P/1 – Então, eu queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, data e o local de nascimento.
R – Tá bom. Posso só falar Adriana Costa que é como eu gosto?
P/1 – Uhum.
R – Tá. Eu me chamo Adriana Costa, tenho 34 anos, nascida no dia seis de março de 1986, em ...Continuar leitura
P/1 – Então, eu queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, data e o local de nascimento.
R – Tá bom. Posso só falar Adriana Costa que é como eu gosto?
P/1 – Uhum.
R – Tá. Eu me chamo Adriana Costa, tenho 34 anos, nascida no dia seis de março de 1986, em São Paulo, capital.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – O meu pai se chama Ademir da Costa e a minha Maria Lúcia Ataíde de Souza Costa.
P/1 – E você sabe a atividade profissional deles?
R – Hoje meu pai é aposentado e trabalha também como motorista de aplicativo. E a minha mãe trabalha com pesquisa, mas eu não me lembro especificamente qual o cargo, acho que gerente ou algo do tipo.
P/1 – E onde eles nasceram?
R – A minha mãe nasceu em Marília e meu pai nasceu em Tupã, interior de São Paulo.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Até onde eu sei os meus pais se conheceram por causa de fotografia, os dois sempre gostaram muito de foto, eu não tenho muita certeza, mas eu sei que foi no ônibus, acho que meu pai estava com álbum de fotografia na mão no ônibus sentado e a minha mãe estava do lado, e aí sabe quando você dá uma olhadinha assim e puxa o assunto? E aí começou por aí, eles sempre moraram próximos, minha vó materna morava na rua de cima e a minha vó paterna na rua de baixo, meu pai e minha mãe moravam próximos, então pegavam sempre o mesmo ônibus, basicamente no mesmo horário também, e aí foi por causa de fotografia que eles se conheceram.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Eu tenho um irmão mais novo, chamado Yuri, que inclusive hoje é fotógrafo (risos).
P/1 – E como é a relação de vocês?
R – Bom, talvez não seja o mais ideal quando a gente pensa em família, os meus pais se separaram eu tinha nove anos, meu irmão tem uma diferença de cinco anos mais novo que eu. Eu costumo dizer que eles se conheceram basicamente para ter a mim e o meu irmão, porque eu acho que eles não têm nada a ver um com o outro, cada um na sua particularidade. Meu pai é mais pacato, gosta de não fazer muita coisa, ele é mais... Segue o padrão de não ter novidades. Já minha mãe é muito agitada, gosta de ter novidades na vida e estudar, enfim, ter coisas, estar ativa, né? E meu pai gosta mais de um sedentarismo, digamos assim. O meu irmão morou com a gente... Quando os meus pais se separaram, a minha mãe [foi] quem saiu de casa, eu fiquei com meu pai e meu irmão, e aí meu irmão quando começou a trabalhar, estudar, trabalhava próximo ao metro, e a minha mãe morava até então na Vila Prudente e próximo ao metro, então ele ficava mais tempo lá pela locomoção, da praticidade da locomoção, e foi ficando lá, até que ele se mudou um dia e a gente nem sabe dizer quando foi. O meu relacionamento com o meu irmão... Ele ficou mais legal depois que a gente ficou mais velho, porque quando a gente era criança éramos pragas, a gente não conseguia se entender, principalmente quando eu fiquei mais adolescente e ele ainda era criança, então ele queria fazer coisas que eu não concordava, mas a gente tem altas histórias de brigas e de companheirismo também, né? De brigas na infância e depois de companheirismo agora depois de mais velho. A minha mãe, como ela saiu de casa a gente era muito novo e a gente não entendia muito bem as coisas que estavam acontecendo, e ela saiu basicamente sem nada, sem objetos, sem bens, sem nada, ela foi morar num pensionato, então ela precisou trabalhar muito para conseguir se manter, e quando se trabalha muito se tem pouco tempo, então a gente quase não tinha muito contato, apesar dela sempre ligar e tal, mas contato físico, presente, a gente não tinha muito. Depois de mais velha, uns vinte e tantos anos, mais ou menos, foi quando a gente começa a entender, tem a maturidade e começa de fato a entender as coisas que aconteceram, eu sou muito curiosa então eu fui perguntando o que tinha acontecido, enfim... E como foi ela quem saiu de casa, e meu pai também precisou ficar cuidando de duas crianças, algo que é incomum a homens, e o fato dele também não ter tido um pai, o pai dele morreu ele era muito novo, eu acredito que foi um grande desafio para ele. Então ele trabalhava muito e quando chegava em casa estava exausto, então a gente, apesar de estar próximos, também não estávamos próximos. É um relacionamento que eu digo, dos três né, meu pai, minha mãe e eu, de muito carinho e muito amor, mas talvez com não tanto vínculo afetivo, na minha perspectiva, não sei para eles, mas como sou eu que estou falando... Então acho que poderia ter um pouquinho mais de vínculo, mas também são coisas do passado que se eu me coloco no lugar deles hoje, não sei se conseguiria fazer diferente, então não os julgo por isso.
P/1 – E você lembra do dia da separação, do momento que sua mãe saiu da sua casa, você tem imagens desse dia?
R – Tenho, tenho. Eu não me lembro o dia, assim, mas eu sei que eu estudava no período das onze as três horas, e perto de onde a gente mora tem um santuário, e é um lugar muito bonito, cheio de árvores, para além da religião é um lugar muito gostoso. Era próximo da minha escola, então eu me lembro que semanas antes desse dia, eles tinham brigado muito, assim, eles colocavam a televisão no volume mais alto e as vezes era de madrugada, naquela época de madrugada nem tinha programação na televisão, então só ficava aquele chiado, e aquele chiado para mim é algo muito significativo, porque eu lembro e isso para mim está relacionado a discussão, não me lembro qual era o teor da discussão, nem nada, mas sabia que algo não estava muito legal. E por diversas vezes eu chegava da escola e via que tinha uma mala no quarto deles, alguém ia embora, mas nunca ninguém ia, e esse alguém era o meu pai. Então ele nunca tinha essa coragem, digamos assim, de pegar e ir embora. E acho que a coisa foi ficando tão insustentável que a minha mãe falou: “Não, então deixa que eu vou”. E no dia que ela decidiu ir, ela primeiro foi me levar antes no colégio, então ela me levou no santuário, eu lembro que a gente sentou em um banco, eu consigo lembrar exatamente qual era o banco, e ela falou que não estava mais feliz, que não estava dando muito certo e que eu ia chegar em casa da escola e que ela não ia estar mais, mas eu não entendi o que aquilo queria dizer. E depois que cheguei em casa e aí eu procurei e não vi, falei: “Nossa, mas cadê?” e aí minha vó, mãe da minha mãe, mora em frente da minha casa, e a minha tia, irmã da minha mãe, mora do lado, e eu lembro de falar com a minha vó e todo mundo sem saber como amparar, e foi muito traumatizante, assim, eu tenho lembranças pontuais, não muito claras, mas eu me lembro de dias depois, assim, na minha casa a gente tinha um sofá que era aquele sofá em L, sabe, de canto, e ela tinha muitos CDs de um cantor, não sei o que Augusto, esqueci o nome, e tinha uma música que falava “Agora aguenta coração”, nossa eu botava aquele CD e me acabava de chorar, e depois foi passando... É Renato Augusto? Ah, não me lembro qual o nome dele... Gustavo? Ah, não lembro. Mas eu estou ouvindo a música tocando aqui no meu ouvido. Mas aí depois foi passando e a gente foi se acostumando, porque aí a rotina entra de novo no fluxo sem a sua mãe, eu achava estranho porque eu contava “A minha mãe que saiu de casa”, a vida inteira “Nossa, mas a sua mãe que saiu, não foi seu pai? Geralmente é o pai que sai, né”, então eu sempre lidei... Mas também para mim é muito tranquilo, porque eu não tenho como saber como seria diferente, porque o que foi, foi assim, então não tinha como falar: “Ah, diferente para mim é você que no caso foi seu pai que saiu de casa, isso que é o diferente”, mas consigo sim me lembrar e lembrar que nossa, fiquei semanas chorando, fui para terapia, ai eu me lembro. Hoje eu dou risada, mas acho que na época deve ter sido bem chato.
P/1 – E nesse momento você se aproximou um pouco mais do seu pai?
R – Olha, eu me lembro que sim e que meu pai me diz, inclusive, que eu tentei tomar o espaço da minha mãe. Então eu meio que tratava meu irmão como filho e meu pai como marido, digamos, de querer arrumar a casa, ele chegava do trabalho e eu já tinha lavado a louça, por exemplo, não alcançava a pia, mas colocava uma cadeira e arrumava a casa, enfim. Acho que sim, que a gente se aproximou, mas que também não, porque ele também tinha os tempos de trabalho e chegava muito cansado, então a gente tinha pouco tempo junto, mas eu acho que de alguma maneira por um período sim. Logo na sequência, depois que eles se separaram, o meu pai começou um relacionamento que dura até hoje, já faz 24 anos, então ela também sempre esteve muito presente, e a gente sempre teve alguma pessoa que trabalhasse em casa, não só para cuidar da casa, mas como da gente, porque, apesar de ter nove anos e tentar arrumar, uma criança de nove anos não consegue dar conta de uma casa, né? Então a gente sempre teve pessoas que ajudavam e que não só ajudaram na questão do arrumar, mas como do acolher e do afeto, consigo me lembrar de todas elas com muito carinho em momentos muito significativos da vida, tipo a primeira vez que menstruou, primeiro namoradinho, essas coisas sempre tiveram algumas mulheres que não minha mãe, mas que estavam ali para me assessorar, além da minha tia e da minha avó.
P/1 – E essa companheira do seu pai foi morar junto com vocês ou não?
R – Não, ela não mora junto com a gente, ela mora próximo. Ela já era amiga da família antes e eu acho que quando os meus pais separaram, ela tinha se separado pouco tempo antes também do marido, e foi pelo mesmo motivo que eles se separaram, ela com o marido e meu pai com a minha mãe. Eu acredito, não sei, porque eu também nunca conversei muito sobre isso, mas que pela mesma dor eles se solidarizam e acabaram ficando mais próximos. Ela tem três filhos, que são basicamente da mesma idade que eu e meu irmão, só a mais nova que tem um pouco mais de diferença, talvez que uns sete anos de diferença do meu irmão que é mais novo, mas a gente sempre saia também, as famílias todas juntas, ia viajar, fazia muita bagunça (risos), esses meninos eram uns capetinhas, então a gente sempre esteve muito junto. E a companheira do meu pai também soube se colocar no lugar dela, digamos, de não invadir o espaço de mãe, porque ela sabia que ela não era nossa mãe, e também em nenhum momento ela se colocou como madrasta, ela sempre foi a companheira do meu pai. Então quando a gente dava abertura para algumas coisas, porque a gente, eu e meu irmão, a gente também ficou muito na retaguarda, com medo das coisas, enfim, de repente, sei lá, que ela levaria meu pai embora e a gente ficaria sozinhos também, então a gente ficou muito na retaguarda, não dando muita confiança, talvez isso dificultou o processo de ter um vínculo a mais com ela. E depois de muito tempo, agora, mais madura e entendendo melhor os processos, se colocando no lugar mesmo, foi que eu vi que ela teve assim, muita coragem de aturar a gente criança, ali, super pestinhas, porque, não que a gente maltratava, porque a gente queria, mas o medo de que ela tomasse o nosso pai nos fez ser um pouco mal educados com elas, então depois de mais velha, eu, particularmente, conversei um dia com ela, pedi perdão por tudo que eu tinha feito, mesmo sem querer, mas que ficasse assim, uma data marcada de “Olha, me desculpe por tudo isso, hoje isso não significa mais nada para mim e agora daqui para frente é uma nova etapa”.
P/1 – E você lembra da casa onde você passou a sua infância?
R – Lembro porque eu moro lá até hoje (risos). Eu adoro aquela casa, é uma casa que ela é germinada com a casa da minha tia, então ela é casa gêmeas, né? E eu lembro que quando eu era criança, eu tenho uma prima dois anos mais nova que eu, e como a parede é colada, as vezes a gente queria falar alguma coisa, a gente tinha um código, então a gente batia na parede e falava, o nome dela é Camila, então eu batia e falava “Camila tchá tchá tchá” e a gente já sabia que era alguma coisa que a gente tinha que ir para rua rapidinho para gente se falar. Na frente da casa da minha avó tinha uma árvore, nossa, uma árvore muito fininha, mas que a gente adorava aquela árvore, e a gente brincava de piquenique de baixo da árvore, não fazia uma sombra, mas a gente passava horas ali, e eu me lembro também que nessa casa, minha família sempre foi muito católica, e passava as santinhas de casa em casa, cada dia a santinha ia numa casa e tinha uma sacolinha para dizimo, oferenda, sei lá como chama aquilo, e eu não sabia que aquilo lá era da santa, e eu e minha prima a gente achou aquele monte de dinheiro, e eu falei “Nossa, é nosso”, e a gente pegou aquele monte de dinheiro, do lado tinha tipo uma bomboniere, a gente acabou com o dinheiro da santa comprando doces para fazer piquenique (risos), não sei se alguém descobriu que foi a gente, provavelmente, porque a gente não tinha dinheiro para comprar esse monte de doce, de repente a gente chegou cheia de doces em casa, mas foi muito legal isso, ter essa lembrança. A casa é bem bacana, é uma casa grande, até. Quando eu fiquei mais mocinha, a gente dividia o quarto, então onde era lavanderia se transformou no quarto do meu pai, onde era o quarto do meu pai foi do meu irmão e o que era meu mesmo, nosso né, meu e do meu irmão, ficou para mim. E é até engraçado, porque agora eu estou noiva já há um tempão, namoro há dez anos e recentemente a gente adquiriu um apartamento, então foi um processo um pouco doloroso pensar em me desfazer de uma casa... Me desfazer assim, porque continua sendo do meu pai, mas sair dali para ir morar em outro lugar que é completamente diferente, uma casa que não tem quintal, uma casa que não é casa, é um apartamento, e que é super pequeno, mas são coisas que a gente precisa avançar na vida. Então depois de uns quatro anos, eu consegui me desapegar (risos), e querendo ou não a casa também está ali. Outra casa que também me marca muito é a casa da minha vó, que é uma casa incrível, para além de ser casa de vó, é uma casa que ventila muito, e sabe quando ventila que vem assim os cabelos? Eu cortei o cabelo agora, mas antes era comprido então vinha o cabelo esvoaçante e tal, e uma luz muito boa, ela tem uma plantação de roseira, então nossa, eu consigo me lembrar de quando criança sentada assim: “Vó, quero comer ovo frito” e ela vim com um ovo maravilhoso, que era um ovo frito, nada de mais, mas de me sentar no pé da escada, assim, sentindo o sol e o vento e comendo um ovo frito olhando para a roseira (risos).
P/1 – E você consegue lembrar de alguns cheiros dessa casa?
R – Ai, consigo, consigo lembrar de bastante cheiro. Tanto da minha vó, quanto da minha tia. Minha tia usa um desodorante, não lembro o nome, mas é um frasco rosa de apertar e sair líquido, não é aerossol, nada disso, e é um cheiro muito marcante da minha tia. Minha vó usa um sabonete também que é Alma de Flores, se não me engano, que é muito cara de vó, talco, sabe, muito. A minha vó não é muito fã de fazer comida, então, assim, não é uma coisa “Ai, comida de vó”, agora depois, tadinha, ela já tem quase noventa anos, então ela já não cozinha mesmo, quando vai cozinhar queima o arroz, não lembra que a panela está no fogão, mas quando era mais nova me lembro sim de algumas comidas. O ovo era algo que ficou muito marcante para mim, mas cheiro dela, sabe? A textura do cabelo dela, ela coloca um tic tac ou um grampo e aí de ajudar a prender, ou as vezes, ela até hoje gosta de pintar o cabelo, então de ajudar ela a pintar o cabelo, o cheiro da tinta que ela usa a vida inteira, eu consigo. E não só o cheiro, a textura, é engraçado isso.
P/1 – E você consegue se lembrar do bairro, mas naquela época, e as transformações que aconteceram?
R – Consigo. Bom, a minha rua… A minha avó quando foi morar lá, disse que só tinha ela e mais um vizinho e o resto era tudo mato, não me lembro muito disso, eu vejo... Acho que tinha algumas fotos de crianças que aí eu via que realmente a casa não tinha muitos vizinhos, quando os meus pais construíram a casa onde a gente mora hoje, do lado era um terreno abandonado e eu me lembro que meu avô durante uma época ficou cuidando do terreno, então ele plantava milho, tinha plantação de muita coisa, e era parede colada e o muro era bem baixinho, e eu me lembro uma vez a gente chegou de algum mercado, a gente foi fazer compras, e a gente guardava na lavandeira, tinha um armário, a dispensa era na lavanderia, que era no fundo da casa. E a luz só acendia lá, não tinha uma luz no corredor, e eu me lembro de ir perto da porta da lavanderia e tinha aquelas aranhas peludas, sabe? Eu gritei muito aquele dia de ver aquela aranha, que era por conta da plantação, do terreno, não sei se da plantação ou pelo terreno ser um terreno abandonado. Depois venderam o terreno e começaram a construir uma casa que ficou anos para construir, então tinha invasão, gente entrava e eu morria de medo de gente entrar em casa. Perto lá de casa também, tinha, hoje até, um CDHU [Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano], construíram muitos prédios, mas era o que a gente chamava campinho da voite, então era um campão de futebol, de terra, e era lá onde a gente andava de bicicleta, então nossa, muitos tombos a gente caiu ali, era terrão mesmo, vermelho, em um calor ia andar de bicicleta e aquele terrão levantando e um pouco mais perto de casa também tem um espaço que a gente chamava de retão que é uma rua reta (risos), e que lá a gente também andava de bicicleta e eu meu lembro que meu pai fez um carrinho de rolimã para o meu irmão e tinha uma descida, e aí o carrinho de rolimã era incrível, tinha freio não sei aonde, eu sempre fui medrosa e não andava naquilo, e aí o meu irmão tomou um rola que rasgou a bunda inteira na lateral, mas eu me lembro do lugar, ele sofreu e eu dei risada, não tem como não rir (risos), mas ele tem marca até hoje dessa... A metade do lado da bunda toda ficou no asfalto. Mas eu consigo lembrar, brincava muito ali, nossa... E de ver a evolução, hoje essa casa abandonada é uma creche do lado minha casa, como eu falei onde a gente andava de bicicleta é um CDHU gigantesco, ponto final de ônibus, onde era o retão hoje tem vários condomínios, empresas, enfim, totalmente diferente, mas que eu passo lá ainda eu consigo me lembrar como era antes.
P/1 – E quais eram as suas brincadeiras favoritas da época?
R – Olha, de criancinha, criancinha, eu não me lembro muito, mas de uns sete anos em diante, o meu avô comprou um sítio na Serra da Cantareira, e eu sempre gostei muito de mexer com terra, sempre, adorava, e aí o meu avô ia fazer as plantações dele e eu ia junto, então as minhas brincadeiras era plantar. E eu lembro que eu plantei uma árvore, mas até hoje não consegui ver a árvore porque depois ele vendeu o sítio e eu não vi a árvore grande, mas era um ipê-amarelo, me lembro disso. E ah, brincadeiras comuns assim, de boneca, eu sempre fui gordinha sedentária, então eu nunca gostei de correr muito, pique-esconde, esses negócios nunca gostei não, mas ia. E gostava de andar de bicicleta, aí quando fui ficando mais adolescentezinha gostava de ver “Malhação”, na primeira versão de Malhação que era na academia e tal. Brincava com algo que tinha a ver com terra e água, adorava, dar banho na boneca, dar banho não sei o que, lavar não sei o que, adorava mexer com água, até hoje gosto.
P/1 – E você tinha algum desejo profissional, assim, o que você queria ser quando você era criança?
R – Olha, eu acho que nada, na verdade. O meu pai sempre quis que eu fosse dentista, mas nunca foi uma coisa que me cresceu os olhos, eu achava: “Ah, tudo bem, vamos tentar, mas acho que não”. Em alguns momentos eu pensei em ser veterinária, meu pai uma época teve um viveiro gigante de passarinhos em casa e as vezes os passarinhos, quando ia botar o ovo, não sei, não entendo o que acontecia, mas elas morriam com o ovinho dentro delas, talvez morte do parto, não sei. E aí eu ficava muito curiosa para saber o porquê, o que tinha acontecido, e aí eu congelava as passarinhas e ia lá depois com bisturizinho e abria as passarinhas, e fazia uma cena, porque colocava luva, tinha aquelas roupas de médico, sabe? Isso tudo meu pai me influenciando a ser dentista (risos). Mas abria, não via nada de mais e aí eu jogava a passarinha fora. Depois de um tempo eu vi que não ia ser veterinária, porque, ai eu ficava com muita dó dos bichinhos, desde criança eu sempre tive cachorro, a minha vida toda, até hoje eu tenho cachorro, então eu ficava com dó, ia vendo o processo de envelhecimento, ou quando ficava doente, então eu falei: “Ah, acho que não é para mim”. E aí quando eu fui fazer faculdade eu também não sabia o que eu queria fazer, então eu cheguei na faculdade sem saber muito bem o que eu queria. Eu me lembro que eu sempre fui muito criativa, gostava de desenhar, de artes manuais e tal, e pensei em fazer moda. Eu estudei sempre em colégio público e teve uma vivência do colégio público, como se fosse uma excursão, dentro da faculdade, para ver como seria o dia daquela profissão. E aí eu fui, eu sou da periferia, então não achei que aquilo tinha a ver comigo, porque, sei lá, há doze anos, quinze anos atrás, a visão que eu tive, pelo menos naquela época, era assim, as meninas que estudavam chegando de carro, com motorista, todas elas muito magras, loiras e brancas, e eu falava: “Bom, acho que isso aqui não é para mim”, e aí desisti. E quando fui fazer faculdade eu falei para minha mãe: “Não sei o que eu faço”, fiz teste vocacional, mas ainda sim fiquei muito sem noção do que fazer e naquela época era novidade, não sei, curso de hotelaria, e a minha mãe: “Ah, faz, acho que é um curso legal” e fiz porque minha mãe achou que era legal, e terminei (risos) sem gostar de hotelaria, mas falei: “Vou terminar”, porque eu fui a primeira pessoa a me formar na minha família, então eu falei: “Não, eu vou terminar”, já no segundo ano eu sabia que não era aquilo que eu queria, mas fui, trabalhei na área e tudo mais, mas de criança não me lembro de pensar: “Ai, quero muito ser isso”, tanto também como nunca tive um ídolo, banda, nada disso, nunca um ator, ai, nossa, de ser apaixonada, não. Eu gostava de alguns, mas nada de ter poster, nada disso. As vezes me achava estranha por um “Ai, o que você quer ser quando crescer?”, “Ai, sei lá, qualquer coisa”, e ídolo também, mas, ah, foi assim então tá bom.
P/1 – E qual é a sua primeira lembrança da escola?
R – Bom, minha primeira lembrança na escola como prezinho, eu me lembro da minha mãe me levar para a escola e eu chorar absurdamente, nossa, chorava muito porque eu não queria ficar na escola, e eu tinha alguns vizinhos que eram da mesma faixa etária e estudavam na mesma escola, então a gente ia em bando. E próximo lá de casa também, morava uma das merendeiras, que trabalhava na cozinha e era amiga da família então por muitas vezes a gente ia junto, então parecia um pato e vários patinhos andando atrás dela. E depois não lembro de gostar... Nossa, eu lembro que teve um... Eu nunca gostei de dançar, assim, sempre fui muito desengonçada, adoro o ritmo, mas nunca foi para mim, e aí tinha festa junina, essas coisas, eu era a última, me escondia não queria de jeito nenhum, e teve uma época que na escola teve um concurso de dança, ia ter uma apresentação que tinha que subir num palco e eu tenho até foto chorando daquela época, porque eu subi no palco e fui dançar, eu não me lembro se eu cheguei a dançar e eu caí, mas eu sei que tenho uma lembrança terrível de palco, terrível de dor, então não sei se é a dor do medo, ou se foi dor de ter caído, boa que eu vou até perguntar para os meus pais, e toda bonita com cabelo com gel, uma roupinha bem bonitinha vermelha, mas eu odiei, então tenho um pouco dessa lembrança. E em festa junina também, de dançar emburrada, nossa, também tem foto minha emburrada com o meu primo porque eu não queria dançar de jeito nenhum, “Ai, tem que ir, tem que ir” e eu não queria e tem que ir, sabe? Depois, já um pouquinho mais velha, eu me lembro de estudar numa escola que também ficava no meio do mato, assim, então eu gostava muito do cheiro do mato, as vezes fazia sombra na lousa, o balanço da árvore, e eu tinha uma professora de artes que ela, não consigo lembrar o nome dela agora, mas ela foi muito significativa na minha vida, porque eu falava com ela que eu gostava do balanço da árvore, ela falou: “Deita de baixo de uma árvore e tenta desenhar o que você vê”, eu sou péssima desenhando, mas aí eu fazia umas colagens, as vezes pintava com guache, alguma coisa para representar, então até hoje quando eu deito de baixo de uma árvore e faço esse movimento de olhar, eu me lembro dessa professora e queria muito poder falar isso para ela hoje, sabe, do quanto que ela foi marcante na minha vida em todas as questões relacionadas a arte. Eu vou atrás dela para saber mais dela (risos).
P/1 – E nessa sua primeira escola, você lembra de algum professor que tenha te marcado?
R – Olha, eu acho que teve uma que chamava Isabel, mas só de ver foto, não lembro de histórias dela. Quando os meus pais se separaram, eu tive meio que um bloqueio da minha infância, então muita coisa dos nove anos para baixo eu não consigo me lembrar, eu me lembro das pessoas me falando ou de mostrando foto, vídeo, alguma coisa do tipo. Eu sei que, por terem me falado, eu gostava muito dessa professora e de ver foto e tal, mas não tenho lembranças muito dessa época, não.
P/1 – E por que você mudou de colégio?
R – Eu mudei porque lá era só o pré, aí depois passava para o outro que ia, ai não sei, acho que do primeiro ao oitavo, e o outro que ia do primeiro colegial ao terceiro, esse último para mim foi terrível, porque era uma escola que eu não gostava, não gostava das pessoas, não gostava do bairro, não gostava de nada. Ah, você vai estudando e aí você vai aprendendo a gostar, mas esse rompimento de ter que sair de uma para ir para outra, onde a maioria dos meus amigos tinha ido para uma outra escola que era na Lapa e eu ter que ir para aquela, nossa, para mim foi terrível, mas aí depois você vai conhecendo as pessoas e passa.
P/1 – Então esse último colégio já foi em outro bairro?
R – É, ele era próximo, porque o Jaraguá é um bairro grande, que eu não sei explicar, mas é um bairro grande que tem mini bairros dentro. Então, por exemplo, eu moro no Panamericano e a escola que estudei que foi essa última ficava no Cidade de Abril, mas era próximo, assim, algo de carro coisa de quinze minutos, não é muito longe não. Mas eu não gostava mesmo, pelo que as pessoas falavam na época, que tinha muito maloqueiro, essas coisas, de “Ah, não, as pessoas que estudam aqui não tem muito futuro” e eu ficava com medo de não ter futuro, não quero ir para uma escola que eu não vou ter futuro né. Mas aí depois você vê que não é nada disso, que tinha sim muita responsabilidade, a gente foi muito assessorada, tinha lá uns professores que não eram lá aquelas coisas, mas me lembro muito do professor de Física, por exemplo, acho que foi o primeiro contato com homem gay que eu tive na vida, e ele me trazia tanta inteligência que aí não teve espaço para entrar preconceito nesse sentido, porque a figura que eu tinha dele era de um cara tão incrível, tão inteligente, ah ele era um pouco afeminado e tal, tinha uns trejeitos, mas para mim aquilo não significava nada. E eu adorava ele, o nome dele é Marcos, e nossa, para mim isso foi muito significativo, sabe? De ver o quanto que ele tinha força, ele sabia que ele era gay, ele sabia que ele passava por preconceito até na própria escola, mas mesmo assim ele não estava nem aí, isso para mim, nossa, foi muito incrível. Eu aprendi muito, ele nem sabe disso, mas eu aprendi muito a dizer: “Não estou nem aí para o que você pensa” me vendo na vivência com ele.
P/1 – E nesse colégio você fez amigos? Como vocês se divertiam fora do colégio?
R – Então, eu sempre fui uma menina que namorei muito, então quando a gente namora, não tem muito espaço para amigo, infelizmente, não deveria, mas essa época foi uma época muito significativa para mim. Eu vou voltar um pouquinho e vou contar no colégio do meio. Quando eu estudava, acho que na sétima para oitava série, eu tinha uma melhor amiga, chamada Lívia, e uma outra chamada Juliana, elas moravam na mesma rua, uma rua sem saída, a Lívia morava mais perto do final da rua e a Juliana um pouco mais para baixo. E a Juliana tinha um irmão chamado Alexandre, tem até hoje né, e a Lívia era aquela coisa de fulano que gosta do ciclano, que ciclano que gosta de... Sabe assim? Então a Lívia gostava de um menino, não, eu gostava de um menino, Beto, Beto gostava da Lívia, Lívia gostava de outro, ninguém ficava com ninguém, e eu era muito tímida naquela época, nossa, muito, muito tímida. E aí a Lívia não estudava comigo na mesma sala, a Juliana estudava, e eu me lembro de ter... Às vezes, naquela época, tinha um programa da prefeitura que chamava “Leve Leite”, não sei se existe ainda hoje, e que eles davam, a escola dava, a prefeitura né, dava... Era do governo, não sei se da prefeitura exatamente... E eles davam quilos de leite em pó numa lata gigante, e o dia que era para levar a lata era um parto, porque quem que queria levar aquilo e para a gente era uma vergonha sair com aquilo andando para pegar ônibus, sabe? Então quando era dia de - todo mês tinha - quando era dia de ganhar o leite, os irmãos das amigas iam lá para levar os leites, que eram os irmãos mais velhos e tal. E também tinha na saída da escola, os meninos iam ficar vendo as meninas, essas coisinhas de adolescentes, sabe? E aí eu conheci o irmão da Juliana, que chama Alexandre, e conheci também um amigo dele que chamava Bruno, mas era assim, tipo “Ah, tá bom, conheci o irmão da minha amiga” e passou. E de tempos em tempos eles iam lá fora do dia do leite, de entregar o leite, eles iam lá e eu sempre apaixonadinha pelo Beto, ai o Beto aqui, o Beto ali, não sei o que. Aí teve um dia que a gente estava fazendo trabalho, eu e a Juliana, trabalho em grupo, e ela falou alguma coisa assim para mim: “Ai, Dri, você não sabe quem quer ficar com você”, eu falei: “Ai, quem?”, ela falou começa com B, nossa quase que eu caio da cadeira, “Ai é o Beto”, ela: “Não, não é Beto”, eu falei: “Quem é então? Não conheço mais ninguém” e ela falou: “O Bruno”, e eu: “Bruno? Não sei nem quem é Bruno”, e aí passou, era época de meio de ano, que tinha quermesse essas coisas, e aí conheci o Bruno em uma quermesse. Nossa, estava muito frio, aí a gente ficou, mas aquela coisa bobinha de adolescente, eu devia ter uns treze, catorze anos, e a gente ficou. Eu não levei muito a sério, porque até então eu gostava do Beto, não gostava do Bruno, então ah, só fiquei. Só que o negócio foi ficando mais sério e ele morava em Santo Amaro e a mãe dele morava aqui, e ele morava em Santo Amaro com a vó, e aí ele começou a vir com mais frequência, buscar na escola e a gente foi ficando, foi ficando uma coisa séria até que ele se tornou o meu primeiro namorado. E quando, eu não me lembro de muitas coisas, mas eu lembro que foi muito intenso, ele me tratava com muito respeito, diferente de ver os meninos da época que era só zoação e não queria nada sério com as meninas, ele sempre me tratou com muito respeito e isso para mim também foi muito significativo sabe? Eu gostava de um menino que não estava nem aí para mim e de repente tinha um outro que eu nem imaginava e que me tratava como uma rainha. Bem, a gente ficou juntos acredito que mais ou menos uns seis meses, até que teve um dia que a gente... Meu pai, a família muito grande, né, com as irmãs da namorada do meu pai, mais os filhos e cada um leva um amiguinho, então a gente viajava em comboio, sempre ia muita gente. E aí eu perguntei se o Bruno podia ir viajar com a gente para a praia e o meu pai disse que sim, conversou com a mãe dele, todo mundo aceitou e tal, beleza, e aí a gente foi para a praia, para Itanhaém, litoral de São Paulo, em 2000, final do ano de 2000. E aí chegando nessa praia, o Bruno faleceu afogado e para mim isso foi muito, muito marcante, porque ele faleceu uma semana antes dele fazer quinze anos, foi meu primeiro contato com a morte, primeiro contato com o amor e com a morte, de alguém que foi tão significativo para mim, num contexto de juventude e de descobertas e, ao mesmo tempo, de perdas. E demorou muito para cair a minha ficha de que o Bruno tinha morrido, ele morreu afogado porque teve câimbra, então ele não conseguiu sair da praia, eu quase morro junto com ele, porque a gente estava próximos e aí ficou num ciclo dele me afogar para respirar e eu afogava ele, ficava nessa troca. E durante muito tempo eu não consegui entender o que isso significava, foi a primeira vez que eu vi o meu pai chorando muito, e ele não teve coragem de chegar para mim e dizer: “O Bruno morreu” porque demorou mais ou menos uns quarenta minutos para resgatarem o Bruno do mar e a gente estava sentado na área esperando, não entendendo ao certo o que estava acontecendo, e quando o Bruno foi resgatado, eu vi ele saindo tossindo, então para mim o Bruno estava vivo, e aí o meu pai e a Selma, que é a namorada do meu pai, a companheira do meu pai, saíram na ambulância com o Bruno, tinha mais outros adultos na praia com a gente e a gente já foi em direção a casa e todo mundo arrumando mala, tomando banho, e tinha acho que dois dias que a gente tinha chego, e eu não estava entendendo aquilo. Eu continuei com a roupa de praia, sentada, esperando, olhando, esperando, esperando, até que meu pai chegou e passou direto, foi para o fundo da casa, a Selma chegou e falou para mim: “Seja forte” e eu fiquei esperando o Bruno. Aí eu fui até o portão e nada, fui até a praia e nada, falei: “Nossa, mas o que acontece que o Bruno não chega?” e só caiu a minha ficha quando a minha mãe chegou lá, porque não fazia sentido a minha mãe estar ali, né? E quando a minha mãe chegou e ela falou: “O Bruno morreu”, eu falei :“Não, ele não morreu, eu vi ele respirando, como ele morreu?” e aí depois que a gente foi que ele estava expelindo água do corpo e tal. Para mim aquilo foi muito marcante de, enfim, tudo que uma morte traz e né, jovem, o primeiro contato com o amor e o primeiro contato com a morte. Então isso foi bem marcante para mim. Na sequência, o Bruno tinha então o Alexandre, que era amigo e Alexandre tinha uns relacionamentos meio conflituosos com o pai, e quando o Bruno morreu, o Alexandre estava passando umas férias, digamos assim, em Rondônia, porque tinha brigado com o pai. Então o Bruno morreu em janeiro, dia vinte de janeiro de 2000, e quando foi em março o Alexandre veio para São Paulo e o meu aniversário em março, então a gente se reaproximou pelo meu aniversário, enfim, e ele querendo saber mais da morte do Bruno. Como ele era o melhor amigo do Bruno a gente foi ficando mais próximos, mais próximos, mais próximos, até que a gente começou a namorar. E era engraçado porque na época que eu namorava com o Bruno, eu achava o Alexandre assim, um cara muito babaca, ele destratava as meninas, usava, colocava apelidos, só que eu estava tão acabada emocionalmente que eu fui aceitando o que tinha, sabe? E na época ele tinha passado uma temporada fora de São Paulo, então ele tinha perdido o ano no colégio e aí eu estava já estudando nesse colégio que chamava Ana Siqueira, e aí eu falava para ele: “Pô, você precisa voltar a estudar, precisa voltar a estudar”, ele era mais velho, mas eu não me lembro quantos anos, acho que uns quatro talvez, e aí eu falava para ele que ele tinha que voltar a estudar, e aí ele voltou a estudar basicamente no mesmo ano que eu, ele era um ano mais novo, um ano inferior, acho que eu estava no segundo, ele foi para o primeiro, alguma coisa assim. Então ele me privava muito de amizades, ele sempre dava um jeito de falar que aquela minha amiga não prestava, porque aquela minha amiga era vagabunda porque tinha ficado com não sei quantos. E eu estava tão sem autoestima que eu acolhia tudo que ele falava, então na hora do intervalo se não era para estar com ele, eu não estava com ninguém, e muita das vezes ele não estava comigo, e eu passava o intervalo sozinha. Então, às vezes, algumas amigas viam, porque eu tinha amigas dentro da sala, e no intervalo era com ele, então as minhas amigas de sala já sabiam tudo que estava acontecendo, quando viam que eu estava sozinha vinham ficar próximas, ele chegava, elas saiam um pouco, então ficava nessa coisa meio chata. E eu tinha também uma amiga, a Karina, que vivia um relacionamento muito parecido em questão de abuso, então a gente trocava muito em relação a isso. Então eu tive amizades muito marcantes em relação a apoio, porque mesmo sem saber tudo que era aquilo, a gente se apoiava. Tinha uma menina que tinha acabado de ter câncer, e naquela época a gente nem sabia o que era câncer direito, então ela era carequinha e a gente se solidarizava de alguma forma, então ela toda fragilizada pelo câncer, eu e a Karina fragilizada por um relacionamento abusivo e a gente foi criando vínculos. Algumas amigas do colégio anterior também estavam nesse colégio, então a gente ia ficando próximas de uma maneira ou de outras, mas o Alexandre me cercava tanto que eu não conseguia ter ar fora daquilo. Então eu não tinha amigas fora dali, a gente ia, na época a gente gostava muito de rock, então ia para show de rock, e a galerinha de sempre, os amigos dele, e as minhas amigas eram as namoradas dos amigos dele, não tinha amigas de fora. Eu costumo dizer que, assim, foi um momento muito triste da minha vida por ter passado por isso, mas ao mesmo tempo foi um momento muito bom, porque eu acho que tudo tem dois lados, e eu consegui aprender naquela época, jovem, que eu não podia aceitar aquilo como sendo um relacionamento saudável, porque não era. Então hoje se eu tenho um relacionamento que é um relacionamento saudável e duradouro, e que demorou para eu confiar e que demorou para eu confiar em mim mesma, inclusive, foi porque eu passei por isso, sabe? O Alexandre fez, nossa, muita coisa comigo, de sofrer, de me deixar triste. As duas mais marcantes foi eu pegar ele na cama com uma outra menina na casa dele, que para mim foi chocante, eu não tive forças a não ser chorar e passei a tarde chorando no colo dele, inclusive, para você ver como eu não tinha forças. E a outra foi que ele foi preso, ele roubou, um assalto a mão armada, e ainda sim, já sabendo que não era um relacionamento bom para mim, já sabendo o quanto eu era uma pessoa especial, ainda sim eu ia visitar ele no presídio e passava por tudo que se passa dentro de um presídio, em relação a visita, não é visita a palavra, é a revista, né, toda aquela humilhação, digamos assim, e mesmo assim eu fui. E vendo hoje, eu analiso duas situações, que claro, eu fui sim também por ele, mas que eu fui muito por mim, porque como eu disse, eu sou muito curiosa e eu não queria ter outra experiência dessa, uma experiência própria estando dentro da cadeia. Então eu fui aproveitar a experiência de uma outra pessoa para poder sentir, ver como que era isso, para saber mesmo que: não, não é isso que eu quero e nunca faça nada de erro, porque se fizer, vai estar aqui. Ao mesmo tempo que foi ruim, foi muito marcante. Eu acho que eu fiquei com o Alexandre uns oito anos, acho, foi muito bom de formação de caráter, isso foi muito marcante.
P/1 – Você começou a namorar o Alexandre, você ainda estava na escola e aí continuou após a sua saída da escola?
R – Sim, bom que você disse até. Quando eu fiz faculdade, eu fui fazer vestibular, a minha universidade era uma universidade paga, e eu prestei vestibular para duas universidades, e tudo bem que eram universidades pagas e eu não tinha muita noção de que universidade paga é mais fácil de entrar, enfim, e como eu sempre estudei em colégio público, eu achava que eu não tinha capacidade de entrar em nenhuma faculdade, já vindo também do processo de autoestima que ele cortou completamente. Então eu não me achava capaz, e no dia que eu fiz vestibular, no dia que saiu a resposta, na época tinha duas linhas de telefone na minha casa e meus pais combinaram de cada um ligar de um número para me dar a notícia, um de uma faculdade e outro de outra, e o Alexandre estava lá e eu atendi os dois assim: “Nossa, mas caramba para onde eu vou?” e eu me lembro da cara do Alexandre tipo: “Nossa, você não fez mais que sua obrigação, sabe, você tinha mesmo que ter passado, apesar de achar que você é burra, já que você passou então tá”, não teve um parabéns, sabe? Fui, me formei e tal, fiz faculdade, fiz faculdade e ainda estava com ele e era terrível, porque eu estudava no Bresser, então era um caminho muito longo e aí tinha trabalho de faculdade e um monte de coisa para fazer, aí não tinha muito tempo para ele, e não foi muito legal para ele. E aí foi quando ele começou a perder o controle sobre mim, porque já não era mais as pessoas que ele conhecia, que tinha como ele saber o que eu estava fazendo, ele não ia atrás de mim, assim, para período de faculdade, para conhecer os amigos. E nessa época também teve uma outra coisa histórica, que foi quando eu fiz redução do estômago, então eu tinha dezoito anos, eu pesava 130 kgs, então eu já não tinha autoestima, não tinha minha autoestima própria e aí foi um rompimento, sabe? Foi uma sequência de coisas de bom agora você vai para uma coisa completamente diferente da faculdade, conhecendo pessoas em lugares completamente diferentes, cada pessoa de um lugar, não era mais do bairro, então tinha gente de Zona Leste, de Zona Sul, de várias partes, então foi um processo externo e interno, de emagrecimento e de começar a observar que sim, as pessoas me olhavam com desejo, me admiravam, para além do meu caráter, mas pro físico também, sabe? E aí foi quando eu comecei a observar, falei: “Bom, acho que o Alexandre não é tudo isso que ele diz que é”, porque ele falava que só ele me queria e que ninguém mais ia me querer, eu falei: “Bom, não é bem por ai então está na hora de dar um basta nisso” e foi quando ele foi preso, então foi tudo uma sequência de coisas, né, eu visitei ele por pouco tempo, ele ficou preso também não me lembro quantos anos, mas como ele era réu primário, ele ficou um tempo no fechado e depois ele foi pro semiaberto e depois ele conseguiu, ah não lembro, mas conseguiu os documentos para vir dormir em casa, enfim, alguma coisa assim, mas aí a gente já não tinha mais contato, vez ou outra a gente se encontrava na rua, mas... Ai, teve uma vez quando a irmã dele casou, nossa, quando a irmã dele casou ela me convidou para ir no casamento e eu fui com uma amiga, estava começando a namorar com o meu noivo hoje, e ele não quis porque falou: “Ah, não faz muito sentido, seu ex lá e eu, e eu estou chegando agora e tal” e nossa eu estava radiante, sabe quando você se veste da melhor forma, você fala:“Hoje eu vou arrasar!” e ele estava namorando com uma menina já, que eu acredito que eles estejam juntos até hoje, até as últimas coisas que eu ouvi dele, e eu cheguei no casamento e ele passou o casamento inteiro atrás de mim, o casamento inteiro, e eu que sou toda destrambelhada me meti a besta a dançar e não estava nem aí, e a amiga que estava comigo, ela falou: “Nossa, Dri, você está com um brilho que não é seu”, eu falei: “É o brilho da vingança”, é o brilho de mostrar viu como eu era burra e não era capaz? Viu como ninguém nunca ia me querer? E que eu era gorda, que ele não queria andar... Ele tinha uma moto, que inclusive foi meu pai que deu para ele, ele não queria que eu andasse de moto com ele porque falava que eu parecia um saco de cimento atrás da moto, sabe? Então de ver toda essa volta por cima que eu consegui dar e ver o que ele é, digamos, o que ele é hoje, apesar de não ter muito contato, mas o que a minha vida se transformou e como a vida dele se transformou em algo que eu não invejo, sabe, então, nossa, foi muito marcante lembrar desse dia agora e ver o quanto eu estava radiante e nem aí para ele (risos).
P/1 – E durante a sua faculdade inteira, você estava acompanhada dele, namorando ele?
R – Não, foi... Eu acho que até mais ou menos, talvez o primeiro ano, metade do segundo, mas aí logo depois eu perdi um pouco da noção de datas, assim, mas ele logo depois foi preso e aí eu fiquei indo alguns meses que eu acho que, ah, sei lá, foi algo em torno de seis meses, digamos. Eu fiquei com muita dó da mãe dele, muita muita dó, porque já era uma família que não tinha muita estrutura, não posso dizer hoje, mas na época não tinha muita estrutura, tanto o pai quanto a mãe eram alcoólatras, então ver o quanto ele estava ainda ajudando a causar mais dor na família e ver aquela mulher desamparada cortava o meu coração. E ela se apoiava muito em mim, sabe, então eu me lembro que no dia que a gente descobriu que ele foi preso, ela me ligou de manhã achando que ele tinha dormido em casa e eu ainda estava meio grogue de sono atendi o telefone dizendo que ele estava, e quando eu acordei eu falei: “Não, ele não está”, e aí fui ligar para ela, falei: “Olha, você perguntou se o Alexandre estava aqui e ele não estava, o que aconteceu?”, ela: “Ai, nossa, pelo o amor de Deus, a minha última esperança é que ele estivesse aí, eu acho que ele morreu”, aí saiu eu e ela já doida para saber o que tinha acontecido e tal, ver que ele tinha sido preso por um lado foi um alívio né, de que ele não tinha morrido e tal, mas de ver ali o sofrimento, no primeiro dia ela não pode ver o filho e [ter que] esperar o dia da visita que demorou quase vinte dias para acontecer, e ela sem ter notícias, sem saber se ele tinha comido, coisas de mãe. E aí isso me solidarizou muito em relação a ela de, bom, eu não tenho filhos, mas eu posso imaginar qual a sua dor de estar passando por isso, então se apoia em mim. E aí muita das vezes que eu ia, lógico, como eu disse, foi por ele e foi por mim, mas também foi por ela, de visitar, porque você fica numa fila interminável. Primeiro que a visita começa um dia antes, onde você tem que fazer comida para todo mundo, não só para a pessoa que você vai visitar e que está presa, mas para todo mundo que está na cela porque a comida também é compartilhada, então você passa o sábado todo, no caso a visita dele era de domingo, passa o sábado todo cozinhando e cozinhando e cozinhando e coisas que não pode ter tanto capricho, porque chega lá os agentes penitenciários passam a faca em tudo para ver se não tem nada dentro, então ir no mercado, ajudar a cozinhar, embalar tudo, comprar as embalagens que tem que ser certinhas para entrar no presídio, pegar o trem de madrugada, o primeiro trem para ir, então aí você vê que naquele horário, parecia assim, você olhava para as pessoas você sabia para onde as pessoas estavam indo, porque era sacolinha padrão, que era uma sacola com zíper, como se fosse uma mala de viagem, digamos, de mão, e com o mesmo tamanho, quase que a mesma estampa, pegando trem naquele sentido, naquele horário, então você já sabia o que era, e aí sentávamos perto, assim, mas todo mundo calado, ninguém falava nada. As malícias que você pega também na fila da espera da cadeia que é fique quieta, não pergunte nada, mantenha tudo fechado, porque você não sabe se alguém vai jogar droga na sua sacola e a hora quem vai passar na visita quem cai é você, então, assim, sempre muita tensão. E era na chuva, era no frio, era no sol, não importava, e passávamos horas para esperar para entrar e ficar pouco tempo, sabe, e as vezes eu ficava até sem graça de ir e ele querer ficar comigo e deixar a mãe sozinha naquele ambiente, então eu não conseguia, sabe, por mais que ainda tivesse um pouco de amor e que eu quisesse estar com ele, porque eu sabia que ele também precisava, ver a mãe que foi ali, passou por tudo aquilo e ainda ficar ali sozinha, ai aquilo acabava comigo. Tanto que aí eu fui falando: “Não, olha, eu não sei o que é pior, se é deixar você ir sozinha ou chegar aqui e te deixar sozinha, né”, mas ela gostava da minha companhia e foi indo. Então foi até mais ou menos o segundo ano da faculdade, depois a gente perdeu o contato, mas quando ele saiu do presídio, eu já tinha terminado a faculdade, estava começando estágio, e ele ainda vinha atrás, fazia episódios. Ele fez um monte de tatuagem com o meu nome na cadeia, ai, olha, meu Deus do céu, e como se fosse um prêmio, você olhava aquele negócio horroroso e eu: “E daí?”, então né, problema seu, isso não significa nada para mim. E no dia que eu decidi, eu falei: “Não, não quero mais”, ele ainda estava preso e ele tinha um celular lá dentro da cadeia e foi a ligação mais cara que eu paguei na vida, eu não, né, na época o meu pai, mas que meu pai pagou com gosto, sabe, eu me lembro de estar lá sentada no braço do sofá, meu pai fazendo carinho na minha cabeça e eu falando para ele: “Não quero mais, não dá mais, não sei o que”, porque eu tinha medo de falar para ele pessoalmente, sei lá, vai que ele vira um bicho e me agride, não sei. E aí ficamos ali: “Não, mas por que? Pelo o amor de Deus” e aquela coisa, e terminei, não sei, mas algo com um mês depois ele estava solto, eu falei: “Ai, não acredito que eu paguei essa conta cara e ele está aqui no meu portão enchendo o meu saco”. E a gente ficou com medo porque ele ficava mesmo atrás, sabe? Minha vó que mora na frente da minha casa, eu tinha que ligar para ela: “Vó, dá uma olhadinha na frente do portão para ver se tem alguém na rua que eu preciso sair e tal”, então a gente ficou um pouco apreensivo. Eu lembro que depois eu comecei a ficar com um menino e a gente estava numa festa na rua e o Alexandre passou e meio que enquadrou o menino, “O que você está fazendo com a minha namorada?”, e o menino sem entender nada, eu: “Não, eu não estou mais com ele” e o Alexandre estava armado e ameaçou o menino, nossa, eu fiquei apavorada naquela dia, sabe, então eu falei: “Deixa eu viver a minha vida em outro canto”, evitei de conhecer pessoas ali no bairro, fui mais para o lado da faculdade mesmo, conhecer por internet, que naquela época estava começando a pegar internet para evitar que alguém que eu conhecesse pudesse conhecer ele, porque eu não queria ter mais vínculo nenhum com ele, como funcionou e até hoje eu não tenho mais (risos).
P/1 – E como foi descobrir essa universidade sem estar com ele, assim, acredito que tenha sido dois momentos bem diferentes...
R – Foi, olha, conhecer a universidade sem ele, primeiro que assim, no dia que eu decidi terminar com ele, foi... Sabe aqueles teatrinhos de fantoche onde primeiro está tudo nublado, aí vem um solzinho, abre um arco íris, cresce uma florzinha, isso para mim foi muito significativo, parece que eu apertei um botão e nasceu uma paisagem incrível, sabe, então foi algo como tirar um peso das costas. Quando eu fui para a universidade eu conheci muita gente diferente, nossa, assim, do mais louco a mais santinha. E eu estudava de manhã e nossa, nove horas da manhã o povo tudo indo no bar, como assim, gente, no bar nove horas da manhã, sabe? E eu achava aquilo muito louco, eu nunca gostei muito de beber, mas estava lá junto nem que se fosse para tomar um suco, para sentir isso que na época do colégio eu não senti, de escutar histórias diferentes, mas de todas eu sempre era a que tinha a história mais bizarra, sabe, todo mundo queria me ouvir, porque a maioria das vezes a vida da galera era mais comum, digamos assim, eu que tinha sempre muitas histórias para contar. O que foi ótimo nesse processo de aceitação, porque ver admiração do outro, identificando a minha história como uma história incrível, ah, para mim é minha história, não sei como é uma história diferente da que eu vivi, então essa que eu tenho, e é essa, né. Mas quando o outro fala para você: “Nossa, como você passou por tudo isso e você está aqui ainda dando risada”, “ah, não sei” (risos), então aí você se dá mais valor, você dá mais valor para a sua história, né. E eu acho que tudo acontece na hora de fato que tem que acontecer, e ter tido esse... Foram quatro anos de faculdade, ter tido dois anos com ele, dois anos sem, e de também sentir o apoio das minhas amigas, apoiando para: “Bom, sai dessa, melhor você ficar sem ele mesmo” e ir para balada, conhecer balada, nossa, eu nunca tinha ido para balada, não sabia nem o que era, e de sair, ai, foi muito legal de ver que a vida sem ele… Havia, no caso, vida sem ele.
P/1 – E você comentou que você fez faculdade de hotelaria, mas que no meio dela, você já tinha entendido que não era para você. Como foi esse final e se você pensou em fazer outra coisa, estudar em outra área?
R – Olha, no segundo ano de faculdade eu já sabia mesmo que não era. Primeiro que era longe demais, então saia do metrô Bresser até chegar na faculdade eu ia de olho fechado, meu corpo já sabe exatamente as curvas que tinha que fazer, então eu não aguentava mais. Mas eu dei muito valor, quem pagava a faculdade era o meu pai, então eu dei muito valor a isso, ao sacrifício que ele fazia de pagar uma faculdade para mim para eu chegar e falar: “Vou desistir”, sabe? E aí eu pensava: “Ah, estou no segundo ano, já é meio caminho andado, isso aqui vai passar super rápido”. Não foi uma faculdade ruim, olhando hoje eu acho que ela foi muito seletiva, assim, coisas que eu vim trabalhar depois eu não usei da faculdade, algo como, sei lá, parte de restaurante que eu não sei cozinhar nada, parte de bar que eu também não bebo, então eu sei olhar algumas coisas, mas que hoje para mim não fazem mais sentido. Aprendi arrumar cama direito, como cama de hotel, então isso foi bacana. A parte administrativa foi legal, mas era muito voltada também para a questão da hotelaria, não era uma administração abrangente como uma empresa comum, digamos, era muito voltada na parte do quarto, se você não vende uma hospedagem é uma hospedagem perdida, então era muito focada nisso. Ah, eu senti que já não era mais aquilo que eu queria quando começou a falar de estágio e eu fui vendo qual salário que era que ganhava, eu falei: “Nossa, gente, como se vive dessa forma, qual a perspectiva que a gente tem de crescimento?”, eu não sei se toda profissão é assim, eu acredito que sim, muita gente querendo subir em cima da outra, então isso para mim era algo que não fazia muito sentido, mas me formei, porque eu tinha que me formar, eu achava que era importante ter um diploma para quem vinha de um contexto de periferia como eu vim, de uma escola pública onde pouquíssimas pessoas conseguiram fazer faculdade. Conseguiram depois de um tempo que saíram esses programas do governo, de financiamento, e começou a ter essas faculdades mais populares. Então aí depois de muito tempo a galera foi conseguir se formar, e eu já saí do colégio já fazendo faculdade, então eu levei isso muito em consideração em abandonar, e eu não sabia o que eu ia querer fazer se tivesse começado outra coisa, sabe. Pensei de novo em alguma coisa que tivesse relacionada a artes plásticas, alguma coisa a ver com museu, mas aí depois eu falei: “Nossa, se hotelaria está ganhando pouco, museu que a arte é tão desvalorizada no nosso país, vai ser pior ainda”. E tinha uma outra coisa da questão da hotelaria que muita gente pensa, não sei hoje, mas na época: “Ai nossa, você faz hotelaria vai viajar para caramba”, nossa, até parece, né? Toda área, todo lugar que eu trabalhei nem janela tinha. Era no subsolo do estacionamento, você morria com dióxido de carbono saindo daqueles carros todos e eu não conseguia nem saber se estava chovendo ou se não estava, então... Mas isso eu já tinha me formado, mas aí quando você vai sabendo das amigas que estão fazendo estágio uó, você fala: “Nossa, não”. O meu pai falou que só queria que eu trabalhasse quando fosse obrigatório por conta do estágio, falou: “Aproveita e se dedica enquanto eu posso pagar, e você não precisa trabalhar, aproveita a faculdade, se dedica, tenha boas notas, faça tudo que tiver que fazer”. Aliás, eu me lembrei aqui agora, as únicas DPs que eu peguei, foram duas, foi porque a prova foi no dia antes do Alexandre ter sido preso, aí eu não tinha cabeça para fazer a prova e aí fiz a prova de qualquer jeito, óbvio, e aí peguei DP por conta disso. Mas passei a faculdade inteira com notas muito boas, porque eu tinha que fazer jus ao valor que meu pai pagava, que não era barato, mas também não sabia o que eu faria se não fosse hotelaria. Tanto que depois que eu trabalhei em hotel, sempre trabalhei com parte de eventos de hotel, parei de trabalhar e aí fui empreender, então não teve uma outra área que eu falei: “Nossa, isso aqui é legal, vamos lá”. Não teve.
P/1 – E quando você começou a trabalhar, qual foi o seu primeiro trabalho?
R – O meu primeiro trabalho foi como estagiária na parte administrativa, eu era estagiária, mas era mais assistente da gerente de vendas. Aí, era incrível trabalhar naquele lugar, é um hotel que nem existe mais e era na Paulista, então ele era esquina com Paulista e Rua Augusta. Era incrível, assim, o ambiente era legal, as pessoas eram legais, a primeira pessoa que me treinou, incrível, conhecia muito, era muito apaixonada pela área, e a gente tem amizade até hoje. Lógico, não aquela amizade como antigamente de falar todo dia, enfim, mas a gente é amiga em redes sociais, todos nós, tanto a gerente, toda essa galerinha da época, foi muito legal. Foi o primeiro lugar que eu trabalhei, acho que um dos únicos que eu trabalhei e foi diferente daquilo que imaginava, que eram as pessoas subindo uma na outra, ali tinha espaço para todo mundo, as pessoas compartilhavam os aprendizados, não era uma coisa de “Isso é meu e guardo de baixo do braço”, sabe? Não. Compartilhavam e queriam ver o seu crescimento, torciam por você. Quando o meu estágio estava para acabar nesse hotel e não tinha mais como renovar, todo mundo mexeu os pauzinhos para que eu continuasse ali, então eu queria continuar na área que eu estava, que era na parte administrativa, mas não tinha vaga, aí foram me colocar no restaurante, nossa eu era garçonete e assim, terrível, porque eu não conseguia segurar uma bandeja com uma xícara de café na bandeja, e aí eu falei para a galera: “Gente, eu faço qualquer outra coisa, mas não me deixa servir porque vai ser um desastre aqui”, então quando acabava o café da manhã, eu ia lá e recolhia as coisas quando o hóspede já não estava mais na mesa, eu ajudava a limpar, ajudava a fechar o caixa, fazia pedido no restaurante, mas não servia ninguém. A primeira vez que eu servi uma garrafa de água fechada a garrafa rolou, então eu falei: “Não, que bom que estava fechada”. Aí fui ficando um tempo, como o cargo era operadora de ponto de venda, até que a menina que eu entrei depois na vaga, o marido trabalhava numa multinacional e recebeu uma oferta para morar na Colômbia e ai ela foi e eu fiquei no lugar dela, e fiquei trabalhando lá. Era incrível porque, assim, era muita planilha, foi o meu primeiro contato com Excel, aquele monte de fórmula, aquele monte de coisa, aí eu falava: “Ai, eu não entendo nada disso”, mas sentava do lado da gerente, virava o computador e ela ia explicando com maior calma do mundo. Nossa, a Marta para mim foi assim, uma mãe. E ela fazia festas de final de ano para o departamento, então a gente ia para a praia todo mundo, era uma bagunça, era uma delícia. E eu só saí de lá porque eu fui fazer intercâmbio, ai falei: “Não, preciso sair”, e aí depois quando fiz o intercâmbio, depois quando eu voltei eu falei: “Ah, agora eu quero ir conhecer outros lugares”. E fui trabalhar em outras empresas, mas o engraçado é que todos os hotéis que eu trabalhei sempre teve alguém que era da época do Caesar, que chamava Caesar Business, que trabalhou comigo. Então eu fui para um outro hotel que uma das meninas trabalhava lá, fui para um outro que outra trabalhava, sabe? Sempre tinha ali uma colega da época do Caesar, que foi muito incrível, foi um lugar muito legal de trabalhar, até hoje passo na frente e fico com saudades. Nem existe mais o hotel, ele foi vendido para uma outra bandeira, não tem mais ninguém que eu conheça lá, mas eu passo na frente e falo: “Nossa, eu sei cada espacinho que tem aqui”, muito legal.
P/1 – E antes de você contar um pouco do seu intercâmbio, queria saber o que você fez com o seu primeiro salário?
R – (Risos). Do lado do hotel onde eu trabalhava, do Caesar, tem a galeria... Chama Conjunto Nacional, do lado do Caesar tinha o Conjunto Nacional, tem até hoje. E lá tinha uma loja de roupa super baratinha, sabe, assim, dessas roupas que vem da China, e como eu tinha feito esse processo todo de emagrecimento, eu queria, sempre quis um sobretudo, porque nenhum sobretudo servia em mim. Então eu emagreci, recebi o primeiro salário, meu primeiro salário foi em um sobretudo, um sobretudo azul escuro, eu me lembro, foi uma grana, acho que sei lá, algo em torno de uns 250 reais, sabe, mas que eu dei com gosto, falei: “Nossa, vou comprar”, usei tão pouco esse sobretudo, porque que frio faz aqui para eu usar esse sobretudo? Usei pouquíssimo. E sempre trabalhava com uniforme também, então nem tinha como usar, não ornava com uniforme, mas me lembro que foi roupa que eu comprei (risos).
P/1 – E como foi essa decisão de fazer um intercâmbio, para onde você foi, como foi?
R – Olha, eu nunca imaginei que eu um dia fosse sair do Brasil, assim, não era algo que eu imaginava, eu fiz curso de inglês a adolescência inteira, odiava falar inglês, mas muito mais porque eu tinha vergonha de falar e vergonha de errar, e porque eu era muito tímida, do que do idioma em si. E bom, quando eu comecei a trabalhar nesse hotel, eu conheci uma menina, a Manela, e a Manuela... Uma pausa antes disso que é importante contextualizar o que foi acontecendo ao longo do caminho... Quando eu namorava com o Alexandre, como eu falei, a gente sempre viajava, meu pai, com a Selma, as crianças, todos nós viajávamos muito. E aqui no interior de São Paulo em, ai, esqueci o nome agora... Campo Limpo Paulista, tem um hotel fazenda que era perfeito para a gente, porque cabia todo mundo e ele era dividido por chalé, então um chalé ficava para as crianças fazerem bagunça e o outro era reservado para o meu pai e a Selma. E aí tinha aqueles recreadores, então tinha para as crianças, tinha para os adolescentes, tinha para quem não queria fazer nada, enfim, era um lugar que meu pai soltava as crianças ali, ficava pescando o dia inteiro e estava em paz. E aí os meninos e meu irmão, eles sempre foram muito, muito, muito bagunceiros, mas muito bagunceiros, tipo de comprar aquelas buzinas a gás e sair de madrugada apertando, ai, olha, meu Deus, era terrível. Colocava chiclete mastigado na fechadura para por a chave, olha, era daí para baixo. E aí, assim, todo mundo do hotel conhecia a gente, tanto os donos e quem trabalhava, os funcionários, quanto a galera, os hóspedes que já estavam acostumados a ir para lá. Tanto que o meu TCC foi feito nesse hotel, de pensar em melhorias para o hotel, enfim, foi bem legal, porque a gente já tinha uma proximidade muito grande. E nessa época, eu me lembro de dois que foram os mais marcantes, os dois tios da recreação que era o Bergue e a Juliana, que eram doidos como a gente, iam na mesma onda, o meu irmão e os meninos tocavam guitarra, baixo e instrumento e o Bergue também, e a Juliana sempre viu e entendia, porque a gente ia sempre, então ela via e entendia todo o meu sofrimento com o Alexandre e ela não conseguia entender porque eu ali cheia de vida, enfim, daquela forma, me sujeitava àquilo tudo. Então do jeitinho dela, depois do horário de trabalho dela, que aí eles viviam no hotel, ela dava um jeito de conversar, e ela ficou assim, ela foi parte fundamental na minha vida, muito fundamental, porque ela ia do jeitinho dela, sem... Muito cirúrgica, sabe? Ela não era invasiva, mas ela dava a opinião dela, e ela falava, e ela acolhia. Eu fui criando uma amizade muito grande com a Juliana, no final das contas, eu já sabia que a Juliana era lésbica e eu me apaixonei pela Juliana, eu não sei se foi uma paixão de “Nossa, estou sendo bem tratada, estou sendo acolhida por essa mulher”, por essa pessoa, independente do sexo dela, e ela foi fundamental no meu término com o Alexandre. Então eu fui ficando com a Juliana, ficando com a Juliana e assim, eu digo que foi um parto para ela conseguir que eu ficasse com ela, porque demorou nove meses desde a primeira investida, até a gente ficar. E aí a primeira vez que a gente ficou, nossa, foi um reboliço, porque eu nunca quis esconder nada de ninguém, por que lembra do meu professor? Eu não estou nem aí para o que os outros vão achar de mim, se você não quer achar, ou quer achar, o problema é seu. Mas tem uma questão que assim, a minha mãe é lésbica, então a minha mãe já veio com: “Ai meu Deus, nossa, acabou a família”, falei: “Calma, não é bem por aí, né”, porque ela foi achar que eu me inspirei nela, aquela história que não tem nada a ver, eu só queria ter um carinho, e o carinho quem estava me dando era a Juliana. E a gente ficou um tempo, não me lembro quanto tempo a gente ficou, e eu falei: “Ah, legal isso”, porque as mulheres por características femininas já são mais carinhosas que os homens, não dá para generalizar, óbvio, mas as mulheres são mais carinhosas. E tudo que eu precisava naquele momento era de carinho, então a Juliana me deu carinho, eu não queria nada, não queria sexo, queria carinho, e quem estava me dando carinho era uma mulher, podia ter sido um homem, mas não foi, foi uma mulher. E aí fiquei com a Juliana e aí depois foi ficando uma coisa chata, e depois de um tempo a gente terminou. Quando eu comecei a trabalhar nesse hotel, eu conheci outra menina, a Manuela, e aí eu estava nesse fluxo de: “Nossa, eu vou ganhar tanto carinho assim, então vou continuar ficando com menina”, não deixei mulheres como exclusividade, eu ficava com quem me dava carinho, digamos assim. E aí fiquei com a Manuela um período, mas quando a gente começou a ficar, a primeira coisa que ela me disse foi: “Não se apega, porque eu vou embora do Brasil”, falei: “Ah, tá bom, tudo bem”, só que aí o sonho dela era ir para os Estados Unidos, e o visto foi demorando, foi demorando e a gente foi se apegando, foi apegando e foi ficando, e aí ficou. E aí foi quando ela falou: “Bom, vou mudar de planos, não vou mais para os Estados Unidos, senão não vou nunca, já que esse visto não sai”, e aí ela começou a aplicar para ir para a Irlanda, para ir para Dublin, e aí foi mais fácil e conseguiu e ela falou: “Bom, então em tal mês estou indo embora”, eu falei: “Nossa, tá bom”, só que naquela época as duas já estavam envolvidas, e aí ela falou assim: “Bom, mas se organiza aí que você vai comigo”, eu falei: “Não, imagina, sem condições, não tem como, sem condições”, eu não tinha dinheiro, não tinha vontade, sem condições, não vou. E ela falou: “Não, vamos, eu vou primeiro, organizo tudo e você vai depois”, eu falei: “Bom, aí fica mais acessível”. Nesse meio do caminho, outra menina que também trabalhava no mesmo departamento que eu, a Manuela trabalhou comigo quando fiz esse período no restaurante,, e aí tinha uma outra pessoa, a Gisela, que trabalhava comigo no administrativo, e a Gisela começou com essa ideia de também ir para a Irlanda, então elas trocavam muita ideia. E tinha outra menina, que tinha trabalhado antes de eu entrar lá, que já estava lá, então foi meio que todo mundo se movimentando para ir. E eu falei, bom, não tenho condições, mas vamos ver como é que vai ser, eu vou guardando dinheiro, sei lá, vamos ver. E aí ela foi e aí me mandava e-mails, e falando - porque naquela época não tinha WhatsApp
então me mandava e-mail - “Ai, aqui é maravilhoso, aqui é assim, aqui é assado, pesquisa, olha esse vídeo”, e foi me plantando a vontade de ir. Aí eu falei: “Bom, vou ver como eu faço, porque eu não tenho dinheiro, não tenho dinheiro guardado, como faz para viajar sem um real no bolso?” e aí fui procurar casas de intercâmbio, essas agências e tal para ver como funcionava, e aí eu vi que não era uma coisa de outro mundo, então reuni uma galera aí, tipo minha mãe e minha vó e falei assim: “Gente, quero ir embora, mas preciso de dinheiro, e aí, como faz?”. Aí a Manuela já estava lá, acho que esse período todo demorou algo em torno de uns cinco meses para acontecer, até ela ir e eu ir depois, e a Gisela foi mais ou menos na mesma época que a Manuela, então eu falei bom, de duas uma, se acontecer qualquer coisa ainda tem a Gisela lá que me dá um apoio ou suporte se precisar. E aí tudo bem, então marquei tudo para ir viajar, eu viajei em - aí eu sou péssima com datas - mas foi em fevereiro, uma semana antes do meu aniversário, em 2010, que agora em 2020 fez dez anos. E aí falei: “Bom, então legal, vamos”, marquei tudo bonito, “Olha, tal dia de fevereiro eu chego aí”, no dia que eu mandei e-mail para Manuela falando tal dia eu chego, ela me respondeu o e-mail: “Não venha mais”, eu falei: “Como assim não venha mais? Eu já comprei tudo, passagem está aqui, já fizemos empréstimo, como assim não venha mais?”, já tinha avisado que ia sair no trabalho e tal, ela falou: “Conheci uma menina e a gente está namorando, então não venha mais”, nossa, eu fiquei fula da vida, eu nunca tinha tido vontade, eu fui porque ela plantou aquilo em mim e como agora depois de tudo pronto eu vou falar: Não, não vou, “ah, vou, vou sim, e vou nem que se for para não te ver, não importa”. Aí, bom, fui, chegou lá eu lembro que eu tinha acabado de fazer, eu tinha feito redução do estômago, então eu tinha um excesso muito grande de pele na região do abdômen, e eu fiz cirurgia plástica, e ela estava enlouquecida para querer saber como tinha sido o resultado, porque antes da gente terminar, dela terminar comigo, ela sabia que eu ia fazer cirurgia. E ai ela fumava e ela tinha me pedido para levar o cigarro, porque lá não vendia e tal, e eu já tinha até comprado antes dela terminar comigo. Nossa eu sei que eu embarquei fula da vida, nossa, pensa numa pessoa com raiva, eu estava com muita raiva, muita raiva, eu falei: “Então tá bom, então vamos lá”. E a Gisela morava no mesmo prédio que a Manuela morava, então eu falei: “Gi, eu vou precisar ficar um dia na sua casa”, porque eu cheguei lá no domingo e eu ia para a casa de família na segunda-feira, quando começava as aulas, eu falei: “Vou precisar ficar um dia na sua casa, tudo bem?”, ela falou: “Não, tudo bem”, e eu me lembro que eu cheguei lá, fiquei e tal, só tirei uma peça de roupa para tomar banho, nem abri a mala nem nada, e aí a Manuela ligou para a Gisela, “Ai, você não sabe quem chegou aqui”, “Ai, a Dri chegou?”, “Chegou”, “Ah, então tá bom”, aí a Gisela “Você vai vir aqui ver a Adriana?”, “Ah, não, estou cansada, não vou não”, ai, nossa, fiquei a segunda vez mais com raiva, bom, tudo bem. Aí desligou, acho que ela se lembrou do cigarro, falou: “Ah, ela trouxe meu cigarro?”, “Trouxe”, “Então eu vou aí buscar”, eu falei: “Tá bom, pode falar para ela vir”, na hora que ela chegou eu nem abri a mala, nem da cama onde eu estava eu não levantei, falei? “Não, o que isso? O que você acha? Você falou que era para eu vir, aí eu venho, não é para vir, aí vai ver, não vai ver, tá muito esquisito isso aqui, não, chega, já passei por um relacionamento abusivo e não vai ser você que vai fazer eu passar de novo por isso”. E aí tudo bem, ela ficou super sem graça, assim, nossa, ela ficou muito sem graça e eu me senti radiante, porque eu falei: “Toma! Era isso que eu queria que você sentisse”, eu sou uma pessoa um pouco vingativa, não tenho vergonha de falar isso. E aí passou, fui morar na casa da família, fiquei lá um período, acho que foi uma semana, dez dias talvez, e aí já vai articulando para sair da casa e você alugar uma casa para você morar e aí é tudo meio difícil, porque eu falava inglês, mas falava um inglês macarrônico, mal sabia como é que falava. E em Dublin eles têm um sotaque muito interiorano, então era difícil demais de entender o que eles estavam falando. A minha sorte foi que eu conheci muitos brasileiros, porque lá brasileiro é grama, dá em tudo quanto é canto. E a minha sorte foi que eu fiz uma rede de apoio muito legal, e aí a gente encontrou um apartamento, eu perdi meio a noção onde era o bairro que a gente estava, onde foi o bairro que eu estava com a Gisela e aí a gente foi morar, assim, um quarteirão para baixo de onde elas moravam, e eu não tinha noção nenhuma disso. Eu fui morar com três meninos, era o Gui, que era do interior de São Paulo, de Marília, acho que era Marília o nome, se for Marília é do mesmo lugar onde minha mãe nasceu, e dois irmãos, o Nando e o Beto que são de Salvador, e eu era a única menina na casa. E aí eu falava para todo mundo: “Como é que você tem coragem de ir morar com três caras desconhecidos”, “Vocês nem sabem que com um deles eu ainda divido a cama, porque só tem cama de casal no quarto” (risos), mas está tudo certo, eu tirei foto de todo mundo, peguei telefone de todo mundo e falei: “Gente, se acontecer alguma coisa foram essas pessoas”, passei para o meu pai, para minha mãe “Já saibam onde é meu endereço, saibam de tudo”. E aí, nossa, os meninos foram incríveis, assim, sabiam toda a história também, a gente nos primeiros dias vai se conhecendo e contando história e tal, e aí eles me apoiaram muito. E a casa que a gente morava, o apartamento, é um apartamento no térreo, e é diferente dos apartamentos daqui que você passa por uma portaria e entra, não, você abria a porta estava na rua já. E era lindo porque a janela da casa era grossa, assim, a parede, essas construções antigas europeias, e aí a gente podia ficar sentado na janela com as perninhas para fora vendo o movimento passar, era incrível. E a rua que a gente morava era na frente do rio que corta a cidade, então é algo similar aqui em São Paulo como a Rua Augusta indo para Paulista, sabe, assim, ou um caminho para ir para a Vila Madalena, que tem o Temple Bar que é super famoso pelos pubs e todo mundo passava por ali para ir para os bares, então dava certa hora da noite, você via a galera, assim, parecia uma procissão, de todo mundo andando para ir para o pub. A gente ficava ali olhando, observando o sol se pondo, era muito legal. E aí chegando lá, perdi contato com a Manuela, exceto uma vez que nessas peregrinações aí, ela passou na porta de casa e a gente estava dando uma festa com a porta aberta e qualquer um entrava, e aí ela não sabia que eu morava ali, ela entrou e foi muito estranho, porque a hora que eu vi eu falei: “Nossa!”, aí ela veio, tentou ficar comigo e eu não queria, aí não sei o que, eu falei: “Tá bom, beleza, eu vou te dar um beijo”, aí eu dei um beijo e falei: “Olha, sinto muito, não é mais isso, não está rolando, não faz sentido”, ela ainda namorava com a menina, eu falei: “Olha, não quero fazer parte de um sofrimento para outra pessoa como ela causou para mim”, nem sei se ela sabia que a gente namorava também, enfim. E depois nunca mais vi, nunca mais, assim, a gente tem ainda alguns amigos em comuns por rede sociais, mas a gente nunca mais se falou. E fiz intercambio basicamente por conta dela, assim, o interesse surgiu por ela, mas eu podia ter negado quando ela disse que não era mais para eu ir, cancelar e tudo mais, eu falei: “Agora também já plantou aqui o desejo, não vou deixar isso para trás”, e foi uma experiência muito marcante na minha vida, foi a primeira vez que eu viajei sozinha, fui para um lugar que no aeroporto, sei lá o que aquele povo estava falando nos microfones ali, eu não entendia nada, eu não sabia nem perguntar onde era o banheiro e fui me virando, e aí chegando lá para você alugar um apartamento, documentação, você passar pela imigração, você vai se virando do jeito que der, entendeu? E ali eu comecei a ser muito mais independente, então eu vim de um relacionamento abusivo que me cercava completamente, que eu não conseguia ver a luz do sol, aí você vai para a faculdade, começa abrir um pouquinho, vai trabalhar, abre mais um pouquinho, daqui a pouco você vai para fora do Brasil, falei “Nossa, agora não tem mais volta”, sabe? Então expande a mente de uma forma, e tem uma frase que eu não sei quem é que disse, mas que eu gosto muito é que “Uma vez que a mente está expandida, ela nunca mais volta ao seu tamanho original”, então isso para mim foi muito significativo, eu consegui ver a minha mente expandindo e quando eu voltei para o Brasil que eu vi que a minha mente tinha expandido, mas a galera que ficou aqui estava com a mente igual, nossa, eu surtei. Fiquei louca, porque eu queria voltar para lá, sabe? Isso aqui não é mais meu. Mas lá também não era meu, então eu fui por uma outra pessoa, permaneci por mim, mas precisei voltar por mim também. Então foi bacana, foi muito legal, foi, nossa, vivi coisas que eu jamais viveria, de bagunça, de festa, de ficar com meninos, olha, tudo que você imaginar. Mas foi naquele momento e depois a gente fica com saudades e tal, mas, nossas, dez anos atrás, quanta coisa já não mudou de lá para cá também.
P/1 – E na sua volta, como você se reestruturou aqui?
R – Bom, primeiro que lá eu, como eu falei, sempre fui uma menina de namorar, eu me apaixonei por um dos meus colegas, e foi meio chato assim, porque você fica carente, tá todo mundo carente, ninguém tem mais ninguém aqui. Na estrutura original da casa, que tinha os três meninos e eu, teve uma... A casa precisou de uma reforma, teve uma infiltração e a gente precisou sair de lá. Nessa de precisar sair da casa, um dos meninos, que era o que dividia o quarto comigo, disse que preferia ir para outra casa que tivesse mais gringos para ele aproveitar melhor o inglês, porque a gente falava muito em português lá. E aí, nesse meio do caminho, o Nando, que era irmão do Beto, ele queria voltar, porque ele era casado e aí ele estava tendo muitas dificuldades com o idioma, não estava conseguindo um emprego legal, então ele decidiu voltar. E nessa ficou só eu e o Beto, e aí a gente já estava meio que “Ah, não sei o que, estamos aqui sozinhos e tal”, e aí a gente acabou ficando, mas não foi uma experiência muito boa também porque ele namorava, então apesar de saber que a gente estava fazendo uma coisa que não era legal, a gente estava muito vivendo a gente ali no que a gente tinha, porque era só ele comigo e eu com ele, a gente tinha, lógico, mais amigos, mas a rede de apoio mesmo era só eu e ele. Então meio que a gente casou, digamos assim. Foi um pouco complicado esse rompimento de sair e saber que, bom, isso que a gente viveu, a gente não vai viver nunca mais, nem com a mesma pessoa e nem no mesmo lugar, devido a todas as circunstâncias. E voltar foi muito louco, porque na semana antes da gente voltar, não, um mês antes, quando remarcou as passagens, ele é de Salvador, ele falou “Eu vou ficar uma semana em São Paulo e a gente passa em São Paulo”, eu falei: “Ótimo, perfeito, tá bom”, uma semana antes da gente vir, ele falou: “Chega, acabou, não quero mais ficar com você, eu já vou ter que voltar mesmo”, eu falei: “Você está muito louco? A gente já vai terminar, por que você está terminando agora?”, aí eu fiquei muito triste. Mas, enfim, respeitei, não tinha nem o que fazer e aí a gente terminou. Um dia antes de eu vir, que eu vim num dia ele veio no outro, a gente voltou, eu falei: “Não faz sentido nenhum, como assim você vai para a minha casa? Onde você vai ficar? Como?”, aí a gente voltou e ele ficou uma semana em casa, quando ele foi embora - que ele ainda era lembrança da Irlanda que tinha em casa -, quando ele foi embora, que aí não tinha mais Irlanda, não tinha mais lembrança, não tinha mais ele, não tinha mais nada, a ficha foi caindo, e foi muito louco porque coisas como, por exemplo, eu dividi a casa com três desconhecidos, a gente ia ao mercado comprava, ai, sei lá, um ketchup, cada um tinha o seu, aí o do fulano o ketchup acabou, ele falava algo do tipo: “Me empresta uma apertada do seu ketchup”, ele ia lá e pegava uma apertada do ketchup, aí ele comprava o dele, ia e devolvia a apertada no meu pote de ketchup. Algo tipo, não é meu, então eu tenho que dar. Aí você chega em casa com um irmão mais novo pirralho, pentelho, que você compra as coisas e ele acaba que você nem vê, isso é um exemplo idiota, mas de mexer nas suas coisas e, enfim, da falta de privacidade que você tem, nossa aquilo para mim foi muito, “Aí, não quero mais estar aqui”, sabe? E você está acostumada a ir comprar coisas, às vezes falar: “Isso custa tantos euros?”, aí ir ao mercado e falar: “Nossa, que absurdo, isso é tantos euros”, as pessoas me achavam metida porque eu estava falando em euros e não era isso, era o costume, então essa readaptação aqui foi muito louco. Para além do calor também, porque nossa senhora, eu senti muito frio quando fui e senti muito calor quando voltei, porque eu saí daqui no verão e lá era inverno e voltei ao contrário, então nossa, quase morro. Mas essa adaptação de “Bom, beleza, é isso que eu tenho e é o que vou ter” demorou muito tempo, acho que quase um ano, e conversar com as minhas amigas, elas também sentiram isso em cada lugar, tinha amiga que era de Minas, que era do Sul e conversava com elas, elas falavam: “Passei exatamente a mesma coisa”, falei: “Bom, não sou só eu que estou ficando louca aqui”. Mas depois você vai se acostumando, voltar a trabalhar foi muito estranho, porque olha que ironia (risos), lá os meus trabalhos mais duradouros também foram em hotéis e eu que queria fugir da hotelaria, acabei trabalhando com hotel lá, mas eu era camareira e nossa, eu dou um valor para caramba para todo hotel que eu fui, para arrumar a cama perfeitamente, sabe, assim, porque dá um trabalho enlouquecedor. Aquelas camas pesadas e limpar tudo, terrível. Já dava valor antes, mas quando você passa na pele, você dá mais valor ainda. E aí os únicos contatos que eu tinha em relação a trabalho era com pessoal da hotelaria então não tive muito para onde fugir. Depois que eu voltei, eu trabalhei em quatro ou cinco hotéis, um fechou, o outro eu fui mandada embora, o outro eu que quis sair, mas todos os hotéis foram muito esquisitos. Por partes foi estranho porque já não era algo que eu queria antes de ir para Irlanda e voltar para algo que você já não queria, mas tinha ali aquelas pessoas que eu tinha vínculo, então sempre era por indicação de alguém que eu já tinha trabalho. Então era menos pior porque eu sabia que aquela pessoa era legal, que não iria querer me dar rasteira, muito pelo contrário, ia me ajudar a crescer, então foi tranquilo, mas sempre soube que não era isso que eu queria, mas era a única forma que tinha.
P/1 – E Adriana, quando o empreendedorismo passou a fazer parte da sua vida?
R – Então, no último hotel que eu trabalhei, eu... Quem trabalhava lá era essa Gisela da Irlanda, ela era coordenadora de eventos lá e ela falou assim: “Dri, eu quero alçar outros voos e não quero mais ficar aqui, então eu sei que você tem capacidade de ocupar o meu cargo, então vem aqui fazer uma entrevista e tudo mais”, aí eu fui fazer entrevista para o cargo dela, ela estava trabalhando sozinha, ela não tinha nenhuma assistente nem nada, ela falou: “Enquanto eu não saio, você vai ser treinada como assistente, vai ser contratada como assistente, assim que eu sair, que vai durar em torno de três, quatro meses, você entra no meu lugar”, eu falei: “Perfeito, legal, beleza, então vamos lá”. Então assim, a maioria da galera do hotel já sabia que ia acontecer isso, porque eu fui apresentada assim: “Essa é a Adriana, ela hoje está como assistente, mas eu vou sair”, a Gisela apresentando: “Eu vou sair e ela entra no meu lugar”, então eu já vinha fazendo atividade de uma coordenadora mesmo com o cargo de assistente. Para a minha surpresa, quando a Gisela saiu, eu fiquei ai, sei lá, uma semana, uns quinze dias trabalhos sozinha como coordenadora, esperando pedir carteira de trabalho, enfim, alguma coisa do tipo, chegou outra coordenadora no meu lugar, então ali foi o primeiro baque: “Ué, mas não tinha sido esse o combinado”. E não foi transparente, então ninguém em nenhum momento chegou e falou: “Você não tem capacidade” ou “Mudamos de ideia”, ninguém falou nada. A coordenadora simplesmente chegou. E aí, claro, você fica chateada porque você está esperando e almejando uma coisa e de repente não é isso que acontece, mas tudo bem. Treinei a menina, a gente foi trabalhando juntas e tal. Mas ela tinha umas características que era assim, ela voltou a trabalhar porque ela precisava se ocupar, o marido dela trabalhava em banco, então em relação à saúde financeira era uma saúde ok, ela tinha uma filha pequena, então ela precisava sair para espairecer, digamos assim. Então ela não tinha o mesmo afinco com o trabalho como eu vinha tendo com a Gisela e como eu estava comprometida a fazer estando nesse cargo. E algumas vezes, as nossas mesas eram de costas, então às vezes eu ia mexer em alguma coisa no celular e apoiava assim e via o reflexo no celular dela mexendo no Facebook, sei lá, alguma coisa nesse sentido. E a família dela, a mãe e o irmão moravam nos Estados Unidos, então ela passava o dia no Facetime falando com a mãe e com o irmão, em ambiente de trabalho, sabe? E o que vinha em mim era essa angústia e essa raiva até de falar: “Nossa, por que não me colocaram então e colocaram ela que sim, trabalha, mas muito pouco perto do que eu teria capacidade de fazer?” e aí isso foi me minando, sabe? Eu não estava mais feliz, mas precisava trabalhar e, ao mesmo tempo, não estava feliz e fui colocando a prova minha capacidade, porque nunca ninguém chegou para falar o que tinha acontecido. E aí foi num ano de copa do mundo aqui no Brasil, onde era aquela loucura, ninguém queria saber de trabalhar, todo mundo queria saber de ver o jogo no bar e tinha criado uma meta de aluguel de sala surreal, que não íamos conseguir bater nunca e eu fui pedir um aumento de salário para a minha gerente na época, eu fiz um dossiê mostrando para ela o porquê eu merecia aquele aumento, com toda essa trajetória e aí ela falou algo do tipo: “Tudo bem, você vai ter um aumento de salário de cinquenta reais se você bater meta”, como assim cinquenta reais é um aumento de salário, sabe? E eu já estava ficando deprimida, eu tomava ansiolítico, porque esse hotel ficava na região de Pinheiros, então eu saia do metrô e tinha que subir a Teodoro e aquele monte de gente na rua esbarrando em mim e eu queria matar aquelas pessoas, eu não queria que ninguém encostasse em mim. Então eu fui criando uma fobia, eu não sei explicar, mas uma coisa muito ruim psicologicamente, e aí eu comecei a me revisitar, de entender, a vida toda eu fiz terapia, então de entender o que aquilo significava para mim, o porquê eu estava passando por aquilo, porque eu estava me sujeitando àquilo, e aí fui entender que eu não precisava daquilo, que eu podia sair e fazer qualquer outra coisa. No meio do caminho, eu desde criança, sempre fiz artesanato, atividades manuais, sempre gostei, e a minha mãe, minha vó, minha tia, sempre costuraram, minha mãe, inclusive, trabalhou como costureira uma época. E aí eu fui lembrar disso, de ver fotos da minha mãe costurando e eu perto, lembrando que eu podia fazer de um hobby até então, um negócio. Na época o meu noivo, que é super companheiro e sempre fez muito parte dessas mudanças, ele comprou um curso para mim que falava sobre foco, porque eu queria fazer tudo ao mesmo tempo, e aí eu fiz esse curso e saí do curso já sabendo o que eu queria, já com o nome da empresa e tudo mais. E aí pedi para que eles me mandassem embora do trabalho, eles me mandaram embora e antes disso até, do lado do hotel onde eu trabalhava, tinha uma mulher que uma vez eu estava indo embora, ela jogou muitos sacos de tecidos fora, e eu estava saindo e cruzei com ela e perguntei para ela o que era aquilo, ela falou que eram tecidos de coleção passada e que ela não usava mais, ela era representante comercial de uma indústria têxtil. Eu falei: “Nossa, eu já costuro”, a primeira coisa que veio na minha cabeça foi: “Tenho matéria-prima gratuita aqui sei lá por quanto tempo”. E peguei o contato, fiquei usando os tecidos para costurar e aí achei que o curioso era
o porque ela jogava aqueles tecidos fora se eram tecidos bons, grandes, com qualidade, não estava furado nem nada do tipo, e aí foi quando fui mandada embora, pedi para ser mandada embora e fui pesquisando mais sobre foco, e entendendo mais sobre empreendedorismo, estudando um pouco mais, e aí fui me dando um tempo de férias de não procurar emprego, e nesse tempo falei: “Não, eu acho que eu consigo fazer do que era um hobby, um negócio”. E fui metendo as caras, sabe. Estudei muito, muito, e acho que quem empreende estuda para o resto da vida, porque cada hora é uma novidade, cada hora é uma coisa que precisa ser feita, então eu estudei muito em tudo, porque para ser empreendedora você precisa saber de todas as áreas de uma empresa, e tem área para caramba dentro de uma empresa, então não é só a parte da produção, é a parte administrativa, de venda, de marketing, enfim. E comecei a empreender por causa disso, e foi muito louco, assim, porque eu conheci muita gente empreendendo, gente que estava na mesma situação, começando, gente que já estava mais velha e queria ajudar, participei de muitas mentorias, mas muitas mentorias. E uma coisa que, depois de mais velha, eu não tinha vergonha de ir pedir, chegar e: “Olha, eu estou precisando disso, como você pode me ajudar? A gente faz uma troca, como eu ajudo você, como você me ajuda?”. E muitas que me conheceram por causa do empreendedorismo falava que a minha cara de pau me levaria muito longe, sabe. E eu não tenho dúvidas disso, eu tenho certeza que a minha cara de pau me leva longe. E comecei a empreender por isso, por uma insatisfação pessoal com o mercado de trabalho, de tentar me reconectar comigo mesma e com a minha mãe, com as mulheres da minha família, e conseguir entender que a vida podia ter um outro significado que não só aquele que todo mundo dizia: “Você tem que se formar e trabalhar para alguém”, quando eu saí do trabalho e fui empreender, muita gente me chamou de louca, mas muita gente: “Como assim você vai sair de um trabalho que você tem a sua estabilidade, que tem um emprego fixo, para ir se aventurar”, eu falei: “Não, eu não estou me aventurando”. Assim como a segurança para mim é uma utopia, nada é seguro. Você tem a segurança da sua casa? Mais ou menos. Às vezes, se você esquecer o portão aberto alguém vai entrar, às vezes passa um avião e cai na sua casa, então nada é seguro. E no trabalho muito menos, você tem sim uma estabilidade, que você imagina que tem, mas a qualquer momento também podem te mandar embora, aí essa estabilidade cai, então foi um momento, assim, de muito, muito aprendizado. Empreender e conhecer muita gente bacana, muita gente legal.
P/1 – E como seu empreendimento funciona?
R – Tá. A Ágama ela é uma marca de bolsas que eu utilizo resíduo têxtil para a confecção das peças. Ela começou, como eu falei, com essa mulher, a Luciene, que dava os tecidos, e aí eu aproveitada aquilo que tinha e então, às vezes, era retalho pequeno, fazia peça pequena, às vezes era grande, fazia maior, quando era maior ainda e não tinha um tecido grande, eu tinha que juntar um tecido no outro. Então eu precisava fazer uma curadoria de estampas que se conectavam porque era tudo estampado, aí foi passando o tempo eu fui entendendo que ou eu precisava mudar o ponto de venda, porque aqui em São Paulo as mulheres não usam bolsas muito estampadas, então ou eu tinha que ir para o nordeste, para uma cidade litorânea, por exemplo, ou eu mudava a forma dos meus produtos. E aí mudei os produtos, que na época parecia ser mais fácil, conheci o banco de tecidos, que é um lugar muito bacana também, que é de troca de tecidos, então você deposita e saca tecido como se fosse dinheiro, moeda corrente, então eu pude colocar todos os tecidos estampados que eu tinha e pegar tecidos lisos para confeccionar. E toda confecção ela é 100% feita com tecido de reuso, desde o tecido externo ao tecido interno, no forro. Aí depois passou muito tempo, fui fazendo mentoria, porque como eu não sou formada em moda, tinha muita coisa de moda que eu não entendia. Todo mundo falava que eu tinha muito bom gosto nas combinações e no visual, mas que faltava, assim, um conhecimento técnico, então ia atrás de pessoas que eram formadas em moda, fiz muita amizade com gente do mundo da moda, aí entrei na moda sustentável e conhecendo pessoas da moda sustentável que iam me dando dicas de como fazer melhor, de como fazer durar, entender que uma empresa precisa ter os seus pilares, precisa ter os valores, então, a Ágama tem vários pilares, e eu fui entendendo que em alguns momentos em quis separar, ai a Adriana é uma coisa, a Ágama é outra, mas no final é a mesma coisa, o coração é o mesmo, a Ágama não vive se a Adriana não vive. E aí eu fui entendendo quais eram os meus valores, me reconectar novamente desde a primeira vez, isso que eu reconectei a segunda vez passou uns quatro anos depois de existência da Ágama, hoje a Ágama tem seis anos, e aí me reconectei para entender qual rumo que eu queria dar para a Ágama. Então eu entendi os valores não só da sustentabilidade ambientel, mas a social, de incluir e valorizar as mulheres da periferia, me vi como uma mulher periférica, como uma pessoa periférica que por mais que eu viva na periferia, que a gente sabe na geografia da periferia, que eu moro em um bairro periférico, por ser uma mulher branca, tendo os seus privilégios, eu não me reconhecia como uma mulher periférica. Então, beleza, eu moro na periferia, mas, ah nem é tão periferia assim, mas não é, é periferia igual. Tudo bem, eu posso não morar dentro de uma favela, mas é periferia, porque no fundo, no final da minha rua tem uma favela, então de me reconhecer como uma mulher que sim, quem mora na periferia tem as suas dificuldades, não é conversinha. Eu tive uma mentora que falou: “Da ponte para cá, o negócio é mais louco”, então realmente é mais difícil de oportunidades, de distância, então sim, valorizar isso, de dar preferência para as mulheres, por todas as questões que as mulheres vivem num país e num sistema patriarcal, então valorizar as mulheres em tudo que eu posso, sempre apoio, e não é um papo de sororidade para marketing, é um papo real. Eu fiz muitas amigas propondo negócio: “Olha, de repente eu não tenho como te pagar hoje, como a gente pode fazer para eu apoiar seu negócio, você apoiar o meu”. E isso funciona até hoje, inclusive. A questão social da periferia, do feminino, do feminismo, porque muita gente não entende o que é feminismo e a gente precisa explicar, precisa que as pessoas entendam. Não só as mulheres, porque hoje em dia as mulheres entendem mais sobre feminismo, mas os homens também precisam entender que feminismo não é só uma mulher que tem a axila com pelo, e se for também tudo bem, mas que não é só isso, que tem uma causa muito maior por trás, sabe? A questão do veganismo que, por mais que eu não seja uma pessoa vegana, por algumas dificuldades ainda de não conseguir tirar uma coisa ou outra, eu entendo e faço muito parte do lifestyle de “Bom, tem coisa que você não precisa comprar que tem origem animal, ou que foi testado em animal”, então não tem por que a Ágama ter produtos que sejam de origem animal se tem como não ser, sabe? E você ver o sofrimento... A gente é bicho igual, então uma vaca não é inferior a mim, um boi, um porco, não é inferior a mim, está todo mundo igual. Então, sim, é um processo, eu acho que de quando eu comecei a Ágama para hoje, eu já evoluí muito na questão do veganismo, falta ainda muito mais, mas é uma parada que é muito louca e que está tão na nossa cultura essa introdução, principalmente no alimentar da carne, que passa batido e as pessoas não têm noção da importância que é o veganismo. Então esses são um dos pilares, não me lembro se estou esquecendo de algum, acho que não. Mas isso assim foi muito... O empreender para mim foi muito mais uma coisa de me ligar como ser humano nas formações e nos valores que eu gostaria de ter para mim e para as pessoas que me cercam, porque eu sempre fui a chata, hoje eu sou a eco-chata e sou a eco-chata com orgulho, sabe, eu já me apresento para as pessoas como eco-chata, então antes eu via alguém jogando alguma coisa no chão, eu já ia brigar e pegava: “Olha, aqui tem lixo”, não sei o que. Hoje eu milito mais, digamos assim, hoje a palavra militar tem um lado um pouco pejorativo, mas nesse de ensinar, sabe? Porque eu não julgo também quem não sabe, qual foi o contexto daquela pessoa que jogou o papel no chão, talvez isso na casa dela seja uma coisa comum, então eu acho que a educação está aí para ser explorada no melhor sentido da palavra para que todo mundo possa estar na mesma página.
P/1 – Adriana, você estava falando sobre moda sustentável, queria que você contasse o que te motivou a pensar no meio ambiente e no social para a sua empresa?
R – Olha, pensar no meio ambiente e no social foi muito intrínseco, porque já veio, sabe. Eu não consigo lembrar de um momento onde eu falei: “Não tem que ser isso”, ela já nasceu assim, ela já nasceu no dia que eu vi aquela mulher jogando aqueles tecidos fora. A primeira coisa que eu pensei foi no financeiro, mas chegando em casa eu fui estudando, a primeira coisa que eu fiz foi: “Onde eu consigo mais?”, porque, bom, se eu estou economizando, como conseguir economizar mais? E aí eu fui vendo que o buraco era muito mais embaixo, só uma questão de economia, mas que, por exemplo, na região do Brás tem um descarte gigantesco de tecido diariamente, aí eu comecei a me assustar. Não pode ser dessa forma, sabe? E no começo eu tinha uma briga muito grande onde tinha que ser tudo 100%, e eu passei por mentoria com a Marina Colerato, que ela tem um portal que chama Modifica, que fala sobre moda, sustentabilidade, veganismo, política, muito incrível, e que ela foi assim, também um divisor de águas na minha vida, onde eu tive essa mentoria com ela, ela é minha amiga hoje, ela falou “Nada é 100% na vida e o seu negócio também não será. A sustentabilidade também não será, não se cobra, faça o que você puder, se você puder fazer mais, você faz mais”, então a sustentabilidade nasceu, ela é o core business da Ágama, não tem como ser diferente. E hoje quando eu penso que empreender de forma sustentável é dificílimo por várias questões, por padronização de peças, por exemplo, por questão de preço, de matéria-prima, quando eu penso em fazer uma coisa que seja diferente disso, eu travo, eu não consigo, porque, financeiramente talvez seja mais rentável, mas descaracteriza, sabe? Algumas pessoas até me disseram, você pode ter duas linhas, uma que é e outra que não é, eu ainda estou digerindo um pouco essa situação porque, se eu penso em crescer, e hoje eu abro para uma parte ser e a outra não, será que amanhã eu vou abrir para nada mais ser sustentável? Eu não acredito que isso vá acontecer, porque está muito dentro de mim, mas não sei, assim, é algo que ultimamente é o que eu tenho pensado bastante. Para mim não faz sentido, sabe, a gente está vivendo hoje num contexto de aquecimento global, numa época onde se você ligar a televisão ou acessar algum portal de notícias, está aí tudo queimando. Olha que significativo, no começo do ano foi a Amazônia queimando, aí em março veio o Covid, que tudo começou com uma questão respiratória, agora queimando de novo junto com o Covid, assim, é uma agonia, porque se você não respirar, você morre. E aí? Então se você pensa em um contexto de natureza, de fauna, de flora, talvez a vegetação você ainda consiga pegar de um outro lugar que não queimou, mas e aqueles animais que estão morrendo de sede, de fome, porque estão com os quatro membros queimados. Então quando pensa nesse contexto, não tem como ser diferente, sabe? Sim, uma moda sustentável é mais cara, é mais difícil, ela é mais cara para executar, automaticamente fica mais cara na hora de vender. Mas aí eu penso, o que é o caro? Para quem isso é caro? Se você pensa no social, onde a maioria das roupas são fabricadas em países asiáticos, na Índia, onde não sei se você sabe, mas existe um movimento que chama Fashion Revolution, que ele começou por conta de um acidente, diz acidente, em Bangladesh, que foi um prédio com não sei quantas pessoas, costureiras e costureiros dentro desse prédio que ruiu, ele já vivia em situação de calamidade, o prédio ruiu porque estava ali vivendo e trabalhando em situação análoga à escravidão. Então quando você pensa que, tudo bem, você não precisa ir em Bangladesh para ver isso, você vai na região do Brás onde tem um monte de Boliviano que, infelizmente, acaba se submetendo por isso, tá, eu vou fechar o olho só porque não sou boliviana? Eu vou fechar o olho só porque não é comigo? Que lá na Índia eu nem sei como é porque eu nunca nem fui? Não, morreram vidas lá, eram famílias. Tem uma imagem muito significativa também dessa ruína em Bangladesh, de uma criança abraçada a mãe, então aquela criança não tinha que estar ali, qual era o cenário que aquela mãe vivia a ponto de saber que ela já corria risco, mas também precisar levar aquele filho para trabalhar naquele lugar junto dela, e morrerem os dois por irresponsabilidade de alguém. Então não tem como ser de outra forma. Alguém vai pagar por isso, se não é você que vai comprar uma bolsa que custa duzentos reais porque está trabalhando de forma legal, tanto social, quanto sustentável, você vai pagar vinte reais e alguém vai pagar com a vida, sabe, então eu não vejo muito sentido em fazer coisas... Também tem uma outra questão que é assim, a gente vive em um país desigual. Ponto. O país é desigual. Então se eu chegar hoje e falar: “Todo mundo tem duzentos reais para comprar uma bolsa”, eu estou mentindo, não é. Não é todo mundo que tem duzentos reais. Tem uma mãe que mora na periferia, que tem, sei lá, cinco filhos, é mãe solo, trabalha como empregada doméstica, por mais que ela queira ter uma bolsa de duzentos reais, ela não vai poder, porque ela vai pensar em trocentas mil coisas antes de dar duzentos numa bolsa, então quando ela precisar de uma bolsa, vai pagar vinte em uma que veio da China. E tudo bem, o que vou fazer? Não posso julgar essa mulher, porque ela vive numa situação completamente diferente das outras que tem lá os seus privilégios e que tem mais conhecimento. Então o que eu sempre indico nesses casos? Começa do jeito que dá. Se hoje você não pode, pensando nessa mulher que eu citei agora, se hoje você não pode comprar uma bolsa nesse sentido, faz o que você consegue, separa o lixo orgânico do reciclado, dá os primeiros passos. Tenta diminuir o consumo de plástico na sua casa, economia de água, tudo que de uma maneira ou de outra a gente consiga impactar menos. Claro que se a gente pensar que a população comparada a indústria consome muito menos água do que a indústria consome, aí a gente vai para um outro caminho. Mas a gente, como cidadão, consegue fazer só aquilo que cabe ali nos nossos braços, se você não sabe se tem coleta seletiva, liga para prefeitura para perguntar o dia que passa, se tem eco-ponto, junta você e a sua vizinha, fica um mês guardando aqueles lixos e leva no eco-ponto, sei lá, procura alguma cooperativa, não sei, alguma coisa que possa ser iniciada. É trabalhoso? É trabalho, no começo, depois vira um hábito. Eu moro com o meu pai e para a gente fazer a separação de lixo orgânico do lixo seco em casa, nossa, demorou muito para que ele tivesse o hábito, hábito correto, porque ter o lixo ali e ao invés de jogar aqui você jogar ali, agora você ter que lavar o seu potinho de alguma coisa antes de jogar, é outra, porque vai te dar mais trabalho você ter que lavar ao invés de só apertar o lixo ali e abrir. Mas é um hábito e eu acho que tudo isso vai muito do contexto do que você espera para o futuro, o que essa mãe, vamos supor, que tenha um bebê, espera do mundo quando seu filho tiver a idade que ela tem hoje. E eu acho que hoje a gente planta, óbvio, para colher amanhã, e quem colhe amanhã é a próxima geração. Então o que você quer? Uma das coisas que me fez pensar muito em relação a ter filho, por exemplo, é isso, porque eu fico tão incrédula em relação a tudo que vem acontecendo, tanto das pessoas, quanto em relação ao meio ambiente, porque o meio ambiente não precisa da gente, a gente precisa do meio ambiente, né? E aí a gente vê o quanto a gente explora e não dá nenhum carinho, ai, eu não quero isso para um filho meu, não quero que amanhã seja natural, por exemplo, usar máscara, não por uma pandemia, mas porque você não consegue respirar e precisa ter um filtro para respirar melhor. Não faz sentido isso para mim, e eu fico pensando muito que, às vezes, a humanidade não deu muito certo e que a gente está pagando sim por isso, seja crença que cada um tenha, mas eu não acredito que a gente tenha tanta abundância na natureza, num planeta tão rico, de todas as formas, e mesmo assim ele está morrendo. E eu não estou falando nem só de Brasil, olha nos Estados Unidos também, o que está acontecendo com as queimadas lá também. Então não tem como ser diferente e empreender de uma forma que acabe com o lugar onde a gente mora... Tem uma frase muito comum no meio da sustentabilidade que é: Não existe jogar fora. Onde é jogar fora? Você mora num único planeta, esse lixo precisa ir para algum lugar, e esse lixo vai parar no mesmo planeta que você vive, aí você joga o seu lixo no lixo, que às vezes vai para um lixão, às vezes não, às vezes vai, por exemplo, como está muito comum falar hoje, nos oceanos e micro plásticos, aí você come um peixe que está mais cheio de plástico e mercúrio do que qualquer outra coisa, e acha que você está se alimentando bem porque peixe é uma carne saudável. Então não tem como ser diferente.
P/1 – E Adriana, pensando no seu lado social, um lado que você faz questão da sua empresa, o que significa dar oportunidade para as pessoas da sua região e da periferia?
R – Olha, eu acho que dá oportunidade é também muito natural, porque quando eu penso em produção, não só como a Ágama, mas para consumo próprio, sei lá, eu preciso comprar um shampoo, tem alguém aqui na região que produz shampoo? Ao invés de eu ir comprar da marca X que tem lá no supermercado, tem alguém aqui, que, ai não sei, assim, da pequena empreendedora, a minha linha de raciocínio é: Está no bairro? É mulher? É dela, entendeu? É negra? É dela também. É de uma mulher gorda? É dela também. E aí quando não tem aí você vai pensar por um outro lado. É sempre que isso acontece? Não, não é. Eu não conheço todo mundo no meu bairro, o meio de comunicação no bairro não funciona lá daquele jeito, porque não tem um sindicato, pelo menos eu não tenho, ou associação - sindicato eu falei errado - associação de moradores, enfim, alguma coisa do tipo onde a gente consiga se reunir e falar: “Olha, fulano faz esse trabalho”, “Olha ela está precisando desse trabalho”, se unir, sabe? Mas eu sempre penso na oportunidade como fortalecimento, como apoio, né? O meu dinheiro significa muito para aquela pessoa que está precisando de dinheiro, seja o valor que for, e para além do valor monetário, ele está para o valor do apoio mesmo, ele está para além do preço, ele está no valor, no significado da valorização. Às vezes, como eu muitas vezes passei, tem alguma mulher que está empreendendo e está pensando em desistir e que de repente aquela minha venda acontece como uma luz falando? “Continue”. Nossa, e falando nisso eu lembro de um dia que eu estava chorando, com o computador ligado na minha frente, eu falei: “Não quero mais, não dá mais, vou desistir, não consigo, precisava vender pelo menos uma bolsa”, não sei o que, aí tocou o meu WhatsApp e era minha nutricionista falando: “Olha, eu gostei dessa bolsa, não sei o que, não sei o que” e eu falei: “Gente, para tudo!”, isso para mim foi muito pontual de “Eu estou pedindo, pelo o amor de Deus, me manda um sinal se eu continuo ou não” e aí a mulher me manda na mesma hora a mensagem, eu até liguei para ela, falei: “Cris, eu estou chorando aqui, você não sabe o que aconteceu”, ela: “Menina, mas eu não sabia que era assim”, porque tem uma coisa também das redes sociais, que você mostra só a parte bonita. Eu não, eu gosto de mostrar a real, na verdade, mas a maioria das pessoas mostram a parte bonita, então acha que empreender é aquela coisa de palco, de sucesso, que nossa, eu acordei e hoje já estou com sucesso, ninguém vê os tombos que eu levei, só vê a bonita ali falando da sua história, enfim, e não vê as noites que não dormiu ou quando chorou, a raiva que passou, as escolhas que teve que fazer, compro isso e deixo de comprar aquilo outro, deixo de passear... Nossa, quantas vezes eu deixei de fazer coisas bobas, tipo de ir na manicure, que nem é lá um valor tão caro, mas fala: “Não, esse valor vai fazer diferença no meu caixa no final do mês”, então você apoiar, ai, nossa, vai além de você comprar, vai falar: “É isso mesmo, vai amiga, vamos que você consegue” e eu tenho muitas amigas assim, muitas, de ligar: “Ai, olha, hoje eu não estou muito bem”, “então vamos conversar, vamos falar alguma bobagem, esquece o que você está fazendo, amanhã é um novo dia para a gente conseguir continuar”, porque senão não tem força mesmo, né?
P/1 – A famosa rede de apoio totalmente necessária.
R – Exatamente. Rede de apoio é a palavra que eu mais uso ultimamente (risos).
P/1 – E Adriana, como é ser empreendedora e atuar na Zona Norte?
R – Olha, é fácil e não é ao mesmo tempo. Eu vejo que, por exemplo, o lugar onde eu moro, ela é a ponta da Norte, ela é Noroeste, então ela está na divisa. Primeiro que é um lugar um pouco esquecido, como eu falei, eu não sei se tem uma associação de moradores, não tem uma subprefeitura própria, então ela é dividida com outro bairro, e o bairro é muito grande para não ter uma subprefeitura própria, alguém tomando conta. Eu acho que por esse lado, é um atraso. O que tem no meu bairro hoje? Ele tem o Pico do Jaraguá, que é lindo na estrutura da natureza, mas que não tem nada, nada, se você quiser comprar uma água não tem, por exemplo, não tem uma infraestrutura. E a outra coisa que acabou de lançar é um shopping, é só o que tem. Não tem um clube, não tem nada, sabe assim, não tem nada que você possa contar. Tem agora, há pouco tempo, pouco não, eu não sei dizer quanto, mas é o Centro de Integração ao Cidadão, mas é mais para coisas tipo o Poupatempo. Eu vejo muito espaço para melhoria, muito. De escolas de empreendedorismo, por exemplo, de oportunidades de renda, esse espaço que eu falei, o CIC, foi muito interessante, porque quando abriu o shopping lá perto, eles que fizeram todo o processo seletivo, então isso para mim foi incrível, não contratou pessoas de fora, contratou pessoas do bairro. O shopping é do bairro, então nada mais justo que contratar quem é do bairro, e isso foi muito incrível. E eu vejo sempre acontecendo, agora não na pandemia, mas sempre que tem algum processo seletivo, formam filas gigantescas do pessoal buscando oportunidade no próprio bairro também, para não ser só um bairro dormitório. A maioria vai procurar trabalho fora, em outros bairros, o centro e tal. Por isso, eu acho que empreender é um pouco mais difícil, porque eu também preciso buscar fora o que eu preciso, seja de mão de obra... Eu dei uma sorte gigantesca de encontrar duas costureiras que são do bairro, Edna e a Vera, especializadas em bolsas, que me abraçaram, assim, de uma maneira incrível. O ateliê delas fica a quinze minutos da minha casa, minha casa e meu ateliê, que é no mesmo espaço. Então eu tive uma sorte gritante, onde elas trocam muito comigo, elas têm mais de vinte anos de experiência com isso, eu chego toda crua: “Ai, quero fazer isso, o que vocês acham?”, elas vão e dão opinião, eu acato. Então tem essa troca mesmo. Mas não é todo mundo que tem, então, ai, não sei, às vezes tem outra, não sei, algum outro tipo de empreendimento que precisa de mão de obra que não tenha no bairro ou de compra de matéria-prima, por exemplo, que não tem. Eu vejo o quanto aquele bairro tem de natureza e eu quero comprar uma coisa orgânica e não encontro, pode até existir, pode, mas não sei onde encontro isso, com quem que eu vou falar? Vejo, também, por exemplo, o povo indígena que é super maltratado ou destratado, no melhor uso da palavra, abandonado, não tem um apoio, cada vez mais, falando até de nação, cada vez mais os indígenas sem terra, sem espaço, e aí acham que o lugar lá onde eles moram é um descarte de coisas, vai para doar, doa qualquer coisa, faz de qualquer forma, não tem... Eu sei que existem pessoas trabalhando seriamente lá e ajudando, mas que também é um trabalho de formiguinha, porque você não tem um poder público que ajude com ênfase, tendo em vista já o nosso presidente que não ajuda muito nessas questões, tanto dos indígenas, quanto ambiental, então a gente se sente muito sozinha em dar os passos de formiguinha, trabalhar, mas a gente faz aquilo que pode. Então eu acho que empreender na Zona Norte é bom, mas também tem espaço para melhorias. Se você compara, por exemplo, como uma Heliópolis, onde todo mundo é unido, eu nunca fui lá, mas só de ouvir reportagens e você escuta as pessoas falando: “Ai, eu sei onde tem isso, fulano faz pão não sei aonde, fulana faz produto de limpeza” e todo mundo ali interligado, talvez pelo tamanho da estrutura, não sei, mas poderia ser um lugar para a gente se inspirar e ter esse apoio, essa rede de apoio maior, expandir mais.
P/1 – E para você, qual foi o momento mais marcante nessa trajetória de mulher empreendedora?
R – Nossa, olha, tem vários. Eu acho que internamente dizendo, é quando eu ponho a prova que eu sou capaz, e isso é muito além de empreender. Quando você vê que você é capaz de fazer qualquer coisa, vindo da minha história, onde eu cresci sozinha, digamos, pai e mãe ausentes, passei por um relacionamento super conturbado, um morre, o outro vai preso, então quando você vê que você consegue, que você é capaz e que sim, apoio é importante, mas que sozinha você também consegue, é um pouco mais difícil, um pouco mais doloroso, mas que você consegue, essa para mim foi a maior prova de que empreender também dá certo, é difícil para caramba empreender, não vou botar só confete em cima de empreender como sendo uma coisa incrível, você abre mão de muitas coisas. Falando no meu contexto periférico, sem dinheiro, que peguei empréstimo para começar a empreender, então num contexto onde não tem conhecimento, não tem muitas pessoas que... Não conhecia muitas pessoas que empreendiam naquela época, sem conhecimento do assunto moda, do assunto sustentabilidade, do assunto empreender, enfim, sem muita coisa e você vê que, poxa, querendo ou não, dentro do meio da moda sustentável, há muitas pessoas que me conhecem, há muitas pessoas que conhece a Ágama. Sou referência? Não sei, posso ser referência para alguém, não é nem a minha pretensão, ai quero ser referência, se eu puder inspirar um pouquinho tá ótimo, se eu for referência para alguém, melhor ainda. Eu gosto muito de somar e dividir, eu não guardo nada, “Ai, se eu contar, essa pessoa pode abrir um negócio parecido”, sim, parecido, mas nunca vai ser igual. Então eu acho que ver o quanto eu fui capaz e sou capaz, não só para empreender, mas como para qualquer coisa, isso não tem preço.
P/1 – E como essa pandemia afetou o seu negócio?
R – Nossa. Bom, a pandemia... Olha, em 2018 eu passei por uma mentoria muito marcante também, ela foi um programa da prefeitura de São Paulo, chamado Vai Tec, que ela selecionou empreendedores da quebrada, esse era o chamado, era da periferia. E foi aí que deu o meu primeiro start me identificando como uma mulher periférica, então as reuniões todas aconteciam na Fábrica de Cultura da Brasilândia, com outras pessoas ali da quebrada também, e eram de várias regiões, mas o meu ficou focado na Zona Norte. E ali foi o primeiro programa que eu participei que tinha aporte financeiro e eu ganhei esse aporte financeiro, e ele foi muito marcante porque se não tivesse acontecido esse programa, eu teria já desistido naquele momento mesmo, porque eu já tinha entendido o que eu queria para a Ágama, eu já sabia que não era mais aqueles produtos estampados, eu tinha feito um estudo muito grande de público e tudo mais, mas eu precisava começar e eu não tinha dinheiro para começar, então esse programa tinha o aporte financeiro de 32 mil reais e foi a primeira vez que eu vi um valor gigante de dinheiro, que, para mim, 32 mil reais eu conseguia comprar uma casa, sabe, de tanto que aquilo significou para mim. Ali, eu tinha que usar muito bem aquele dinheiro para saber com o que eu ia gastar. O legal desse programa, o que eu achei mais incrível, é que ele tinha tanto para quem tinha sócios, como para quem era empreendedor individual. E tinha uma renda que era destinada a você usar como bolsa para o empreendedor, então parte do dinheiro você tinha que comprovar com nota fiscal. “Comprei tal coisa, foi com esse dinheiro, tá aqui a nota” e outra era “Não, você pode usar esse dinheiro para o que você quiser. Tanto para você, quanto para o seu negócio” e foi ali a primeira vez que eu comecei a guardar dinheiro, falei: “Eu vou guardar, por mais que eu queira sair comprando todo o mundo, eu vou guardar porque eu não sei até onde esse dinheiro vai”, então eu usei o dinheiro muito bem, a única coisa que eu precisei gastar foi porque o meu HD externo caiu no chão e não estava previsto, e ai eu precisei comprar outro, porque se não o negócio não continuava porque tudo estava lá. Mas de resto foi tudo estudadinho, esse daqui vai para esse aqui, esse valor para aquilo e tudo mais. E ai foi quando teve a virada da Ágama do jeito que está hoje, do jeito que eu gostaria que fosse, claro que sempre tem coisa para melhorar, mas olhando hoje e olhando quando começou, está completamente diferente, e está do jeito que eu gostaria que fosse, sabe? Então empreender é sempre esse alto e baixo de: “Ah, vou parar, não vou. Ai, vou terminar, não vou. Ai, desisto, não desisto”, todo dia assim, um dia você acorda querendo, outro dia você acorda não querendo. E a pandemia veio como um dia a mais para ir para a luta. Eu, no começo do ano, aliás, no final do ano passado, 2019, eu entendi que do jeito que eu estava fluindo com o meu negócio, ele não ia ser rentável financeiramente para tudo aquilo que eu almejava, então eu precisava abrir mão de algumas horas do dia para voltar para o mercado de trabalho. Só que eu não queria voltar para a hotelaria, então o que você faz, né? Eu até cheguei a mandar alguns currículos para outras áreas, mas eu acredito que hoje é muito mais pela indicação para você conseguir trabalhar, então não fui chamada para nenhuma entrevista. E aí morreu o assunto, nunca mais procurei, fui indo conforme dava. Até que eu tinha um blog na época da Ágama, e eu convidei uma das meninas que fez faculdade comigo na época, a Débora, que foi a única amiga da faculdade, assim, mais próxima que restou, e teve um dia que ela atrasou o post, alguma coisa assim, eu fui conversar com ela, ela falou assim: “Ai, Dri, desculpa, é que eu comecei a trabalhar”, eu falei: “Como assim? Você já não estava trabalhando”, que ela também era empreendedora, ela falou: “Não, agora estou trabalhando CLT”, falei: “Nossa, para tudo, vamos conversar”, e a gente ficou um tempão conversando, ela falando do lugar onde ela trabalhava e tal, e eu falei assim: “Nossa, parece ser legal, porque é uma startup, muito parecida com o que os empreendedores vivem, então eu tinha já uma noção mais próxima do dia a dia, como era, não era um lugar quadrado, digamos, onde você precisa entrar e se formar, se eu sou uma pessoa triangular, eu tenho que me formar uma pessoa quadrada, porque aquele lugar é um lugar quadrado. E nesse lugar que ela trabalha podia ser de qualquer forma, isso inclusive faz parte de uma das culturas da empresa, a diferença, e aí ela falou: “Bom, tem vaga, você quer?”, ai eu falei: “Manda o formulário ai que eu vou ver” e eu fiquei com o formulário aberto no computador, pensando: “Me inscrevo ou não inscrevo? Me inscrevo ou não inscrevo?” sabe? Fiquei assim e pensei: “Bom, eu não posso perder a oportunidade de me inscrever, se eu for chamada eu posso negar, agora se eu não me inscrever não sei se vou ser chamada ou não”, e eu me inscrevi assim, tipo, ai, seja o que Deus quiser. Isso foi no final do ano passado, e demorou, e demorou, e demorou muito para os próximos passos. Aí quando teve a primeira, depois da entrevista, a primeira parte do processo seletivo, ele era todo em inglês e o meu inglês, a última vez que eu falei foi no intercâmbio, há dez anos, ai eu: “Nossa, e agora? O que eu faço aqui?”, coisas muitas técnicas, eu não lembro do que era, era um texto muito, muito técnico, eu nem sabia o que era aquela palavra sabe. Eu falei: “Bom, de novo, está na mão de Deus para ver o que é” e tudo que eu ia fazendo era: “Estou seguindo, se for para ser meu, vai ser meu”, ao longo do período, isso tudo durou seis meses para você ter uma ideia, ao longo do processo seletivo eu fui me apegando, comecei a gostar dessa nova oportunidade, porque a Ágama fez seis anos em agosto, então isso foi no começo do ano mais ou menos, então eu estava começando a achar legal voltar para o mercado de trabalho neste local de trabalho, não nos tradicionais e que eu não queria passar nem na porta. E aí a Débora ia me contando como era ela, aqui é assim, aqui é assado, e foi me despertando a vontade, então toda vez que chegava um e-mail falando: “A vaga ainda está congelada, a vaga ainda está congelada”, eu falava: “Nossa, acho que isso é desculpa que eles estão dando para não me contratar” e eu me lembro que no dia que eu passei para a última, nossa, foi louco também, no dia que eu passei para a última fase, eu estava no ponto de ônibus com uma amiga minha que é empreendedora também, a Jaqueline, conversando, eu falei: “Ai, amiga, não queria contar, mas vou contar porque não estou me aguentando, estou esperando um e-mail assim, assim assado, de uma empresa que é assim”, ela: “Nossa, sério? Essa empresa é muito legal, eu conheço”... Plim! Tocou o e-mail, nossa eu dei um pulo no ponto de ônibus que todo mundo achou que eu era louca, eu gritava, gritava igual uma desesperada, e ela só ria, porque ela sabia o que era, não sabia o que estava no e-mail, mas imaginava que era coisa boa. E aí quando eu passei, eles tinham dado um prazo antes do final do ano para responder, aí teve festa, Natal, Réveillon, essas coisas todas, eles passaram para frente a devolução, se tinha passado ou não, e aí eu me lembro que o meu noivo precisava comprar um celular, não lembro, a gente precisava ir ao shopping, e aquele dia a gente encarnou o rico, sabe, era só cartão de crédito que passava: “Ai, vamos comprar isso aqui”, passa no cartão, “Só esse aqui”, passa no cartão, e eu pensando “Quando essa fatura chegar, estou muito lascada, estou muito ferrada”, mas passa, sabe, ia e passava e botava a senha com gosto, e como foi final de ano, a cada X reais em compra, você conseguia trocar lá por um sorteio que eles faziam, acho que era para Paris que era para ir, nem lembro. E a gente estava na fila para botar os papeizinhos na urna para ir para Paris, e o meu noivo sentado lá do lado, eu com celular na mão... Ah, e eu que fui comprar um celular... E aí eu tinha comprado o celular mais cedo, não tinha atualizado nada, então eu estava ali na fila e fui olhar, uma hora... Olha só, uma coisa importante, nesse dia foi o dia final da apresentação do “1000 Mulheres” do SEBRAE, ele não tinha ido trabalhar para assistir a minha apresentação, aí a gente se apresentou por volta do meio dia, saímos para almoçar era mais ou menos uma hora, fomos almoçar no shopping, que era lá próximo de onde teve a apresentação, e aí fui, almoçamos, comprei o celular, deixei lá porque ia ter que atualizar um monte de coisa e não ia olhar, quando foi lá para às onze horas da noite que eu fui ver o celular, às duas tinham me passado e-mail falando que eu tinha passado na vaga, nossa, eu gritei, eu gritei igual uma louca, tinha uma monte de gente na fila para ir para Paris e eu gritava tanto, mas eu gritava tanto, olha, eu acho que eu fiquei uns quarenta minutos eufórica, eu queria ir embora, eu não queria mais colocar papelzinho na urna, eu queria sumir dali pulando. Chegou no carro, eu queria gritar, a gente estava saindo com o carro do estacionamento, eu gritava e aquele estacionamento com eco, nossa. E fui gritando até metade do caminho. Danilo, meu noivo, falou para mim que nunca me viu daquele jeito, falou: “Eu nunca vi você tão feliz, parecia que você tinha ganhado algo muito valioso”, eu falei: “Sim, foi algo muito valioso”, porque é com base nesse trabalho, com base no salário desse trabalho, de um lugar que é saudável, que eu vou poder construir muita coisa, inclusive para a Ágama, porque em nenhum momento eu tinha parado, eu tinha pensado: “Eu começo a trabalhar CLT e abandono a Ágama”, a ideia era somar. Claro que por alguns momentos você fala: “Estou cansada, não quero seguir mais com isso, agora eu tenho que me desdobrar no horário para duas empresas”, mas tem tanto propósito, tanto para o trabalho CLT e para tudo aquilo que aquele dinheiro me proporciona e pode ainda me proporcionar, como também para o meu negócio, que aí é uma coisa assim, acho que é algo como a cabeça e o coração trabalhando juntos, sabe, e eles se complementam. Então quando eu tinha só a Ágama, eu trabalhava só com o coração, só que uma hora a cabeça tem que pensar, e a contas chegam, e você precisa ver se você paga isso ou se paga aquilo, e você começa a ficar deprimida também porque o negócio não rende, então não adianta você só ter um amor ali trabalhando, quando aquilo não está sendo rentável. Quando entra a cabeça e o financeiro, que te faz: “Bom, hoje você pode querer comprar isso, ou melhorar isso na sua empresa” e junta a cabeça e o coração, se completa, parece que a coisa flui melhor, óbvio que cansa, como eu falei, você ter que distribuir o tempo, antes o que você ficava o dia inteiro fazendo, você já não consegue mais, porque aí tem reunião, às vezes, fora do horário, aí tem um curso de inglês que você precisa fazer para melhorar e ter um cargo melhor, e aí você fica enlouquecida, mas faz parte, entendeu? E para mim, eu acho que movimento é vida, para mim só não movimenta quem está parado, e às vezes eu olho minha agenda e falo: “Caramba, quando eu respiro?”, quando dá (risos), entendeu? Quando dá a gente respira, a gente inventa um dia para respirar e vai. Eu falei brincando, mas é sério, a gente também precisa respirar, muita gente tem casos de Burnout, vai à exaustão, porque ficam só focados nisso e a gente precisa também ter um pouco de lazer. Mas eu, nesse momento, eu acho que a pandemia sim trouxe um peso muito significativo, porque eu vendo produtos que é para ir para a rua, ninguém usa bolsa dentro de casa, então o que fazer? Eu comecei a me reinventar, fazer alguns acessórios que eu ainda não terminei de fazer para lançar, mas algo que eu já queria fazer antes, que é trabalhar com madeira e com concreto para acessório, bijuteria, que é algo complementar ao acessório bolsa, então vamos ver como vai ser. Eu não sei, mas sim, a pandemia deu uma quebrada nas pernas muito grande, porque eu comecei a trabalhar em janeiro, no final de janeiro eu comecei a trabalhar no dia do aniversário da morte do Bruno, dia vinte de janeiro, quando ele fez vinte anos de morte eu comecei a trabalhar. E todas datas muito… Para mim uma coisa está sempre muito ligada a outra, então eu comecei a trabalhar, eu fui pagando algumas coisas que estavam para trás, quando eu comecei a juntar dinheiro para falar: “Vou investir na Ágama agora”, aí veio a pandemia e não deu muita coisa, mas sinto que agora está retomando um pouco mais, o fôlego está vindo mais, não como era antes, com certeza, e eu acho também que tudo precisa ser na hora que tem que ser, eu vejo muita gente com irresponsabilidade, eu não julgo, mas precisa pensar mais no próximo também, porque eu sei que todo mundo está enlouquecido mofando dentro de casa e quer ir para a praia quando faz sol, mas e as consequências? Então acho que tudo tem que ser ponderado, vai tomar um sol na laje, por enquanto, outro dia vai na praia, mas estou torcendo para que isso tudo acabe logo por vários motivos, não só visando a melhoria da saúde do meu negócio, mas da saúde do mundo, da população de modo geral, da saúde física e mental, porque nossa, muita gente pifou a cabeça nesse caminho, viu?
P/1 – E como é o seu dia a dia?
R – Bom, meu dia a dia... Eu entro no meu trabalho às seis horas da manhã, então agora na pandemia estou fazendo home office, mas antes eu acordava basicamente cinco horas para estar no trabalho, que o meu noivo trabalhava próximo então eu ia de carona, mas agora ele também foi mandado embora e eu não faço a menor ideia de como vai ser quando a gente voltar para o escritório. Então eu faço home office, eu acho ótimo, porque com a Ágama eu sempre trabalhei em casa, então seis anos trabalhando em casa, para mim, estou mais do que acostumada, tenho o meu espacinho lá, meu escritório e tal. Então almoço às onze horas da manhã, que a primeira semana de almoço às onze da manhã foi muito louco, gente, eu estou tomando café as onze, não estou almoçando, hoje eu já sinto fome de almoço normal, e saio às três horas do trabalho. Então na pandemia, 15h10 já estou na Ágama, já saio de uma e já entro na outra, dois dias na semana eu faço curso de inglês, que eu to me divertindo horrores fazendo curso, nossa, eu estou me divertindo muito. O meu professor é nigeriano, é um programa do meu trabalho, que contrata professores refugiados e eu acho o máximo, e eu tenho uma amizade muito bacana, não é uma amizade com ele, porque a gente se conhece sei lá, há uns dois, três meses, mas é uma troca muito legal assim, ele está disponível para o meu aprendizado e isso que eu acho incrível. Ele é um professor mesmo. Outro dia eu faço terapia, de final de semana, eu tenho tentado ter um tempo para mim, mas não é sempre que dá, agora nós compramos uma bicicleta, então a minha ideia é sair para andar de bicicleta, que fazia muitos anos que eu não andava de bicicleta, andei de bicicleta quando era criança. Então final de semana passado, a gente andou de bicicleta e eu fiquei igual uma criança, eu queria andar, e queria andar e queria andar, toda feliz. Mas os dias são bem cansativos, eu tento dormir às oito, mas raramente eu consigo. Eu tenho um cachorro idoso, de dezesseis anos, ele tem demência, então ele precisa muito de mim, ele anda e se enfia nos lugares e não consegue... Ele não sabe mais o que é ré, então ele só vai para frente, e aí ele se enfia cada vez mais nos buracos e vai, vai, vai, cada vez mais. Ele sabe onde tem o potinho dele de água, mas ele não consegue colocar a cabeça para beber, então eu tenho que colocar, enfim, então ele exige muito. Inclusive ele acorda a madrugada inteira, então, assim, eu acordo 5h50 da manhã hoje, mas já não durmo a noite toda, porque ele demanda muito e isso tem sido uma coisa bem... Tem sido um dos motivos da minha cabeça mais funcionar, sabe? O que fazer nessa situação? Já conversei com várias pessoas que apoiam e que sempre me dão a mesma saída, de eutanásia, mas aí eu fico pensando tantas vezes: “Ah, será que eu que tenho que decidir? Será que ele consegue mais um pouquinho” e aí eu olho e sei que ele está me entendendo, e é muito louco, assim, é uma dor muito grande. Uma amiga minha, que é essa que eu falei, a Marina Colerato, falou uma coisa para mim muito legal, ela tem uma cachorra que está passando mais ou menos por essa situação também e ela falou assim: “Dri, a gente humanizou muito os animais e isso não é bom. Se o Otto -
que é o nome do meu cachorro - Se o Otto tivesse na natureza ele já teria morrido, ele não consegue comer sozinho, ele não conseguiria nem caçar sozinho, ele já não tem mais dentes, ele já não bebe água sozinho, então ele já não estaria mais vivo” e essa é a pauta do último pensamento de o que fazer. Então ainda não decidi 100%, quando eu falo: “Hoje vai”, acontece alguma coisa para não ir, aí me faz pensar mais um monte de vezes, então estou esperando aí um sinal do próprio Otto me dizendo: “Deixa que eu vou sozinho ou não, me ajuda porque vai ser difícil de ir”. Mas a minha rotina é basicamente essa, ficar com o meu noivo, que nossa... Ele é assim, um equilíbrio, nossa, o Danilo é, eu não tenho palavras para falar, para além do amor, para além do afeto que a gente tem um pelo outro e do desejo de estar junto, ele é um cara fantástico, ele é um cara de uma família incrível. Outro dia minha vó falou assim para mim: “Olha, se você demorar muito para casar com ele, quem vai casar sou eu” (risos), eu falei :“Ah, tudo bem, vai estar em família então tá bem, não tem problema”, mas de ver até no começo as comparações de como era com o Alexandre, por exemplo, e como é com o Danilo, não há comparação, não há nada em comparação, sabe? O Danilo é educado, ai, olha... E assim, no começo a minha mãe ainda falava assim: “Não faz muita propaganda, porque vai que outra pessoa quer comprar”, eu falei: “Mas eu tenho certeza que ele não está a venda”, porque uma coisa que eu sempre deixei claro para o Danilo foi: “Você não é obrigado a estar comigo, você está comigo porque você quer, se uma hora acabar o amor, acabar qualquer coisa e a gente precisar se separar, vamos sofrer, vamos sofrer, ninguém morre, e respeito”, então antes do amor eu sempre falei para ele: “Me respeita, assim como você respeita a sua mãe, assim como você respeita a sua irmã, porque não é porque eu não sou da sua família que eu não mereça esse mesmo respeito” e eu nem precisei cobrar, isso foi só umas pequenas, uns pequenos ajustes de começo de relacionamento, mas que foi natural. Então agora na pandemia ele ficou três meses em casa, foi o tempo mais longo que a gente passou juntos e eu achei que eu ia enlouquecer com isso, eu falei: “De duas uma, ou eu vou terminar o nosso namoro aqui ou a gente sai daqui casado” e a gente vai sair casado, foi daí que eu falei: “Eu não consigo mais…”. Não, não é que não consiga, eu não quero mais ver, eu consigo sim ver a minha vida, eu não nasci grudada nele, mas eu não quero mais ver, é uma opção, e eu sei que ele compartilha da mesma opinião também, então sentir esse carinho... Ai, coisa boba, de trazer um copo de água, “Eu vou trazer uma água para você que está calor, tá?”, “Ah, tá bom, eu nem queria, mas agora eu quero”, então incrível, é um troca, assim, e eu agradeço muito, porque eu acho que Deus falou assim: “Acho que está na hora dessa menina ter um relacionamento bom, depois de tanto relacionamento lixo, está na hora dela ganhar alguma coisa legal aí” e olha... Que bom, que bom que ele apareceu, e continuou né (risos).
P/1 – E Adriana, quais foram os maiores aprendizados que você tirou da sua trajetória como empreendedora? E o que é ser uma mulher empreendedora para você?
R – Olha, escolher uma coisa é sempre tão difícil quando fazem essa pergunta, porque ninguém é só uma coisa, é sempre um tijolinho em cima de outro tijolinho. Eu acho que a primeira coisa de ser uma mulher empreendedora é ser resiliente, você leva porrada e volta, você leva porrada e volta, então ser resiliente... Eu acho que inclusive essa palavra resiliente veio depois da moda do empreender, porque eu nunca nem tinha ouvido essa palavra antes, mas que faz muito sentido, assim, você volta ao seu estado original mesmo com tanta porrada que você leva, sai um pouquinho machucada, mas vamos lá. Eu acho que essa é a palavra que mais define, empreender, uma mulher que empreende é uma mulher resiliente. Muitas vezes a gente fala que é uma mulher de força, que é uma mulher guerreira, eu não gosto muito de falar isso, porque o que é força, né? Quem empreende tem força, assim como quem não empreende também tem força, e as mulheres não são forças 100%, ninguém é, mas falando de mulher, mulher não é forte 100% e eu acho que falar de força ligada a mulher fez mal, porque força que a mulher esteja 100% sempre e às vezes que a mulher quer cair, ela não pode, porque ela tem que falar: “Não, eu tenho que estar bem” e não é verdade, o dia que você tiver que cair, você vai cair, se mantém ali caidinha, daqui a pouco você levanta, então se permitir isso também é muito importante. Não sei te dizer só uma coisa que eu aprendi, eu acho que tudo isso que eu falei aqui hoje dos últimos seis anos que eu empreendo, parece que os últimos seis anos de vida valeu muito mais por todas as outras partes da minha vida, porque boa parte da minha infância eu esqueci, depois uma parte da adolescência com a morte do Bruno eu esqueci também, então as minhas últimas lembranças são lembranças de mais velha e de quando já estava perto de empreender, porque eu só escolhi um dia para a Ágama nascer, mas a Ágama sempre esteve dentro de mim, eu escolhi um dia de fundação e escolhi um nome para ela, mas ela sempre esteve ali, então eu não sei falar só uma coisa. Acho que o que eu aprendi com empreender, cara, é não desistir quando não tem que desistir, é desistir quando tem que desistir, é pedir ajuda quando precisar, é ir na frente quando achar que dá para ir sozinha, é puxar alguém e levar com você, é sentar no chão quando alguém está caída, nossa, é muita coisa, não tem como falar só uma coisa do que a gente aprende empreendendo. Para o âmbito financeiro você aprende a dar mais valor para o dinheiro, porque o dinheiro é um dinheiro suadíssimo, que você tem que contar cada centavo para definir para onde esse dinheiro vai. No âmbito de aprendizado intelectual é estar se reciclando o tempo inteiro, estudar, às vezes você vai ter que abdicar de repente sair para ir ao cinema porque tem um curso naquele dia. Brigar, às vezes, com o seu companheiro ou sua companheira por falar: “Não, hoje eu vou pensar em mim, vou pensar no meu negócio, e se você não quiser me acompanhar, eu sinto muito, porque esse negócio é meu e se eu não tocar, não tem como andar”... Ai, são muitas coisas, não sei dizer uma só não, vai ter que colocar todas essas (risos).
P/1 – E o que a Zona Noroeste, onde você cresceu e vive até hoje, representa na sua vida?
R – Olha, é muito... Assim, é um lugar pacato, que por mais que tenha crescido, tem um ar de interior, se for parar para pensar, dois bairros para frente já nem é mais São Paulo. Ah, é um lugar que eu tenho muito carinho, que eu sinto que as minhas raízes estão ali, por mais que eu tenha asas e que eu vá para vários outros lugares, ali está a raiz da minha família, foi ali que a minha avó e meu avô escolheram para germinar essa árvore, então por mais que a gente vá para um pouquinho mais longe, volte, acordar e ver o pico, por exemplo, aquilo para mim é vida. Outro dia tinha um tucano no poste perto da minha casa, então você vê isso que não é todo lugar que você vê, sabe? Nossa, é... Eu não sei explicar, eu tenho muito afeto por aquele lugar, tanto que agora na compra do apartamento, a gente foi para Pirituba, não foi nem para longe, é um bairro do lado, sabe, não quero ir muito longe daqui. A gente chegou a pesquisar na Zona Leste alguns lugares, porque o meu irmão mora na Zona Leste, de repente fica um pouco mais próximo e tal, mas: “ah, não, vamos ficar aqui em Pirituba mesmo, não dá para ir muito longe”. A minha avó contando as histórias de “Isso tudo era mato, aqui era tudo barro, sua mãe tinha uma calça boca de sino e aí ela tinha que amarrar, porque quando chovia, escorregava, porque o pé entrava dentro da calça, não sei o que”, então assim eu não sei explicar, eu só sei sentir o que é aquilo para mim, é o meu berço, eu vim dali, eu não sei como é nascer em outro lugar, eu nasci ali. Andar de bicicleta na rua, passear com cachorro, sentir o cheiro de mato, o frio que é quando você está chegando perto de casa e como é todo arborizado dá mais um friozinho. Nossa, quantas vezes voltando do trabalho de ônibus dormindo eu acordava sempre no mesmo lugar, porque estava friozinho, eu já falava: “Opa, está chegando no ponto que é para descer”. E eu sempre estive ali, às duas vezes que eu precisei sair dali foi para ir para a faculdade e para fazer o intercâmbio. Assim, além de ir e voltar todos os dias do trabalho por trabalhar no centro, mas eu só saí dali duas vezes e voltei de novo, então ai, para mim... Eu não sei, é só... Você não vai saber o que é porque está dentro de mim (risos).
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Ai, eu não sou uma mulher de muitos sonhos não, assim, nunca almejei muitas coisas, mesmo porque eu tenho muito medo de criar expectativas e quando chegar não ser como eu planejei. Mas eu posso falar de desejos no lugar dos sonhos. Hoje o meu desejo maior está em ser uma boa profissional, uma profissional que possa colaborar nas duas empresas, tanto a que eu trabalho CLT, quanto na minha, na Ágama. Quero sempre ser uma pessoa... Desejo sempre estar em evolução, isso para mim, eu não consigo não querer aprender alguma coisa, assim, pode não ser um curso formal, mas eu estou sempre vendo um documentário, alguma coisa que estou aprendendo, tenho sede em aprender. No aspecto financeiro é constituir a minha família com o Danilo, e a minha família pode ser eu, ele e só, não precisa de crianças, pelo menos até este momento não é algo que os dois desejam, mas de ter o nosso espaço. A gente fica vendo móveis planejados e pensando onde vai botar aquele monte de planta que a gente tem, escolher roupa de cama: “Ai, essa panela é mais bonita que aquela”, coisa de gente adulta, sabe? Apesar de eu ter 34 hoje, eu sempre achei que eu tenho, sei lá, 25, a minha cabeça é... E o Danilo é mais novo que eu, então me faz ficar viva e jovem cada vez mais, porque os amigos dele são mais novos, meu irmão é mais novo, a irmã dele é mais nova, então eu sempre estou no meio dos mais novos e eu acho isso ótimo. Ótimo para a cabeça jovem, não estou nem falando de corpo jovem, para a mente estar sempre jovem. Então acho que o nosso... O meu desejo hoje... Olha o ato falho, eu falei nosso, né? Porque eu já não consigo, de novo, eu não desejo mais que seja sozinha, então o meu desejo hoje, o meu sonho hoje é conseguir ter esse espaço que a gente está construindo agora, muito saudável, com muito respeito. Ah, e ser uma pessoa cada vez melhor, de conseguir enxergar para além do meu próprio umbigo, sabe?
P/1 – E você gostaria de acrescentar alguma coisa que não tenha a instigado, pensamento, contar alguma coisa?
R – Nossa, acho que eu falei tanto. Você foi muito boa nas suas perguntas (risos). Ai, não sei. Ah, eu acho que eu posso falar que para quem puder sempre fazer terapia, eu acho que terapia devia vir junto com a certidão de nascimento, algo já vitalício, porque é muito importante, ele ainda parece uma coisa elitista, mas não é. E para quem puder, eu sempre recomendo que faça, porque a terapia é muito mais um autoconhecimento, e entender o porquê você está e é daquela forma, e é para você, não é para o outro. Você até acaba ajeitando um pouco o outro, baseado em você, mas é sempre em você. E eu gosto muito de usar aquela metáfora das aeromoças, que a gente sempre precisa pensar na gente primeiro quando o avião está caindo e colocar a máscara primeiro na gente, para depois colocar no seu filho, numa outra pessoa que esteja ao seu lado, então a gente sim, em alguns momentos, precisa ter esse egoísmo, que não é pejorativo, nunca achei que egoísmo fosse uma palavra pejorativa, e pensar em você, porque automaticamente depois que você pensa em você, o redor flui. Então faça terapia e seja egoísta (risos).
P/1 – A gente está encaminhando para o fim, tem mais duas últimas perguntas. Primeiro, eu queria saber o que você acha da proposta de mulheres empreendedoras serem convidadas a contarem a sua história de vida, através de um projeto de memória?
R – Eu acho que eu devia ter conhecido isso antes, para ter tido tempo de ter conhecido mais histórias, não só das mulheres, mas das pessoas. É incrível, eu no ano passado comprei dois livros, não me lembro o nome exatamente, mas um para conversar com avó e eu ouvi as histórias da vó, e outro a história da minha mãe. A minha avó, como ela já não escreve muito direito, eu leio as perguntas do livro e gravo e depois vou transcrever para o livro. Da minha mãe eu entreguei para a minha e falei: “Quando você terminar, você me devolve”, porque no livro fala muito da relação entre mãe e filha, e de vó e neta, por quê? Isso uma hora vai acabar. Uma hora eu não vou ter mais a minha vó, uma hora eu não vou ter mais a minha mãe e aí as minhas lembranças também se perdem. Quando a gente consegue expor isso, para além do âmbito familiar, mas contar essas histórias, a minha história, de outras pessoas, de outras mulheres, que possam ajudar na vida de outras pessoas, sendo mulheres ou não, é incrível. Eu devia ter conhecido esse Museu antes, eu acho que ele precisa ser divulgado e ampliado, a história, o projeto, enfim, o museu de forma geral, para contar histórias, porque o que é a gente se não é história? Quando a matéria acaba, o que fica é história, então tem que ter o registro. Quando a gente era mais novo, nossa, o meu pai vivia com uma filmadora atrás da gente querendo filmar, não sei o que, e agora na pandemia, ele achou um monte de vídeo VHS e mandou para não sei quem que botava tudo em CD, a gente passou tardes dando risada desses vídeos, e a maioria eu boba, tímida, na época, não aparecia. Eu fiquei com ódio de mim mesma, que não me deu oportunidade de, sei lá, depois de mais velha poder ver aquilo, que agora eu quero gravar tudo, entendeu? Alguém piou eu estou gravando, então participar disso aqui, incrível, tem que sim ampliar, quanto mais histórias, mais mulheres, mais pessoas... Gente, é isso! Nem num Museu com quadro pintado não é só a imagem, tem a história de quem pintou, porque pintou, onde se inspirou, tudo é história. Então contar história, gente, maravilhoso, tem que sim ampliar e eu me sinto muito feliz em poder estar fazendo parte desse projeto pessoalmente, e para que outras pessoas possam, de repente, se inspirar na minha história e ter forças para seguir em algum momento.
P/1 – A minha última pergunta, a gente caminha para o que você já estava comentando, mas queria saber o que você achou de ter participado dessa entrevista? Dessa contação de história, né?
R – Ai, eu achei essa contação de história/entrevista incrível, assim, tanto a curadoria das perguntas, que foi direcionando, não sei se você pensou isso antes, ou se foi vindo durante o assunto chegando, mas foi uma curadoria muito boa, de ter escolhido as mulheres que empreendem na Zona Norte, porque eu pude ouvir a história de cada uma delas, particularmente falando, quando eu participei desse projeto do “1000 Mulheres”, eu já tinha uma bagagem de empreendedora, e muitas mulheres que estavam ali, estavam chegando cruas. Então eu fiquei muito mais de ouvinte e dando oportunidade para que elas se expressassem e aprendessem mais, do que eu estando ali como protagonista. Então pude ouvir histórias, por exemplo, que eu fiquei sabendo que veio aqui, da Joana Darc, a Jô, uma história incrível com a filha, uma mulher, nossa, com uma determinação, com um desejo dentro dela que assim, eu olhava para aquela mulher, muito mais velha que eu, fisiologicamente falando, e com uma garra que eu falei: “Nossa, eu quero muito poder ter um pouquinho do que essa mulher tem”. Então eu me senti muito honrada em estar aqui, em poder fazer parte desse acervo, de... Ah, não sei, de que isso continue e que reverbere, e que cresça, e que expanda, e que outras mulheres empreendedoras, não empreendedoras, e sim mulheres, venham contar história, que tenham essa oportunidade e que possam sim ver como as histórias delas são importantes, porque a gente vai vivendo, passando um dia depois do outro e acha que a história é só uma história, é só uma vida, não é nada de mais, e não é, é uma história muito significativa, é uma história de muita força e que sim, deve ser reconhecida. Então, uma salva de palmas para esse projeto. Eu adorei.
P/1 – Adriana, foi um prazer enorme poder ouvir sua história, conhecer um pouquinho de você. Eu, a Fernanda, a outra pesquisadora que também acompanhou a gente, e todo o museu, a gente agradece muito, de coração.
R – Eu que agradeço, fiquei muito feliz com o convite, de verdade, o que eu falei aqui nessas últimas perguntas não foi encheção de bola não, assim, vocês estão de parabéns, não tem porquê eu encher a bola de vocês, eu não estou ganhando absolutamente nada com isso a não ser contar a minha história. Mas vocês estão todos de parabéns, da curadoria das perguntas, das histórias das meninas que eu pude saber de algumas que estão aqui, que com certeza vão enriquecer muito o acervo. E gente, eu não sei há quanto tempo existe o Museu e o projeto, mas cara eu quero poder ajudar mais, sabe, assim, indicar pessoas, sei lá, de que maneira eu posso ajudar, mas que continue, porque eu nunca tinha ouvido falar disso aqui, nossa, incrível.Recolher