Identificação Meu nome é Maria Servalho do Livramento. Uns dizem que eu nasci em Uarini, uma povoação pra lá de Manaus, no meio da Amazônia. Foi em 15 de março de 1900 Família Meu pai era João Evangelista do Livramento e minha mãe Isabel Assunção Servalho. Eu tinha só uma irmã, Raim...Continuar leitura
Identificação Meu nome é
Maria Servalho do Livramento. Uns dizem que eu nasci em Uarini, uma povoação pra lá de Manaus, no meio da Amazônia. Foi em 15 de março de 1900
Família Meu pai era João Evangelista do Livramento e minha mãe Isabel Assunção Servalho. Eu tinha só uma irmã, Raimunda do Livramento,
que era três anos mais velha. Meu pai era músico. Tocava todos os instrumentos de pau e corda. Tocava flauta.Tocava piano. Tocava nessas festinhas que tinha lá nessa povoação. Era também alfaiate, costurava. Fazia roupa. Era gordo, nem alto nem baixo, moreno escuro. Minha mãe era amazonense, prima do bisavô da Bárbara, Daniel Servalho, tio Zozó.
Vida em Uarini e Caiçara - Infância A cidade onde eu morava era interior. Tinha assim um correr de casas. Poucas famílias moravam. Chamava Uarini. Eu morava com meu pai, minha mãe e minha irmã. Era uma casinha de duas janelas e uma porta. Tinha um quarto onde eu dormia com minha irmã e um salão de refeição.
Meu pai dormia vizinho, noutro quarto, mas com as portas abertas. Minha mãe, não conheci porque
ela morreu quando eu era muito pequena.
Ela foi pro seringal, pegou malária, que lá se chamava Sezão, e morreu.
Quem tomou
conta de mim até que meu pai me levasse pra
casa das parentas, eram duas índias que moravam lá em casa, a Teresa e a Joana. Eu era bem nova. Pouco me lembro. Aí meu pai levou pra casa dessa parenta, uma tia de minha mãe,
que era irmã do bisavô da Bárbara, Daniel Servalho,
porque ele foi contratado pra um lugar chamado Javari. Em Iquitos. Ele foi pra lá como professor, pra ensinar. Um senhor que morava
lá contratou ele pra ensinar letras de músicas, e o que ele quisesse. Não chegou a passar um ano, ele morreu. Ele pegou uma infecção intestinal e morreu. No Peru. Eu e minha irmã fomos pra casa dessa
tia nossa, que era irmã do bisavô da Bárbara. Minha mãe era prima do bisavô
da Bárbara, Daniel Servalho.
Era em Caiçara, cidade maior. Já tinha mais ruas, tinha Igreja. Eu não fazia nada porque eu era muito pequena. Fazia brincar com as minhas primas. Ficamos lá até que o bisavô da Bárbara foi buscar a minha irmã mais velha, que ele ia botar no colégio, no Instituto.
Mas quando
ele chegou lá, já tinha passado da idade... As irmãs dele queriam a minha irmã, mas eu não queriam, porque eu era pequena e dava trabalho. Então eu fui ficar na casa dessa parenta, voltei pra Uarini, até que eu saí da lá pra casa do bisavô da Bárbara. A minha irmã foi pra casa de uma irmã desses avós. Chamava-se Clara. Ela ficou pra tomar conta do menino, do filhinho dela. Nós nunca nos tínhamos separado. Nunca mesmo. Vivemos sempre junto. E pra mim foi um golpe a separação.
Eu conhecia essa tia onde eu fui, desde criança e aquilo pra mim era uma grande coisa. Eu ia pra roça. A gente ia de manhã, aquela porção de gente ia pra roça, pra plantar roça, pra arrancar mandioca, pra fazer farinha, pra botar
de molho... Aquilo pra mim era uma festa. A gente ia tomar banho, comer fruta do mato. Fiquei em Uarini até que já conhecia mais as coisa e o tio Zozó foi me buscar. Mas essa tia com quem eu morava, não deixou. Disse que quando ela morresse, que ele fosse me buscar.
Quando ela morreu ele foi me buscar. Aí o marido dela disse: Ah.Servalho, estou muito agarrado com a Marocas. Eu não tenho ninguém (me chamavam de Marocas) Quando eu morrer tu vem buscar. E assim foi. Eu já estava crescidinha.
Vida em Tefé
- Adolescência Aí eu fui morar com eles. A mãe da Rute, acho que tinha cinco anos,
e eu devia ter uns 10 anos..Já em Tefé. Nós morávamos em Tefé.
Tio Zozó foi prefeito de Tefé.
Morava nessa
casa, ele, a mulher dele
que se chamava Iaiá. O nome dela era Otília, mas de apelido Iaiá.
Fiquei junto com a filha deles, mãe de dona Rute, a Dinaris.
Íamos pra escola junto. Quando ela saía, tinha aniversário, essas coisas, eu ia com ela. Em todo canto que ela ia eu ia. Pro cinema também.
A casa era grande. Só a casa fazia um quarteirão.Tinha muito terreno. Tinha o corredor da entrada, que tinha o quarto onde ele morava, tinha a alcôva, que era da sogra dele. E aí tinha um quartinho que era o nosso, onde nós dormíamos, eu, e mais duas que ela criava, a Luiza e a Esmeralda. E a Ermelinda que era moça. Essa era da mãe da dona Iaiá, que trabalhava pra ela. Eles criavam muita gente, porque no interior, quando morre e não tem pra onde ir, eles entregam nessas casas que as pessoas podem ter.
Eu não trabalhava muito. Fazia pouca coisa, porque de manhã, não tinha água encanada, e cada quarto tinha sua vasilha de ir buscar água no rio, pra trazer.
Eu enchia as vasilhas, pra banho, pra essas coisas. Quem fazia a comida era a Luiza. Fazia tartaruga, fazia peixe, carne. Jacaré nós nunca comemos. Comíamos também o tracajá, uma espécie de tartaruga, mas é menor. Tem o casco bem curvo. Luiza
cozinhava bem porque a dona Iaiá mandou ensinar ela. Não sei se era um japonês, que ensinou. Ela cozinhava bem e engomava que era uma beleza. Dava lustro nos colarinhos, na roupa do meu tio.
Tefé tinha o rio e no rio tem praia. Quando está seco o rio, tem um praia bonita na frente, que a gente ia tomar banho, ia distante. Tinha um negócio no mato, que chamam jacaré piçaua. O jacaré se deitavam aí. Era onde eles dormiam.
Nós não íamos ver jacaré. Tinha medo. Lá tinha muito índio. Não eram mesmo índios. Já estavam mais civilizados. A minha tia deu um pedaço de terra pra eles, pra eles morarem.
Uma ilha. E aí eles fizeram a casa deles. Uma casa vinha assim da cunieira, encostada no chão. Tinha uma porção de portas. Cada um entrava no seu quarto... As cinco horas eles iam tomar banho no rio. Eles tomavam banho... puxavam assim a água e batiam. Faziam um barulho longe, que se ouvia tum...tum.... Era os índios tomando banho. Eram os Miranha. Já eram os índios mais civilizados. Mas a gente não convivia com eles.
Só nas festas que eles convidavam. Então a gente ia e eles reservavam um
lugar alto, pra gente apreciar a festa deles. Aí faziam tutu, arraia.... Tinha o carrapato, um
homem vestido de carrapato, Tinha aquela roda que eles fazem de casca de pau, forram bem e aí botam a banana cozida, amassada e fazem o vinho. Também de pupunha. Faziam tacacá... e botavam tudo assim em roda pra eles tomarem até não querer mais.
Não ficavam bêbados, só cheios.
O carrapato tomava até cair.
E eles dançavam. Engraçado. Os homens assim na frente com um bastão que eles espetam de tudo quanto é dente. Eles dançavam pra cá, pra lá com uns paus que eles enfeitam, dançando na frente, e as mulheres na costa deles, dançando. As mulheres todas vestidas.
Em Tefé eu ia à Igreja.
Quem me levou foi uma moça que me levou pra fazer a primeira comunhão, estudar catecismo.
Eu fui pro colégio Nossa Senhora de Nazaré... Nossa senhora Auxiliadora, lá de Manaus. Então tem à noite é pros pobres que não podem pagar. Eu estudava à noite.
Quinta feira era dia de prenda, de bordado, croché, essas coisas. E escrever e ler. Eu saí logo da escola.
Saí porque tinha umas que era muito chaleiras, ficavam ali junto das freiras. E tudo que se passava, se a gente estivesse assim conversando uma com a outra, elas já iam contar pras freiras, pra elas irem chamar atenção da gente.
Nessa época
eu acho que tinha uns 10 pra 11 anos. Já estava mocinha.
Eu ficava brincando com a Dinari, estudando em casa com a dona Iaiá. E aí, o tempo foi passando e quando eu fiz 15 anos a Dinaris tinha 10. Ia pra escola com ela. O
professor e a professora moravam lá na casa do meu tio. que tinha dado
uma casinha pra eles.
Mas quando Dinaris entendia de sair cedo... ela dizia... Olha, toma logo a lição da Mariquinha porque eu vou sair. Ela ia na casa dessas amigas dela, umas turcas que moravam em frente. E aí nós ficávamos passeando, até elas irem pra casa.
Tio Zozó era
engenheiro. Demarcava terras.
Era respeitado e querido na cidade. Todo mundo gostava dele. Ele conversava com todo mundo. Não
fazia diferença. Falava com pobre, com rico. Todos gostavam dele Dona Iaiá tembém era boa, mas ela era mais reservada,
porque ela era de Terezina. O pai dela era militar, foi pra lá comandando um contingente, e lá se conheceram e ficou um casal. Dona Iaiá era muito religiosa. Todos os domingos ia à missa. Eu aprendi a rezar e rezava todo dia.
Nos
domingos na casa do tio Zozó e dona Iaiá, a gente ia à missa e de lá ia passear. Quando vinham aquelas amigas da Dinaris almoçar em casa, tinha aquelas tartarugada, faziam sarapatel no casco, no quintal, tinha guisado... que a Luiza cozinhava.
A mãe de dona Iaiá, que era de Teresina,
cozinhava muito bem. Fazia vatapá que era uma beleza.
Fazia um bolo de milho, que ela botava nas xícaras enquanto estava quente e batia assim a xícara e ia emborcando.
O bisavô da Bárbara gostava daquele angú que ela fazia, pra comer com o vatapá.
Vinham as amigas, as
cunhadas da mulher do meu tio, casadas com os irmãos da dona Iaiá. Aí a Dinaris cresceu,
fez curso normal. Era porfessora.
Quando o Ubirajara, o único
irmão da Dinaris acabou o ginásio lá de Tefé, ele ia pra escola superior,
e nós mudamos pra Manaus. Ele estudou Engenharia. Ele é engenheiro geógrafo.. Ele ainda está vivo, mora no Rio.
Vida em Manaus - Mocidade Em Manaus, eu fui ser Filha de Maria, aí todo dia tinha que rezar um terço pra Nossa Senhora. Fui porque a Dinaris era Filha de Maria. Estudei catecismo. A gente estudava dois, três meses pra se preparar bem e pra conhecer bem a religião. Daí é que recebi a fita verde. Chamam Aspirantes de Filhas de Maria. E depois já recebe a fita de Filha de Maria. A Dinaris já era Filha de Maria.
Dinaris era o mesmo que uma irmã pra mim.
Estava tão acostumada com ela, que parecia irmã.
Dormíamos no mesmo quarto. A casa era grande. A casa de Manaus
tinha dois andares.
Pra Manaus foi dona Iaiá foi a mãe, todo mundo.
E aí, a Dinaris, ela cresceu, começou a namorar. Ele era judeu o Siqueira.
Engraçado, nesse tempo, namorado não ficava sozinho. Ficava eu, ou então era sentado no sofá:
a dona Iaiá, seu Zozó e os dois namorados. Não ficavam sozinhos, não. De jeito nenhum. Ela saia assim de ônibus, eu ia com ela. Diziam que eu era guarda dela.
Dinaris conheceu o namorado parece que foi numa festa.
Eles eram amigos. Ela era muito amiga da família dele. A irmã
dele, mais nova era muito amiga da Dinaris.
Quando eles resolveram casar ele pediu a mão dela.
Não foi em casa. Foi num clube, no Ideal, o maior clube lá de Manaus. Convidou pra tomar uma champanhe e aí ele fez o pedido.
A mãe de Dinaris, dona Iaiá, não ficou chateada que
ela judeu, porque era muito amiga da família. A mãe dele era muito boa. Gostava muito da dona Iaiá. A mãe dele recebeu bem. Só quem não recebeu muito bem foi a irmã do meio, que não queria o casamento porque ela era católica e ele era judeu. Mas eles não se incomodaram com ela.
O casamento
foi em casa, não na igreja.
Prepararam um altar lá em casa, puseram Nossa Senhora, e ela casou-se lá.
Agora, só não recebeu a benção, que o padre disse que não podia dar a benção, porque ele não era batizado. Só ela que recebeu a benção.
Dinaris e Seu Siqueira Foram morar na casa deles. Alugaram uma casa que dava os fundos pro palácio do governador. Uma vila que tinha. Chamava Vila Martins.
E eu fui morar com eles.
Seu Siqueira ia pro escritório e nós ficávamos em casa. De lá, o pai da Dinaris telefonava. Minha filha, você não quer vir almoçar aqui? Nós vamos comer...Ela dizia lá o que iam comer. Sei lá se era tartaruga, ou se era peixe. Ela dizia: Então eu vou. E ela telefonava pro escritório do seu Siqueira e seu Siqueira mandava um táxi e ia eu e ela pra casa do meu tio, e quando ele saia do escritório ia pra lá almoçar. Dinaris teve filho logo.
Ela perdeu dois... Aborto. Depois que ela teve o Rafael, que é o mais velho. Quando o Rafael nasceu, eu
fiquei ajudando com o Rafael. A mãe dela mandou buscar uma menina do interior, que era Esmeralda. Ela criou e tomava conta do Rafael. Então saia junto. A Esmeralda levava o Rafael e eu levava o Marco Antonio que era filho do Ubirajara, que era muito agarrado comigo, que eu criei também. Chama-se Marco Antonio. Ainda está vivo. Mora no Rio.
Quando Ubirajara casou, cuidei dele. Tomei conta porque ele era muito doentinho. Então eu ficava com ele, eu que
tomava conta dele, da roupa dele, dava mamadeira, essas coisas todas. E a Esmeralda cuidava do Rafael.
Aí
nasceu a Rute, filha da Dinaris.
A mesma coisa. Todos cuidavam.
E depois nasceu
o Zézinho. Foram os três. Aí ela teve mais dois abortos depois.
Luiza também cuidava, e continuava a cozinhar.
A Luiza se agarrou muito com os filhos da Dinaris. De manhã cedo nós acordávamos...Quando seu Siqueira descia, nós descíamos com ele no carro,
e ficávamos lá. Ele mandava o chofer levar a gente pra dar uma volta.
Íamos até a Vila Municipal, que fica um pouco distante. De lá voltávamos e
ficávamos
em casa.
Dinaris amamentou todos os filhos. O Zézinho já estava crescido e ainda dizia: Mamãe, eu quero pituca Eu quero pituca. E ele ficava em pé
e ela na cama, dava o peito pra ele. Eu continuei na casa, e não voltei mais pra casa de dona Iaiá.
Namoro Ainda em Manaus eu tinha um primo que eu gostava dele, mas ele foi transferido pro Rio e ele pegou, uma pneumonia e morreu. Aí, eu nunca mais gostei de ninguém.
Ele era aparentado dessa tia que eu fui tomar conta quando ela esteve doente. Uma irmã do
bisavô
da Bárbara. Ela estava doente e eu fui pra lá pra tomar conta dela. E aí, começamos a namorar um pouquinho. O nome dele era Nilo. Quando ele foi sorteado pra ser soldado é que ele veio pra
Manaus. Pra fazer o serviço militar.
Ele era do interior, ele era de Juruá.
Daí, ele foi transferido pro Rio, e no Rio ele era escrivão do batalhão.
Escrevia cartas. Cada mês eu tinha carta dele.
A Dinaris dizia assim: Eh. Mariquinha,
não vai demorar muito a casar com ele. Mas aí foi o tempo que ele pegou essa doença, e morreu.
Nem fiquei muito triste porque já estava separada dele há muito tempo.
Aí não gostei mais de ninguém. Me dediquei às crianças, e pronto.
Vida em Belém
- Vida Adulta Todos mudaram de Manaus, pra Belém
porque seu Siqueira era gerente da Refinaria. Mudou-se pra Belém, e nós tivemos que ir pra morar em Belém. Seu Zozó e a dona Iaiá resolveram acompanhar o seu Siqueira pra Belém
porque não se separavam da Dinaris. Eram muito apegados. O pai dela chamava ela de minha princesa. Em Belém
morreu tio Zozó e depois de um tempo morreu dona Iaiá. Estava bem velhinha. Nessa casa, que foi todo mundo morar em Belém, era uma casa muito grande.
Seu Siqueira
tinha meios. Tinha escritório e ganhava do emprego dele. E ele tinha um escritório muito bom, muito surtido dessas coisas de arroz, feijão.
Todos os meses ele mandava meia saca pra essas casas de caridade. Ele mandava meia saca de feijão, meia saca de arroz, mandava frutas. Fazia muita caridade.
A Dinaris não tinha uma atividade fora, mas ela pintava muito bem, ela costurava e bordava.
Ela fazia flores, porque teve aula de flores no colégio.
Ela fazia rosas que o pessoal dizia que era natural. A Dinaris era
bonita. Todos achavam.
Tinha uma pele... Ela não se pintava. Era muito difícil. Tinha
uma pele morena que chamam morena cor de jambo. Era aquela cor... E o Rafael saiu com a mesma cor da mãe dele. Aquela cor bonita. O filho de Dinaris que mais cuidei foi
o Zeca. O mais novo.
Porque ela teve um aborto,
e enquanto ela estava de resguardo, eu tomei conta dele. Dormia comigo no quarto. De manhã eu dava o leite dele, saia pra passear, ia até o canto e voltava. Às vezes era de carro, às vezes era a pé. Mais com ele.
Era muito agarrado comigo e eu com ele. O Rafael, depois que ele cresceu namorava demais. Namorou até consulesa. Consulesa do Peru. Ele namorou muito tempo com ela. E então os amigos diziam assim: Mas, Rafael, tu namoraste com tanta moça, até com ... uma consulesa. Tu namoraste tanto e foi se casar com uma moça do interior. Agora o Rafael mora em Belém, e o Zeca mora em Manaus. A Esmeralda foi com o Rafael, que ela era agarrada com ele porque ela foi ama dele, tomou conta dele. Era
por demais que ela era agarrada com ele. Quando o Zeca foi morar em Manaus quem foi com ele foi a Luiza.
Eu não fui
porque eu
fui
ficando com a Dinaris. Era mais agarrada... Fui criada, a bem dizer junto com a Dinaris. Nós nunca ficamos separadas. Fiquei com ela
até ela morrer.
Quando ela morreu pra mim parece que eu nunca mais ia ter alegria.
Eu fiquei tão sentida, tão magoada com a morte dela. Eu vivia chorando com saudades dela. Ela morreu de Açucar. Subiu muito. E tinha pressão alta.
Não sei quantos anos ela tinha, mas estava bem conservada.
A filha Rute já tinha casado. Aí eu continuei na casa. Quando a Dinaris morreu, Seu Siqueira ficou conosco na casa.
Também fiquei eu, Esmeralda, e tinha uma lavadeira que era muito boa.
Ela arrumou uma...
No tempo da Dinaris, ela já estava namorando com ele.
Ele arrumou uma namorada enquanto ela ainda estava viva.
Ela era tão sem vergonha, que ela ia lá pra casa.
Era amiga da Dinaris, que não sabia.
Ela não tinha certeza, mas ela tinha uma amiga, senhora do seu Ferreira que dizia, Dinaris, você para... procura se afastar dessa mulher que ela está namorando com teu marido. E a Dinaris dizia assim: Não é possível.E era mesmo. Quando Dinaris morreu,
Seu Siqueira não casou com ela porque os filhos disseram o seguinte: Que ele não casava, porque ele tinha passado da idade e eles não iam deixar. Acho que não teve vontade mesmo de casar.
Não levou ela pra dentro de casa. Ele ia lá. Eu não gostava dela,
nem a Esmeralda. A Esmeralda então, não suportava ela. Dizia: Tenho vontade de jogar essa mulher da escada em baixo. Porque ela tinha traído a Dinaris. Ninguém gostava dela. Eu também. Uma vez ela me telefonou: Ah. Mariquinha, você não dá notícia. Eu disse: Não senhora. Eu não dou notícia porque eu sou amiga da Dinaris, não sua. E disse na cara dela, e aí ela contou pro seu Siqueira. Seu Siqueira passou bem uma semana todo dia de cara feia comigo. Mariquinha, você bateu o telefone na cara da Ieda? Eu disse: Foi, seu Siqueira. Bati porque eu disse que era amiga da Dinaris, não dela. E desliguei o telefone. E aí, a Rute cresceu, se casou e teve a Bárbara. A Dinaris já tinha morrido e eu fui morar com a Rute.
Não sai da família. Fiquei sempre ali.
A Rute adoeceu muito. Ela teve malária.
Tinha 40 gráus de febre,
morava na fazenda que o pai da Bárbara tinha, uma fazenda bonita em Marajó.
Aí eu comecei a tomar conta da Bárbara. Essa aqui deu trabalho pra criar, porque ela era pequeninha. Ela era de oito
meses.
Ela não abria os olhos. Então, as duas avós pensavam: Será que ela não vai abrir os olhos? A freira dizia: Não. É porque anda não está na idade que ela tinha que nascer. Porque ela foi tirada, porque
a mãe estava com muita febre e tiraram. E ainda ela ficou na incubadora não sei se foi dois ou três dias. Era pequeninha. O berço dela tinha duas lâmpadas por baixo pra dar o calor. Quando não, no colo da gente.
Eu tomei conta dela. Aí ela se agarrou comigo, a senhora sabe, e passei um ano estudando com ela na escola, porque ela não me deixava.
Eu ia deixar ela e quando eu ia saindo ela gritava e chamava: Mamama, mamama. Chamava de Mamama. E a diretora disse assim: o jeito que tem é você ficar Mariquinha. E eu ficava com ela, sentada. A diretora mandou botar uma cadeira junto da banca dela e eu ficava sentada até acabar a aula.
Vida no Rio de Janeiro - Terceira Idade
Fomos para o Rio porque o médico receitou pra ir com a Bárbara, pra receber o ar da maré. Eu levava ela cedinho, descia com Bárbara no carro e ficava assim onde batia aquele respingo da maré.
Bárbara estava doente. Ela pegou uma febre que não passava. Acho que era
um micróbio não sei do que. Não sei se ela teve dois ou três meses de febre sem baixar. Era sempre com febre.
Quando mudamos para o Rio de Janeiro Bárbara era pequeninha. Chamavam pra ela foguinho porque ela era danada. Uma vez, estavam concertando o colégio, então a corda do sino caiu.
Parece que foi no segundo dia que ela foi pra aula.
E ela pegou aquela corda, bam bam bam. E era a chamada certa das freiras pra ir ajudar a superiora. E as freiras correndo de um lado pra outro. E ela no sino batendo...
Era a menor do colégio. Inventaram uma quadrilha e ela era a primeira. Ela e o filho do governador, também pequeno, que dava pra ser o par certo dela. Quando diziam balancê , pra rodar,
ela que
rodava. Ele caia. Ele ia pra um lado, ela caia pro outro.
Então as professoras diziam assim: Ah. Meu Deus, a Bárbara é a graça do colégio. No Rio nós morávamos
na casa da dona Vera, no Leblon.
Na casa do seu Bento, do irmão do pai de Bárbara.
O pai de Bárbara tinha fazenda, depois ele tomou conta do restaurante.
Encontrei minha irmã no Rio. Tinha ido pra casa da tia Clara quando ela estudou à noite e conseguiu se formar. Recebeu o diploma, e tudo. Ela costurava bem. Ela era costureira também.
A minha irmã, sabe, saiu de casa, morava sozinha num quarto. Não ficou mais morando na casa de ninguém.
Alugou um quarto e começou a viver a vida dela. Por conta dela, que ela ganhava. Não sei se ela chegou a casar. No
Rio parece que... ela se casou ou se amigou com algum. Eu sei que ela tinha um que morava com ela.
A Mãezinha, essa que era diretora das Filhas de Maria,
protegeu muito ela.
Vida em São Paulo
- Velhice No tempo que a Bárbara terminou o ginásio lá em Manaus,nós viemos pra São Paulo.
A
Rute já
tinha comprado um apartamento e fico até hoje lá. Todo mundo dizia que eu
não ia me dar bem. Que o pessoal daqui era muito fechado, Quando eram amigos, eram amigos, mas quando eram inimigos não ligavam. E eu vim e graças a Deus me dei bem. A Rute morava com uma senhora alemã, dona Catarina. De modo que eu vim e conheci logo dona Catarina. E tinha um rapaz da
polícia, que a Rute sofreu um desastre, ele acudiu botou no hospital pra tratar.
Vida Atual
Eu tenho muitas amigas aqui em São Paulo,
graças a Deus.Tenho uma que ela me chama de irmã. Que é a dona Ivone.
Eu conheci dona Ivone porque ela se deu com a dona Maria, aquela senhora que me levava
pra eu fazer minha oração. Dona Maria, uma senhora que tinha a mão aleijadinha, a mão dela era pequenininha. Dona Ivone
começou a gostar de mim, telefonava, as vezes ela pedia pra mim fazer compras e ela me dava o troco,
Foi se dando comigo. E todo dia ela me telefonava, e assim fomos ficando amigas. E até hoje. Então, ela diz que é minha irmã. Que ela acha que ela foi minha irmã em outra encarnação.
Bárbara foi crescendo...casou-se,
e eu
não fui morar lá na Inglaterra com a Bárbara, porque é muito frio. Eu tenho muito frio. Tenho medo.
Eu gosto de trabalhar em casa, mas hoje eu não faço mais nada. Porque eu não enxergo. Quem faz meu prato é a Rute. Quando ela vai pro escritório, que ela não pode vir almoçar, ela deixa meu prato feito. É só meter no microondas, esquento e como.
Na televisão, primeiro me interessava muito pela novela, agora não ligo mais. Tem dia que me aborrece e desligo a televisão. Rádio eu gosto, mas nós não
temos em casa. Só televisão. Não saio sozinha. Porque tenho as duas pernas fraquinhas e tenho as duas mãos quebradas.
Essa, no dia que eu me operei da vista,
cai e quebrei. Dona Ivone, todo dia ela quer que eu vá lá, ou então ela vai lá em casa. Ela mora
no mesmo predio. Em cima.
Tem dias que ela e a dona Arminda as vezes me levam coisas. Eu estou deitada e elas me levam chá, ou café com leite. Graças a Deus, sou muito querida ai, com essas duas.
Lembranças marcantes Foi o tempo que eu ia pra praia. A gente arrumava canoa, com farinha, essas coisas todas e duas faias pra remar.
Quando era assim pelas quatro e meia já procurava as praias bonitas pra gente dormir. Aí
armava a rede e o mosquiteiro na praia. A gente passava um mês pelas praias.
Por passeio. Ia dona Iaiá, tio Zozó,
bisavô da Bárbara, as meninas e
juntava uma irmã desse bisavô. Também
ela ia num batelão com os empregados dela e nós íamos noutro. Íamos num batelão grande, remado à faia. A gente comia tracajá e
tartaruga. Fazia um buraco na areia, por causa do vento e aí fazia o fogo, fazia comida, botava uns ferros, uma coisa qualquer e fazia comida aí.
Cozinhava. Se era
peixe assado, assava ele, se era
peixe cosido...
Os peixes, a gente pegava. Levava a rede de lancear. As vezes, nós tinha jantado e tudo,
e a gente ia até a casa de Correia. Se
viam cardume de sardinha, chamava os empregados:
Isaac, bota a rede na água e vamos pegar a sardinha. E lá eles pegavam aquele monte de sardinha. Eles mandavam puxar assim calçada e tiravam.
Mandava pra irmã dele,
mandava pro juiz de direito, mandava pra casa do irmão da dona Iaiá, e o resto ele deixava na calçada. Quem quizer peixe, venha buscar. Aí chegava gente, pegava aqueles peixes e levava tudo. A gente dormia em rede, ou os dois rapazes que iam com a gente no batelão, saiam pra procurar um pau forte pra botar a rede, pra seu Zozó, pra dona Iaiá e as meninas dormiam na areia. Faziamos nossa cama ali na areia. Forrava com cobertor Não chovia muito. Raramente.
Quando chovia, a gente tinha a casa. Eles faziam uma casa de praia de folhas que eles chamam capim grande.Engraçado, que quando chove... Senta na rede, senta na rede, que o vento pode levar. Pra fazer peso, porque na praia o vento é muto forte. Dá aquele remoinho. Eu gostava de andar na praia, tirar a roupa,
juntar ovo de gaivota. Ovo de gaivota é o mesmo que de galinha. Dá pra comer, pra fazer bolo, essas coisas. Só que é de cor. É azul, as vezes é pintadinho. Mas, é direitinho ovo de galinha.
Nós
nadávamos. Agora, quando a gente ia pra praia, ninguém não tomava banho porque não sabia... Devia ter muito bicho. Mas, lá em casa nós nadávamos, tomava banho. Cada um tem seu cedro.
Quando o Solimões está cheio, desce cada cedro enorme. E aí pegam.
E lá, a dona Iaiá mandou pegar um comprido, e lavava roupa em cima. Estende na areia pra quarar, tira, estende. Quando vai pra casa, a roupa está quase seca, porque ela mandou passar uns cordãos assim pra estender
a roupa. A lavadeira ia com a gente.
Era uma senhora muito boa.
De modo que aquilo pra mim era um paraiso.
Sonho
Recuperar a vida da Dinaris. Porque foi o tempo mais feliz que eu passei na minha vida, quando eu morei com a Dinaris. Ainda tenho muita saudades. Acho que eu tenho a Dinaris assim como minha irmã. Dormíamos no mesmo quarto, saíamos sempre juntas, acompanhava ela.
Era muito agarrada com ela.
Mensagem à Bárbara
Quero que ela seja muito feliz, que viva bem unida com o marido dela, que ele também é muito bom. É o que eu digo sempre pra ela.
Depois de casar fica sempre unida, não se separe... E quando ela veio só,
ela só vivia chorando com saudades
dele.
E ele também de lá.
Eu digo: Oh. Minha filha,
quando você vier, traga seu marido. Não venha mais só. Não tem sossego.
Identificação Meu nome é
Maria Servalho do Livramento. Uns dizem que eu nasci em Uarini, uma povoação pra lá de Manaus, no meio da Amazônia. Foi em 15 de março de 1900
Família Meu pai era João Evangelista do Livramento e minha mãe Isabel Assunção Servalho. Eu tinha só uma irmã, Raimunda do Livramento,
que era três anos mais velha. Meu pai era músico. Tocava todos os instrumentos de pau e corda. Tocava flauta.Tocava piano. Tocava nessas festinhas que tinha lá nessa povoação. Era também alfaiate, costurava. Fazia roupa. Era gordo, nem alto nem baixo, moreno escuro. Minha mãe era amazonense, prima do bisavô da Bárbara, Daniel Servalho, tio Zozó.
Vida em Uarini e Caiçara – Infância A cidade onde eu morava era interior. Tinha assim um correr de casas. Poucas famílias moravam. Chamava Uarini. Eu morava com meu pai, minha mãe e minha irmã. Era uma casinha de duas janelas e uma porta. Tinha um quarto onde eu dormia com minha irmã e um salão de refeição.
Meu pai dormia vizinho, noutro quarto, mas com as portas abertas. Minha mãe, não conheci porque
ela morreu quando eu era muito pequena.
Ela foi pro seringal, pegou malária, que lá se chamava Sezão, e morreu.
Quem tomou
conta de mim até que meu pai me levasse pra
casa das parentas, eram duas índias que moravam lá em casa, a Teresa e a Joana. Eu era bem nova. Pouco me lembro. Aí meu pai levou pra casa dessa parenta, uma tia de minha mãe,
que era irmã do bisavô da Bárbara, Daniel Servalho,
porque ele foi contratado pra um lugar chamado Javari. Em Iquitos. Ele foi pra lá como professor, pra ensinar. Um senhor que morava
lá contratou ele pra ensinar letras de músicas, e o que ele quisesse. Não chegou a passar um ano, ele morreu. Ele pegou uma infecção intestinal e morreu. No Peru. Eu e minha irmã fomos pra casa dessa
tia nossa, que era irmã do bisavô da Bárbara. Minha mãe era prima do bisavô
da Bárbara, Daniel Servalho.
Era em Caiçara, cidade maior. Já tinha mais ruas, tinha Igreja. Eu não fazia nada porque eu era muito pequena. Fazia brincar com as minhas primas. Ficamos lá até que o bisavô da Bárbara foi buscar a minha irmã mais velha, que ele ia botar no colégio, no Instituto.
Mas quando
ele chegou lá, já tinha passado da idade... As irmãs dele queriam a minha irmã, mas eu não queriam, porque eu era pequena e dava trabalho. Então eu fui ficar na casa dessa parenta, voltei pra Uarini, até que eu saí da lá pra casa do bisavô da Bárbara. A minha irmã foi pra casa de uma irmã desses avós. Chamava-se Clara. Ela ficou pra tomar conta do menino, do filhinho dela. Nós nunca nos tínhamos separado. Nunca mesmo. Vivemos sempre junto. E pra mim foi um golpe a separação.
Eu conhecia essa tia onde eu fui, desde criança e aquilo pra mim era uma grande coisa. Eu ia pra roça. A gente ia de manhã, aquela porção de gente ia pra roça, pra plantar roça, pra arrancar mandioca, pra fazer farinha, pra botar
de molho... Aquilo pra mim era uma festa. A gente ia tomar banho, comer fruta do mato. Fiquei em Uarini até que já conhecia mais as coisa e o tio Zozó foi me buscar. Mas essa tia com quem eu morava, não deixou. Disse que quando ela morresse, que ele fosse me buscar.
Quando ela morreu ele foi me buscar. Aí o marido dela disse: Ah.Servalho, estou muito agarrado com a Marocas. Eu não tenho ninguém (me chamavam de Marocas) Quando eu morrer tu vem buscar. E assim foi. Eu já estava crescidinha.
Vida em Tefé
- Adolescência Aí eu fui morar com eles. A mãe da Rute, acho que tinha cinco anos,
e eu devia ter uns 10 anos..Já em Tefé. Nós morávamos em Tefé.
Tio Zozó foi prefeito de Tefé.
Morava nessa
casa, ele, a mulher dele
que se chamava Iaiá. O nome dela era Otília, mas de apelido Iaiá.
Fiquei junto com a filha deles, mãe de dona Rute, a Dinaris.
Íamos pra escola junto. Quando ela saía, tinha aniversário, essas coisas, eu ia com ela. Em todo canto que ela ia eu ia. Pro cinema também.
A casa era grande. Só a casa fazia um quarteirão.Tinha muito terreno. Tinha o corredor da entrada, que tinha o quarto onde ele morava, tinha a alcôva, que era da sogra dele. E aí tinha um quartinho que era o nosso, onde nós dormíamos, eu, e mais duas que ela criava, a Luiza e a Esmeralda. E a Ermelinda que era moça. Essa era da mãe da dona Iaiá, que trabalhava pra ela. Eles criavam muita gente, porque no interior, quando morre e não tem pra onde ir, eles entregam nessas casas que as pessoas podem ter.
Eu não trabalhava muito. Fazia pouca coisa, porque de manhã, não tinha água encanada, e cada quarto tinha sua vasilha de ir buscar água no rio, pra trazer.
Eu enchia as vasilhas, pra banho, pra essas coisas. Quem fazia a comida era a Luiza. Fazia tartaruga, fazia peixe, carne. Jacaré nós nunca comemos. Comíamos também o tracajá, uma espécie de tartaruga, mas é menor. Tem o casco bem curvo. Luiza
cozinhava bem porque a dona Iaiá mandou ensinar ela. Não sei se era um japonês, que ensinou. Ela cozinhava bem e engomava que era uma beleza. Dava lustro nos colarinhos, na roupa do meu tio.
Tefé tinha o rio e no rio tem praia. Quando está seco o rio, tem um praia bonita na frente, que a gente ia tomar banho, ia distante. Tinha um negócio no mato, que chamam jacaré piçaua. O jacaré se deitavam aí. Era onde eles dormiam.
Nós não íamos ver jacaré. Tinha medo. Lá tinha muito índio. Não eram mesmo índios. Já estavam mais civilizados. A minha tia deu um pedaço de terra pra eles, pra eles morarem.
Uma ilha. E aí eles fizeram a casa deles. Uma casa vinha assim da cunieira, encostada no chão. Tinha uma porção de portas. Cada um entrava no seu quarto... As cinco horas eles iam tomar banho no rio. Eles tomavam banho... puxavam assim a água e batiam. Faziam um barulho longe, que se ouvia tum...tum.... Era os índios tomando banho. Eram os Miranha. Já eram os índios mais civilizados. Mas a gente não convivia com eles.
Só nas festas que eles convidavam. Então a gente ia e eles reservavam um
lugar alto, pra gente apreciar a festa deles. Aí faziam tutu, arraia.... Tinha o carrapato, um
homem vestido de carrapato, Tinha aquela roda que eles fazem de casca de pau, forram bem e aí botam a banana cozida, amassada e fazem o vinho. Também de pupunha. Faziam tacacá... e botavam tudo assim em roda pra eles tomarem até não querer mais.
Não ficavam bêbados, só cheios.
O carrapato tomava até cair.
E eles dançavam. Engraçado. Os homens assim na frente com um bastão que eles espetam de tudo quanto é dente. Eles dançavam pra cá, pra lá com uns paus que eles enfeitam, dançando na frente, e as mulheres na costa deles, dançando. As mulheres todas vestidas.
Em Tefé eu ia à Igreja.
Quem me levou foi uma moça que me levou pra fazer a primeira comunhão, estudar catecismo.
Eu fui pro colégio Nossa Senhora de Nazaré... Nossa senhora Auxiliadora, lá de Manaus. Então tem à noite é pros pobres que não podem pagar. Eu estudava à noite.
Quinta feira era dia de prenda, de bordado, croché, essas coisas. E escrever e ler. Eu saí logo da escola.
Saí porque tinha umas que era muito chaleiras, ficavam ali junto das freiras. E tudo que se passava, se a gente estivesse assim conversando uma com a outra, elas já iam contar pras freiras, pra elas irem chamar atenção da gente.
Nessa época
eu acho que tinha uns 10 pra 11 anos. Já estava mocinha.
Eu ficava brincando com a Dinari, estudando em casa com a dona Iaiá. E aí, o tempo foi passando e quando eu fiz 15 anos a Dinaris tinha 10. Ia pra escola com ela. O
professor e a professora moravam lá na casa do meu tio. que tinha dado
uma casinha pra eles.
Mas quando Dinaris entendia de sair cedo... ela dizia... Olha, toma logo a lição da Mariquinha porque eu vou sair. Ela ia na casa dessas amigas dela, umas turcas que moravam em frente. E aí nós ficávamos passeando, até elas irem pra casa.
Tio Zozó era
engenheiro. Demarcava terras.
Era respeitado e querido na cidade. Todo mundo gostava dele. Ele conversava com todo mundo. Não
fazia diferença. Falava com pobre, com rico. Todos gostavam dele Dona Iaiá tembém era boa, mas ela era mais reservada,
porque ela era de Terezina. O pai dela era militar, foi pra lá comandando um contingente, e lá se conheceram e ficou um casal. Dona Iaiá era muito religiosa. Todos os domingos ia à missa. Eu aprendi a rezar e rezava todo dia.
Nos
domingos na casa do tio Zozó e dona Iaiá, a gente ia à missa e de lá ia passear. Quando vinham aquelas amigas da Dinaris almoçar em casa, tinha aquelas tartarugada, faziam sarapatel no casco, no quintal, tinha guisado... que a Luiza cozinhava.
A mãe de dona Iaiá, que era de Teresina,
cozinhava muito bem. Fazia vatapá que era uma beleza.
Fazia um bolo de milho, que ela botava nas xícaras enquanto estava quente e batia assim a xícara e ia emborcando.
O bisavô da Bárbara gostava daquele angú que ela fazia, pra comer com o vatapá.
Vinham as amigas, as
cunhadas da mulher do meu tio, casadas com os irmãos da dona Iaiá. Aí a Dinaris cresceu,
fez curso normal. Era porfessora.
Quando o Ubirajara, o único
irmão da Dinaris acabou o ginásio lá de Tefé, ele ia pra escola superior,
e nós mudamos pra Manaus. Ele estudou Engenharia. Ele é engenheiro geógrafo.. Ele ainda está vivo, mora no Rio.
Vida em Manaus - Mocidade Em Manaus, eu fui ser Filha de Maria, aí todo dia tinha que rezar um terço pra Nossa Senhora. Fui porque a Dinaris era Filha de Maria. Estudei catecismo. A gente estudava dois, três meses pra se preparar bem e pra conhecer bem a religião. Daí é que recebi a fita verde. Chamam Aspirantes de Filhas de Maria. E depois já recebe a fita de Filha de Maria. A Dinaris já era Filha de Maria.
Dinaris era o mesmo que uma irmã pra mim.
Estava tão acostumada com ela, que parecia irmã.
Dormíamos no mesmo quarto. A casa era grande. A casa de Manaus
tinha dois andares.
Pra Manaus foi dona Iaiá foi a mãe, todo mundo.
E aí, a Dinaris, ela cresceu, começou a namorar. Ele era judeu o Siqueira.
Engraçado, nesse tempo, namorado não ficava sozinho. Ficava eu, ou então era sentado no sofá:
a dona Iaiá, seu Zozó e os dois namorados. Não ficavam sozinhos, não. De jeito nenhum. Ela saia assim de ônibus, eu ia com ela. Diziam que eu era guarda dela.
Dinaris conheceu o namorado parece que foi numa festa.
Eles eram amigos. Ela era muito amiga da família dele. A irmã
dele, mais nova era muito amiga da Dinaris.
Quando eles resolveram casar ele pediu a mão dela.
Não foi em casa. Foi num clube, no Ideal, o maior clube lá de Manaus. Convidou pra tomar uma champanhe e aí ele fez o pedido.
A mãe de Dinaris, dona Iaiá, não ficou chateada que
ela judeu, porque era muito amiga da família. A mãe dele era muito boa. Gostava muito da dona Iaiá. A mãe dele recebeu bem. Só quem não recebeu muito bem foi a irmã do meio, que não queria o casamento porque ela era católica e ele era judeu. Mas eles não se incomodaram com ela.
O casamento
foi em casa, não na igreja.
Prepararam um altar lá em casa, puseram Nossa Senhora, e ela casou-se lá.
Agora, só não recebeu a benção, que o padre disse que não podia dar a benção, porque ele não era batizado. Só ela que recebeu a benção.
Dinaris e Seu Siqueira Foram morar na casa deles. Alugaram uma casa que dava os fundos pro palácio do governador. Uma vila que tinha. Chamava Vila Martins.
E eu fui morar com eles.
Seu Siqueira ia pro escritório e nós ficávamos em casa. De lá, o pai da Dinaris telefonava. Minha filha, você não quer vir almoçar aqui? Nós vamos comer... E dizia lá o que iam comer. Sei lá se era tartaruga, ou se era peixe. Ela dizia: Então eu vou. E ela telefonava pro escritório do seu Siqueira e seu Siqueira mandava um táxi e ia eu e ela pra casa do meu tio, e quando ele saia do escritório ia pra lá almoçar. Dinaris teve filho logo.
Ela perdeu dois... Aborto. Depois que ela teve o Rafael, que é o mais velho. Quando o Rafael nasceu, eu
fiquei ajudando com o Rafael. A mãe dela mandou buscar uma menina do interior, que era Esmeralda. Ela criou e tomava conta do Rafael. Então saia junto. A Esmeralda levava o Rafael e eu levava o Marco Antonio que era filho do Ubirajara, que era muito agarrado comigo, que eu criei também. Chama-se Marco Antonio. Ainda está vivo. Mora no Rio.
Quando Ubirajara casou, cuidei dele. Tomei conta porque ele era muito doentinho. Então eu ficava com ele, eu que
tomava conta dele, da roupa dele, dava mamadeira, essas coisas todas. E a Esmeralda cuidava do Rafael.
Aí
nasceu a Rute, filha da Dinaris.
A mesma coisa. Todos cuidavam.
E depois nasceu
o Zézinho. Foram os três. Aí ela teve mais dois abortos depois.
Luiza também cuidava, e continuava a cozinhar.
A Luiza se agarrou muito com os filhos da Dinaris. De manhã cedo nós acordávamos...Quando seu Siqueira descia, nós descíamos com ele no carro,
e ficávamos lá. Ele mandava o chofer levar a gente pra dar uma volta.
Íamos até a Vila Municipal, que fica um pouco distante. De lá voltávamos e
ficávamos
em casa.
Dinaris amamentou todos os filhos. O Zézinho já estava crescido e ainda dizia: Mamãe, eu quero pituca. Eu quero pituca. E ele ficava em pé
e ela na cama, dava o peito pra ele. Eu continuei na casa, e não voltei mais pra casa de dona Iaiá.
Namoro Ainda em Manaus eu tinha um primo que eu gostava dele, mas ele foi transferido pro Rio e ele pegou, uma pneumonia e morreu. Aí, eu nunca mais gostei de ninguém.
Ele era aparentado dessa tia que eu fui tomar conta quando ela esteve doente. Uma irmã do
bisavô
da Bárbara. Ela estava doente e eu fui pra lá pra tomar conta dela. E aí, começamos a namorar um pouquinho. O nome dele era Nilo. Quando ele foi sorteado pra ser soldado é que ele veio pra
Manaus. Pra fazer o serviço militar.
Ele era do interior, ele era de Juruá.
Daí, ele foi transferido pro Rio, e no Rio ele era escrivão do batalhão.
Escrevia cartas. Cada mês eu tinha carta dele.
A Dinaris dizia assim: Eh. Mariquinha,
não vai demorar muito a casar com ele. Mas aí foi o tempo que ele pegou essa doença, e morreu.
Nem fiquei muito triste porque já estava separada dele há muito tempo.
Aí não gostei mais de ninguém. Me dediquei às crianças, e pronto.
Vida em Belém
- Vida Adulta Todos mudaram de Manaus, pra Belém
porque seu Siqueira era gerente da Refinaria. Mudou-se pra Belém, e nós tivemos que ir pra morar em Belém. Seu Zozó e a dona Iaiá resolveram acompanhar o seu Siqueira pra Belém
porque não se separavam da Dinaris. Eram muito apegados. O pai dela chamava ela de minha princesa. Em Belém
morreu tio Zozó e depois de um tempo morreu dona Iaiá. Estava bem velhinha. Nessa casa, que foi todo mundo morar em Belém, era uma casa muito grande.
Seu Siqueira
tinha meios. Tinha escritório e ganhava do emprego dele. E ele tinha um escritório muito bom, muito surtido dessas coisas de arroz, feijão.
Todos os meses ele mandava meia saca pra essas casas de caridade. Ele mandava meia saca de feijão, meia saca de arroz, mandava frutas. Fazia muita caridade.
A Dinaris não tinha uma atividade fora, mas ela pintava muito bem, ela costurava e bordava.
Ela fazia flores, porque teve aula de flores no colégio.
Ela fazia rosas que o pessoal dizia que era natural. A Dinaris era
bonita. Todos achavam.
Tinha uma pele... Ela não se pintava. Era muito difícil. Tinha
uma pele morena que chamam morena cor de jambo. Era aquela cor... E o Rafael saiu com a mesma cor da mãe dele. Aquela cor bonita. O filho de Dinaris que mais cuidei foi
o Zeca. O mais novo.
Porque ela teve um aborto,
e enquanto ela estava de resguardo, eu tomei conta dele. Dormia comigo no quarto. De manhã eu dava o leite dele, saia pra passear, ia até o canto e voltava. Às vezes era de carro, às vezes era a pé. Mais com ele.
Era muito agarrado comigo e eu com ele. O Rafael, depois que ele cresceu namorava demais. Namorou até consulesa. Consulesa do Peru. Ele namorou muito tempo com ela. E então os amigos diziam assim: Mas, Rafael, tu namoraste com tanta moça, até com ... uma consulesa. Tu namoraste tanto e foi se casar com uma moça do interior. Agora o Rafael mora em Belém, e o Zeca mora em Manaus. A Esmeralda foi com o Rafael, que ela era agarrada com ele porque ela foi ama dele, tomou conta dele. Era
por demais que ela era agarrada com ele. Quando o Zeca foi morar em Manaus quem foi com ele foi a Luiza.
Eu não fui
porque eu
fui
ficando com a Dinaris. Era mais agarrada... Fui criada, a bem dizer junto com a Dinaris. Nós nunca ficamos separadas. Fiquei com ela
até ela morrer.
Quando ela morreu pra mim parece que eu nunca mais ia ter alegria.
Eu fiquei tão sentida, tão magoada com a morte dela. Eu vivia chorando com saudades dela. Ela morreu de Açucar. Subiu muito. E tinha pressão alta.
Não sei quantos anos ela tinha, mas estava bem conservada.
A filha Rute já tinha casado. Aí eu continuei na casa. Quando a Dinaris morreu, Seu Siqueira ficou conosco na casa.
Também fiquei eu, Esmeralda, e tinha uma lavadeira que era muito boa.
Ela arrumou uma...
No tempo da Dinaris, ela já estava namorando com ele.
Ele arrumou uma namorada enquanto ela ainda estava viva.
Ela era tão sem vergonha, que ela ia lá pra casa.
Era amiga da Dinaris, que não sabia.
Ela não tinha certeza, mas ela tinha uma amiga, senhora do seu Ferreira que dizia, Dinaris, você para... procura se afastar dessa mulher que ela está namorando com teu marido. E a Dinaris dizia assim: Não é possível. E era mesmo. Quando Dinaris morreu,
Seu Siqueira não casou com ela porque os filhos disseram o seguinte: Que ele não casava, porque ele tinha passado da idade e eles não iam deixar. Acho que não teve vontade mesmo de casar.
Não levou ela pra dentro de casa. Ele ia lá. Eu não gostava dela,
nem a Esmeralda. A Esmeralda então, não suportava ela. Dizia: Tenho vontade de jogar essa mulher da escada em baixo. Porque ela tinha traído a Dinaris. Ninguém gostava dela. Eu também. Uma vez ela me telefonou: Ah. Mariquinha, você não dá notícia. Eu disse: Não senhora. Eu não dou notícia porque eu sou amiga da Dinaris, não sua. E disse na cara dela, e aí ela contou pro seu Siqueira. Seu Siqueira passou bem uma semana todo dia de cara feia comigo. Mariquinha, você bateu o telefone na cara da Ieda?Eu disse: Foi, seu Siqueira. Bati porque eu disse que era amiga da Dinaris, não dela. E desliguei o telefone. E aí, a Rute cresceu, se casou e teve a Bárbara. A Dinaris já tinha morrido e eu fui morar com a Rute.
Não sai da família. Fiquei sempre ali.
A Rute adoeceu muito. Ela teve malária.
Tinha 40 gráus de febre,
morava na fazenda que o pai da Bárbara tinha, uma fazenda bonita em Marajó.
Aí eu comecei a tomar conta da Bárbara. Essa aqui deu trabalho pra criar, porque ela era pequeninha. Ela era de oito
meses.
Ela não abria os olhos. Então, as duas avós pensavam: Será que ela não vai abrir os olhos? A freira dizia: Não. É porque anda não está na idade que ela tinha que nascer. Porque ela foi tirada, porque
a mãe estava com muita febre e tiraram. E ainda ela ficou na incubadora não sei se foi dois ou três dias. Era pequeninha. O berço dela tinha duas lâmpadas por baixo pra dar o calor. Quando não, no colo da gente.
Eu tomei conta dela. Aí ela se agarrou comigo, a senhora sabe, e passei um ano estudando com ela na escola, porque ela não me deixava.
Eu ia deixar ela e quando eu ia saindo ela gritava e chamava: Mamama, mamama Chamava de Mamama. E a diretora disse assim: o jeito que tem é você ficar Mariquinha. E eu ficava com ela, sentada. A diretora mandou botar uma cadeira junto da banca dela e eu ficava sentada até acabar a aula.
Vida no Rio de Janeiro - Terceira Idade
Fomos para o Rio porque o médico receitou pra ir com a Bárbara, pra receber o ar da maré. Eu levava ela cedinho, descia com Bárbara no carro e ficava assim onde batia aquele respingo da maré.
Bárbara estava doente. Ela pegou uma febre que não passava. Acho que era
um micróbio não sei do que. Não sei se ela teve dois ou três meses de febre sem baixar. Era sempre com febre.
Quando mudamos para o Rio de Janeiro Bárbara era pequeninha. Chamavam pra ela foguinho porque ela era danada. Uma vez, estavam concertando o colégio, então a corda do sino caiu.
Parece que foi no segundo dia que ela foi pra aula.
E ela pegou aquela corda, bam bam bam. E era a chamada certa das freiras pra ir ajudar a superiora. E as freiras correndo de um lado pra outro. E ela no sino batendo...
Era a menor do colégio. Inventaram uma quadrilha e ela era a primeira. Ela e o filho do governador, também pequeno, que dava pra ser o par certo dela. Quando diziam balancê , pra rodar,
ela que
rodava. Ele caia. Ele ia pra um lado, ela caia pro outro.
Então as professoras diziam assim: Ah. Meu Deus, a Bárbara é a graça do colégio. No Rio nós morávamos
na casa da dona Vera, no Leblon.
Na casa do seu Bento, do irmão do pai de Bárbara.
O pai de Bárbara tinha fazenda, depois ele tomou conta do restaurante.
Encontrei minha irmã no Rio. Tinha ido pra casa da tia Clara quando ela estudou à noite e conseguiu se formar. Recebeu o diploma, e tudo. Ela costurava bem. Ela era costureira também.
A minha irmã, sabe, saiu de casa, morava sozinha num quarto. Não ficou mais morando na casa de ninguém.
Alugou um quarto e começou a viver a vida dela. Por conta dela, que ela ganhava. Não sei se ela chegou a casar. No
Rio parece que... ela se casou ou se amigou com algum. Eu sei que ela tinha um que morava com ela.
A Mãezinha, essa que era diretora das Filhas de Maria,
protegeu muito ela.
Vida em São Paulo
- Velhice No tempo que a Bárbara terminou o ginásio lá em Manaus,nós viemos pra São Paulo.
A
Rute já
tinha comprado um apartamento e fico até hoje lá. Todo mundo dizia que eu
não ia me dar bem. Que o pessoal daqui era muito fechado, Quando eram amigos, eram amigos, mas quando eram inimigos não ligavam. E eu vim e graças a Deus me dei bem. A Rute morava com uma senhora alemã, dona Catarina. De modo que eu vim e conheci logo dona Catarina. E tinha um rapaz da
polícia, que a Rute sofreu um desastre, ele acudiu botou no hospital pra tratar.
Vida Atual
Eu tenho muitas amigas aqui em São Paulo,
graças a Deus.Tenho uma que ela me chama de irmã. Que é a dona Ivone.
Eu conheci dona Ivone porque ela se deu com a dona Maria, aquela senhora que me levava
pra eu fazer minha oração. Dona Maria, uma senhora que tinha a mão aleijadinha, a mão dela era pequenininha. Dona Ivone
começou a gostar de mim, telefonava, as vezes ela pedia pra mim fazer compras e ela me dava o troco,
Foi se dando comigo. E todo dia ela me telefonava, e assim fomos ficando amigas. E até hoje. Então, ela diz que é minha irmã. Que ela acha que ela foi minha irmã em outra encarnação.
Bárbara foi crescendo...casou-se,
e eu
não fui morar lá na Inglaterra com a Bárbara, porque é muito frio. Eu tenho muito frio. Tenho medo.
Eu gosto de trabalhar em casa, mas hoje eu não faço mais nada. Porque eu não enxergo. Quem faz meu prato é a Rute. Quando ela vai pro escritório, que ela não pode vir almoçar, ela deixa meu prato feito. É só meter no microondas, esquento e como.
Na televisão, primeiro me interessava muito pela novela, agora não ligo mais. Tem dia que me aborrece e desligo a televisão. Rádio eu gosto, mas nós não
temos em casa. Só televisão. Não saio sozinha. Porque tenho as duas pernas fraquinhas e tenho as duas mãos quebradas.
Essa, no dia que eu me operei da vista,
cai e quebrei. Dona Ivone, todo dia ela quer que eu vá lá, ou então ela vai lá em casa. Ela mora
no mesmo predio. Em cima.
Tem dias que ela e a dona Arminda as vezes me levam coisas. Eu estou deitada e elas me levam chá, ou café com leite. Graças a Deus, sou muito querida ai, com essas duas.
Lembranças marcantes Foi o tempo que eu ia pra praia. A gente arrumava canoa, com farinha, essas coisas todas e duas faias pra remar.
Quando era assim pelas quatro e meia já procurava as praias bonitas pra gente dormir. Aí
armava a rede e o mosquiteiro na praia. A gente passava um mês pelas praias.
Por passeio. Ia dona Iaiá, tio Zozó,
bisavô da Bárbara, as meninas e
juntava uma irmã desse bisavô. Também
ela ia num batelão com os empregados dela e nós íamos noutro. Íamos num batelão grande, remado à faia. A gente comia tracajá e
tartaruga. Fazia um buraco na areia, por causa do vento e aí fazia o fogo, fazia comida, botava uns ferros, uma coisa qualquer e fazia comida aí.
Cozinhava. Se era
peixe assado, assava ele, se era
peixe cosido...
Os peixes, a gente pegava. Levava a rede de lancear. As vezes, nós tinha jantado e tudo,
e a gente ia até a casa de Correia. Se
viam cardume de sardinha, chamava os empregados:
Isaac, bota a rede na água e vamos pegar a sardinha. E lá eles pegavam aquele monte de sardinha. Eles mandavam puxar assim calçada e tiravam.
Mandava pra irmã dele,
mandava pro juiz de direito, mandava pra casa do irmão da dona Iaiá, e o resto ele deixava na calçada. Quem quizer peixe, venha buscar. Aí chegava gente, pegava aqueles peixes e levava tudo. A gente dormia em rede, ou os dois rapazes que iam com a gente no batelão, saiam pra procurar um pau forte pra botar a rede, pra seu Zozó, pra dona Iaiá e as meninas dormiam na areia. Faziamos nossa cama ali na areia. Forrava com cobertor Não chovia muito. Raramente.
Quando chovia, a gente tinha a casa. Eles faziam uma casa de praia de folhas que eles chamam capim grande.Engraçado, que quando chove... Senta na rede, senta na rede, que o vento pode levar. Pra fazer peso, porque na praia o vento é muto forte. Dá aquele remoinho. Eu gostava de andar na praia, tirar a roupa,
juntar ovo de gaivota. Ovo de gaivota é o mesmo que de galinha. Dá pra comer, pra fazer bolo, essas coisas. Só que é de cor. É azul, as vezes é pintadinho. Mas, é direitinho ovo de galinha.
Nós
nadávamos. Agora, quando a gente ia pra praia, ninguém não tomava banho porque não sabia... Devia ter muito bicho. Mas, lá em casa nós nadávamos, tomava banho. Cada um tem seu cedro.
Quando o Solimões está cheio, desce cada cedro enorme. E aí pegam.
E lá, a dona Iaiá mandou pegar um comprido, e lavava roupa em cima. Estende na areia pra quarar, tira, estende. Quando vai pra casa, a roupa está quase seca, porque ela mandou passar uns cordãos assim pra estender
a roupa. A lavadeira ia com a gente.
Era uma senhora muito boa.
De modo que aquilo pra mim era um paraiso.
Sonho
Recuperar a vida da Dinaris. Porque foi o tempo mais feliz que eu passei na minha vida, quando eu morei com a Dinaris. Ainda tenho muita saudades. Acho que eu tenho a Dinaris assim como minha irmã. Dormíamos no mesmo quarto, saíamos sempre juntas, acompanhava ela.
Era muito agarrada com ela.
Mensagem à Bárbara
Quero que ela seja muito feliz, que viva bem unida com o marido dela, que ele também é muito bom. É o que eu digo sempre pra ela.
Depois de casar fica sempre unida, não se separe... E quando ela veio só,
ela só vivia chorando com saudades
dele.
E ele também de lá.
Eu digo: ]Oh. Minha filha,
quando você vier, traga seu marido. Não venha mais só. Não tem sossego.Recolher