acadêmica, que é uma conjunção acadêmica muito importante do Brasil, que é o Brasil que lança, vamos dizer, no meio científico e político, o que a gente chama de “a proposta brasileira”. A proposta brasileira, não sei se outras pessoas já falaram com vocês, mas é a questão de você, nessa negociação, de como dividir o ônus da mudança climática, ou o ônus de tentar resolver o problema da mudança climática, o Brasil acha que nenhum problema país deveria se eximir da sua responsabilidade. Mas responsabilidade essa deveria ser a sua responsabilidade histórica. O que é que significa isso?
Na realidade, em algum momento, o professor Luis Pinguelli Rosa, eu também, tivemos um papel nessa continha aí, mas quem de fato, vamos dizer, liderou esse processo, foi Luiz Gilvan Meira Filho e o José Miguez Gonzalez, atual representante brasileiro maior dessa questão de mudança climática no âmbito do governo, onde eles fizeram a conta. O que é que significa fazer a conta? Eles, vamos dizer, olharam… Há bases de dado para isso – o que é que os países do mundo já emitiram, até hoje, de CO2. Como a vida média de CO2 é de centenas de anos. Quer dizer, se você andar cem, cento e poucos anos para trás, você mais ou menos consegue mapear muito bem o que é que tem de carbono lá por cima. E você, cem, cento e poucos anos atrás, você tem registros de consumo de carvão no mundo, de petróleo... Então, você tem como saber quanto que os Estados Unidos emitiu até hoje, quanto que a Alemanha emitiu. Então, a chamada proposta brasileira é essa. Fez-se uma conta e mostrou quanto que todo mundo emitiu até hoje. De maneira que você consegue também numa conta não muito sofisticada dizer: “olha, se o clima da Terra hoje está 0,6 graus centígrados mais alto do que era há 100 anos atrás”, eu consigo saber a partir da emissão quanto de concentração que eu tenho por cada país. E consigo saber, então, desses 0,6 graus centígrados, ou de futuros graus centígrados, quanto que é grau centígrado americano, quanto que é grau centígrado inglês, alemão, e até brasileiro. E então a proposta brasileira é sugerir isso: “olha, então o seguinte: vamos dividir o ônus segundo as responsabilidades históricas. Aquele que tem um estoque maior vai ter que pagar mais, reduzir mais”. Você consegue atribuir a cada um. Diferentemente, vamos dizer, do que hoje um pouco se discute mais, que é a proposta americana, que é você fixar pontualmente na emissão. Se os Estados Unidos hoje emite dez e o Brasil oito, então o Brasil emite muito... quase tanto quanto os Estados Unidos. Se os Estados Unidos emite dez hoje, ele emitiu dez hoje, nove ontem, oito e meio anteontem... O Brasil emite oito hoje, se fosse o caso, mas emitiu zero ontem, então o que interessa... Bom, então a proposta brasileira é essa. Ainda hoje está em discussão, e é possível que num regime pós-2012, que alguns chamam de pós-Kyoto, mas não é apropriado... Hoje, em 2006, quando você começa a negociar o que vai vir a ser o regime pós-2012, se começa de novo a cogitar em que a proposta brasileira possa vir de novo à baila. E ela é muito interessante pelo seguinte: primeiro que ela é cientificamente muito sólida – de fato ela associa a mudança climática, aumento de temperatura à verdadeira responsabilidade dos países, que não é emissão, mas é concentração, é o estoque. E, nesse caso, você não fica com esse problema de dizer: “não, o Brasil não está fazendo sua parte ou a China ou a Índia”, na medida em que você tem que olhar qual é a responsabilidade do mundo, e você não teria mais o mundo dividido em Anexos. Todo mundo vai fazer a sua parte, só que vai fazer a sua parte segundo a sua responsabilidade. E a opinião americana, não, os Estados Unidos não: se a China, a Índia e o Brasil hoje estão emitindo muito, então, se os Estados Unidos têm que parar de emitir, ou emitir menos, é razoável que esses países também parem. A questão toda é, novamente, quer dizer: diferentemente da Europa, que enxerga oportunidades de negócios, ou enxerga que sua economia é mais pujante, mais moderna e tem mais a ganhar que a americana... O fato é: ninguém é criança. Quando o Japão, ou a Europa, ratificam o Protocolo, ela entende que naquele momento eles têm mais a ganhar do que perder. Claro, existe uma sociedade civil que está realmente preocupada com a questão da mudança climática. Mas também há, vamos dizer, uma classe política, que também vê benefícios políticos ou econômicos em quem pular na frente. E a Europa e o Japão entenderam que eles conseguem diminuir a emissão sim, porque eles têm tecnologia. Eles conseguem fazer isso. E os Estados Unidos, olhando para o seu perfil industrial – as empresas de petróleo, os grandes fabricantes de automóvel, uma indústria ineficiente – eles entendem que nesse momento, eles ratificarem o Protocolo, os coloca numa mesma base que Japão e Europa, e eles entendem que eles têm mais a perder do que os outros. Então, nessa análise americana, nesse momento, para eles, não é um bom negócio. Uma coisa que eu acho interessante é o seguinte: parte do problema das mudanças climáticas é que estamos falando de um problema de escala temporal de 50 ou 100 anos, enquanto que a escala, vamos dizer, da decisão, ou... a temporalidade da decisão política é de quatro ou cinco anos – um mandato político tem quatro ou cinco anos. E o problemão que a gente está falando aí é de 50, 100 anos. Então, dá para entender? Há um descasamento do tempo político do tempo ambiental. Então, eu consigo entender que com um governo ele não quer eventualmente ratificar um Protocolo como esse porque ele entende que ônus recai cem por cento sobre o governo dele, enquanto que o benefício vai se prolongar pelos próximos 50, 100 anos. Então, são poucos governos que têm coragem de assumir o ônus quando eles não vão ver... Quer dizer, daqui há cem anos o mundo vai agradecer o presidente que fizer isso, mas naquele momento talvez ele não seja reeleito mais, porque a indústria vai ficar contra ele. Então, dá para entender, não é? É equivalente a algum governo que queria fazer alguma reforma na Previdência Social. Todo mundo não tem a menor dúvida que é ótimo você lidar com um problema que é um saco sem fundo, mas aquele governo que fizer aquilo sabe que é contra ele que todas as iras vão se voltar. Então, a questão da mudança climática é um pouco isso, quer dizer: a decisão tem que ser tomada hoje, mas a gente não vai ver hoje a mudança ou o resultado daquele ato. Quer dizer, o resultado vai ser dar em 10, 20, 50, 100 anos, e aí, bom, esse que é o problemão da mudança climática.
P1: E portanto, dentro dessa linha, qual é a relação para você entre política e meio ambiente?
R: Nesse momento eu acho que esse é um grande problema, quer dizer, você tem que, de alguma maneira... O meio-ambiente tem que infiltrar na política, ou o meio-ambiente tem que fazer parte da política, ou o cidadão, a pessoa que vota, tem que entender que meio-ambiente também é parte da vida. Quer dizer, até então a gente claramente tinha muito uma separação: desenvolvimento, progresso, é uma coisa, e meio-ambiente é um empecilho a isso. O que, vamos dizer, governos mais modernos estão entendendo é que é absolutamente possível você ter o que a gente chama de desenvolvimento sustentável, quer dizer, você pode se desenvolver de maneira sustentável. Ou seja, de maneira a incorporar a variável ambiental nesse desenvolvimento. Na verdade, a visão mais moderna é até diferente, quer dizer, ela até mostra que o desenvolvimento está prestes a não ser mais possível pela questão ambiental. Passa a ser o contrário, quer dizer: você tem que ter a questão ambiental dentro do desenvolvimento, se não, não vai ter desenvolvimento. E não o contrário: de enxergar o meio-ambiente como uma barreira ao desenvolvimento. Ao contrário: nesse momento, quer dizer, a barreira ao desenvolvimento... O meio-ambiente é que não deixa você se desenvolver. Não sei se estou sendo claro – a gente vai falar de novo. Quer dizer, normalmente se achava que se preocupar com meio-ambiente era abortar o desenvolvimento, e nesse momento a visão mais moderna mostra que não é possível se desenvolver sem se preocupar com o meio-ambiente, porque
ele vai te pegar lá na frente. Quer dizer, lá na esquina ele te pega e ele vai acertar as contas com você. Isso a gente começou a ver com a questão da água, com a questão de poluição do ar, quer dizer, uma série de problemas que a gente vive hoje nas economias do mundo, que o componente ambiental, seja de escassez de recursos ambientais, seja de despoluir aquilo que foi poluído... Quer dizer, hoje se sabe que é muito mais barato você fazer um projeto onde desde o começo a variável ambiental esteja incorporada, que lá na frente você ter que consertar a sujeira. É mais difícil catar papel do chão depois da festa do que colocar uma lixeira para que todo mundo durante a festa já jogue papelzinho durante o lixo. Eu acho que um pouco a visão moderna de mundo entende isso. Não sei se respondi sua pergunta, mas...
P1: Totalmente. Voltando um pouquinho ao Protocolo, eu gostaria que você dissesse qual a que é importância do Painel de Metodologias. Tem a ver com o que você disse de proposta brasileira?
R: Não, não tem. Deixa eu te explicar um pouquinho. É o seguinte: quando você ratifica, ou quando você tem Kyoto – Kyoto nasceu em 97 – é a Cop III, é a Conferência das Partes número três, seria, vamos dizer, a terceira reunião de governos pós-Rio 92. E nessa reunião de 97, em Kyoto, você, pela primeira vez, estipulou metas de redução de emissão. Como falamos, os países Anexo I, os desenvolvidos teriam de reduzir suas emissões cerca de 5,2% em relação ao que elas foram em 1990, entre os anos 2008 e 2012. Bom, como um país pode fazer isso? De maneira mais óbvia, é reduzir emissão: ou ter carros mais eficientes, ou usar menos carvão em termelétrica e usar mais gás natural, ou ter mais hidrelétrica... Bom, ou o país reduz sua emissão domesticamente ou, o que foi a grande novidade do Protocolo de Kyoto, é criar os chamados mecanismos flexíveis, que são da ordem de três. O que é que significa mecanismo flexível? É a possibilidade de alguém reduzir a emissão por você. E eles são no número três. É o que a gente chama de joint implementation, que é a implementação conjunta, essa se dá entre países Anexo I. É importante explicar isso porque... para entender o que eu vou falar lá na frente, tem que falar sobre isso. Significa o que seguinte: vamos dizer que a Alemanha, por alguma razão, tem a sua cota de emissão de 100, tá, e a França também tem uma cota de 100. Por alguma razão, hoje a Alemanha está emitindo hoje 110, e ela entende que, para ela reduzir de 110 para 100, vai ser muito caro. E ela entende que na França... talvez a França, que tem uma cota de 100, pudesse reduzir sua emissão para 90 de maneira mais barata que ela, Alemanha, 110 para 100. Então, é feito uma implementação conjunta. Na verdade, você faz um projeto na França com dinheiro alemão. E vai ter um papel assinado pela França: “concordo em transferir 10 cred-carbono da minha cota para Alemanha”. Nisso a Alemanha pode emitir 110, a França 90, mas no balanço as duas estão emitindo 100. Essa é a implementação conjunta, ou joint implementation. Isso é uma negociação por projeto – você sabe qual projeto que lá está. Você tem outro mecanismo flexível, que é o certificado de emissão, que é uma negociação na forma de papéis. É parecido com o joint implementation, tá, significa também entre países de Anexo I. Significa que a França vai fazer não sei o quê, a Alemanha vai fazer não sei o quê. Se a Alemanha ficar acima da sua cota, se ela tiver um papel assinado pela França que reconhece uma transferência de créditos, não interessa a ninguém de onde estiver vindo esse crédito. Desde que a França fique abaixo de sua cota o equivalente ao que ela vendeu para a Alemanha, está valendo. Então, um, o primeiro, o joint implementation, está muito ligado a um projeto físico que você consegue identificar, e o segundo não há projeto. Mas, de qualquer maneira, a questão é a mesma, quer dizer: a fiscalização é muito fácil, porque na medida em que a Alemanha tem um teto de quanto pode emitir, e a França também, o que emitir é mais, a outra tem que emitir a mesmo, porque a conta tem que fechar. Então, não há problema. Então, indo para a sua pergunta: o terceiro mecanismo flexível é o CDM, que é o Clean Development Mecanism, ou, em português, Mecanismo do Desenvolvimento Limpo. Tá, bom. Aí eu... tentando organizar, tem várias etapas aí – não estou com papel para anotar. Esse Mecanismo do Desenvolvimento Limpo tem um papel brasileiro importantíssimo – normalmente a gente fala que o Brasil foi o pai ou a mãe do MDL. Por quê? Porque na verdade a proposta brasileira para Kyoto não era o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, e sim o Fundo do Desenvolvimento Limpo. O que é que significa isso? Era o seguinte: à luz da proposta brasileira, que já falamos, onde os países teriam suas cotas de redução de emissão em função das emissões históricas, aquele país Anexo I ou desenvolvido que não conseguisse cumprir sua meta, pagaria uma multa, e essa multa iria para um Fundo, o Fundo de Desenvolvimento Limpo. Quer dizer, era o dinheiro de uma multa, que iria para esse Fundo, que ajudaria países como Brasil, Índia e China, que tinham o seu passivo bastante limpo, a reduzir emissões, a limpar o seu meio-ambiente. Então, o espírito era o Fundo de Desenvolvimento Limpo. Que era um Fundo criado com multas de países desenvolvidos que não conseguissem ficar nas suas metas. Naquele momento se entendia que não era razoável, no âmbito das Nações Unidas, você ter uma coisa assim coercitiva, punitiva. E aí os Estados Unidos teve um papel importantíssimo. Isso, quando vocês entrevistaram o Luiz Gilvan Meira Filho, ou eventualmente o José Miguez, eles podem contar para vocês, que é uma história assim, parece de romance policial. Quer dizer, houve uma reunião no Hotel Glória no Rio, em que vieram representantes americanos negociar com eles, num quarto de hotel, disse: “será que dá para trocar a proposta brasileira, esse Fundo, por outra coisa?”. Então, era uma negociação muito curiosa, que se deu em algum momento no nível de presidente Clinton e presidente Fernando Henrique Cardoso. Também o Fábio Feldmann pode contar muito bem essa história, e talvez até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso possa contar melhor ainda. Então, uma coisa de altíssimo nível, de presidentes dos Estados Unidos e de Brasil. Bom, em resumo, o Brasil, então, leva a proposta de Fundo de Desenvolvimento Limpo, mas em Kyoto o que é aprovado é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que é o quê? Semelhantemente a uma implementação conjunta, mas agora diferente: é a possibilidade de um país Anexo I, como França e Alemanha, em vez de reduzir emissão lá, reduzir emissão aqui, e ganhar créditos por isso. Qual que é o problema? Na medida em que o Brasil é um país não-Anexo I, e, segundo Kyoto, ele não tem compromisso, como dizer que o Brasil reduziu emissão aqui, se eu não sabia quanto o Brasil tinha que emitir? Uma coisa é a Alemanha, que tem que emitir 100, ou a França, eu consigo saber se ela emitiu 90 – e se ela emitiu 90, ela tem 10 para vender para outro. Se o Brasil pode emitir qualquer coisa, porque ele não tem compromisso, o que é que significa reduzir emissão no Brasil? Bom, aí é que é a complicação, e aí vem a sua pergunta. Entendeu-se que o MDL tinha que ser um mecanismo projeto a projeto. Ou seja, vamos identificar um projeto. Um projeto é, por exemplo, uma usina siderúrgica, tá, que consome muito carvão mineral. Então, eu sei quanto que essa usina siderúrgica emite – ela produz tanto, eu sei quanto que ela emite. Se agora sair de carvão mineral e passar para carvão vegetal, que é uma madeira pré-cozida – é o carvão de churrasco pros carnívoros, então eu consigo calcular quanto que essa nova siderúrgica vai emitir abaixo do que ela emitiria. O que ela emitiria passa a se chamar linha de base. Ou seja, o MDL se torna extremamente complicado, porque é projeto a projeto, e você tem que, para cada projeto, identificar o que seria a linha de base na ausência do projeto. Qual que é o problemão? Isso é uma coisa contra-factual, que a gente chama. Como dizer o que ocorreria na ausência do que de fato vai ocorrer? Porque o que vai ocorrer é o projeto de MDL. Eu não sei o que ocorreria sem o projeto. O que você seria se você tivesse nascido homem? Ou, não sei, se você tivesse nascido mulher, né? É isso. Bom, então, aí vou pra sua pergunta. Então, você cria, no âmbito das Nações Unidas, um executive board, que é um board, um grupo de pessoas, especificamente encarregado de ser como que um órgão regulador desse mecanismo MDL. Bom, esse é um órgão com dez pessoas – acho que agora viraram 15, posso estar enganado, mas são dez pessoas – e, como Nações Unidas, com uma representatividade bastante bem-feita. Quer dizer, tem um americano, brasileiro, europeu, tem... Bom, e esse órgão, esse regulador, assim, na verdade, que fiscaliza esse mecanismo, né, ele criou como que órgãos técnicos para os assessorar. E órgão técnico... Foram criados dois: um para pequenos projetos e outro que a gente chama de Math Panels, que é o Painel de Metodologias e Linhas de Base e monitoramento. Que era um Painel de dez pessoas, que iriam olhar se um projeto, que iria virar um projeto de MDL, tinha uma metodologia suficientemente sólida que você poderia garantir que de fato a redução de emissão que estava ocorrendo era verdadeira. Surge um termo, que a gente chama, que é uma tecnalidade, que é o que chama: tem que provar a adicionalidade do projeto. O que é que significa isso? O MDL tem dois objetivos - não há prioridade entre eles, se bem que na prática acaba havendo: um deles é promover o desenvolvimento sustentável. Daí é que vem... É a herança do Fundo do Desenvolvimento Limpo, que era a idéia brasileira. Quer dizer, o Fundo virou o Mecanismo. E o Limpo, do Fundo, passa a ser a obrigatoriedade de você ter projeto, em países em desenvolvimento, que promova desenvolvimento sustentável, tá, já que os países em desenvolvimento não têm obrigação perante a Convenção, nesse momento, mas que, por outro lado, ajude os países Anexo I a atender o objetivo último da Convenção, que é estabilizar as emissões em níveis considerados seguros. Bom, então o projeto tem esse dois objetivos: ser sustentável e reduzir emissão. A preocupação do Painel de Metodologias, o Math Panels, é justamente garantir que você tenha metodologias, maneiras de assegurar que um projeto é adicional, ou seja, que esse projeto é diferente do que ocorreria naturalmente. Não interessa se aquela siderúrgica – como eu te dei o exemplo – se ela naturalmente fez a conta e viu que fazia sentido econômico para ela sair de carvão mineral e ir para a carvão vegetal, então no fundo, no fundo, a verdadeira linha de base de emissão da siderúrgica, não era aquela emissão de carbono: já era carvão vegetal, lá embaixo. Então, esse painel que ele faz é tipo um fiscal, que ele olha: vem cá, dá para dizer que é verdade que aquele projeto não ocorreria naturalmente, que a MDL, quer dizer, que é o dinheiro da venda daquele cred-carbono, que garante que você está fazendo uma coisa que, de outra maneira, você não faria... E, novamente, é muito difícil você provar isso, então por isso que a gente tem esse Painel, que na sua origem foi criado há quatro anos atrás. Era formado por dez pessoas – são 15 pessoas, mas eram dez – e dessas dez, tinha um brasileiro, que era eu, tá, e dessas dez originais sobraram quatro: que é o Michael Lázaros, que é um americano, a Jane Ellis, que é uma inglesa, o Christophe Govelho, que é um francês, e eu, que sou um brasileiro, e os outros seis, já, por várias razões, saíram. E, interessante, que não existe ainda uma memória escrita dessa história, desses quatro anos de MDL. Em certo sentido, nós dez, originalmente, quatro que sobraram, são um pouco essa história. Hoje esse Painel tem 15 pessoas – tem mais um brasileiro, o Bráulio Pickerman, até aqui de São Paulo; ele é parte desse Painel, mas chegou mais tarde. Bom, a gente tem essas 15 pessoas hoje, que a cada dois meses nos reunimos na sede das Nações Unidas, em Bonn, na Alemanha, justamente para examinar não projetos, mas sim metodologias de projetos. Sei lá: aterro sanitário. Eu tenho que garantir que eu tenha uma metodologia que garanta que, quando chegar um projeto de aterro sanitário para o executive board ver se o projeto pode ser aprovado ou registrado, tem que ter uma metodologia de cálculo de linha de base que garanta que alguém consiga: “não, não tenho a menor dúvida de que esse projeto é adicional, e como tal ele está reduzindo emissão num nível abaixo do que emitiria”, e com isso você garante o que a gente chama de a integridade do Protocolo. Quer dizer, o que a gente quer é que o MDL de fato garanta que a redução de emissão, que não está ocorrendo nos países de Anexo I, que têm a obrigação de reduzir emissão, esteja ocorrendo aqui embaixo. O que não pode... e aí eu tenho até uma certa discordância com alguns colegas brasileiros nossos aqui, no sentido de que eles, assim, têm nos criticado, lá no Math Panel, e me criticado, em particular, dizendo que a gente está sendo muito legalista ou muito chato. Achando que, eventualmente, se deveria ser mais frouxo no critério, num primeiro momento, e, eventualmente, lá na frente consertar. E nós, no Math Panel, temos a opinião que não, que você tem que ser muito duro nesse momento, que na nossa opinião é o seguinte: o melhor... quer dizer, um MDL mal feito é pior que um não-MDL. Por quê? Partindo do pressuposto que os países Anexo I vão cumprir seus compromissos de redução de emissão, eu prefiro não ter MDL no Brasil e garantir que a França reduza emissão de lá, que ela não reduzir a emissão dela, a redução de emissão teoricamente ser feita no Brasil, e não ser feita. Porque na pior das hipóteses, o MDL é absolutamente neutro. O MDl não reduz emissão. O MDL reduz uma emissão que, de outra maneira, vai ter que ser reduzida lá em cima. Quer dizer, então o MDL, ter ou não ter MDL, não resolve problema de clima, de coisa nenhuma. O MDL é uma maneira de baixar o custo daqueles países que, perante o Protocolo, têm obrigação de reduzir emissão. Eu apenas estou ajudando França, Alemanha, a baratear o custo delas. Mas o clima da Terra, se não houver MDL, não muda nada. Os críticos que nos criticam falam: “olha, vocês estão sendo muito duros e, provavelmente, se você não tiver MDL, os países Anexo I não vão cumprir seus compromissos”. Bom, isso é outra questão – é caso de polícia. Então, mas, no ponto de vista nosso lá de juiz, a gente quer garantir que os projetos brasileiros, no meu caso, eu estou interessado, mas - lá no Math Panel eu não falo em nome do Brasil, eu falo em termos de um juiz internacional – a gente quer garantir que de fato os projetos estejam reduzindo a emissão em relação ao que ocorreria na ausência deles, para garantir que o clima da terra está se beneficiando daquilo. Não sei se respondi à sua pergunta, mas...
P1: Sim, sim. Com certeza. E, para você, Roberto, quais são as perspectivas e os maiores desafios do Brasil, no caso, quanto ao uso sustentável dos recursos?
R: Olha, o Brasil tem uma situação muito particular, que é a seguinte: a gente normalmente se gaba, tá, da nossa matriz energética muito limpa, da nossa emissão per capita muito baixa, uma série de coisas... E eu acho que há uma grande falácia aí. Quer dizer, primeira questão é a seguinte: de fato, a nossa matriz energética é muito limpa. Em que sentido? A gente tem a maior parte da nossa geração elétrica a partir de usinas hidrelétricas, que achavam que se emitia zero, e hoje já se sabe que não emite – até eu tenho uma parte de culpa nisso aí, o professor Pinguelli também, e outras pessoas... Bom, então hidrelétrica emite alguma coisa, mas, de fato, é melhor uma hidrelétrica que uma térmica a carvão, que uma térmica natural. Então, nossa matriz é limpa porque tem hidrelétrica. Nossa matriz é limpa porque parte do setor siderúrgico usa carvão vegetal. É limpa em parte porque você tem carros rodando 100% a álcool, ou os carros a gasolina brasileiros têm uma porcentagem 20% de álcool. Então, o setor de transporte brasileiro é um pouco limpo, porque tem combustíveis renováveis. Você tem bagaço de cana gerando energia elétrica no Brasil. Você tem a lenha renovável – quando não é renovável, sendo utilizada no setor comercial, industrial, residencial. Então, há uma característica interessante na matriz brasileira, que ela é limpa nesse sentido. Por outro lado, a nossa emissão é muito baixa por uma certa incapacidade é muito baixa por uma certa incapacidade nossa de agregar ao mercado consumidor ou de agregar a nossa sociedade grandes contingentes de nossa população. Quer dizer, o fato do Brasil ter essa enorme discrepância de renda, essa desigualdade social, faz com que a gente pode ter uma matriz tão limpa porque uma boa parte da nossa sociedade não entraram ainda no século XXI. A medida que essa população comece a entrar, você vai ter que usar um pouco mais de combustível fóssil, então a gente vai começar a sujar a nossa matriz. Mas, de qualquer maneira, nunca vai ser tão suja como a de países desenvolvidos. Então, é curioso porque assim: a nossa matriz é limpa, é energética, mas vai se sujar. Os países mais desenvolvidos têm a matriz suja, mas a matriz deles está limpando. O nosso calcanhar de Aquiles é o desmatamento. Três quartos das emissões brasileiras de gases de efeito estufa vêm do desmatamento. Isso também, quer dizer... Quando você... Para a maior parte dos países do mundo, falar de emissão de gás de efeito estufa, ou falar de emissões do setor energético, é a mesma coisa. E às vezes o Brasil um pouco se arvora nessa confusão, e muitas vezes a gente se vendo como um país que emite pouco, porque como todo mundo associou ao setor energético, a gente varre para debaixo do tapete o nosso desmatamento. Na medida em que na Europa e nos Estados Unidos você não tem desmatamento, para eles falar em emissão do país ou falar de emissão do setor energético é quase a mesma coisa. Para o Brasil não é: falar de emissão de energia é um quarto, falar de emissão total é quatro quartos – três quartos é desmatamento. Então, eu vejo que, quer dizer, o Brasil hoje, na área de energia está tranquilo, mas vai piorar. Na área de desmatamento está muito feito, mas é muito fácil melhorar. Quer dizer, se você pensar bem um pouquinho, um possível compromisso que o Brasil possa a ter pós-2012, tá, de redução de emissão, para o Brasil não é nenhuma dificuldade. Quer dizer, num um país que emite... que tem três quartos da sua emissão vindos do desmatamento, e na medida em que é uma atitude inaceitável matar 20 mil km2 de floresta por ano, quer dizer, não vejo como nenhuma dificuldade você reduzir o desmatamento à metade, a um terço... Há vários estudos na Coppe e em outros lugares que mostram que você não precisa desmatar a Amazônia para poder tirar o benefício econômico que você tira da Amazônia hoje. Quer dizer, ninguém precisa desmatar a Amazônia para plantar soja, ninguém precisa da Amazônia para criar gado. Quer dizer, são outros problemas por trás do desmatamento. O que você já tem de terra desmatada na Amazônia ou no Brasil é mais que suficiente para aumentar em muito a produção econômica brasileira sem precisar desmatar o novo. Quer dizer, o desmatar do velho já é muita coisa. Então, um pouco voltando à sua pergunta. Eu acho o seguinte: o Brasil, se ele quiser, ele está numa posição extremamente confortável para lidar com a questão da mudança climática. Seja porque temos uma matriz energética limpa, que vai se sujar um pouquinho, mas há oportunidades ainda de soluções de combustíveis, de eficiência energética... Quer dizer, há oportunidades ainda no setor energético, mas no setor florestal, do desmatamento, ninguém hoje no Brasil acha que é razoável essas taxas de desmatamento... Quer dizer, é mais uma questão de cumprir a lei que existe do que realmente querer inventar algo de novo. Então, eu acho que é muito fácil o Brasil, com os mecanismos que ele já tem, reduzir violentamente o desmatamento, e isso vai ser bom para todo mundo e vai equacionar o nosso possível compromisso futuro de mudança climática ou de compromisso para com um novo protocolo. Então, novamente, o Brasil, nessa questão de mudança climática, está numa situação confortabilíssima. E no que quer dizer ao MDL também. A gente tem que saber fazer bom uso desse MDL, quer dizer: na medida em que ele tem componente de desenvolvimento sustentável, você pode realmente resolver alguns problemas que a gente tem, sociais e ambientais, fazendo uso desses mecanismos. E já se começa a fazer isso. Quer dizer, o Brasil hoje é um dos países no mundo... Quer dizer, entende-se que o Brasil é o segundo maior mercado para MDL do mundo, só atrás da China. Mas nesse momento nós estamos liderando o processo junto com a Índia. Por quê? A possibilidade de projetos que você tem aqui em aterros sanitários, eficiência energética, situação de combustível – quer dizer, o potencial no Brasil é enorme. E a gente nota realmente: não existe nenhum outro país assim tão ativo no MDL quanto o Brasil. Seja porque você tem uma academia competente, seja porque você tem um governo, vamos dizer, bastante engajado, seja porque você tem empresas privadas bastante engajadas. Então, nessa área, vamos dizer, de mudanças climáticas, curiosamente o Brasil é um país a não ser criticado. Quer dizer, o governo brasileiro... todo mundo está de parabéns nessa questão de mudança climática. A gente tem sido original com a proposta brasileira, tem tido atuação importante em vários painéis internacionais, a iniciativa privada brasileira está indo muito bem, quer dizer... O feio que a gente faz é desmatamento. Mas isso eu acho que também é só uma questão de tempo de a gente conseguir resolver.
P1: E pensando num prognóstico, como o senhor vê essa questão da mudança,enfim, dessa questão ambiental geral, daqui há mais ou menos 15 ou 20 anos?
R: Olha, quando a gente fala para mais gente, a gente não deve ser pessimista, então eu não posso ser pessimista. Isso não quer dizer que isso exatamente reflita o meu estado interior. Mas eu acho que a gente não deve ser pessimista não. As pessoas têm que entender, quer dizer: as pessoas têm que entender que a questão ambiental crescentemente não é uma coisa fora da gente – é uma coisa que está dentro da gente. É a questão, quer dizer... É o ato de cada pessoa, quer dizer... É o dia a dia de cada pessoa que dita um pouco o que vai ser o nosso meio-ambiente lá na frente. Novamente, falando um pouco aqui do Brasil, você tem no Brasil hoje uma classe média brasileira que tem padrões de consumo, de desperdício, de uso dos recursos naturais, poluição e sujeira, igual ou superior à classe média européia ou americana. Então, quando a gente vê esse Brasil médio que tem uma renda per capita de 3 ou 4 mil dólares – depende de como faz a conta – esse Brasil médio que emite muito pouco por cabeça, é um Brasil médio não existe. Essa pessoa média brasileira não existe. Quer dizer, o Brasil você tem a pessoa que está aqui em cima e a pessoa que está aqui embaixo. O que a gente vende é esse Brasil médio. A gente tem que entender que essas pessoas que está aqui em cima – problemas ambientais – elas são tão responsáveis pelos problemas ambientais do mundo como o americano, como o europeu, porque elas têm padrão de Primeiro Mundo, realmente. Então, a gente tem que entender que as nossas opções de mobilidade - a nossa escolha do carro, o uso ou não de transporte público, a nossa escolha da nossa casa, do uso do ar condicionado no inverno porque a gente gosta de dormir com dois ou três cobertores, quer dizer... o não reciclar o lixo, nossas escolhas pessoais em termos de alimentação... então, tudo. Quer dizer, o nosso dia a dia dita o que é o meio-ambiente. As pessoas crescentemente tem que entender que resolver problemas ambientais não é um problema a ser repassado a governos. Quer dizer, governos são espelhos das pessoas que os elegeram. Porque na verdade os problemas ambientais do mundo hoje são problemas ambientais criados pelas pessoas que moram no mundo hoje. Então, eu acho que meu prognóstico, eu acho que crescentemente a gente vai começar a viver, como já estamos hoje, vivenciar problemas climáticos ou ambientais em geral, criados pela gente mesmo, e só assim que a gente vai entender que a gente talvez tenha que começar a mudar atitudes pessoais, porque de outra maneira a coisa vai ficar preta. A questão de mudanças climáticas que nós falamos, quer dizer, é um processo que já se iniciou, e mesmo que a gente se arrependa de tudo e comece a rezar três vezes por dia, não tem mais jeito. Quer dizer, o processo está deflagrado já, e ele tem uma inércia é muito grande, e provavelmente o clima da Terra vai continuar se aquecendo por volta dos próximos dos 20, 30, 50 anos, independente do que a gente faça hoje. O que a gente está decidindo hoje aqui é quão mais quente, ou o quão pior ou melhor a gente quer que o meio-ambiente seja lá na frente. Mas não tem volta mais. Uma série de coisas já estão ocorrendo hoje, estão ocorrendo sim, e vão continuar a ocorrer. Isso vale para tudo, quer dizer: poluição de água, poluição do ar... O processo já está em andamento, então a gente tem que começar a pensar em fazer coisas... Mas, novamente, aquela própria escala temporal do político e do ambiental e da mudança climática vale nas nossas escolhas pessoais. Provavelmente mudanças de hábito, padrões de consumo, que a gente tenha que vir a fazer, talvez a gente não venha a enxergar em nossas vidas pessoais a verdadeira consequência daquilo. Mas eu acho que o ser humano já evolui bastante para começar a pensar um pouco além de si. Quer dizer, ele tem que começar a olhar um pouco para a frente, e hoje o nosso planeta começa a acender uma luz amarela, de que se a gente não pensar além da gente, as gerações futuras, e talvez até a nossa própria geração, vai passar por maus bocados.
P1: Só antes da gente começar a terminar aqui, Roberto: quais são ou é a principal lição que você tira da sua carreira?
R: Olha, é... Não é fácil responder isso, quer dizer... Eu, cada vez mais, vamos dizer, na figura de um professor universitário que sou, eu vejo que o que menos interessa é querer avançar no conhecimento científico...
Quer dizer... É no nível das pessoas que a coisa faz diferença. Cada vez mais eu estou mais interessado, vamos dizer, em fazer chegar às pessoas o conhecimento que existe, paralelamente a avançar o conhecimento, do que, vamos dizer, me fechar numa redoma, e de apenas conversar com os meus pares, que vão avançar, vão publicar cada vez mais, mas... A academia tem vida própria, e muitas vezes essa vida própria não se confunde com a vida real. O próprio fato de eu estar aqui hoje, conversar, é um pouco... Eu cada vez mais começo a enxergar que você tem que começar a atingir um público maior – é um pouco até a pergunta sua anterior. Quer dizer, se cada um ficar no seu escritório fechadinho, e não passar aquilo que você aprende e está avançado para os outros, você não vai resolver ou fazer desse mundo um lugar melhor. Então, na minha carreira pessoal, como professor com mestrado, doutorado, pós-doutorado, tudo isso – “puxa, que coisa impressionante” – mas isso não serve para nada. Isso só serve para alguma coisa se você passar isso para frente, se não vai morrer comigo, e eu não vou ser mais feliz com isso, nem meus filhos. Eu acho que o mundo real é feito de pessoas, e não é feito de ciência. O mundo real é feito do dia a dia.
P1: Você falou então que você é casado e que você tem quantos filhos?
R: Eu tenho um filho de sete anos, de sete anos de idade... Bernardo.
P1: Para terminar, Roberto, o que você acha de ter participado desse projeto de memória?
R: Não, eu acho muito interessante. Acho um pouco narcisista. Por favor, quem eventualmente venha me assistir, por favor, não vejam nenhuma vaidade pessoal nisso. Quer dizer, eu acho que é um pouco na linha da sua última pergunta: eu acho que cada vez mais a gente tem que compartilhar com os outros aquilo que a gente sabe. Não no sentido de vaidade – achar que a gente sabe mais do que os outros – mas no sentido de que um projeto como esse é muito importante, porque várias coisas que a gente discutiu hoje aqui é uma coisa que está acontecendo tão rapidamente. Quer dizer, como eu falei, a questão de mudança climática, o primeiro relatório científico sério sobre o assunto ocorreu há 16 anos atrás, em 1990. Então, é uma coisa que está acontecendo tão rapidamente, que um projeto como esse é importante, que boa parte do que está acontecendo não existe memória escrita ainda. E talvez não haja tempo – as pessoas vão ficar velhinhas, algumas vão morrer e tal – e talvez você não consiga colocar no papel essa experiência, essa memória, que está ocorrendo hoje. Isso é muito interessante que quem está fazendo um pouco parte dessa história ainda está por aí. Então, eu acho a importância desse projeto é a gente conseguir colher depoimento dessas pessoas, porque de outra maneira você perde uma memória importante e ajuda as pessoas mais a frente a entender como é que a gente chegou até aqui. Então, eu acho que esse é o ponto interessante do projeto.
P1: Obrigada!
R: Obrigado.Recolher