Meu nome é Rafael Schettini Frazão. Salvador, Bahia, é minha cidade natal; nasci em 23 de fevereiro de 1953.
FAMÍLIA
Meu pai se chamava Deolindo da Silva Frazão, e minha mãe, Maria Tereza Antônia Schettini Frazão. Meu pai era piauiense, e minha mãe, italiana. Minha mãe veio com meus avós na época da Guerra, chegou no Brasil com dois, três anos de idade no Brasil. Ela veio para uma cidade chamada Poções, no interior da Bahia. Essa cidade fica a uns 300, 350 quilômetros de Salvador; as cidades mais próximas são Jequié e Vitória da Conquista.
Meu pai era engenheiro cartógrafo, meu pai estudou na Bahia quando se casou com minha mãe, mas só veio concluir o curso de engenharia depois de casado, na antiga Universidade do Estado da Guanabara, na UEG. Ele foi da primeira turma de engenheiros cartógrafos do Brasil, ele trabalhou até se formar e trabalhava no IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Meus avós imigrantes eu conheci, até uns seis, sete anos de idade eu vivi em Poções com meus avós próximos, até que meu pai foi transferido, em 1960, para o Rio de Janeiro, pelo IBGE, e aí nós nos mudamos para Niterói nessa ocasião.
EM ITALIANO
Dessa minha origem italiana o que eu tenho de mais marcante é basicamente aquela primeira infância com os italianos nessa cidade. Eles migraram para lá basicamente para plantar café, e eu lembro de outros italianos, eles falavam muito italiano naquela época, a gente pequenininho, mas foi só essa primeira infância esse contato com os meus tios, os parentes dos meus avós, que vieram juntos para o interior da Bahia, então não foi muita coisa. Depois que eu saí de lá da Bahia, praticamente não tive mais contato com eles, muito pouco, eventualmente. Naquela época não é como hoje, que você pega um avião e vai para lá. Naquela época a Rio-Bahia não era nem asfaltada ainda.
O VALOR DO HOMEM
Eu tenho dupla cidadania, por minha mãe. Interessante, inclusive, porque na Itália, o homem vale mais do que a mulher, não sei se você... Eu vim a ter essa experiência porque eu entrei no Consulado italiano pedindo minha cidadania por ser filho, por ter mãe italiana, e acabei tirando por ter meu avô italiano, então eu sou cidadão italiano porque sou neto do meu avô e não porque sou filho da minha mãe, que coisa! Mas foi.
DESPEDIDAS, NÃO
Minha família se transfere da Bahia para o Rio de Janeiro porque meu pai então saiu do Piauí, foi estudar em Salvador, conheceu a minha mãe, se casaram, estava trabalhando no IBGE e, em 1960, no segundo semestre, se não me engano, meu pai foi transferido para o Rio de Janeiro. Então em função da transferência do trabalho do meu pai é que nós viemos para o Rio. Foi um drama! Os italianos não gostam, meu avô não queria que minha mãe viesse, então foi um drama. Eu até hoje tenho problema com despedidas, não convivo bem com essa coisa de despedida, porque na hora de viajar, tudo pronto no avião, meu avô se agarra comigo, eu com seis, sete anos de idade, e não consegue se soltar - nem eu dele, nem ele de mim e eu acabo ficando num primeiro momento. Minha família veio e eu fiquei, e tempos depois, não sei precisar se um ano, talvez ,eu fiz a alfabetização lá com ele, sozinho, fiquei com meu avô e minha avó e somente um ou dois anos depois é que eu vim me juntar à minha família, meus irmãos, que vieram. Então eu tenho um pouco essa coisa do italiano, com despedida. E eu tenho 12 ou 13 mudanças na Petrobras, e as despedidas são muito doloridas para mim, muito difíceis, não convivo bem com despedidas.
BOAS INFLUÊNCIAS
Aqui no Rio nós viemos morar em Niterói. Meu pai achou na época a cidade bem mais calma, em função de colocar a família que vinha de fora,e fomos morar em Niterói, onde eu fui criado. Eu fui para o grupo escolar Joaquim Távora, ali no campo de São Bento, em Niterói, depois eu fiz admissão - naquela época tinha que fazer admissão para fazer o ginásio - e eu fui para o Colégio Salesiano Santa Rosa. Estudei o ginásio e o científico no colégio Salesiano Santa Rosa, fiz vestibular para Universidade Federal Fluminense, para engenharia civil. Passei e fiz o curso de engenharia civil na Universidade Federal Fluminense, concluí em dezembro de 74.
Meu pai me influenciou na opção pela engenharia. Minha mãe também. Meu pai fez engenharia cartográfica . Naquela época – vocês, certamente, novinhas, não tiveram essa experiência - mas naquela época engenharia, só civil. Se não fosse engenheiro civil não era engenheiro, um negócio meio assim, até meu pai engenheiro cartográfico, não se dava muito valor, esse tipo de coisa. Então minha mãe, aquele negócio: “Eu sonho em ter um filho engenheiro civil”. E eu acabei indo, influenciado pela família para fazer engenharia civil e no fundo cheguei lá e adorei, fiz um curso maravilhoso, fui um dos melhores alunos, me destaquei e adorava aquilo que eu estava estudando.
RELIGIÃO
Minha família, por ser italiana, era muito religiosa. Eu, até por ter estudado em colégio de padres, o Salesiano, eu continuei muito forte com essa coisa de religião. Naquela época - puxa vida, é ruim falar: “Naquela época.” Mas nós éramos obrigados a ir às missas no Colégio Salesiano aos domingos de uniforme do colégio. Aquilo era obrigado. Nós tínhamos que ir uniformizados, como se fosse para aula, e carimbava a caderneta com a presença da mesma forma que carimbava na segunda, terça, quarta, quinta e sexta, nas aulas normais da escola. Logicamente, com o passar do tempo - eu estudei lá o ginásio e o científico, sete anos -, as coisas foram evoluindo. Eu lembro depois que teve um ano que não precisava mais ir de uniforme, depois já não precisava mais ir à igreja do colégio, porque precisava ser na igreja do colégio de uniforme, depois já não precisava mais ir na igreja do colégio, o pai podia atestar que foi, aí entrou menina, ficou misto o colégio, mas eu vivi todas essas passagens. E eu, pelo fato de ser filho de italianos e ter essa coisa da religião muito forte, eu fui coroinha. Naquela época coroinha ajudava na missa, eu achava maravilhoso você ajudar o padre a rezar a missa em latim, aquela coisa era tão fantástica, a igreja salesiana é bonita, então eu vivi tudo isso. E até depois a gente se afasta um pouco da religião e às vezes fica aquela coisa na cabeça – eu tenho missa aí para uma geração – eu assisti missa demais – então eu me desliguei um pouco e uma das coisas que eu sinto hoje muito é não ter passado essas coisas para os meus filhos. Meus filhos não têm a coisa da religião, isso daí acho que foi uma deficiência na educação, que eu dei, estou dando para os meus filhos.
FILHOS
Eu tenho três filhos. O Rafael Frazão Filho, que nasceu em Niterói, quando eu estava na Petrobras aqui no Rio; depois eu fui, com essas mudanças todas, nós fomos para Belém do Pará, e nasceu o Leonardo Libânio Frazão, e depois nós fomos para Manaus, e nasceu a Luisa. Luisa Libânio Frazão, que é manauara, então nós temos um fluminense, que é o Rafa, o Léo, que é paraense, a Luisa, que é amazonense - não tem nada a ver de índio é uma loirinha.
EM TURMA
O ambiente da Universidade Federal Fluminense, a Faculdade de Engenharia na minha época era muito legal, porque a gente tinha aquela turminha da praia de Icaraí, outros locais. Meu filho, por exemplo, estuda na Unicamp um, e o outro estuda na USP, lá em São Carlos. Um estuda em Campinas e outro em São Carlos, eu convivo com eles lá, eu vejo cada um é de uma cidade, não tem aquela coisa. Nós éramos assim, a turminha da praia de Icaraí, então a gente estava sempre junta, aquela patota que jogava bola aos sábados na praia, que tomava um chope no fim-de-semana junta, que ia para praia domingo em Cambuinhas e Taquatiara, a turma junta. Era uma turma muito unida, convivia bastante, o que eu não vejo hoje - as pessoas são mais isoladas, mais separadas, cada um de um lugar.
Tinha muito movimento estudantil. Era interessante, quando eu entrei na UFF nós fizemos vestibular, teve uma prova de física cuja prova foi anulada, e aquilo foi uma revolução ali na reitoria, na praia de Icaraí. Revolução. Milhares de pessoas ali brigando, confusão - e eu lembro que no gabarito eu tinha passado naquela prova, e o pessoal, houve um protesto lá que a prova tinha sido muito difícil. Eu não lembro bem os detalhes, mas anularam a prova, então eu lembro que no momento de mais agitação, que a turma estava para quebrar aquelas vidraças ali, para invadir a reitoria, aquela coisa toda, subiu um rapazinho no muro e fez um discurso inflamado. Sabe aqueles caras? Eu falei: “Pô, que cara fantástico, uma liderança.” Aquele cara inflamado fez o discurso e acalmou todo mundo, botou ordem na casa, aquela multidão. Eu fiquei fascinado por aquele cara: “Como é que o cara tem uma capacidade dessa de dominar toda uma platéia de estudantes, todo mundo com uma energia?” E depois eu vim descobrir que esse camarada era meu colega da Petrobras, anos depois no Centro de Pesquisa, o cara mais enquadrado que eu vi na Petrobras.
Era Osvaldo Pedrosa, Osvaldinho Pedrosa, e ele era esse líder estudantil, que ele era do DCE. E estava ali, eu falei: “Quem te viu, quem te vê.” Depois que eu conheci ele lá com aquela imagem que ficou e depois que eu vi o Osvaldinho na Petrobras, hoje ele está lá em Ipê, um sujeito enquadradíssimo, um cara súper, eu falei: “Como é que pode? É o mesmo!” Mas eu não tive muita participação em termos de DCE, essas coisas eu não participei muito, não.
O EDISE
Na minha época de estudante a Petrobras era uma coisa muito forte de brasilidade. Petrobras era Brasil. Eu lembro de uma vez meu pai me trazer para o Rio de Janeiro, para o centro, eu não sei bem para que nós viemos aqui, e tinha acabado de construir o Edise, e o Edise era uma coisa fenomenal. Até hoje é um edifício que se impõe como uma coisa diferente, mas naquela época então, que tinha acabado de inaugurar o Edise, que a gente viu, inclusive ficava iluminado à noite toda, depois apareceu um monte de coisa aí nas revistas, protestando contra essa coisa de ficarem os prédios públicos todos iluminados, mas naquela época ficava. Então à noite nós passamos pelo centro do Rio, aquela coisa colossal. Puxa vida! Eu deparei com aquilo porque era recém-inaugurado, eu falei para o meu pai: “Poxa, isso é a Petrobras!” Aí eu virei para o meu pai, eu lembro disso: “Um dia ainda vou trabalhar aqui”. Falei aquela coisa: “Um dia eu ainda vou trabalhar aqui”. E ficou marcado isso aí. Eu nunca depois, lógico eu era garoto, depois eu cresci e não queria entrar para a Petrobras.
PETROBRAS OU CÁLCULO?
Eu não queria entrar para Petrobras porque eu era fascinado por cálculo estrutural, engenharia civil, eu estava com aquilo e tinha um professor meu, que me adorava, eu era o melhor aluno dessa cadeira e... Era Arthur Eugenio German. Ele hoje é falecido, mas ele era um dos grandes calculistas brasileiros, professor catedrático da UFF, um dos mais respeitados certamente lá na UFF. Olha, se não me engano foi o escritório dele que calculou o Maracanã ou o Mineirão, um desses grandes estádios, eu não lembro exatamente. Mas ele tinha essas grandes obras, não sei se foi outro, até a própria sede da Petrobras, eu tenho impressão que foi o escritório dele que calculou, não tenho certeza, mas ele era desses dos grandes escritórios de cálculo estrutural do Brasil. E ele tinha por hábito pegar um ou dois alunos que se destacassem todos os anos e colocar na equipe dele. Ele tinha uma equipe de 20 a 30 engenheiros que trabalhavam com ele, e eu já era um dos eleitos: “Olha, esse ano você vai trabalhar comigo no meu escritório”. Então eu era um cara privilegiado, porque todo mundo falava: “Pô, você já está com o emprego garantido”. Aquela coisa toda. Quando foi no segundo semestre do ano que a gente ia se formar, 74, setembro, outubro teve inscrição para o concurso da Petrobras, e eu fui no vai daquela coisa da praia de Icaraí, daquela turma: “Vamos nos inscrever. Vamos lá Frazão, que é isso! Coisa nova lá na Bahia, fazer curso, petróleo”. “Vamos.” Acabei indo mais no entusiasmo e fui um dos poucos que passaram no concurso dessa turma, e aí ficou aquela coisa, um drama um pouco: “Vou ou não vou?” “Vou aqui para o Rio para o escritório de cálculo, trabalhar em engenharia civil, aquilo que eu adorava e uma coisa nova: Petróleo. Petrobras? Vou trabalhar com quê? Engenheiro, negócio de petróleo. Tinha que fazer um curso para se especializar nisso, uma coisa que mudava totalmente aquilo que você vinha.” E acabei medindo as coisas.
SALÁRIO ATRAENTE
Eu lembro exatamente o salário da Petrobras. O salário básico era 4.192 unidades monetárias da época. Tinha mais 10% de adicional regional - quem trabalhasse em Salvador tinha direito a esse adicional regional - e 30% de periculosidade para todo mundo, inclusive quem trabalhava no escritório. Então isso aí ficava seis mil e tantos reais, e ficou direito adquirido. Essas coisas até hoje não existem. Seis mil e tantos reais.
O mercado de trabalho para engenheiro não era tão difícil como hoje, mas era disputado. Os salários eram de dois mil e poucos e alguma coisa. Bem mais baixo do que a Petrobras estava oferecendo.
CIVIL NÃO, PETRÓLEO
Esse meu professor, o que se falava lá é que ele ia me pagar 3.300 unidades monetárias da época, e a Petrobras era seis mil e tantos, e era a Petrobras. E eu gosto muito de ver a experiência dos outros. Eu lembro que tinha um amigo nosso, que tinha um tio que era superintendente da Petrobras lá em Tramandaí, no Rio Grande do Sul, e ele veio uma vez visitar os parentes aqui em Niterói, e aí botou o cara para eu conversar com ele, para saber da Petrobras, para me dar orientação, aí eu disse para ele: “Estou na dúvida se eu vou para Petrobras, inclusive porque eu gosto de engenharia civil, adoro engenharia civil e eu queria entrar na Petrobras como engenheiro civil.” Ele falou: “Olha se você quer entrar na Petrobras como engenheiro civil, não entre na Petrobras, não entre na Petrobras.” “Por quê?” “Meu filho, o negócio da Petrobras é óleo, é petróleo. Para você fazer carreira na Petrobras, crescer na Petrobras, você tem que ir para lá onde está o óleo, o negócio da empresa, porque para a Petrobras, engenheiro civil tem na esquina. Ela não quer saber de engenheiro civil, não tem valor. Só entre para Petrobras se você for trabalhar como engenheiro de petróleo, senão abandone e vá para outra área onde você goste e tal.” Aquilo me marcou muito também, porque uma coisa, eu tive que abandonar a engenharia civil totalmente para ir para o petróleo, coisa nova, tal e tal se eu quisesse ir para Petrobras. E eu fui fazer o curso.
VINTE PARA UM
Olha, o que me motivou realmente a fazer o curso foi mais aquela coisa dos mais velhos. Inclusive esse senhor, que era superintendente da Petrobras na época, dizia assim: “Meu filho, você vai largar a Petrobras por um escritoriozinho de cálculo? Pensa bem, é a Petrobras. É a Petrobras!” Naquela época era assim, entrou o filho no Banco do Brasil ou na Petrobras, acabou. Está feito na vida. Naquela época era: “Então você vai largar a Petrobras? Quantos milhares fizeram o concurso e não passaram? Você foi privilegiado. Pense bem.” Então isso marcou - e não é uma questão do dinheiro, mas também pesava. Um jovem que tinha um estágio e ganhava 300 unidades monetárias e vivia ali, ia passar a ganhar seis mil e tantos. O outro era 3.000, mas era 6.000, 20 vezes mais.
NA BAHIA
Minha chegada na Bahia foi interessante. Fui sozinho, foi no dia 1 de janeiro, porque dia 2 eu me apresentei na empresa, então a Petrobras me deu a passagem e me deu a reserva de hotel. Dez dias de hotel na Bahia, deu o endereço, hotel tal. Eu fui para o aeroporto, tinha 21 anos de idade e cheguei lá e encontrei um outro colega da Universidade Federal do Rio de Janeiro que também estava na mesma coisa, mas eu não o conhecia, conheci lá no avião. Puxamos assunto, o cara estava indo para a Bahia fazer um curso da Petrobras, aí pronto. Começamos por aí . Era uma coisa nova, pela primeira vez eu ia para minha terra conhecer, porque eu não conhecia Salvador, eu era do interior, nasci em Salvador, mas eu pequeno, nunca mais fui lá. Se fui, foi assim rapidamente, não conhecia Salvador. Ruim para mim até para morar lá sozinho, começar a vida. E uma coisa bastante interessante, esse outro colega que eu conheci no avião, também foi: “Vamos morar juntos.” Tem umas histórias interessantes.
O nome dele é Alberto Sampaio de Almeida, ele hoje é gerente geral aqui na E&P, aqui na sede do Rio de Janeiro, trabalhou a vida toda no Centro de Pesquisas da Petrobras e foi interessante que ele foi, na noite que nós chegamos no hotel, que fomos tomar um chope embaixo para nos conhecer, para nos aproximar, num lugar mais descontraído, ele falou: “Olha eu vim para cá para tirar o primeiro lugar, porque já mapeei tudo aí, é o seguinte: todos os primeiros alunos dos cursos de engenharia de petróleo, quando vêm as vagas, tem sempre uma vaga para o Centro de Pesquisa. Geralmente eles pegam o primeiro aluno, para trabalhar lá, que é a elite. E eu vim para cá porque eu estou noivo no Rio de Janeiro, e minha noiva trabalha na biblioteca pública lá do Estado.” Que ganhava mais do que ele ganhava na Petrobras, então para ele casar e resolver a vida dele, ele tinha que voltar para casar com ela. Ele falou: “Eu vim aqui para tirar o primeiro lugar”. Eu achei o cara assim um pouco prepotente, uma coisa assim meio: “Pô esse cara fez um concurso, para o Brasil todo, a nível nacional, as feras de tudo quanto é lugar, e vem aqui para tirar primeiro lugar? É meio e olha...” Fomos morar juntos, colega de república, e o cara tirou o primeiro lugar. Eu sempre uso isso até para os meus filhos, como exemplo de determinação. O cara mais determinado que eu conheci na vida, e para mim foi um exemplo de vida, foi a determinação dele.
Eu não tinha essa determinação, eu estava mais naquela coisa de mundo novo, de desgarrar da família, começar uma coisa nova sozinho, sem compromisso, não tinha namorada, não tinha noiva, não tinha nada, entendeu? E era aquela coisa de começar tudo novo. Tudo era festa, tudo era farra.
O CURSO
Fizemos o curso de engenharia de petróleo. Catorze meses o curso, e nós estudávamos oito horas por dia, aula de manhã e de tarde de segunda a sexta, com provas, um negócio bem rigoroso. Para você ter uma idéia, nos três primeiros meses, de 40 ficaram 20. Vinte foram reprovados, saíram por outros motivos e não seguiram em frente. Era um negócio muito puxado, um curso bastante rigoroso, provas difíceis. A turma se virava e você convivia com gente do Brasil inteiro, de São Paulo, Ceará, Pernambuco, era uma diversidade fantástica. Foi um período fantástico da minha vida assim, esse período na Bahia.
Quando acabou o curso eu tirei terceiro lugar, eu inclusive disputei muito essa coisa de lugar, fui numa farra do pessoal e a gente, para poder botar medo até no Alberto, dizia para ele: “Olha se você não estudar mais”. Já estudava todo o tempo, e a gente ia para praia, para os bares, festas, essa coisa toda, e ele ficava estudando. É um cara que tinha aquela determinação: “Eu vim para cá para isso e ponto final”. E a gente gozava, aquela coisa de jovem, até para poder provocar mais o cara. Eu tirava notas boas e às vezes tirava primeiro lugar, ele segundo, ou ele segundo e eu primeiro e a turma falava assim: “O Frazão também é de Niterói, o cara quer voltar para lá, só tem uma vaga para o Cenpes, se você não estudar ele vai ficar em primeiro lugar, vai querer ir para o Cenpes, você não vai poder ir”. E aí ele estudava mais ainda, e eu acabei ficando em terceiro lugar.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Na verdade, depois do primeiro, segundo lugar, o resto não tinha muita diferença. Porque era assim - normalmente o primeiro lugar era uma vaga para o Centro de Pesquisa e uma vaga para o Centro de Ensino na Bahia, para ser professor do setor de ensino, que dava esses cursos. Os demais iam ou para região de produção da Bahia, que era a escola do petróleo, a grande unidade da Petrobras, ou para região de produção do Nordeste, que é em Aracaju, que era outra unidade importante da companhia e tinha um distrito lá em Natal, lá na Bacia Potiguar, pequeno. E não tinha outras grandes opções, tinha Belém do Pará, você trabalhava em perfuração ia pouca gente para lá, quer dizer não era muito diferente depois do terceiro lugar; então eu era baiano, a Bahia, Salvador, aquela coisa maravilhosa, festa o tempo todo. Eu queria ficar ali mesmo, minha terra, então eu fui, após o curso escolhi, minha opção foi trabalhar na área de produção, porque nós podíamos escolher entre produção e perfuração, você tinha engenheiro de produção e perfuração. Eu escolhi trabalhar na área de produção na região de produção da Bahia, então fui lotado a partir de maio de 76. Nós terminamos o curso no fim de 75, mais um pedacinho de 76, foi maio de 76, cada um foi para sua unidade, e eu fui para a RPBA, região de produção da Bahia, trabalhar em Catú, em Candeias, em Miranga, nos campos de Miranga e Araçás - foram os meus primeiros campos de petróleo na Bahia.
ENGENHEIRO-PEÃO
Era o seguinte, nesse início primeiro marcava aquela coisa: “Poxa eu sou engenheiro formado”. Já fica com uma coisa, e petróleo. É status. Eu ia trabalhar num escritório, padrão elevado, aquela coisa toda, um cara importante, engenheiro, e lá você ia trabalhar como peão, porque naquela época a gente estagiava e fazia o serviço que a peãozada fazia. O que acontecia por exemplo, quando eu estava na área de produção de petróleo e fui trabalhar em poço de petróleo e serviço de poço e completar o poço. Depois que perfura o poço, tem todo um trabalho de você descer os revestimentos, cimentar o poço, preparar o poço, canhonear, botar para produzir aquela coisa toda. Todos esses serviços você faz 24 horas por dia, então trabalha em turno, e as turmas vão para os campos terrestres, vão de caminhãozinho, naquela boléia ali junto com a peãozada e é meia-noite - depende da hora da operação que você vai ser responsável - pode ser meia-noite, uma hora da manhã, dez horas da noite, cinco da manhã, não tem hora, e você vai junto com a moçada lá, anda de caminhãozinho. Comer aquelas quentinhas; muitos comiam no capacete, pegava e botava a comida no capacete e comia, e a gente está ali. Eu lembro que tinha uns colegas que se chocavam mais com isso; diziam assim: “Se minha mãe e meu pai me virem nessa situação depois de formado!” “Puxa vida, comendo quentinha aqui no meio do mato?” Chovendo e a gente ali, o outro comer no capacete, aquela peãozada, está louco? “Os peões estão tratando você igual ao outro. Não tem nada de diferente.” Você tinha que fazer força, pegar saco nas costas para levar lá, misturar no produto químico para botar no poço. Você fazia, você era um peão, você estava aprendendo. Hoje não se faz mais isso, mas naquela época ainda se fazia bastante coisas desse tipo, então isso marcou. Tinha colegas que abandonavam, mesmo depois de ter feito o curso não iam, falavam: “Pô, eu sou engenheiro, não vou me submeter a um negócio desses.” Mesmo depois de ter feito o curso.
EMBARCADO
O que me motivava era que eu achava fantástica essa coisa. Eu gosto de campo, de área operacional, de trabalhar com gente para objetivos, metas desafiadoras da gente realizar. Eu adorava aquilo ali. O petróleo entrou no sangue, eu sou apaixonado pela Petrobras e pelo petróleo. Eu sou apaixonado pelo petróleo, quer dizer, como é que o destino, às vezes eu fico: “O que me levou a isso, petróleo e por que eu fiquei tão com medo? É isso que eu queria fazer, esse negócio de engenharia civil, pelo amor de Deus!” Cálculo, escritório. Isso aí qualquer um faz, é! O petróleo é fascinante, é fascinante! E depois na frente - a gente vai entrar nisso -, aí eu vim conhecer a coisa mais maravilhosa que tem no mundo, no Brasil, a que o país ainda não deu a importância que merece, que é a Amazônia. Juntou petróleo com a Amazônia!
Eu fiquei na Bahia até 79, mas em 77, com o advento da grande descoberta da Bacia de Campos, o campo de Garoupa, Garoupa 4, a Petrobras resolveu que não tinha ainda uma unidade aqui no Sul, no Rio, e resolveu que a região de produção da Bahia, por ser a escola do petróleo, tradicionalmente onde há a grande escola, resolveu selecionar 20 engenheiros e falar: “Bom, vocês agora vão ficar ligados à Bacia de Campos, vocês vão trabalhar embarcados nas plataformas, mas vão ficar lotados aqui, porque eu não tenho ainda nada estruturado”. Até que foi criado lá em Vitória o Disud, distrito do sudeste, nós ficamos lotados na Bahia, mas embarcando. Então embarcava 14 dias e folgava 14 dias, embarcava 14 dias, folgava 14 dias, eu e mais 19 engenheiros da Bahia. Passei dois anos embarcando nas plataformas e nos navios.
Meu trabalho específico era avaliação e completação de poços. Depois que o poço é furado, eu ia testar os poços, eu entrava como responsável pela parte de teste dos poços. Todos os trabalhos relativos a verificar como está a cimentação, corrigir se for o caso, canhonear o poço, descer a coluna para abrir e botar em fluxo para medir as vazões, verificar qual o potencial do poço. Tudo isso aí era nossa área de atuação. Eu passei dois anos embarcado nesse regime de 14, 14.
ACIDENTES
Nesse período eu vivenciei muitos acidentes. Teve um que foi uma coisa de louco, isso nunca me sai da cabeça. Um rapaz, plataformista, ele foi - a catalina é aquele bloco amarelo grandão que suspende os tubos -, ele estava fazendo uma operação com os cabos, pendurado com cinto de segurança, para ele mexer num tubo em cima, numa válvula que estava com problema, e essa catalina veio e espremeu ele com a tubulação. Aquilo ali pesa toneladas. E ele faleceu tipo assim 10 horas da noite, e eu era o responsável pela sonda e de repente o cara morreu em cima da sonda, aquilo! Um engenheiro novo, de 23, 24 anos de idade. Primeiro, eu nunca vi ninguém morto, e o cara esmagado em cima da sonda - e aí para procurar? Como é que fazia? Não tinha experiência, como fazia, não voava helicóptero de noite, e aquela coisa de louco e contatos para todo lado, até fazer contato com Brasília... Até de manhã. Passei a noite toda nesses contatos para ver os procedimentos, e de manhã cedo aí não queriam tirar, porque não podia, aí veio o piloto do helicóptero, disse: “Eu não levo. O cara está morto, não poso levar morto.” “Mas e aí?” “Só se o cara não estiver morto.” Eu falei: “Então o cara não está morto, não está morto. Quem falou que o cara está morto? Eu que sou o gerente aqui nesse negócio. Não, negativo. Chama o médico aí.” Chamamos lá o enfermeiro, porque enfermeiro na sonda é médico, uma autoridade. Eu chamei o cara num canto e disse: “Ó tu vai dizer que o cara não está morto não. Está agonizando, mas está vivo, para poder o cara levar.” Aí o cara atestou lá e conseguiu levar, como morreu no caminho. Eu tive uns momentos no mar terríveis.
NÃO PODE PARAR
Eu lembro que aquela era uma época de começo, de vanguarda mesmo, tinha pouca gente que entendia essa coisa de offshore. E como eu estava ali, era um dos mais experientes, porque fui um dos primeiros a começar esse trabalho junto com a bacia de Campos, aí qualquer coisa que tinha um pepino maior: “Chama o Frazão, bota ele lá. Pega o helicóptero e manda levar para outra plataforma lá do outro lado”. Duas horas. Teve um dia que o helicóptero não voava, estava chovendo, e a operação não podia parar, porque esses navios você imagina, eram 70, 80 mil dólares por dia a operação, só o aluguel da sonda. E eu lembro o seguinte, que eu estava quase morto, porque é o seguinte: você trabalha sozinho na plataforma, e os gringos fazem 12 em 12 horas, botam dois engenheiros, fica um 12, outro 12, descansa e 12 horas trabalhando. Na Petrobras, antigamente, não tinha nem gente para isso, nós ficávamos 24 horas, lógico que quando tinha uma atividade que você não precisava estar lá você ia dormir, ia descansar, mas não tinha hora para dormir, para descansar. Eu lembro que numa dessas a gente passou a noite toda acordada, porque tinha um serviço que precisava estar ali na frente, e de manhã cedo quando você estava morto: “Ó, vem um rebocador te pegar aí, porque está tempo chuvoso, não está vindo helicóptero, você precisa ir para uma sonda que está parada, tem um problema lá”. E eu fui para lá e aí o rebocador, o mar violento pra caramba, duas horas de barco e eu morto lá dentro eu já tinha passado mal, desmaiado e quando chegou no lugar, desmaiado. Quando chegou no lugar estava morto. Morto não sente nada. Chegou a hora que tinha sair para - não sei se vocês já viram. Já viram a cestinha? Vem um guindaste, desce uma cestinha e bota lá no rebocador, você sobe na cestinha e o guindaste te puxa para cima da plataforma. Aquilo um vento, uma tempestade horrorosa, a cestinha ficava assim inclinada e os caras lá no mar, imagina aquele coisa lá: “HORRRRR.” E aí: “Vai. É você que vai.” “Eu é que vou?” “Viemos aqui para te trazer.” Aquele vento cortante, e a cesta inclinada, e o cara puxando, e aquele troço, e você não via nada, tudo fechado o tempo. E eu detestava, eu tinha pavor de injeção, e nesse dia eu lembro que eu fui lá para enfermaria da plataforma, porque eu tinha que ir lá para trabalhar. Falei para o cara: “Dá qualquer coisa aí para eu me recuperar, porque eu estou morto aqui.” O cara deu lá não sei o quê e eu consegui ir lá e fazer a operação que precisava. Então tem coisas maravilhosas.
O CHAMADO DA SELVA
Era dedicação total. Olha, isso que eu vi depois na Amazônia. Essa coisa do passado, o presidente Dutra ele tem falado muito isso de fazer de novo o empregado vestir a camisa da Petrobras, quem conheceu a Petrobras nessa época e essas coisas que a gente passou vê que hoje não tem mais isso. Onde é que ainda tem isso hoje? É na Amazônia, e é isso que faz a diferença da Amazônia. Porque o trabalhador da Petrobras na selva ele se sente mais do que fazer a Petrobras. Ele se sente construindo o país, ele se sente desenvolvendo o Brasil, ele se sente algo mais. Nem Bacia de Campos tem o apelo que tem você desenvolver um campo de petróleo dentro da selva. Não tem nada igual, não tem nada igual.
ACIDENTE ZERO
Quando a gente dizia para o pessoal: “A única coisa que pode ameaçar a gente aqui na selva é um acidente, é um derrame, é uma poluição”. Então primeiro lugar. Enquanto todo mundo, o discurso, em primeiro lugar: produção - naquela época: ‘Primeiro lugar produção.’ -, depois é que veio com negócio de programa de acidente, primeiro lugar, produção; lá na Amazônia, primeiro lugar é não ter poluição, não ter acidente. Por exemplo, aquilo da Baía de Guanabara, aquilo do Paraná, eu dizia lá - eu estava como superintendente nessa época, era mais recente agora, eu dizia o seguinte: “Aquilo, lá pessoal...” Porque nós dentro da selva, a gente tem oportunidade de juntar todo mundo de noite, no auditório, no restaurante, e conversar com todos os empregados - seja ele braçal, seja ele - juntos. O que não tem aqui fora. “Aquilo lá fecha nossa unidade, porque aquilo lá não é repercussão nacional, vai ser repercussão mundial.” Aquilo foi que.. Então as pessoas lá da região de Urucu, as pessoas da selva, da Amazônia, elas têm esse sentimento da importância que tem não poluir, não vazar, a importância de não ter acidente, não tem para onde correr. Um acidente aqui não tem para onde correr, se for de noite não tem para onde correr, então não pode ter acidente, então lá é zero o acidente.
AMAZÔNIA
Minha transferência para Amazônia foi legal, foi um negócio interessantíssimo, eu lembro que em 79, que eu estava na Bacia de Campos, que houve uma reestruturação da companhia, que o antigo Dexpro, departamento de exploração e produção, explodiu em três departamentos: Depro, Deper e Depex, departamento de produção, departamento de perfuração, departamento de exploração. Então houve uma grande reorganização aqui na sede, e precisava de gente para fazer parte dessa estrutura, então me chamaram: “Ó, você aqui é de Niterói, nós estamos precisando de gente aqui no Rio de Janeiro. Você é um dos mais experientes, porque começou junto com a Bacia de Campos, nós queremos que você venha para cá, para coordenar os trabalhos aqui da sede”. E ali foi a minha primeira grande decepção na companhia, porque eu vim novo, fazer um trabalho burocrático, de fazer contatos, de ficar telefonando para as unidades, para acompanhar de longe os relatórios. Aquilo ali para mim foi terrível. Meu negócio era o campo, era frente de trabalho, e quando foi em 81 assumiu um novo diretor da Petrobras, chamado Orfila Lima dos Santos, esse aí era, tem história na companhia. Era um cara, como dizem os da Amazônia lá e os mateiros: “Esse é brabo, esse é brabo!” O homem tinha uma fama de bravo pra caramba, e o destino é um negócio interessante... Esse Orfila foi colega de república do meu pai em Salvador; piauiense como meu pai, estudaram juntos em Salvador, moraram juntos, amigos, depois meu pai veio reencontrá-lo no Rio de Janeiro, porque meu pai comprou um apartamento em Niterói e a irmã dele por acaso era uma piauiense que comprou. Meu pai descobriu porque tinha uma piauiense no prédio e, curioso para saber quem era, era a irmã do Orfila, anos depois, bastante, já estava na Petrobras, e meu pai então retomou contato com Orfila, esse grande amigo dele da juventude, e ficaram, conviveram até meu pai falecer; e meu pai faleceu, eu não era nem formado ainda, estava estudando, depois entrei na Petrobras e veja só como é o destino: anos depois, bastante tempo depois, esse colega do meu pai vem assumir a diretoria da Petrobras onde eu estava, na área onde eu estava, exploração e produção. E ele visitando a Amazônia, ele ficou muito chateado com a visita que ele fez, que ele chegou numa sonda junto com o presidente Ueki e o Carlos Walter, o outro diretor, e toda aquela dificuldade da Amazônia, de helicóptero, aquela coisa toda de avião para você ir para Carauari, para pegar o helicóptero para ir para sonda, chegou lá, ver aquela atividade caríssima - porque é tudo de helicóptero; para vocês terem uma idéia, uma sonda para mudar de um lugar para outro são 300 vôos... 300 vôos para mudar uma sonda de um lugar para outro. Coisa caríssima. Então ele viu aquilo tudo lá, e chegaram na sonda, ela estava parada porque tinha uma coluna enferrujada, e só no dia seguinte que ia trocar a coluna. Não sabia nem se tinha em Carauari, e ele queria saber: “Quem era responsável, quem era o responsável?” Disseram que era o pessoal de Natal, porque a produção era cuidada por Natal, lá da Amazônia. Ele voltou uma fera e determinou que tinha que se criar um núcleo da produção lá em Manaus e deu o perfil de um engenheiro que deveria coordenar essa operação, que era o meu perfil: dez anos, categoria dois, trabalhasse em completação e avaliação, era tudo que eu tinha. E aí os caras desceram apavorados lá na superintendência do Depro e o chefe da divisão de completação onde eu estava lotado no Rio disse: “Estamos com problema aí, porque o diretor quer que faça isso aí a toque de caixa, e quem é que vai querer ir para Manaus? Um cara de dez anos não vai querer sair daqui do Rio, da Bahia, de Salvador para ir para Manaus. Ninguém vai querer ir.” E quando eu soube aquela história eu fui lá e falei: “Eu quero ir”. “Pô ficou doido? Tu é de Niterói, está aqui com a família, vai querer ir para Manaus?” E aí eu fui. Foi interessante, porque quando o diretor soube que tinha um cara que era voluntário, que era eu e quis entrevistar, e eu... Aquela coisa do Orfila. Eu sabia que meu pai tinha um amigo Orfila na Petrobras e acompanhava a carreira dele, mas ele não sabia quem eu era, muitos anos se passaram, eu era garoto, ele não ia lembrar nunca de mim. E quando chegou lá, antes dele perguntar qualquer coisa, eu perguntei se ele era irmão da Maria Luisa e aí eu fui retomando as coisas. Quando ele descobriu que eu era filho do Deolindo Frazão, ele me abraçou emocionado e perguntou se eu sabia que meu pai era um grande amigo dele. E contou um monte de histórias e acabou a entrevista aí. Ele contou as histórias dele com meu pai e aí me deu uns conselhos. Tudo que eu queria ouvir, porque eu queria ir para o campo, queria voltar para área operacional, e ele me disse: “Que a carreira na Petrobras não é aqui no Rio de Janeiro, que é trabalho burocrático. Você tem que ir lá no campo, lá para frente. Eu vou lhe dar uma grande oportunidade, porque a Amazônia é fantástica, é maravilhosa.” Tudo o que eu queria ouvir. Então foi uma coisa espetacular essa minha ida para Amazônia. E meu pai, como engenheiro cartógrafo, ele fazia uns bicos para empresas multinacionais de levantamento aerofotogramétrico da Amazônia nos finais de semana, feriados prolongados essa coisa toda, então ele ia para a Amazônia e passava lá fazendo os trabalhos dele e voltava todo queimado, com histórias de índio, umas coisas maravilhosas da Amazônia, as frutas. Eu, pequeno, era encantado com aquilo, então tem uma coisa da Amazônia. A Amazônia sempre teve um apelo muito grande, a gente ficava encantada com as histórias que meu pai contava quando ele viajava para lá.
CINCO ESTRELAS
Quando fui para a Amazônia ,não tinha lugar para ficar, então eu fui para Manaus. Engenheiro 1 não podia ficar em hotel cinco estrelas, e eu disse: “Eu quero ficar no Tropical.” Aí falaram, todas aquelas burocracias da Petrobras, toda cheia de regras e normas, e cada vez mais, militar na época, era aqui, ó. E eu disse: “Olha, eu quero ir para o Tropical. A empresa está me chamando para ir para lá, está precisando de mim lá e o diretor disse que o Tropical era bom, então eu quero ir para o Tropical”. “Ah! Não pode.” Daí a pouco ligaram lá dizendo que o gerente dos Recursos Humanos disse que não podia, tinha que ser um hotel três estrelas. Então eu disse para a secretária: “Então diz para ele ligar lá para o gabinete do diretor para perguntar ao diretor qual é a outra opção; por que eu não posso ficar no Tropical?” E lógico que eles não iam fazer isso e não fizeram, e eu fiquei lá seis meses no Tropical e depois aí eu fui trabalhar na refinaria, porque não tinha outro escritório lá.
DESCOBERTA NO PARÁ
Fui trabalhar na refinaria, arranjaram uma sala na refinaria de Manaus para mim, eu passei lá uns seis meses, depois a gente descobriu, tinha descoberto nessa ocasião, estava furando um poço chamado Pará submarino 11 - não, PAS-11, na foz do Amazonas, na costa do Pará. Então teve uma grande descoberta, na época se pensava que era uma nova Bacia de Campos. Estava lá quando descobriu, estava em Manaus.
NORTE
O meu grande sonho era fazer a área norte virar uma área produtora de petróleo. Esse era o meu grande sonho, por quê? Porque não tinha produção acima de Natal, não tinha. O lugar mais era a Bacia Potiguar, Ubarana, Curimã, Xaréu. Dali para cima não tinha produção de petróleo. No Ceará tinha Curimã e Xaréu, mas foi mais recente, eu não sei se foi nessa época. O que a gente tinha na cabeça era Ubarana, que era no Rio Grande do Norte, eu acho que Xaréu e Curimã veio depois. Então o meu grande sonho era fazer a área norte virar uma área produtora de petróleo. E eu juro para vocês que ali eu sabia que fora do Amazonas ainda é uma grande fronteira.
SELVA
A foz do rio Amazonas é uma grande fronteira, que tem uma bacia espetacular - que eu ainda acho que vão acontecer coisas maravilhosas lá no futuro em termos de descoberta de hidrocarboneto. Mas o mar eu já conhecia da Bacia de Campos, a minha grande coisa era a selva. Eu sabia que o potencial da foz do Amazonas era muito maior do que da selva, mas a minha coisa era a selva, que era o novo, que era o inusitado, a selva, mas a gente veio - e para você ter idéia, o rio Amazonas ele joga no mar por segundo, seis bilhões de litros de água, deixa eu ver se é esse número mesmo. Porque são seis bilhões de habitantes da Terra, vamos tomar a ordem de grandeza de seis bilhões eu tinha na cabeça o seguinte, a cada um minuto e meio que o rio Amazonas podia dar para cada habitante do planeta Terra 90 litros de água.
90 litros de água para cada habitante do planeta a cada minuto e meio. O rio Amazonas é água doce, é uma coisa maravilhosa. Então a foz do Amazonas, ele tem uma bacia sedimentar fantástica, a foz do Amazonas ainda é uma fronteira que ainda vai dar muito o que falar aí no futuro, mas minha coisa é na selva.
POÇO ESGOTADO
Então eu saí de Manaus e vim para Belém, porque eu fiz uma exposição de motivos, que para a gente cuidar de um projeto antecipado de produção do Pará Submarino 11 é mais importante a gente estar mais perto de Belém do Pará do que lá em Manaus, é mais dificuldade. Esse projeto antecipado era como foi feito aí em algumas áreas da Bacia de Campos. Depois que você descobre uma tubulação, em vez de você delimitar furando outros poços para saber, porque tem um porte econômico para você botar um projeto grande de produção, instalar plataformas e gasodutos, oleodutos, compressores etc., além de você fazer isso aí você opta por pegar esse poço que descobriu e montar um sistema em que você vai botar ele para produzir até esgotar, se é que vai esgotar. Para você ter dados, parâmetros, para você verificar se esse volume de óleo que tem lá embaixo, para você ter um grande projeto. Então você faz uma produção antecipada, um teste de formação, é um teste curto, que você bota para produzir, tem o fluxo e mede quanto afetou na pressão do reservatório aquilo que você tirou de volume lá debaixo, quanto mais você tirar mais vai afetar e tem mais chance de acertar em termos de volume que tem no subsolo. E com isso resolvemos que seria interessante nós montarmos uma plataforma de produção, montar uma estação em cima do poço que estava descobrindo e botar ele para produzir. Botamos o navio, encostamos o navio na plataforma e botamos ele para produzir. Só que, diferentemente da Bacia de Campos, ele foi declinando, mostrando que o que tinha embaixo era uma tubulação pequena e não uma tubulação de grande porte. Quase um ano ficou produzindo, começou com 3.500 barris por dia e foi declinando até 800 barris por dia, quando ele teve que fechar por motivos de economicidade.
SEM FOLGAS
Mas aí eu me mudo para Belém do Pará e trabalhei boa parte do tempo embarcado no PAS-11 e não folgava, porque eu era responsável pela operação. Muitas vezes eu ficava na plataforma, uma semana, dez dias, e voltava e continuava no escritório.
VIDA DE NÔMADE
A população ribeirinha isso aí foi muito forte depois que a gente foi para selva, e essa coisa aqui do PAS-11, o pessoal braçal, os plataformistas, os fundadores, o pessoal era basicamente local, local. Eu lembro que teve um lance de um acidente horroroso lá, nos estávamos esperando o helicóptero com a turma que estava chegando, e toda vez que chegava o helicóptero a gente ia para o heliponto esperar o pessoal descer. Tinha um pessoal que conduzia a turma que chegava e, quando nós estamos chegando lá, a pá do helicóptero bateu na plataforma e o helicóptero emborcou, caiu e foi afundando, e as pessoas dentro batendo no vidro tentando sair. Morreu todo mundo. Teve vários acidentes assim, coisas marcantes, coisas fortes. Mas essa coisa que você falou aí dos trabalhadores é muito forte. E muito diferente mesmo é quando a gente vai para dentro da selva.
Porque na verdade é o seguinte, a Petrobras até a gente descobrir Urucu em 1986, nós éramos nômades. O que é isso? A gente ia furar em vários locais nas margens dos rios, principalmente o rio Juruá, que foi o grande trade que se descobriu do campo de Juruá, nordeste de Juruá, Igaraqui, Igarapé Pucá, é um conjunto de estruturas que margeava o rio Juruá e como era gás, a gente não tinha – o gás sempre teve esse problemas -, era um volume grande de gás, mas não era suficiente para levar para o grande mercado que era São Paulo. Tinha que fazer um gasoduto de grande porte, uma obra gigantesca, então nós tínhamos que furar as outras estruturas para ver se a gente apropriava uma reserva tal que justificasse fazer uma obra desse porte, de trazer o gás para São Paulo, como depois veio lá da Bolívia. A Bolívia tem muito mais gás do que aqui ainda, são trilhões de metros cúbicos, e a gente tem bilhões de metros cúbicos, então a Amazônia hoje tem na ordem de 100 bilhões de metros cúbicos de reserva. É uma reserva gigantesca, mas não é suficiente para levar para o mercado, então estamos fazendo avaliações, cubando as reservas, vamos dizer assim, e fechando os poços, deixando lá para o futuro, até que ele justifique. Até que veio a grande, nós éramos nômades... Faz uma clareira na selva, o helicóptero leva os pedaços da sonda para montar, 300 vôos, 350 vôos para cada uma delas, monta a sonda, fura o poço, avalia, desmonta a sonda em pedaços e leva para outro local. 300 vôos, 350 vôos e depois disso aí, o que é? Você bota a sonda na margem do rio, bota os pedaços da sonda na balsa e vai para outro rio e abre um outro portinho e vai de novo e começa tudo de novo. Então nós éramos nômades, até que em 86 a gente desce o rio Juruá.
PETRÓLEO!
O rio Juruá, que é afluente da margem direita - os afluentes da margem direita são água branca; os afluentes da margem esquerda são água preta. Aí desce o rio Juruá, entra no Solimões, e a gente entra para o rio Tefé. Por que no rio Tefé? Porque o rio Tefé era um rio que tinha histórico de navegação, porque tem cidade nas margens, apesar de que a nossa perfuração, que nós viemos fazer o RUC-1, o descobridor do rio Urucu -, ele era na margem do rio Urucu, mas a gente não teve o atrevimento de entrar pelo rio Urucu, que era uma coisa para vocês terem uma idéia, as balsas levavam 11, 15 dias de viagem para dentro do rio. Então nós entramos pelo rio Tefé, que é um rio mais ou menos paralelo ao rio Urucu, que era o rio de que se conhecia a navegabilidade dele, porque tinha cidade nas margens. A gente entrou, abrimos um porto chamado porto Moura e aí descemos com a sonda e pegamos o helicóptero e levamos para margem do rio lá do outro lado, cerca de 50 quilômetros de distância. Se a gente estivesse no rio Urucu já eram 10 quilômetros, cinco quilômetros, mas nós fomos para cá, porque aqui que a gente conhecia, mas aí nós descobrimos. Furamos esse poço apoiados pela margem do rio Tefé e aí houve a grande, a fantástica, a maravilhosa mudança de toda a história do petróleo na Amazônia, que foi a descoberta do Rio Urucu, número 1, que produzia em teste 1.300 barris por dia de óleo. E aquilo assustou, foi uma coisa de louco, porque toda nossa história era testar gás e gás você bota fogo no queimador, queima o gás, não tem, nada. Tudo o que a gente tinha feito até agora era gás, o gás você botou para produzir, botou fogo, acendeu a tocha e botou no queimador, pronto. Fica medindo aquilo e queimando todo o gás até você ter as informações que são necessárias para você fazer sua avaliação do poço. E nessa ocasião, em 86, a gente deu de cara com óleo, o negrão ali, o pretão ali, nas árvores, poluindo tudo. Aquilo foi um negócio doido porque, por mais que os queimadores sejam eficientes, não queimam 100% de óleo, não queimam 100% de óleo, não queimam 100% de óleo - isso aí pode quem quiser dizer, que não queima. Então até acender os queimadores, que aquilo era uma novidade, a gente não tinha nem preparado, porque nós esperávamos gás.
O sentimento da descoberta era: “Puuuxa!” Aquela coisa assim de arrepiar, todo mundo doido: “Que coisa! É petróleo mesmo?” Ninguém acreditava que era petróleo. Vocês têm aí umas fotografias que eram umas garrafas, é que todo mundo queria levar um pouco, aquela coisa louca, a gente estava vendo petróleo na selva e aí a grande sacada da Petrobras, a grande sacada, a maior sacada da Petrobras. Com essa descoberta que nos assustou, nós íamos furar agora outros poços para delimitar o campo, para saber se aquilo ali era uma coisa grande, média, pequena, como é que ia ser? Mesmo porque a gente não podia fazer como fez no PAS-11, que a gente botava um navio e botava o óleo lá. Aqui na selva não tinha como fazer isso. “Então vamos furar outros poços, vamos agora abrir clareira a dois, três, cinco quilômetros de distância para a gente furar e ver se essa coisa se estende para lá, se estende para norte, se estende para sul. Qual o tamanho dessa tubulação?” “A gente não sabe.” “Então vamos fazer isso.” E aí nós tivemos foi um negócio fantástico, porque nós convidamos todas as entidades de renomado saber sobre a Amazônia, o Instituto de Pesquisa da Amazônia, o Inpa, o Museu Emílio Goeldi, alguns que eu lembro, hein! O Museu Emílio Goeldi, fantástico, de Belém do Pará também, Fundação Universidade do Amazonas, Universidade Federal do Pará , Fiocruz e outras entidades que ocorreram que a gente levou, nós reunimos num grande workshop no Hotel Tropical em Manaus, e o objetivo daquilo era dizer: “Pessoal, nós estamos querendo anunciar para vocês que a gente descobriu pela primeira vez dentro da selva e em volume significativo.” Nunca se tinha testado 1.300 barris por dia de óleo dentro da selva. Tinha algumas tubulações pequenas que tinham ocorrido no passado, mas nada com esse porte que dava aquela expectativa que a gente estava com alguma coisa nova, como foi a história e está aí para mostrar. “Nós somos uma empresa de petróleo que nós sabemos muito bem explorar, produzir, perfurar poço, mas a gente não sabe fazer isso numa selva exuberante, maravilhosa como essa!”
PROBLEMAS LOGÍSTICOS
As condições de trabalho eram difíceis. Tudo muito difícil, porque para vocês terem idéia, é o seguinte: todas as cidades ficam em margem de rio, e os rios são suas estradas. Tem uma época do ano em que você abastece as áreas de equipamentos e outra época em que você faz as obras, porque tem época que chove todo dia. Como dizem lá, tem duas estações do ano, uma que chove todo dia e outra que chove o dia todo. Chove muito, chove muito, então a grande dificuldade é você pegar essa coisa, porque a gente por exemplo, o rio Urucu - que eu estava falando sobre Tefé -, depois, os próximos poços nós já entramos pelo rio Urucu, e aí a Petrobras começou a fazer história de navegação no rio Urucu, porque ali a gente tinha o rio Urucu seco, com pouca água; imagina no inverno seguinte, na época de chuva, a época de maior seca é outubro, seis meses depois você tem a maior enchente, 13 metros de diferença de nível, 13 metros. Treze metros é um prédio de quatro andares. Agora você imagina um prédio de quatro andares, aquilo ali se espalhando, o rio é outro. Quem vai no Urucu em outubro e vai seis meses depois ou seis meses antes fala: “Espera aí, cadê o rio? O que é isso? Isso aqui é o Urucu?” Porque é outra coisa o nível. Você tem lá os marcos, são fantásticos. Essa dificuldade era justamente isso, se você não levasse determinadas coisas na época que o rio permitia navegação, você não ia fazer no outro. Você perdia um ano. Abrir estrada, levar asfalto, levar pedras, levar coisas que você precisava de grandes balsas, ou você levava naquele inverno ali ou não fazia mais, só no outro ano. O aeroporto, por exemplo, em Urucu, se a gente não levasse tudo aquilo, montar os acampamentos, montar tudo, não levasse tudo de uma vez no inverno, atrasava um ano tudo, as dificuldades eram muito grandes. Muito grande, tudo, depois a gente começou com telefone, hoje a gente faz com tudo, mas no início era rádio, muitas vezes não funcionava.
Os primeiros acampamentos eram as balsas, as balsas-alojamento. Então vinha aquele monte de balsa, o rio Urucu por exemplo, quando a gente entrou no rio Urucu, porque fazer um poço apoiado pelo rio Tefé, que fica a 50 quilômetros do rio Urucu: “É um número de horas de helicóptero.” Se você viesse do rio Urucu, aqui as coisas ficam muito mais fáceis. Então nós entramos com as balsas todas pelo rio Urucu e montamos um acampamento, abrimos o chamado porto Urucu, o PUC, porto Urucu, e encostamos as balsas ali. A gente dormia nas balsas, o refeitório era ali, a lavanderia era ali, tudo ali, um monte de balsas juntas, e a gente ficava alojada. E aí nós fomos abrindo a selva - a partir do porto, quando nós construímos o alojamento, abrimos as estradas.
ABRINDO ESTRADAS
Quando o outro poço, o RUC-2, deu óleo, o RUC-3 deu óleo, o RUC-4 deu óleo, a gente falou: “Agora vamos fazer”. Porque um poço furado com sonda helitrasnsportável, a sonda que só vai de helicóptero, é um poço muito mais caro do que a sonda convencional, que vai via rodoviário, vai por estrada, muito mais barato, ela vai inteira, não precisa levar em partes, como vai de helicóptero, porque custa caro o vôo, então nós começamos a abrir acesso na selva para poder usar pela primeira vez sonda convencional dentro da selva - o que era sonda convencional? A gente abria estrada, a sonda ia como um carro. Nós abrimos tudo.
POVO RIBEIRINHO
Essa vivência nos acampamentos em termos de alimentação a gente não tinha muita diferença. Essa questão das frutas - logicamente que o açaí, o taperebá, o uxi, a graviola, que todo mundo conhece aí. Essas frutas regionais, a castanha do - que era chamada castanha do Pará, que hoje é castanha da Amazônia e é uma coisa interessante que a gente vê o seguinte, aqui nessa coisa maravilhosa que é essa Amazônia: ninguém morre de fome, e porque que as pessoas, o caboclo amazonense, o ribeirinho, ele... É uma coisa... Eu trabalhei num poço uma vez que, o local era seco, mas se tivesse um atraso ia vir o inverno, ia inundar, porque o rio inundava, e a gente ia ficar ilhada, então a sonda já foi colocada em cima de uma estrutura prevendo isso, e quando isso ocorreu a gente ficou ilhada. A gente ia para dentro da sonda de barco, de barco: “Vamos lá no separador”. De barco. Tinha umas canoas alugadas, tinha umas passarelas, que à medida que a água ia subindo os caras iam subindo também. Nos momentos de folga, tipo assim, demos um fluxo longo, medimos tudo, agora vamos fechar o poço para estática. Vai ficar medindo pressão? Então o tempo que vai ficar medindo pressão a gente fica de folga. Pegava uma canoa com os caras que eram alugadas lá - tinha umas voadeirazinhas para alugar - e a gente ia rio acima, rio abaixo para conhecer, para ver ribeirinhos, para conhecer, conversar com as pessoas. Eu lembro que eu conversei com um velhinho, nunca saiu dali, nunca saiu dali, e eu lembro dele dizendo com os olhos brilhando que o filho dele já conhecia Manaus. Aquela coisa era uma coisa de outro mundo, o filho conhecer Manaus, umas coisas assim. Mas por que o caboclo é assim? A terra é fantástica. Do que ele vive ali? Primeiro, o clima não permite que ninguém morra de frio, é quente o ano todo. O cara mora na beira do rio com sua caboclinha, o que ele precisa na vida? De fome ele não morre de jeito nenhum, porque entrou um pouquinho na selva, a castanha é nativa. Aqueles ouriços - não sei se vocês já viram a castanha - é como se fossem um coco assim, e você quebra, aquelas castanhas estão tudo dentro, aquilo é energético, é fantástico. Frutas, essas frutas todas aí - cupuaçu, bacuri, tudo é nativo. Você entra na selva, uma pessoa se depara com todas. Peixe, o peixe é abundante na margem do rio. Nós comíamos muito peixe. Muito, o peixe é abundante na margem do rio. O que ele faz? Ele tem a sua maloquinha, sua rede ali, sua linha para pescar, planta uma mandioquinha para fazer a farinha para comer o peixe. Tem essa coisa. Então não precisa de nada, ele vive, não tem ambições, o povo de lá, a humildade choca. A humildade do caboclo amazonense, para o cara da cidade mesmo, choca a humildade do cara. Pacato.
PRESERVAÇÃO
Uma das, nesse workshop que eu estava falando para vocês, do Hotel Tropical, que nós colocamos essa coisa que a gente precisava da parceria deles para fazer o nosso trabalho, que era o quê? Implantar um projeto dentro da selva de produção de petróleo e impactando o mínimo possível aquele ambiente maravilhoso, exuberante. Então eu lembro que nesse primeiro workshop, depois ocorreram vários, saiu uma espécie de uma Carta de Manaus. As primeiras sugestões, as primeiras conclusões, as primeiras orientações. Aquilo era uma coisa inicial, para a gente dizer: “Olha, o problema é esse, não precisa ser agora, mas tem agora, então vamos anotar.” Então saiu aí uma carta de Manaus, que a primeira coisa era que não deveria de maneira nenhuma a gente criar condições de se formarem cidades ali naqueles locais, já tinha aquela experiência lá do beiradão, do projeto Jari, aquela coisa horrorosa. Então: “Não deixa de maneira nenhuma.” Vai ter uma pista de pouso lá, só vai avião da Petrobras, não tem como ir lá a não ser a Petrobras. A gente contratava o pessoal local para fazer o meio-de-campo entre as universidades, os centros de pesquisa, o museu Emílio Goeldi, com a Petrobras , que a gente tinha os engenheiros e geólogos que gostavam de meio ambiente e tinha que admitir pessoal local para fazer o meio-de-campo inclusive com essas entidades.
Fizemos um concurso lá, excepcional, porque fazia não sei quantos anos que a Petrobras não admitia ninguém, com base nessa carta, que a gente levou ao presidente da Petrobras, que autorizou a fazer um concurso. Eu me lembro que eram 18 candidatos e nós exigíamos 10 anos de experiência em meio-ambiente na Amazônia, mestrado e doutorado na área ambiental, então não tinha muita gente, basicamente o pessoal do Inpa e da universidade que podia se candidatar. Eu lembro que foi interessante, que inclusive um colega nosso, que a moça que foi aplicar a prova, depois que aplicou a prova, chegou para mim e disse: “Frazão, nós estamos achando que essa prova vazou.” “Mas como vazou? Vocês vieram do Rio de Janeiro, com a prova debaixo do braço, lacrada, como é que pode ter vazado?” “Teve um cara que tirou nove e meio, e a média foi quase zero. A média foi 1 e pouco, como é que pode?” Então ficou aquele negócio, um negócio estranho. Então falamos: “Vamos trazer alguns ditos especialistas de meio ambiente da Petrobras do Rio de Janeiro e vamos fazer uma entrevista. Em vez de fazer aquela entrevista pro-forma vamos fazer uma entrevista técnica.” E eles vieram depois e fizeram essa entrevista. A equipe veio comigo e disse: “Frazão, pode admitir que esse cara é fera. O cara é muito competente, é muito bom”. E está aí na Petrobras, era o único profissional. Na verdade a gente acabou admitindo dois, teve o nove e meio, teve um quatro e teve o resto quase tudo zero. Então a gente acabou: “Aqui não tem nenhum, então vamos admitir os dois, que foram os dois melhores”. E acabamos admitindo os dois, que foi o Ronaldo Pimentel Manarino, que hoje é um dos profissionais de meio-ambiente da Petrobras, e o Pita - o primeiro nome do Pita não estou lembrado, ele está na Amazônia hoje, o Pita, e o Ronaldo está aqui no Rio de Janeiro, na área de SMS.
CONSCIENTIZAÇÃO
A questão do meio-ambiente começou logo depois. Veja só, depois que a questão da poluição, porque o choque inicial foi aquela coisa: você está preparado para ver gás, e era óleo, mas você não está com todos os instrumentos, com os queimadores adequados, aquela coisa toda. Daí em diante a gente já tomou as providências para trazer tudo o que tinha de mais moderno em termos de prevenção à poluição, essa coisa toda, e principalmente, que eu acho que foi o mais importante de tudo, é justamente desde aquela época, com essas parcerias, com essas entidades, a questão da conscientização das pessoas era o mais importante. Eu acho que hoje a Petrobras ainda tem muito a caminhar nas outras áreas, essa questão das pessoas. Conscientização não só dos funcionários, os próprios da força de trabalho, que era o pessoal da comunidade local. Então ali dentro, a grande influência de Urucu que eu vejo, eu como superintendente da Petrobras eu ia com muita freqüência no campo, na área de pressão, ia lá, a gente passava dois, três dias, e à noite a gente reunia todo mundo, chamava todo mundo: “Olha, o superintendente quer falar com as pessoas”. E enchia lá o refeitório, enchia lá o auditório, então você falava ali direto. É um contato próximo, você está ali com a equipe mostrando o que é importante. Você chegar depois no dia seguinte e encontrar um vigilante, coordenador de vigilância e dizer assim: “Dr. Frazão, fiquei muito bem impressionado com sua conversa ontem sobre a bacia da Baía de Guanabara. Eu acho que é isso mesmo, doutor. Hoje mesmo eu já vou juntar minha equipe e vou dar um retorno desse negócio, porque se aquilo fosse aqui o negócio era meio complicado”. Então quando você vê essa coisa, chegar naquele nível, você fala: “Poxa vida, não tem como desmanchar, está no sangue, as pessoas pegaram e você está ali martelando.” Então essa que faz a diferença, quando você está subindo nas plataformas, onde é que está esse trabalho de lá. Você está fazendo o trabalho de longe. Nós participamos recentemente com o presidente Gros, numa reunião no Rio de Janeiro, em que ele disse claramente: “Todos os gerentes, todo esse auditório aqui, está todo mundo conscientizado da importância da questão ambiental, da questão de segurança, mas nós estamos pecando porque nós não estamos conseguindo fazer isso chegar na ponta da linha, nas plataformas, nas áreas operacionais. Nós vamos numa refinaria...” ele falou “...e vemos um cara trabalhando sem luva, trabalhando sem capacete.” Vai lá no Urucu para ver se você vê isso? As pessoas têm consciência daquilo, você está ali junto, está todo mundo, é aquela coisa. Se você lá com a maior autoridade que for e um camarada entra numa área de ruído daquelas e não botar o protetor auricular, vem um peão lá e fala: “Doutor, bota isso aqui.” Isso aí pegou, está no sangue, a cultura da segurança está lá dentro. Jamais você vai ver isso aí em outra área, eu não vejo isso aí.
RESERVAS
A Petrobras chegou a entrar em área de tribo indígena. Tivemos problemas no rio Jandiatuba e no rio Jutaí até com um ataque de índios, o pessoal nosso de frente de desmatamento - aqueles braçais que vão na frente para desmatar - sofreu ataque de índios nos rios Jandiatuba e Jutaí. São rios da margem direita do Solimões e em direção ao Acre, rio Juruá, Jutaí e Jandiatuba, naquela região nós exploramos também, furamos alguns poços lá e tivemos problemas com índios lá. O maior problema que eu vi com negócio de índio era quando a gente ia furar em áreas que eram de preservação ambiental, que hoje é um problema que o Brasil tem e vai ter que enfrentar cada vez mais essa questão da Amazônia, porque o grande perigo aí é a gente aceitar que a Amazônia é um patrimônio do mundo e não é do Brasil, isso é uma ameaça muito grande. Então quando a gente vê hoje - pouca gente sabe dessas coisas -, por exemplo um Estado como Roraima, que faz parte da Amazônia Legal, dois terços. O governador falava assim: “Eu sou governador de um terço do Eestado, porque os outros dois terços estão preservados, é de área indígena, é de área de preservação nacional, que não tem acesso, não pode fazer nada lá dentro”. Quando a gente ia furar numa área que tinha uma reserva indígena, não podia, então apesar da Constituição dizer que podia, você não estava regulamentado ainda, você não podia. Então você tinha que ir lá com Funai, lá com os índios, para ter consentimento dos índios para deixar furar lá dentro, e é muito complicado. Que se fala muito de áreas de reservas do tamanho de Portugal , que talvez tenha uns 20 milhões de portugueses, lá tinha 8.000 índios, e ali não pode fazer nada e aí dizia-se assim: “Lá embaixo é onde se tem as maiores reservas de cassiterita, de minerais”. Não é muita coincidência, não? Olha, o general Serpa, que era o comandante militar da Amazônia, ele dizia em algumas palestras o seguinte: “Vocês sabem quantas ONGs tem aqui trabalhando na Amazônia? Vocês sabem? Mil ONGs trabalhando na Amazônia. Quais são os interesses dessas ONGs? É preservar a Amazônia?” Entendeu? Então essa coisa é muito complicada, com o pretexto de preservar a nossa selva, com essas áreas monumentais, como uma área dessas, do tamanho de Portugal e vários países juntos, os Yanomamis dá vários países da Europa dentro. A gente não pode. Então como é que nós vamos conviver com isso daqui para frente? A questão do narcotráfico? A questão da Petrobras. Por isso que eu batia muito com esse negócio: “Ah! Bacia de Campos, Bacia de Campos”. Porque lá a gente produzia 60 mil barris por dia, e a bacia de Campos, um milhão, um milhão e duzentos. Hoje está com um milhão e quinhentos, quase. Mas você tem que ver que a Petrobras não é só ir quebrando e visar o lucro. E a Amazônia? Se o governo não olhar para Amazônia de um modo diferente, a Amazônia não se desenvolve, e se a Amazônia não se desenvolver vai acontecer um monte de coisa que não vai ser bom para gente, como por exemplo o narcotráfico. Hoje é um corredor, mas se no momento o que vai acontecer? Por que na Colômbia os caras plantam coca? Daqui a pouco os amazonenses vão plantar coca, então uma das formas de preservar a Amazônia é ocupar e civilizar. Ocupar a Amazônia, entendeu?
CARAUARI
Empregar pessoas locais ou trazer empregados de outras regiões foi uma questão importantíssima, porque a nossa base dentro da selva sempre foi a cidade de Carauari. Carauari é uma cidade que fica a cerca de 800 quilômetros em linha reta de Manaus, a parte ocidental. Então ali Carauari é uma cidadezinha pequena, talvez tivesse 7.000 habitantes, 8.000 habitantes, e aquilo lá é o seguinte: é uma cidade, tem acesso. Qual é o acesso para a cidade? O rio, a estrada. Toda cidade tem aeroporto. Outra coisa também, é outra peculiaridade - existia navegação e via aérea, e tem o aeroporto, que normalmente tem uma estrada. Como o aeroporto não pode ficar dentro da cidade, ele fica fora, então a única estrada que tem é do aeroporto para cidade. Qualquer coisa que tem de desenvolvimento, migra todo mundo. O pessoal migra, então Carauari cresceu vertiginosamente, cresceu negócio de doido, então nós ficamos muitos anos lá desenvolvendo pesquisa no Juruá, no Jutaí, no Jandiatu, tudo baseado em Carauari. Por menor que seja a cidade tem o aeroporto, tem um comerciozinho, tem tudo.
BENEFÍCIANDO A COMUNIDADE
Quando nós saímos de lá e viemos para Urucu, mais em direção a Manaus - fica a 170 quilômetros em linha reta de Carauari -, nós não podíamos mais ficar baseados em Carauari, agora nós tivemos que fazer uma própria base, porque não tinha cidade nenhuma perto. Tefé fica a 180, Carauari fica a 170, e Coari fica a 280, então nós tivemos que vir para cá. Como é que a gente ia fazer com essa população aqui, que a gente criou aquela expectativa toda, migrou para ali - e agora? Um problema terrível. A gente sai dali e deixa aquilo lá, foi um problema terrível, uma das recomendações da Carta de Manaus é que a gente deveria preservar os empregos do pessoal local, jamais trazer pessoal de fora para lá, então a força de trabalho lá de dentro é toda ela de Carauari e Coari principalmente, tem Tefé também algumas, mas fortemente. Então o avião sai de Manaus, vai até Carauari, pega os trabalhadores de Carauari e traz para Urucu e leva o de Urucu de volta para ele folgar, 14 por 14, 170 quilômetros na frente. Só faz isso aí? Quem visasse só o lucro não ia fazer isso, abandonava lá e pegava em Manaus e vamos em frente, deixa lá e: “É problema do governo, não é problema nosso.” E a Petrobras até hoje mantém uma presença em Carauari para poder manter esses empregos. E Coari, inclusive aquela coisa maravilhosa que nós fizemos lá, é que hoje precisava o ministro Cristóvão Buarque conhecer nossa Escola Esperança, nós chegamos a ter, Paulinha, 2.200 trabalhadores dentro da selva, e para você ter idéia, 42% eram analfabetos. Você imaginou você ter uma força de trabalho com 2.000 homens, metade analfabetos? Como é que você vai conscientizar esses caras da importância da questão de SMS, das regras? Como vai situar um cara analfabeto? E aí nós fizemos um programa chamado Escola Esperança, que para não ficar só da Petrobras a gente chamou os prefeitos de Coari, Carauari, principalmente, e falamos: “Ó, nós precisamos fazer um programa aqui de... Essas pessoas ficam aqui confinadas...” Trabalham aqui durante o dia, à noite, só trabalha durante o dia, só quem trabalha à noite é quem está em turno, que tem atividade que é ininterrupta, por exemplo a produção. Quem trabalha com a produção trabalha em turno. Então o pessoal fica à noite, vocês ficam de tarde aí na selva, por mais que a gente crie lá esporte, lazer, aquela coisa toda, mas o cara está aqui dentro, então nós tivemos uma idéia de fazer uma escola chamada Escola Esperança, que é escola de alfabetização de adultos. Como existe o Sesi, e tem uma metodologia especial para alfabetização de adultos, nós convidamos o Sesi, convidamos as prefeituras, as empresas contratadas e fizemos uma parceria para resolver da seguinte forma: a Petrobras dá as instalações com sala, ar condicionado, toda a infra-estrutura, o Sesi entra com a metodologia de alfabetização de adultos, os municípios entram com as professoras, e as empresas contratadas podem entrar para participar com material escolar, com toda a questão de, tudo o que for necessário em termos de livros, cadernos, lápis essas coisas e essa escola começou a funcionar à noite lá, e era uma coisa encantadora você ir lá conversar com as pessoas, os depoimentos que tem, as pessoas dizendo... O número de alfabetizados hoje... Eu estou há um ano fora de lá, mas a nossa meta era já em dezembro de 2003 não ter mais nenhum analfabeto, e já tinha uma demanda imensa de primeiro grau, o pessoal querendo primeiro grau, pleiteando possibilidade de primeiro grau. Você precisa ver a motivação das professoras e dos alunos. O cara fala assim: “Doutor, eu chego em casa agora, já não preciso sair para tomar cachaça, porque meu filho pergunta e eu não sei ensinar, agora eu já sei, eu estudo junto com ele.” E mostrava o filhozinho dele lá, ele sentado no chão da casa de taipa, fazendo o exercício com as crianças. Depoimentos fantásticos, um negócio maravilhoso.
SEXO X MALÁRIA
Talvez essa questão, que não ficou aqui, para a gente colocar, essa questão da malária, das doenças tropicais, da época da cólera, da malária. Olha, a Petrobras também fez um trabalho de ponta com relação a isso. Existia na região de Coari uma verdadeira epidemia de malária, coisa de louco, então o que a gente fez? Através da Fiocruz, através da Fundação Nacional de Saúde, a gente viu: “Só pega malária se tiver alguém com malária, se não tiver ninguém com malária não tem como transmitir malária”. O mosquito, se você está com malária e ele pica você e pica ela, passou malária de um para o outro, mas se não tem ninguém com malária, ele vai te picar e não tem como transmitir, entendeu? Então a Petrobras fez um projeto, por exemplo, no início os carros de borrifação, de fumacê que chamava, a partir de seis horas da tarde era para segurar as pessoas dentro dos alojamentos para não deixar sair, porque a hora que o mosquito mais pica é de seis horas em diante, das seis às oito era a hora mais dramática lá. Então a gente tinha, eu lembro que levava filme de sexo para poder segurar a peãozada dentro, naquela hora. Então naquela hora era a hora da sessão, para segurar a turma dentro do alojamento, tudo pelado, tudo pelado. Então na hora que mais excesso de malária a gente passava coisas mais atraentes, para a turma não sair lá fora. Fumacê, segurar e outra coisa mais importante, quando o avião descia lá, já vinham os camaradas com a lâmina e furavam o dedo de todo mundo. Fila, desceu do avião: “Por favor, Paulinha está visitando, dá aqui o dedinho.” Tum. Fazia a lâmina rapidinho ali, se tivesse algum caso de malária detectado ali a pessoa voltava no mesmo avião, não ficava ninguém com malária lá, zero de malária. A Petrobras zero de malária, coisas fantásticas. Eu lembro que teve uma história, quando veio a cólera, cólera era o negócio da diarréia, os caras falavam: “Aí não, o pessoal se recusava a fazer o teste da diarréia.” Surgiu uma época essa gozação lá, mas essa questão de prevenção da malária foi um trabalho de ponta que nós fizemos lá e tinha os indicadores, que eles mostravam na época que o rio baixava e a época de encher e a incidência de malária era bem maior com o rio baixo, então na Petrobras, a Petrobras em seminários e congressos aparecia como quem tinha condições de acabar com a malária, de não ter mais esse negócio lá, e a gente começou a influenciar as cidades em volta, Coari, Carauari, Tefé, com esse trabalho nosso lá.
MULHERES NA SELVA
Tem tantos outros projetos que eu queria destacar, mas é difícil lembrar, mas essa questão que você falou da mulher lá no trabalho, ela evoluiu como na plataforma da Bacia de Campos, antes não tinha mulher, hoje tem bastante. Na Amazônia também, da mesma forma. Hoje você vai lá em Urucu, você já vê, na questão de serviços, questão de hotelaria principalmente, lavanderia, aquela coisa toda, muitas mulheres trabalhando lá dentro. As próprias professoras. No início era um problema, você ia com professora lá dentro, a peãozada 14 dias confinada, aí tinha queixa. “Iiii, mil histórias.” Para administrar aqueles conflitos, aquela coisa toda, reclamava com o prefeito. É, reclamava com o prefeito, que as professoras eram escolhidas pelo prefeito, que mandava elas para lá. Elas trabalhavam 14 por 14. Elas ficavam no mesmo regime dos empregados, 14 dias lá e 14 dias fora, e elas foram reclamar diretamente com o prefeito que tinha petroleiro assediando, e tinha muita coisa que era invenção e você tinha que conviver com isso e administrar da melhor forma possível.
Tem oito mulheres lá. É, tem uma que era minha secretária, em Manaus. Quando eu vim embora ela pediu para ir para o campo, que ela tinha o sonho, inclusive agora no dia das mulheres ela foi uma das entrevistadas, pelo Edson Celulari, ficou encantada, maravilhada. Foi um prêmio para ela e era o sonho dela trabalhar dentro da selva, então quando eu saí de lá eu transferi ela para o campo, e ela foi trabalhar dentro de Urucu e hoje ela trabalha no regime de 14 por 21.
MUDANÇAS
Eu estou atualmente em São Paulo. É, eu estou um peixe fora d’água hoje, não tenho nada a ver com esse negócio que eu estou fazendo, não é meu métier. Eu tenho 28 anos de Petrobras, 28 anos de produção de petróleo de frente, menos aqueles dois anos ali no Rio de Janeiro, o resto foi tudo nos campos do Recôncavo Baiano, nos campos do Rio Grande do Norte, na Bacia Potiguar, no Rio Grande do Norte, nas plataformas do Ceará, na foz do Amazonas, principalmente no Urucu e Juruá, que isso aí é minha vida. Agora eu vim ali por uma questão contingencial, política de empresa, vim para São Paulo, estou há um ano, estou fazendo o melhor de mim. É uma coisa administrativa, burocrática, dentro do escritório, no centro de São Paulo, perto da Paulista, não é meu métier. Quando eu olho da minha janela e vejo aquela selva de pedra, eu fico sonhando com aquela selva amazônica, da minha janela lá eu via o rio Negro, aquela coisa maravilhosa, aquele pôr do sol maravilhoso. O rio Negro é o rio mais lindo do mundo. Agora, em São Paulo é uma selva de pedra, com aqueles prédios que você perde de vista, como perde a selva amazônica, você perde de vista. Então, mas contingências da vida, estamos levando aí, dias melhores virão com certeza.
A Petrobras significa minha vida. Para você ter uma idéia, agora em 99, quando a Petrobras me convocou para voltar para a Amazônia depois de eu ter saído de lá em 92, quando eu saí de lá foi uma coisa. Eu trouxe dois filhos, um amazonense e outro paraense, então a gente veio embora, então desligou. Aquela coisa da página virada do livro, e de repente, sete anos depois, a Petrobras me chama: “Ó, nós estamos com problema de transferência de Belém para Manaus, e você já viveu isso no passado e sabemos que você esteve lá e depois a Petrobras foi transferida de Belém para Manaus e quatro anos depois por questões políticas a Petrobras voltou toda ela para Belém e você conhece isso. Nós estamos agora precisando... Urucu crescendo...” Eu voltei como superintendente lá em 99. Quando eu saí esqueci de dizer para vocês que eu cheguei lá com produção zero e saí de lá com 10, 12 mil barris por dia, em 92 e eu volto como superintendente da unidade em 99 já com 45 mil barris por dia e saio de lá o ano passado com 60 mil barris por dia.
Qual era meu sonho? Fazer o Norte, e, principalmente, a selva virar uma área produtora de petróleo. Saí de lá como superintendente, produzindo 60 mil barris por dia, uma das unidades mais importantes da companhia, vitrine da Petrobras. Todo mundo que vem visitar a Petrobras tem que ir para Urucu, senão não conheceu a Petrobras. Isso é um sonho realizado. Realmente, quando a Petrobras me convocou para ir nessa segunda etapa da Amazônia, eu já não tinha mais aquela coisa, porque já tinha feito, o sonho já estava realizado, eu fui para lá - para você ter uma idéia já não tinha mais a mobilidade; minha família ficou, meus filhos já estavam, o mais velho já tava entrando na Faculdade, na Unicamp, o outro se preparando lá, entrou na USP, então eles ficaram, minha mulher ficou com eles aí, e eu fui sozinho para Manaus, para Belém fiquei um ano e depois dois anos em Manaus, eu fiquei sozinho. Lá não é ponte aérea, quando eu podia vinha aqui, visitava a família. Fui, três anos me disponibilizei e aceitei aquilo como uma missão. O cara estava me dizendo: “Olha você viveu uma experiência, e agora nós estamos precisando desse cara aqui para resolver os problemas”. E mais uma vez eu fui lá, criamos a UN-BSOL, botamos para funcionar, está lá, está lá unidade funcionando direitinho, reconhecida como benchmarking da companhia, e missão cumprida.
GÁS
Mas eu tenho outros sonhos, falta agora a gente levar o gás para Manaus e para Porto Velho para fechar o ciclo total, aí seria demais. Hoje nós produzimos 60 mil barris por dia, mas associado a esses 60 mil barris por dia, nós produzimos junto sete milhões e meio de metros cúbicos de gás natural, que nós passamos numa planta de processo, tira o GLP, o gás de cozinha e aquele outro excedente vai tudo de volta para os poços, um volume significativo da ordem de seis a sete milhões de metros cúbicos por dia, injeta de volta para os poços, para guardar lá para futuro aproveitamento. E quais são os grandes projetos pela frente? É trazer um gasoduto para Manaus e trazer um gasoduto para Porto Velho a partir de Urucu, e desenvolver esses dois grandes centros através do gás, do gás natural que tem em abundância lá. E eu ainda quero participar dessa viabilização, e tenho esse sonho nesse momento de concluir, quem sabe, minha carreira na companhia, ajudando a viabilizar o gás da Amazônia. Esse aí é um ciclo completo, acho que estou bastante feliz e realizado com mais esse sonho.
MEMÓRIA DOS TRABALHADORES
Eu acho fantástico esse projeto de Memória dos Trabalhadores da Petrobras. Isso aí é um negócio fantástico! Quando eu voltei para Belém, em 99, eu gosto muito disso, vocês vão ver, eu já falei com vocês, eu tenho centenas de fotografias de coisas da Amazônia. Nós, quando levamos o presidente Sarney lá, e o presidente Ozires Silva, depois de ter assistido a um teste, que ele saiu correndo no meio do mato, e a bota cheia de lama, a bota ficou presa na lama, ele caindo, e a diretoria toda perplexa com aquele óleo dentro da selva, e quando ele viu aquela coisa, ele ficou, e foi entrevistado lá, e os caras guardaram: “Nós vamos botar isso aqui para produzir. Eu vou trazer o presidente da República aqui, eu estou desafiando a equipe para botar em seis meses isso aqui, que eu vou trazer o presidente Sarney aqui para inaugurar a produção de petróleo.” Naquele calor da emoção, e seis meses depois nós cumprimos o trato e botamos aquilo para produzir, e ele trouxe o presidente Sarney lá para fazer a abertura oficial da produção de petróleo na Amazônia - que nós documentamos tudo aquilo e eu sempre procurava guardar uma cópia para mim, minha particular, então tem foto do Sarney. “Então faz uma cópia para mim”. Eu queria guardar para mim, para minha história. Eu quero fazer a minha história. Eu tenho uma coletânea de fotografias que eu vi lá em Fortaleza, era o Edson Queiroz, que ele fazia painéis com fotozinhas, das décadas da vida dele, e o que aconteceu de importante em cada década. Eu estou procurando fazer isso na minha. Eu tenho na minha sala uma série de fotografiazinhas - você pega e lê atrás: “Nesse dia foi testado o poço tal, e o presidente Ozires Silva visitou.” Então eu quero ter isso, então eu procurei guardar e não pude fazer ainda uma coisa completa. Quando eu cheguei em Belém em 99 eu cheguei para o pessoal da área de comunicação lá e disse: “Cadê o material da memória aqui? Da visita do presidente Sarney, o presidente Ozires Silva? As fitas?” Ninguém sabia nada, ninguém sabia nada, onde estava. Eu lembro que eu falei: “Tem que achar. Isso é história da companhia, não pode!” E eu batia lá, tem que achar, tem que achar, tem que achar, até que uns três ou quatro meses depois a gente estava desativando a base do Tapanã, em Belém e já íamos mudando para Manaus, passei um ano lá em Belém e aquilo estava se colocando nos almoxarifados, nos galpões velhos. Tudo que não prestava ia jogando num galpão lá para alienar, para vender, para queimar, fazer o que fosse. Não é que um rapazinho lá chamado Manuel João, trabalha na área de Comunicação, vocês devem conhecer, trabalha com o Martinez, o Manezinho, chegou lá e falou: “Frazão, você não pode acreditar?” “O que é que foi?” “Num galpão desses aí de coisas para alienar, para jogar fora, enterrados na lama, cheios de pó em cima, estão os álbuns. Vamos mandar recuperar.” Aí eu disse: “Poxa vida, como é que a Petrobras não preserva sua história!” E quando eu contava, que tem centenas de histórias depois eu posso colocar para vocês, e as pessoas que ouvem dizem assim: “Frazão, você tem que escrever um livro sobre essa coisa da Amazônia. Isso é fantástico, como é que a gente vai resgatar isso?” Aí eu falo: “Mas eu não sou escritor, eu não vou ter tempo de escrever livro”. Quando eu vejo vocês fazendo esse trabalho, puxa, agora é o momento da gente poder participar disso e juntar as coisas e olha, agora são os profissionais que podem nos ajudar a organizar. Eu estou encantado com isso aí e quero me colocar à disposição para vocês para a hora que quiserem conversar, saber mais coisas. Nós estamos digitalizando em São Paulo todas as fitas que eu tenho, eu guardei para mim “Jornal Nacional que anunciou a descoberta de Urucu.” O cara me entrevistou na boca do poço, anunciar e botar no Jornal Nacional. Eu tenho a fita gravada, está toda mofada, mas nós já levamos para o laboratório, junto com o filme do Ozires Silva, de várias situações e esse laboratório ele está fazendo a digitalização, está passando para DVD, está recuperando, está vendo o que pode fazer. Eu vou disponibilizar isso tudo para vocês. Puxa vida, achei maravilhoso, espero que não acabe aqui, porque tem muito mais para trazer. Obrigado a vocês pela simpatia e gentileza com que me receberam aqui.
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