P/1 – Tânia, queria que você começasse falando para mim seu nome completo.
R – Tânia Gotardo Hilário, tenho 11 anos e moro em Fontoura de Xavier
P/1 – E você nasceu em que dia?
R – Dia 16 de junho de 2001
P/1 – Você nasceu onde?
R – No Hospital de Santa Terezinha em Fontoura de Xavier
P/1 – E você tem irmãos, irmãs?
R – Tenho, tenho a Tainara, depois sou eu Tânia, aí vem a Taiene e o Tiago.
P/1 – Todos com T?
R – Todos com T.
P/1 – Por que todos têm T?
R –Por que a minha a mãe queria, na Tainara, queria Taís só que uma mulher de lá, ganhou uma menina e colocou o nome de Taís, daí ficou Tamires e Tainara, daí o pai gostou mais de Tainara, ficou Tainara. E, eu lá em Santa Catarina, já tinha uma menina com nome de Tânia, daí ficou eu com Tânia.
P/1 – E seus irmãos estudam onde?
R – Eles não estudam ainda. O Tiago tem dois anos, e a Taiene tem três ou quatro anos e eu acho.
P/1 – E você é a mais velha?
R – Não, eu sou a segunda, tem a Tainara, depois vem eu.
P/1 – E como é o lugar que você mora, Tânia, conta para mim, como é?
R – É uma casa de madeira, eu lido com vacas, né? Ajudo a minha mãe a tirar o leite, nós vendemos leite para uma firma de leite, “Cosuel”. Daí, lá em casa, nós temos cachorro, nós temos porco, nós temos um “monte de coisas”. Nós temos “coisas” por lá, né? Nós temos galinha, pato...
P/1 – E, como você lida com o gado? O que você faz exatamente lá?
R – A mãe solta no pasto, né? Depois quando não tem o pasto o pai “gobeia” lá, passa a semeadeira, essas coisas aí, nasce. Aí, quando nasce, às vezes um pouco, o pai vai, semeia mais um pouco por cima, daí nasce.
P/1 – E você sabe tirar leite?
R – Sei, aprendi com quatro anos. Foi em um dia que a minha avó tinha uma...
Continuar leituraP/1 – Tânia, queria que você começasse falando para mim seu nome completo.
R – Tânia Gotardo Hilário, tenho 11 anos e moro em Fontoura de Xavier
P/1 – E você nasceu em que dia?
R – Dia 16 de junho de 2001
P/1 – Você nasceu onde?
R – No Hospital de Santa Terezinha em Fontoura de Xavier
P/1 – E você tem irmãos, irmãs?
R – Tenho, tenho a Tainara, depois sou eu Tânia, aí vem a Taiene e o Tiago.
P/1 – Todos com T?
R – Todos com T.
P/1 – Por que todos têm T?
R –Por que a minha a mãe queria, na Tainara, queria Taís só que uma mulher de lá, ganhou uma menina e colocou o nome de Taís, daí ficou Tamires e Tainara, daí o pai gostou mais de Tainara, ficou Tainara. E, eu lá em Santa Catarina, já tinha uma menina com nome de Tânia, daí ficou eu com Tânia.
P/1 – E seus irmãos estudam onde?
R – Eles não estudam ainda. O Tiago tem dois anos, e a Taiene tem três ou quatro anos e eu acho.
P/1 – E você é a mais velha?
R – Não, eu sou a segunda, tem a Tainara, depois vem eu.
P/1 – E como é o lugar que você mora, Tânia, conta para mim, como é?
R – É uma casa de madeira, eu lido com vacas, né? Ajudo a minha mãe a tirar o leite, nós vendemos leite para uma firma de leite, “Cosuel”. Daí, lá em casa, nós temos cachorro, nós temos porco, nós temos um “monte de coisas”. Nós temos “coisas” por lá, né? Nós temos galinha, pato...
P/1 – E, como você lida com o gado? O que você faz exatamente lá?
R – A mãe solta no pasto, né? Depois quando não tem o pasto o pai “gobeia” lá, passa a semeadeira, essas coisas aí, nasce. Aí, quando nasce, às vezes um pouco, o pai vai, semeia mais um pouco por cima, daí nasce.
P/1 – E você sabe tirar leite?
R – Sei, aprendi com quatro anos. Foi em um dia que a minha avó tinha uma vaca, o nome era “Mansinha”, tinham amarrado as pernas e tinham esquecido de pegar as coisas, eu “esgotei um dedo”. Coloquei todo o leite fora...
P/1 – Com quatro anos?
R – Quatros anos.
P/1 – E, você vai até lá e tira? Quanto você tira de leite?
R – Eu tiro “assim, o quanto assim… um copo, um copinho assim”, mais ou menos, eu tiro, né? Tudo. Eu “esgoto” a vaca. Daí a mãe vê se eu “esgotei” bem, né? Senão daí cria “mamite” na vaca, dá “mamite”.
P/1 – E dos outros bichos, quem cuida?
R – É o avô. Agora o avô está com dor na perna, daí sou eu quem cuido dos porcos, além da minha mãe, o meu pai e a Tainara.
P/1 – O que você faz para cuidar dos porcos?
R – Nós damos água e o milho, já para a porca, nós damos só a ração, só para ela.
P/1 – E me conta, quem mora lá onde você mora?
R – Para baixo da minha casa, tem uma estrada, daí mais para baixo, tem a minha tia e o tio mais, mais os filhos deles. Daí para lá, tem a casa dela, mas assim, tem a casa do “homem”, que o apelido dele é Carnarida, só que o nome dele é Jumaria. Daí para cima, assim vai, tem a casa da Santa, tem a casa da Loire e o filho dela, o Gilmar, que estuda aqui.
P/1 – Você mora com quem?
R – Moro com a minha mãe, com meu pai, com o meu irmão, minhas duas irmãs, né? E o avô e a avó.
P/1 – E o que os seus pais fazem? Com o que eles trabalham?
R – Eles, com vaca na roça e com o fumo, né?
P/1 – Vocês, tem fumo também?
R – Temos.
P/1 – E você mexe com fumo também?
R – Mexo.
P/1 – O que você faz?
R – Eu sei “manear” fumo, né? Às vezes “maneia”. Essa semana eu fui lá, enchi as bandejas de terra, para plantar as sementes.
P/1 – E assim, de brincadeira, do que você gosta de brincar?
R – Eu gostava de brincar de boneca, eu gostava de brincar de “se vestir”, de “se maquiar”, de brincadeiras, né? É o que eu gosto.
P/1 – Foi você quem se maquiou?
R – Hum hum! (Afirmando)
.
P/1 – Quem te ensinou?
R – Eu vi na TV.
P/1 – Você fica olhando as moças na TV e faz? Olha, está bonito, hein?
R – Obrigada.
P/1 – E todo esse trabalho que você tem no dia a dia, você encontra uma “horazinha” assim, para brincar?
R – Encontro.
P/1 – E você tem amigos ali, com quem você brinca?
R – É, tenho um, tinha um guri que estudava aqui, mas agora ele não está mais aqui. Ele ia lá em casa todos os dias para brincar comigo e com minha irmã. Agora ele parou um pouco de ir lá. Daí, ele vai só nos finais de semana.
P/1 – Então, você gosta de brincar mesmo?
R – De brincar, de ajudar minha mãe, né? Cuidar do meu irmãozinho...
P/1 – Cuida do seu irmãozinho?
R – Cuido.
P/1 – Como você cuida?
R – Eu cuido, eu não deixo mexer no fogo, não deixo ele ir lá para fora, pois tem um boi que é “atado”, daí ele sobe, tem uma escada que vai para cima, outra que vai para baixo, aquilo vai “tipo assim”. Daí eu não deixo ele ir para lá, né? Senão…
P/1 – E Tânia, você se lembra do primeiro dia em que você foi para escola? Como foi o seu primeiro dia de aula, você se lembra?
R – Mais ou menos. Eu me lembro, que o meu primeiro dia que eu entrei aqui, a minha mãe foi para casa. Eu não chorei, eu fiquei com a minha irmã, eu não desgrudava dela, ficava só com ela. É só essa parte assim, que eu me lembro.
P/1 – E você gostava de ir para escola?
R – Gostava.
P/1 – Como é que você vai para escola?
R – Assim, quando eu estava no “prézinho”, eu vinha com a mochilinha pequena, né? E a professora tirava um “monte de coisas”. Primeiro ano, depois fui para o segundo, terceiro, quarto e o quinto agora, onde eu estou.
P/1 – Mas você vem como? Você vem a pé?
R – Venho de Kombi.
P/1 – Vem e vai de Kombi, para sua casa?
R – É. Daí tem uma… A minha casa “tipo assim”, tem uma casa verde, né? Daí tem uma descida que vai, depois tem um “carreirinho” que vai assim... Tem uma estrada, eu vou por aquele “carreirinho” assim, até a minha casa.
P/1 – E você se lembra, como era a escola aqui?
R – Lembro, como se fosse hoje, mais ou menos.... Tinha uma cerca ali, tinha uma árvore e tinha um portão velho, né? Em tudo a gente se machucava e a gente não podia encostar em nada, nem nos brinquedos, também. Nas arvorezinhas, a professora, dizia que não era para quebrar, né? Era para nós cuidarmos da escola.
P/1 – E os brinquedos que você falou, como eram então?
R – Os brinquedos, tinham: as gangorras, não durou nem.... As gangorras eram quebradas, os professores não deixavam nós irmos lá, né? Porque nós nos cortávamos e vinha a infecção. Daí os balanços, nós tivemos que retirar, porque era uma briga só por causa daqueles balanços. Os balanços eram colocados lá e não dava para retirá-los.
P/1 – E como era para usar a parte de dentro, as salas de aulas, os banheiros, como eram?
R – Era assim, as salas eram tudo... Se tinham coisas descascadas de um lado, “jogavam” as classes para o outro lado, as professoras arrumavam aí vinha a merendeira e também arrumava. Daí, no banheiro era tudo... não adiantava a professora e a merendeira limpar, sujavam de barro em dias de chuva.
P/1 – E qual a matéria que você mais gosta? O que você gosta de estudar?
R – Matemática, português, ciências.
P/1 – E você tem muitos amigos, colegas daqui?
R – Tenho.
P/1 – Todo mundo é seu amigo?
R – Todos.
P/1 – E sobre as professoras, assim, tem alguma professora que tenha sido mais marcante, para você?
R – Não, todas foram iguais, todas foram legais, né? E principalmente a professora Dinara, ela é a nossa nova professora, né? Nós estamos dando muito carinho para ela, para que ela não vá embora tão cedo.
P/1 – Por quê? O que acontece com os professores?
R – Daí se mudarem, nós perdemos a felicidade, né? Daí entra outra, a gente fica meio tristinho, depois a felicidade vai voltando.
P/1 – Por quê? Os professores, iam muito embora daqui? Como que é?
R – Não! Eles ficavam, só que a professora Helena se aposentou. E a professora que era do meu “pré”, em que eu estudava, também se aposentou.
P/1 – E, me diz uma coisa Tânia, assim, como foi para você quando começou a ver um pouquinho dessa coisa de,“Ah, vamos separar o lixo, vamos fazer coleta seletiva”. Você já tinha ouvido falar sobre isso?
R – Sim, em Fontoura era o que eu via, era lixo na rua, era lixo espalhado por toda parte...enquanto a lixeira estava vazia e não tinha um lixo. Daí, tinha uma lixeira, lá para baixo do controle, para baixo depois de um mercado. Era cheia de fralda de nenê e, os lixeiros, não passavam lá todas as semanas. O prefeito da comunidade disse que era para passar lá todas as semanas, para ver se tinha todo o lixo que precisavam. Agora, com a entrada da BRF (Empresa multinacional brasileira do ramo alimentício), o lixo de Fontoura não está “tão mais”, “aquela bagunça”. Tudo está mais organizado e, aqui na escola, também.
P/1 – E como é isso na escola?
R – Aqui na escola, é um aprendizado para a gente. Com o lixo, tem o plástico, o papel e assim nós fomos separando vidro, metal, rejeito orgânico, né?. Não deixávamos o papel com plástico, o rejeito com os outros, né? Cada lixo, é para cada coisa agora. Antes todo o lixo era misturado, somente para um fim, agora cada lixo é separado.
P/1 – E, por que você acha importante separar? Você acha isso importante?
R – É importante, porque aparece na TV. O rio Tietê, que mostram em São Paulo, é contaminado pelo lixo. Daí a repórter disse: “Isso aí né parece verdade, o que está acontecendo com esse rio? Era tão limpo, agora está ficando tão sujo! ”
P/1 – E você, fazendo isso, você e seus amigos aqui da escola fazendo a separação, como vocês acham que estão ajudando?
R – Nós estamos ajudando o meio ambiente, não somente para nós, mas também para o próprio meio ambiente, porque as árvores que purificam nosso ar, nos ajudam a viver melhor.
P/1 – E você levou essa ideia, esse novo aprendizado, para sua casa?
R – Levei. Meu quarto era bagunçado, eu fui arrumando, ainda ficou meio..., um monte de coisa lá, né? A minha madrinha, eu levei lá para casa dela também e, como ela separava o lixo, agora ela separa mais, né?
P/1 – E o que a sua família achou disso?
R – Achou muito legal.
P/1 – Eles conheciam essa ideia?
R – Não. Daí com a entrada da BRF eles conheceram.
P/1 – E dessas outras coisas que você viu aqui, de novidade na escola, a ideia de escovar os dentes, o que você lembra desse dia?
R – Desse dia, né? nós já tínhamos que escovar os dentes, mas não era todo os dias, era um dia sim, “passava, passava”, outro dia, “passava, passava”, outro dia. A professora sempre estava dando esse conselho a professora sempre dizia: “Vão escovar os dentes!”. Só que ela ia junto com nós. Era um de cada vez, porque era uma só pia no banheiro, não tinha aquela de escovar os dentes, né? Daí era um por vez, né? Era uma menina e um guri, uma menina e um guri, uma menina e um guri, até todos escovarem os dentes.
P/1 – E você levou essa ideia de escovar os dentes bem escovadinhos, para os seus irmãozinhos?
R – Sim.
P/1 – E sua irmã também?
R – Sim.
P/1 – Como você ensina para eles?
R – Eu e a minha irmãzinha, eu ensino para ela que, escova de um lado, depois do outro, depois em cima, depois escova assim, né? Na frente, etc. Daí ela escova. Meu irmãozinho ainda não tem a escovinha dele, mas ele vai ter.
P/1 – E os seus pais, você ensinou escovarem os dentes?
R – Sim.
P/1 – É? Conta como é que foi para seus pais, você ensinando eles. Eles gostaram?
R – Eles me ensinaram escovar os dentes, né? E, eles escovam os dentes também.
P/1 – E hoje eles estão escovando direitinho? Você foi lá ver?
R – Sim.
P/1 – Legal. E você falou que você trabalha lá com a sua família, né? E, aí fizeram aqui essa horta, o que você achou dessa horta?
R – Nós achamos que a nossa horta não era “tão assim”, como é. Nós não plantávamos tantas coisas. Era somente o tomate, a salada, isso, era só essa coisinha aí; mais uma árvore de fruto, era só o que nós tínhamos. Daí, como vocês entraram aqui, a horta ficou com mais vegetais, mais do nosso jeito. Aí nós plantamos as verduras. Nós ficamos muito felizes, com essa entrada de vocês aqui. Daí, a horta que não tinha nada, era só um coisa que era plantada, para colocar as cascas de maçãs que vinham de uma loja para nós. Aqui, o ônibus escolar que vem de Fontoura, trazia de tudo, né? Tudo. A horta era cheia de mato, não tinha verduras, aí veio gente para arrumar. “Nossa Senhora, né? Estão arrumando a escola”, eu pensei: o que está acontecendo? Eu vi que eram vocês que estavam arrumando a escola. Cada canteiro, fomos nós que plantamos, para cada sala, né? Porque nós éramos a maior turma e aí nós plantamos tomate, couve flor, salada.
P/1 – E hoje, vocês comem as coisas?
R – Comemos, né? Daí a gente fala: ”Olha, nós estamos comendo coisas que nós plantamos!”
P/1 – E o que você sentiu com isso?
R – Ah, eu senti muita felicidade. Tem muitas crianças que estão passando fome e tem gente jogando fora a comida, né? Tem que comer tudo para não jogar fora.
P/1 – E como é que foi esse dia? Conte-nos. Você se lembra um pouquinho, desse dia que vocês fizeram a horta?
R – Sim. A professora tinha o canteiro, só que daí a terra era dura e a professora capinava e molhava a terra e plantava as mudinhas, até elas crescerem, depois molhava. A Angelita, molhou um canteiro para o lado de baixo, eu molhei um que tem no meio.
P/1 – E vocês, mexem na horta? Volta e meia, vocês mexem?
R – Não, nós não vamos lá. É a merendeira quem cuida. Nós só plantamos, daí é ela quem vai lá todos os dias ver, né? Ver como é que estão. Daí se nós comermos tudo de lá, nós vamos plantar de novo. Não podemos deixar sem nada!
P/1 – E assim, sobre alguma festa que aconteceu aqui na escola que tenha sido marcante para você? Algum dia especial?
R – Sim, no dia da Páscoa. Eles vieram entregar as coisas para nós, né? E daí vieram, a Mardi, o Otávio, a... , esqueci o nome da outra, como é? Vieram “um monte” de gente entregar. Daí teve a festa junina ali, né? Onde nós tivemos a apresentação.
P/1 – E nesse dia da Páscoa, como foi? Você se lembra do dia, do tipo de festa que teve?
R – A professora colocou o filme para nós assistirmos, até eles virem. Ninguém ficava quietinho. A professora dizia: “Fiquem quietos, fiquem quietos! ” Ficavam quietos, né? Daí, quando vieram vocês foi que, ficamos quietos, depois cantamos música para eles.
P/1 – E o que vocês ganharam?
R – Uma cenoura com um “monte” de coisas dentro.
P/1 – O que tinha lá dentro?
R – Tinha bala, tinham umas coisas que eu ganhei, né? Era do “Ben 10” (Personagem), umas pastilhas e uns ovinhos pequenos, um monte de coisas.
P/1 – Vocês esperavam ou isso foi uma surpresa?
R – Hum, foi uma surpresa, né? “Mesma coisa”, uma surpresa e “mesma coisa”, eu estava esperando.
P/1 – Como eu estava perguntando, voltando lá para trás, quando a escola era assim “feiosinha”, desse jeito que você está me contando, né? Vocês estavam aqui assim... Aí começou a chegar esse “monte” de gente, com uma cara estranha, falando que iam mexer na escola...
R – É, a gente ficou meio curioso, sei lá o que ia acontecer com a escola. Iam desmanchar e fazer outra. Eu vi que estavam pintando e arrumando ela. Ali na frente eram as arvorezinhas, tinha um “monte” de cachorros que entravam aqui, o portão era caído. Os brinquedos, a gangorra era quebrada, não prestavam mais, nenhuma delas; a roda tinha uns bancos quebrados, né? E daí o escorregador tinha a perna quebrada, descascava. A gente não podia ir lá, porque tinha sempre uma coisa, tipo, uma coisinha quebrada ali. Tinha uma ponta que a gente não podia encostar senão furava o dedo, ou a perna, nos machucávamos muito.
P/1 – Então, começou a chegar essa gente com uma cara estranha, gente nova. Você ficou meio ressabiada, assim, meio “Ah, quem são eles ?”
R – Eu pensei assim: “Olha, quem são eles ?”, eu dizia assim, para minhas amigas. Antes da Bruna chegar aqui, né? Eu disse: “Nossa, quem são eles? Não é que vão desmanchar a escola? Não quero que desmanche”, porque a gente tem um amor, né? Pela escola que a gente estudou. Aí vieram arrumando, arrumando. Eu disse: ”Nossa, estão arrumando a nossa escola e nós nem sabíamos! ”
P/1 – E aí, quando você começou a ver que as coisas estavam realmente acontecendo, o que você sentiu? Você e seus amigos?
R – A gente viu que a escola ia ficar melhor, com a chegada da Mardi, do Otávio e de mais pessoas que vinham. Nós pensamos: “Nossa, vão deixar nossa escola aqui um brilho, né ?” Daí nós fomos assim ali pela rua, nós juntamos um “monte” de lixo. Nós juntamos latas, papéis, plásticos etc, numa “paragem”(ponto de coleta) que tem ali, nós juntamos muitas coisas. Depois eles foram embora, passaram uns tempos, daí a professora Eliane e a professora Leidiane ajudaram. Quando eu estava no terceiro ano da tarde, nós juntamos mais lixos, que nós não imaginávamos juntar, por lá. Daí um dia reuniram todos da BRF, onde uns foram para cima, uns foram para baixo, para lá e outros para cá. Eu fui para cima, para lá, já a minha amiga foi para lá e a minha professora e mais um aluno, foram para baixo. Daí, juntaram um “monte” de lixo. Juntaram tudo e colocaram lá. Cinco sacos de lixo de cada casa.
P/1 – Que tipo de lixo tinha, você se lembra?
R – Lembro. Tinham latas, encontraram até cobra, além de plásticos e papéis.
P/1 – Estavam jogados no mato?
R – Era tudo jogado no mato. Em um campinho que iam fazer, estava tudo lá. A gente foi para lá, né? E a gente ia subindo o barranco e diziam: “Não sobem ali”. Não subimos. E, um monte de lixo, né, foi encontrado. E, nós não esperávamos achar tanto lixo!
P/1 – E aí, quando vocês fizeram essa movimentação de andar “para lá e para cá” recolhendo lixo, o que as pessoas aqui do bairro de Fontoura Xavier acharam disso?
R – Acharam que era uma coisa legal. Nós estávamos ajudando a nós e ao meio ambiente e, daí eles acharam muito legal com essa pesquisa. Cada um ganhou um folheto para não jogar mais lixo nas ruas, para terem mais cuidado e porque podem prejudicar a nós mesmos.
P/1 – Como você acha que pode prejudicar?
R – Matando, né? Nós podemos beber água infectada.
P/1 – É mesmo. E como você acha que está hoje o bairro, está melhor?
R – Está melhor, muita gente está cuidando. Se ninguém cuida nós vamos lá, juntamos o lixo, colocamos dentro da lata de lixo, né? Para termos um melhor cuidado.
P/1 – E agora, tem um caminhão que passa por aqui?
R – Tem. Quando a lixeira está cheia, acho que eles não sabem quando, né? Então ligam para eles .
P/1 – E o caminhão, pega tudo?
R – Pega tudo, não deixa nada.
P/1 – E o pessoal coloca lá?
R – Coloca.
P/1 – É? Fica cheinho?
R – Fica cheinho.
P/1 – E, Tânia lembrando um pouquinho, voltando novamente, lá puxando a sua memória, né? De quando você estudava aqui, você falou que sempre estudou aqui. Desde quando?
R – Desde o Pré-Primário, até o quinto ano. Há seis anos que eu estudo aqui.
P/1 – Sempre foi sua única escola?
R – Sempre foi minha única escola.
P/1 – E você tem amigos que estudam em outra escola?
R – Tenho, amigas, uma menina chamada Hélia e a outra, Eduarda , estudam no Picada Silveira .
P/1 – E as suas amigas, não ficam curiosas para saber o que vocês estão fazendo aqui?
R – Ficam. Elas falam: “Nossa, o que está acontecendo na sua escola que era todo desleixada, né? ” A professora podia fazer “o que mais pudesse”, se sacrificava para cuidar, mas ninguém cuidava. Ninguém sabia o que nós estávamos fazendo. Daí elas acharam assim, elas falaram: “Nossa o que está acontecendo naquela escola? ” Eu disse: “A BRF foi lá e arrumaram. ”
P/1 – E daí, elas ficam...
R – Ficaram assim: “Nossa, aquela escola está tão arrumada, tão bonita! Aí, como eu queria que fosse aqui na nossa !”
P/1 – E aí o que você fala para elas?
R – Eu falo: “Nós fomos escolhidos”, por que a nossa escola, vocês já eram, mais cuidadosos com as coisas, ainda tinha gente que não cuidava de nada. Podiam dizer “Cuidem das coisas, que nós fazemos com nosso suor para manter o seu estudo”. Daí: “não, eu não vou cuidar de nada, vou deixar tudo “atirado”. As coisas não são minhas, não é, são da escola”. Eu podia cuidar. Às vezes eu chegava, eu pousava lá na minha madrinha, meu padrinho dirigia o ônibus, chegava cedo aqui. Às vezes a merendeira, por não dar muita conta , eu a ajudava a varrer um pouco o corredor, ela deixava e dizia: “Obrigado! ”, eu “De nada”. Daí eu a ajudava algumas vezes. Eu ajudava. Um dia, nós limpamos todas as salas, a cozinha e o banheiro. Não deixamos nada sem limpar. Cada aluno e professor limpava a sala. Ajudavam a cuidar da secretária - era a principal sala, que não podia faltar, porque é lá onde ficavam os nossos computadores, tudo que nós aprendemos está ficando ali, vai ficar tudo ali, não vai ficar na nossa memória. Porque um dia, nós vamos crescer, viver e morrer, né?
P/1 – Nossa que menina sábia! Você é muito sábia! Realmente, olha que bacana. Quer dizer, você sente que essa escola é sua?
R – Eu sinto, como não é só minha, mas também de todos que podem nascer, pessoas que podem também estudar.
P/1 – Quer dizer, você não está pensando só em você!
R – Não, eu penso em todo mundo. Eu não sou a única pessoa do mundo, tem um “monte” de pessoas no mundo e no Brasil.
P/1 – E os seus irmãos, vão vir estudar aqui?
R – A minha irmã Tainara, ela tem 12 anos, ela já estudou aqui, eu estou estudando. Agora a minha irmãzinha, a Taiene, tem quatro anos, ela fará cinco anos dia 17 de outubro, ela poderá estudar aqui, né? O meu irmãozinho, tem dois, ainda falta muito tempo, para ele vir estudar aqui.
P/1 – Quer dizer, os seus irmãozinhos nem vão conhecer aquela escola, como você?
R – É, como quando eu estudava e a minha irmã. A minha irmã, ela pôde ver só um pouco desse projeto, por causa que ela já estava no quinto ano e, eu apenas estava no terceiro ano. Ela foi para lá e eu fui para o quarto ano. Daí, foi assim em diante.
P/1 – E você tem orgulho?
R – Tenho, não apenas eu tenho orgulho das coisas, como bastante gente tem. Eu tenho orgulho de mim e de muitas pessoas, mas não tenho orgulho do crack, não tenho orgulho das drogas, da bebida, do fumo.
P/1 – Mas hoje assim, lembrando, puxando a sua memória, quando você vê aquela imagem da escola do jeito que ela era, para hoje, como a escola está, como você se sente?
R – Ah, eu me sinto mais feliz, né? Nós agora podemos correr mais longe, nós podemos brincar, na grama. A gente antes podia só correr num corredorzinho apertado que tinha. Muita gente se machucava, jogava por cima dessa arvorezinha que tinha aí.
P/1 – E essa ideia dos “Cinco S”, Tânia? Você sabe me dizer um pouquinho o que é isso?
R – Sei. Os “Cinco S”, significa: limpar, organizar e para deixar o bem-estar da gente, né? Onde as pessoas não podem só ter o próprio bem-estar, como os das outras pessoas, né?
P/1 – E aí você levou o “Cinco S” para o seu quarto?
R – Para casa, para o meu quarto, para o quarto da minha mãe, do meu avô e da minha avó, né?
P/1 – E você, explicou isso para eles?
R – Expliquei como era esse “Cinco S”.
P/1 – Nossa, eles devem ter muito orgulho de você, né? Você é uma menina com uma cabeça muito boa. Que legal, Tânia. Muito bacana conversar com você. Você acha que tem alguma pergunta que você gostaria de fazer? Então, está bem, tem mais alguma coisa que você gostaria de falar sobre essa ideia da mudança da escola, que eu não lhe perguntei?
R – Da mudança da escola, foi do bom para o melhor, do melhor para o ótimo e do ótimo vai seguir em frente.
P/1 – Você vê essa escola crescendo mais ainda?
R – Vejo. Vejo muita gente querendo estudar aqui, né? Não quero ouvir: ”Não quero estudar nessa escola porque ela está velha, descuidada”. Por isso uma aluna já saiu daqui e um “monte” de alunos já saíram. Agora, esses alunos querem voltar para cá. E, acho que estão voltando. Tem que voltar, né?
P/1 – E se alguém falar para você: “Tânia, o que você mais gostaria de fazer nessa escola?”, Se alguém falasse. Pode pensar o que você quiser, o que você gostaria que fosse feito aqui na escola?
R – Nada, porque a escola já está no que nós queríamos. Todo mundo queria a escola melhor, né? E ela está melhor.
P/1 – Então não precisa de mais nada?
R – Não precisa de mais nada
FINAL DA ENTREVISTA
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