Eu fui criada pelos meus pais, com meus dois irmãos mais velhos, em Mauá, região ABC de São Paulo.
Os meus pais não concluíram seus estudos; meu pai abandonou a escola antes de completar o Ensino Fundamental e minha mãe foi tirada da escola pelo meu avô, junto com suas outras três irmãs m...Continuar leitura
Eu fui criada pelos meus pais, com meus dois irmãos mais velhos, em Mauá, região ABC de São Paulo.
Os meus pais não concluíram seus estudos; meu pai abandonou a escola antes de completar o Ensino Fundamental e minha mãe foi tirada da escola pelo meu avô, junto com suas outras três irmãs mulheres.
Meu pai é alcóolatra. Tentou reabilitar-se por três vezes, tendo sido a última em julho de 2017, porém, infelizmente teve uma recaída um mês após seu tratamento. Por esse motivo, pude observar uma instabilidade financeira muito grande em minha casa durante a minha infância mas, apesar disso ele foi e é um pai muito presente e amoroso, tenho lembranças muito bonitas da minha infância, vividas com ele. Lembro-me que ia me buscar na escola, era ele quem ia as minhas reuniões e me levava para passear aos domingos; quando pequena, ele me carregava nos ombros. Não me recordo de ele não estar presente.
Mas por causa desta situação, minha mãe precisou trabalhar muito. Ela foi diarista por muitos anos e eu pude observar de perto seu esforço e sua luta. As lembranças que tenho de minha mãe, são de ela chegando em casa sempre muito cansada; ela cheirava aos produtos de limpeza e tinha as mãos amareladas pela química.
Eu desde muito nova me interessei por livros e pelos estudos, me encantava o teatro, a música, a dança, o cinema, mesmo não sendo essa a minha realidade. Lembro que minha mãe costumava dizer “Você nasceu pronta e não me dá trabalho nenhum. Só te alimento e cuido de você.”, e hoje, pensando sobre essa fala de minha mãe, me recordo de dois momentos que vivi com ela, que provavelmente justifiquem essa minha paixão, que parece sem justificativas.
A primeira memória foi com o cinema. Quando pequena, inauguraram em Mauá o primeiro da cidade e todos na escola ficaram muito animados com a ideia de levar as crianças para assistir a um filme, porém éramos muitos para poucos professores. A escola, então, pediu ajuda às famílias, pediu que pais e mães nos acompanhassem para prestar ajudar aos professores; minha mãe imediatamente se prontificou, muito feliz. Lembro de sua alegria e satisfação no cinema, ela sentou umas fileiras a frente e olhava para trás para me ver. Assistimos “Mulan”, um filme que gosto até hoje, por toda a mensagem que traz, sobre empoderamento feminino.
A segunda memória foi com o teatro. Estava próxima a formação de minha turma no Ensino Médio e um professor, preocupado com o desinteresse quase total da turma pela leitura, nos propôs uma ida ao teatro e nos ofereceu ingressos; peguei dois e fui para casa. Ao chegar, contei para minha mãe sobre a proposta do professor e mais uma vez ela se prontificou em me acompanhar. No dia do espetáculo ela havia trabalhado e a peça era à noite, ela chegou em casa muito cansada e ainda assim me acompanhou, com muita boa vontade. Lá fomos nós assistir a “Dom Casmurro”.
Então hoje, quando penso nessa fala de minha mãe, vejo o quanto ela é injusta, porque eu pude observar o seu amor e o seu esforço em estar presente traduzidos nessa minha paixão, que parecia até então sem justificativas.
Nós crescemos e ela voltou a estudar, se formou no Ensino Médio, prestou um concurso público e passou. Ficamos muito felizes! Foi a realização de um sonho para ela e para mim também. Hoje, ela tem o trabalho que sempre sonhou, com carteira assinada e um salário todo mês.
Eu observo a minha mãe atentamente, ouço suas histórias e eu vejo a diferença que ela faz na vida das pessoas, assim como ela fez e faz na minha.Recolher