Projeto Minha História, Sua História, Nossa História
Depoimento de Robson Alves dos Santos
Entrevistado por Marcia Trezza, Ana Zidanis, Teresa Farias
Recife, 10/03/2018
Realização Museu da Pessoa
HTC _ HV07 _ Robson Alves dos Santos
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisão/Edição - Pa...Continuar leitura
Projeto Minha História, Sua História, Nossa História
Depoimento de Robson Alves dos Santos
Entrevistado por Marcia Trezza, Ana Zidanis, Teresa Farias
Recife, 10/03/2018
Realização Museu da Pessoa
HTC _ HV07 _ Robson Alves dos Santos
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisão/Edição - Paulo Rodrigues Ferreira
MW Transcrições
P/1 – Robson, na verdade - acho que a Ana já falou com você - é um bate-papo. Então, a gente começa fazendo algumas perguntas, mas depois o que você achar importante, o que você achar que foi marcante para você, você conta. Não precisa esperar eu ficar perguntando.
R – Tudo bem.
P/1 – E a gente vai perguntar algumas coisas do Telecurso da época - Travessia - e depois, o que aconteceu até hoje. Mas, também, vai perguntar algumas coisas da sua infância, da sua adolescência, porque faz parte de você, não é? O Museu da Pessoa trabalha desse jeito. Com a história toda, tá?
P/2 – Só antes de gravar: quando você foi aluno de Antônio Carlos, você já era do Travessia?
R – Foi depois.
P/2 – Depois que você entrou no Travessia.
R – Eu só consegui o contato com ele depois do Travessia. Provavelmente eu vou contar essa história também.
P/2 – Ah, tá! Ok.
P/1 – Robson, para começar a entrevista, diga o seu nome completo, onde você nasceu e a data.
R – Robson Alves dos Santos. Nasci em Recife, no dia primeiro de maio de 1990.
P/1 – Quais são suas primeiras lembranças da infância? Bem remotas, assim.
R – Eu acho que a lembrança mais antiga que eu tenho foi quando eu me mudei, com a minha família, para a casa atual do meu pai. E eu lembro assistindo TV, desenho na verdade, com meu irmão, no meu aniversário acho que de cinco anos, não me lembro. A gente estava lá comendo bolo e tomando refrigerante; acho que é a lembrança mais antiga que eu tenho.
P/1 – E você lembra do que vocês estavam vendo na TV?
R – Lembro. Os Cavaleiros do Zodíaco (risos). Lembro sim.
P/1 – Você tem mais irmãos ou só ele?
R – Não, eu tinha um irmão, só era ele.
P/1 – E você conviveu com ele até que idade?
R – Dez anos.
P/1 – Dez anos.
PAUSA
P/1 – Você falou que, depois, vocês mudaram para a casa do seu pai, vocês moraram juntos. Como era quando você era criança... Pai e mãe?
R – Isso. Eram meus pais, eu e o meu irmão. Só que aí a gente morava em outra casa, que era de aluguel, e essa foi a casa própria. Acho que é a mais antiga lembrança que eu tenho.
P/1 – Como você descreveria o seu pai? Como é o jeito dele?
R – Meu pai sempre foi uma pessoa muito amorosa, muito trabalhador também. Apesar de que ele não ficava muito presente devido ao trabalho, mas eu acho que mesmo na infância a gente entendia isso. Minha mãe tinha mais dificuldade, mas eu e o meu irmão, a gente entendia, porque quando ele estava em casa, normalmente nas folgas, ele era atencioso conosco.
P/1 – E ele trabalhava em quê?
R – Ele era motorista de ônibus.
P/1 – E ele sendo motorista de ônibus, alguma vez você andou com ele?
R – Sim, várias vezes.
P/1 – E como era para você esse momento?
R – Era bom porque era uma oportunidade de estar com ele quando, normalmente, ele não estaria em casa. Então, sempre que havia a oportunidade de ele levar um da gente, a gente ia prontamente para aproveitar o momento.
P/1 – Descreve um momento assim, uma viagem dessas.
R – Eu lembro uma vez que a gente foi, eu ficava atrás da cadeira dele – eu sei que hoje não é permitido, mas eu ficava atrás da cadeira dele enquanto ele dirigia, conversando com ele e até, certa vez, na última viagem, em que a gente estava voltando para levar o ônibus para a garagem, eu até dormi no banco atrás dele (risos).
P/1 – Fazia várias viagens com ele?
R – É. Já fiz um dia inteiro de trabalho com ele. A gente parava, nós almoçávamos juntos e tal, nos intervalos, dentro do terminal, lanchava também. Aí eu conhecia as outras pessoas que trabalhavam com ele, também.
P/2 – Você sentia orgulho de visitar seu pai dirigindo?
R – Sim.
P/1 – Do que é que você mais gostava desse momento?
R – Eu acho que era poder passar mais tempo com ele.
P/1 – E sua mãe, como é que você falaria da sua mãe?
R – Minha mãe, durante toda convivência comigo, sempre foi dona de casa. Então, ela sempre estava com a gente. Ela era um pouco mais rígida do que meu pai, mas acredito que também favoreceu a educação da gente. Apesar de que eu não fiquei com ela. A gente ficou junto até a maioridade, mas ela contribuiu também com isso.
P/1 – Ela era mais trabalho em casa.
R – Isso, isso, ela não trabalhava fora.
P/1 – E você, depois, na sua infância, brincadeiras além do desenho? (risos).
R – Eu gostava bastante de andar de bicicleta, era uma prática. E, normalmente, eu e meu irmão íamos muito para... Era chamado de Playtimes, a gente ia jogar videogame, que oferecia esse serviço.
P/1 – E tudo bem, era tranquilo?
R – Sim, sim, era muito bom! Já teve vezes que a gente passava Natal e Ano-Novo em alguns ‘alugares’. Alugava a noite toda para ficar jogando (risos).
P/1 – E a mãe?
R – Ela permitia. Ela sabia onde era, ela conhecia o local. E como eu estava com ele, que ele era mais velho, era como se fosse a liberação: “Ele toma conta de você”.
P/1 – E alguma vez, com a bicicleta, teve alguma situação marcante? (risos).
R – Ô! (risos). Eu ficava bastante em casa, mas tem algumas (risos)... Algumas marcas.
P/1 – Conta alguma inesquecível.
R – Bom, certa vez, eu estava andando... Porque na casa em que eu morava tinha uma rua acima que era uma escadaria e tal, e a gente sempre tinha que carregar a bicicleta para poder ir para a escadaria. E uma vez eu inventei de descer montado na bicicleta. E aí não deu muito certo (risos). Astúcia de criança.
P/1 – Foi uma aventura.
R – Pois é. Não foi bacana, não (risos).
P/1 – Robson, e escola nessa época?
R – Bom, nessa época eu era muito pequeno. Então eu estudei na escola particular até terminar o Fundamental 1, até a quarta série. Eu estava com o meu irmão também, aí quando eu passei para a quinta série eu fui para a escola do estado.
P/1 – Dessa escola em que você estudou até a quarta série, que marcas tem dessa escola? Professor ou amigos?
R – Eu lembro, de verdade, não muita coisa. Eu sei de uma situação que, posteriormente, ficou marcada em mim: foi quando eu entendi o ciclo da vida, numa aula de Ciências. Isso me marcou bastante, porque a professora estava dando exemplo com as plantas e ela estava falando da ideia de que todo ser vivo nasce, cresce, reproduz e morre. E eu lembro que cheguei em casa chorando, nesse dia, porque eu não aceitava. Foi quando eu compreendi que meus pais iam morrer e que todo mundo vai morrer. Então isso, eu lembro muito (risos).
P/1 – Olha só! E você já tinha amigos? Você convivia com seu irmão bastante, na escola também estudou com ele. Tinha outros amigos?
R – Nessa época, não. Era só eu e meu irmão. Eu era até caçoado por outras pessoas (risos).
P/1 – Ah, é? Fala um pouco disso.
R – Assim... É engraçado, mas quando eu era mais novo eu era um pouquinho mais forte do que eu sou hoje. E eu andava meio que levantando os pés, aí o pessoal ficava me apelidando, falando na rua. Aí eu, normalmente, não conversava com as pessoas, eu ficava meio recluso na minha zona de conforto, só na área familiar. E quando o tempo foi passando, no Ensino Fundamental II, é que eu comecei a ter outros vínculos, mas na infância não (risos).
P/1 – E na próxima escola você mudou. Qual foi o motivo, você lembra?
R – Lembro. A escola em que eu estudava não ofertava o Fundamental II e meu pai acreditava que a escola, que foi onde ele estudou também, contribuiria para a minha formação; ele queria que eu fosse para lá.
P/1 – Qual o nome da escola?
R – Escola Pedro Celso, em Beberibe.
P/1 – Você morou aqui em Recife, em que região?
R – O bairro é Dois Unidos, a vida inteira.
P/1 – Como era o bairro, na época em que você era criança?
R – Era muito tranquilo. Eu não sei se porque eu não tinha noção da violência, mas, na minha época, eu tenho pouca recordação de assalto, assassinato, brigas, entre outras coisas. E não faz nem muito tempo, não é? Talvez seja porque eu não dava atenção para esse fato.
P/1 – Descreve um pouco o bairro, a casa, a rua.
R – Bom, a casa em que eu morava, enquanto morava com o meu pai e a minha mãe, fica numa região de morro, é uma barreira. E foi como eu falei no início, foi a casa que ele comprou, que meus pais compraram, e é quando eu tenho a lembrança mais antiga. E, para chegar lá, para sair, sempre era por escadaria. Então a gente tinha complicações, por exemplo, com feira. Sempre que chegava feira - meus pais chegavam - a gente subia a escadaria - eu e o meu irmão - para pegar sacolas e trazer para casa. Transporte coletivo também não tinha, mas tinha muita área verde, isso era muito bom.
P/1 – A casa ficava no alto ou em baixo?
R – No alto.
P/1 – E lá de cima?
R – Tinha uma visão boa, dava para ver todo o córrego, que é onde tinha, inclusive, uma escola municipal em que o meu irmão também estudou, e a escola em que eu estudava era próxima de lá também.
P/1 – Robson, você fez o Fundamental todo, ou melhor, desculpa, o Fundamental e o Médio nessa escola?
R – Sim.
P/1 – E como foi o Fundamental? Quando você chegou nessa escola, que era uma escola diferente.
R – Eu tive dificuldades. Porque, primeiro, o fator que você não conhece ninguém, dificulta um pouco. A transição do Fundamental I para o Fundamental II também me impactou. E aí, inclusive, naquele ano, por essas dificuldades e outro acontecimento, eu não aproveitei o ano, eu reprovei.
P/1 – Sei, no quinto ano.
R – Isso.
P/1 – Você quer falar desses acontecimentos da sua história, ou prefere passar?
R – Tudo bem, não tem problema, não.
P/1 – Então fala.
R – Nesse ano, que foi quando eu fui para a escola do estado, foi quando o meu irmão morreu. E aí eu não voltei para a escola.
P/1 – Foi de repente?
R – Foi, foi um acidente. Nós fomos atropelados.
P/1 – E você, nessa situação, foi atropelado também.
R – Sim.
P/1 – Machucou?
R – Uhum.
P/1 – Como foi?
R – A gente estava... Era uma ladeira em que passava ônibus e tudo o mais. Inclusive eu estava voltando da escola, ele estava lá sentado na calçada, aí quando eu o avistei, eu disse: “Não, eu vou descer e depois vou para casa junto com ele”. E a gente ficou conversando. E era um caminhão de gás que perdeu o controle na ladeira e usou a própria ladeira para tentar frear e não causar um estrago maior lá embaixo. Aí, quando a gente percebeu que estava vindo para a gente, a gente se levantou para tentar correr. Ele me empurrou com a mão, e quando ele foi correr não deu tempo. Ele levou o impacto maior e, na saída, eu só machuquei o meu braço direito.
P/1 – Entendi. E você falou que tinha uns dez anos,
não é?
R – Isso.
P/1 – E o quinto ano você acabou não continuando...
R – Não voltei para a escola.
P/1 – E você voltou quando, depois?
R – No ano seguinte.
P/1 – No ano seguinte. E você pode falar alguma coisa dessa escola? Como ela era, se teve algum professor que lhe marcou?
R – Sim, aconteceu um pouco mais adiante, não é? E já no oitavo e nono anos. Professor Marcos Pinheiro, de Matemática. Ele foi uma das pessoas que contribuíram para... Eu posso dizer, mudar a minha vida. Então eu sou muito grato a ele, nunca vou esquecer tudo o que ele fez por mim.
P/1 – Fale um pouco assim, conte essa história desse professor. O primeiro contato, o que aconteceu, sei lá, o que vocês conversavam.
R – Na época, eu tinha uma aparência um pouco diferente da que é hoje. Eu costumava vestir muito preto, meus cabelos eram longos, eu usava bastante brinco, e tal. E, normalmente, as pessoas me olhavam com um certo preconceito, é muito comum. Hoje, a gente tem isso também em outros âmbitos, não somente por vestimenta, não é? Mas ele foi uma das pessoas que conseguiu enxergar além disso, sabe? Eu enfrentava outros problemas em casa, eu não posso dizer que foi por isso que eu me vestia dessa forma ou escutava as músicas que eu ouvia, mas ele conseguiu enxergar além disso, ignorar, e realmente querer saber o que se passava comigo. Eu enfrentava outros problemas. Depois da morte do meu irmão, meu pai largou o emprego, começou a beber excessivamente. Aí, no ano seguinte, a minha mãe saiu de casa, a gente não conseguiu manter a vivência e fomos morar na casa da irmã dele, de favor, sem ele trabalhar. Então, foi uma época muito difícil, eu posso dizer até com dificuldade para alimentação. Teve ocasião de eu passar o dia inteiro na escola porque eu lanchava lá de manhã, tarde e noite. Aí, eu me voluntariei para ser monitor de informática, porque eu também permaneceria na escola, era um outro ponto. Eu estava contribuindo e eu também tinha um auxílio. E esse professor, o Marcos, ele perguntava: “Robson, como é que você está? E aí, tudo bem? Fez atividade? Não? Por que não fez? Como é que está em casa? E aí?” Ninguém nunca tinha perguntado como é que está em casa, não é? E aí, no princípio, eu não falava, obviamente. “Poxa, é uma pessoa estranha, por que ele quer saber da minha casa?” Estranhei. E eu acabei soltando, aos poucos, o que acontecia. E aí o que ele fez foi: “Robson, veja só, eu estou precisando da sua ajuda”. Eu disse: “O que foi?” “Olha, eu tenho uma caderneta aqui para fazer. Você pode me ajudar?” Eu disse: “Mas eu não sei”. Ele: “Eu te ensino, vem cá”. Aí começou a me mostrar, na sala dos professores, como fazer. Como eu era...
PAUSA
R – E aí eu lembro que o professor Marcos, certa vez, pediu ajuda: “Robson, veja só, eu estou com a caderneta aqui para fazer e eu queria saber se você pode me ajudar”. E eu: “Poxa, mas eu não sei como fazer”. Ele: “Tudo bem, vem cá, eu te ensino”. A gente sentou na sala dos professores, ele me disse como era o procedimento. E aí, em outras situações, ele: “Ó, tem esse assunto aqui, tu lembra que tu já vistes?” “Lembro”. “Pronto. Estou dando aula aqui, só que eu vou ter que dar uma saidinha aqui para uma reunião. Você pode ficar na sala um pouquinho?” “Posso”. Aí,, acabei tirando dúvida de outros alunos de séries inferiores, e eu acho que foi o meu contato para poder entrar na Educação. Foi aí que eu comecei a perceber que queria ser professor também.
P/1 – E você sentiu alguma mudança em você nesse processo? De quando... Do que você sentia com toda a sua situação?
R – Sim.
P/1 – Ou não, não é?
R – Sim. O que eu posso falar é que, em relação à minha casa, não teve muita mudança, obviamente, mas o meu comportamento, sim. Eu comecei a ver a escola de outra forma. Eu queria estar na escola por outra razão. E também me incentivou a querer entender mais, principalmente da área, que é o que as pessoas normalmente têm dificuldade, não é? Na área de Exatas. Mas eu conseguia ver, conseguia perceber a beleza que ele queria mostrar na disciplina.
P/1 – Algum dia você falou alguma coisa disso para ele?
R – Já, já falei. Ele, além disso, continuou me ajudando mesmo depois do ensino fundamental, até me indicando para o meu primeiro emprego. Ele fez isso por mim.
P/1 – Amigão!
R – É.
P/1 – Robson, e com esse caminho você foi chegando, concluiu o ensino fundamental.
R – Isso. Ainda tive outras dificuldade também, no nono ano, que acabei perdendo também. Mas eu acho que, nessa situação, foi mais por conta minha mesmo. Eu não me dediquei o bastante e acabei perdendo o ano, tendo que cursar mais uma vez.
P/1 – Você continuou como monitor de Informática?
R – Continuei.
P/1 – Mas não recebia.
R – Não. Era voluntário.
P/1 – E depois ficou fazendo sempre esse trabalho lá.
R – Sim.
P/1 – Até terminar o Ensino Fundamental.
R – Eu passei acho que uns quatro ou, talvez, cinco anos. Foi no final do ensino fundamental e no ensino médio.
P/1 – E você estudava num período...
R – Isso. E nos outros dois eu ficava no laboratório de informática.
P/1 – E não tinha nenhuma ajuda de custo.
R – Não.
P/1 – E você, depois, buscou algum trabalho fora da escola?
R – Sim. Na mesma época em que meu pai estava com essas dificuldades, que a gente morava na casa da minha tia, eu fui percebendo que a situação estava bem mais difícil, não é? Então eu tive a oportunidade de trabalhar na mesma rua. Tinha um rapaz que entregava água mineral e gás e eu perguntei se ele podia me deixar ajudar, para conseguir alguma renda. Eu acho que o primeiro emprego que eu tive foi esse, mesmo que informalmente, mas ajudou um pouco na situação de casa.
P/1 – E teve algum momento desses que...
R – Teve uma coisa bem ruim, inclusive, na época. Porque todo dia a gente tinha que ir, depois que terminasse o expediente, arrumar os botijões e os garrafões de água. E teve uma vez que, durante a entrega de um botijão de gás, eu senti uma dor na coluna que eu não consegui nem voltar para a bicicleta e voltar para lá, acabei indo para o hospital e tudo o mais. E desde então minha coluna não é a mesma e acabei perdendo o emprego porque não dava mais para trabalhar, não é? Não dava para carregar peso (risos).
P/1 – Porque era nas costas que carregava.
R – Isso.
P/1 – E você era menino ainda.
R – Sim. Eu acho que tinha treze anos, por aí, quatorze, por volta disso.
P/1 – Ainda não era monitor nessa época.
R – Não.
P/1 – Ah, depois que você fez.
R – Isso.
P/1 – Ah, entendi. Robson, você falou que, no último ano, você teve alguma dificuldade no ensino fundamental. Você quer falar um pouco? Porque a gente está justamente pegando esse percurso de estudante, não é?
R – Eu acho que, nessa época, foi uma coisa própria mesmo, sabe? Eu não me dediquei o quanto deveria. Acabei voltando a atenção para coisas não acadêmicas, que vieram a me prejudicar na escola.
P/1 – E você começou a sair com amigos?
R – Nessa época eu comecei a criar esse vínculo de amizade com outras pessoas fora de casa.
P/1 – Adolescência.
R – É.
P/1 – E o que vocês faziam?
R – A gente costumava sair. Por exemplo, um dos pontos ruins, que me fez perder o nono ano: às vezes eu deixava de ir para a escola para ficar jogando videogame, não é? Então aí senti, posteriormente, o resultado disso.
P/1 – E as paqueras, os namoros, teve algum momento assim?
R – Nessa época, não tanto.
P/1 – Inesquecível (risos).
R – (risos) Pior que não. Não, não tem. Era só namorico, coisa pouca. Nada muito marcante.
P/1 – Vocês, além do videogame ou do fliperama, vocês faziam alguma outra coisa assim?
R – A gente costumava... Tinha uma praça próximo à escola, a gente ficava lá conversando até mais tarde. Depois saía e voltava para uma das casas desses meus amigos e a gente costumava jogar RPG. A gente fazia muito isso, muito isso. E, nessa época, inclusive, eu passei a ficar muito tempo na casa de um desses meus amigos e, devido às dificuldades que eu tive dentro de casa, eu acredito que foi a família que me criou também, não é? Nessa época eu comecei a fumar, comecei a beber, eu ainda era menor, e foi um período conturbado, sabe? E eles me auxiliaram muito.
P/1 – Os pais do seu amigo.
R – Isso. Precisamente a mãe dele, dona Nida (risos).
P/1 – Ela ajudou bastante você.
R – Sim.
P/1 – De que jeito você acha que ela lhe ajudou?
R – Ela puxava minha orelha. Dizia: “Isso está errado, rapaz! Você, nessa idade, fazendo isso? Bebendo desse jeito? Para que você está fumando?”, não sei o quê. Então, num momento em que a minha mãe estava ausente e o meu pai não podia me dar suporte devido à situação dele, ela assumiu esse papel. E os meus amigos também, eles ajudavam nesse ponto, puxavam minha orelha (risos).
P/1 – Você encontrava sua mãe?
R – Sim, uma vez por semana eu a via. Ela começou a trabalhar em um bar em outra cidade, porém próxima. Porque eu morava em Recife e ela morava em Olinda, era um pouquinho mais distante, tinha que caminhar coisa de quarenta minutos, mas eu comecei a vê-la uma vez por semana e retomar o contato, não é? Isso acho que uns três anos depois do término do relacionamento deles dois.
P/1 – E Robson, você perdeu o nono ano e como foi depois? Você retomou o ensino médio?
R – Eu voltei para fazer o nono ano e comecei o primeiro. Daí eu segui adiante, mas já estava atrasado dois anos, não é? Então, dois anos eu acho. Acho que foi isso.
P/1 – E o retorno para a escola foi tranquilo?
R – Foi. Nessa época, quando eu voltei para fazer o nono ano, eu acabei criando outros vínculos na escola, com amigos... Tinha o professor Marcos, que estava sempre lá mesmo quando eu fazia coisa errada. E eu acabei criando outras vínculos também, com outras pessoas, e a gente começava a estudar, tal, tentava se ajudar, não é? Da maneira que fosse possível para cada um.
P/1 – Eu sei que você vai pensar hoje de outro jeito, mas você consegue lembrar dos seus sentimentos nessa fase da escola? Nessa fase em que você acabou se afastando da escola, como é que você via?
R – Na verdade, eu acho que o problema era o que eu não via. Eu acho que os professores que eu tive na época, não por demérito, não sei, mas eles não conseguiam mostrar a utilidade do que eles estavam tentando ensinar, sabe? Eu acho que é um problema pelo qual muita gente passa. Poxa, hoje, enquanto professor, eu tento responder a essa pergunta sempre para os meus alunos: Por que eu tenho que estudar isso? Aonde é que eu vejo a aplicação disso no cotidiano, por exemplo? Porque isso fundamenta a pessoa estar na escola. E eu não tinha esse fundamento. Eu acho que, pela Matemática, eu tive realmente prazer, apesar de que é um pouco mais abstrato de você ver a funcionalidade porque ela está implícita em outras aplicações. Mas eu tive um prazer por aquilo. E as outras áreas eu tive dificuldade na percepção de por quê eu estou estudando isso? Sabe? Isso foi complicado.
P/1 – E tinha outras atividades na escola, ou não? Só o ensino mesmo.
R – Era, era comum, só o regular.
P/1 – O regular. Você aí fez o primeiro ano do ensino médio, E aí, como foi depois?
R – Depois do primeiro ano do ensino médio eu queria trabalhar. Eu: “Poxa, eu preciso obter alguma renda, eu tenho que fazer alguma coisa, mudar a situação, tentar fazer alguma coisa”. E aí surgiu na escola um projeto novo, que foi o Travessia. Que era uma possibilidade de avançar esses anos de ensino médio em um período reduzido. Eu não fazia ideia do que era, mas eu pensei: “Poxa, vai ser mais rápido, é para lá que eu vou”. Aí eu conversei com o Marcos, com o meu professor, que eu posso dizer que era o meu mentor, eu disse: “Marcos, veja só, eu estou querendo fazer isso, eu vou fazer o Travessia”. Num primeiro momento ele foi contra: “Não, mas por quê? Você vai perder dois anos no regular para fazer um projeto que é num período mais curto? Como assim? Como é que você vai conseguir absorver o conteúdo num tempo mais curto?” Eu disse: “Vai ser mais rápido, eu preciso fazer isso”. E, desde o início, ele queria que eu fizesse Matemática, ele queria que eu terminasse o ensino regular e prestasse vestibular para Matemática. E aí eu acabei conversando com ele e ele concordou: “Não, tudo bem, é a sua escolha, é o que você quer fazer. Se você acha que vai ser benéfico, vá lá. E se precisar de alguma coisa, como eu não faço parte...”. Talvez fosse por isso que ele não queria que eu fosse: “Como eu não faço parte do grupo, me procure”. E eu fiz isso. Várias vezes, mesmo depois de ter entrado no Travessia.
P/1 – Ele sabia do Travessia, do projeto, quando você foi conversar com ele?
R – Eu não tenho recordação, eu não lembro.
P/1 – E aí você foi.
R – Fui. Procurei a coordenação e a direção da escola para saber como era o processo de admissão.
P/1 – Desculpa, como que você ficou sabendo?
R – A própria escola. Ela começou a falar a respeito, colou alguns cartazes, tal. E como eu estava no laboratório de informática eu tinha um contato com a coordenação. Eu não lembro se eles sugeriram para mim por causa da minha idade, eu não me recordo disso, mas eu lembro de ter me comunicado com eles a respeito. E foi a primeira turma da escola.
P/1 – Quem foi a professora?
R – Eu lembro apenas de um, do Travessia: professor Jonas. Ele ficava com a parte de Exatas. Eu fico triste por não lembrar o sobrenome dele, para procurá-lo hoje. Eu só lembro que era Jonas, e ele ficava com a parte de Exatas.
P/1 – E Robson, aí você conseguiu, se matriculou... Acho que era assim que funcionava.
R – Consegui. Acabei entrando no projeto. Eu fui informado de que sairia do regular, teria que cursar alguns conteúdos de novo, porque o programa foi feito para todo o ensino médio, mas eu terminaria antes do que se eu fizesse no regular. Então, para mim, era válido. Seria fácil porque eu já tinha visto alguma coisa num primeiro momento e eu ainda sairia mais cedo. Então, eu topei.
P/1 – Você estava no primeiro ano.
R – Eu iria para o segundo, aí eu acabei indo para o Travessia, para poder terminar tudo.
P/1 – E como foi o primeiro dia? Você lembra do primeiro dia do Travessia?
R – Eu tenho vagas lembranças. Eu lembro que um amigo meu foi também, aquele que eu ficava muito na casa dele. Ele era mais velho do que eu, inclusive ainda é. Então era aquela coisa, éramos nós dois, não é? A gente chegava na sala, sentava calado, só os dois, e se ajudava depois no conteúdo. Como eu tinha uma facilidade maior para Matemática, eu ajudei muito ele nessa parte. E ele tinha uma facilidade maior para a área de Humanas e me ajudou bastante nessa área também. Então era uma troca de experiência, onde cada um tinha maior facilidade auxiliando o outro.
P/1 – Agora vamos falar do Travessia. Você fez todo o percurso?
R – Sim.
P/1 – E como você poderia falar das aulas? Como eram as aulas? Descrever mesmo.
R – Um ponto que eu posso dizer que para mim foi a resposta às perguntas que eu tinha, a contextualização. Então, a utilização das metodologias ativas, como os vídeos, as representações de situações onde você vai vendo o conteúdo sendo aplicado, aquilo para mim foi fantástico. Porque eu pude perceber: “Poxa, essa é a resposta da pergunta que me fiz há muito tempo”. “Por que eu estou estudando isso?” Então eles simulavam indústria, simulavam discussões de pais e filhos em período reprodutivo ou os primeiros anos de adolescência, puberdade. Eram conversas que eu confesso que não tive em casa, sabe? E eu: “Ó, então é por isso!” A representação de outras regiões para estudar História, Geografia e tudo. O uso da Gramática. Poxa, aquilo para mim foi muito benéfico, eu posso dizer.
P/1 – Esse uso da Gramática, não é?
R – É, é importante!
P/1 – Fale como você viu a diferença. Para a gente registrar com a câmera.
R – Em que ponto?
P/1 – Da Língua Portuguesa, da Gramática.
R – Eu acho que é porque não tinha tanto a ideia de decorar o conteúdo para expor numa prova. O que eu via era o diálogo entre algumas pessoas, e eles faziam alguns cortes no vídeo e explicitavam, não é? “Ó, tal termo, por tal coisa”. A questão de sinônimos, antônimos e tal; eles mostravam, dentro de uma conversa, o uso da Língua Portuguesa. E dentro de sala o que eu tinha aprendido era que: “Isso é por causa disso, lembre e escreva, lembre e escreva, lembre e escreva”. E não funciona. E acredito que, para muita gente, não funciona.
P/1 – E a relação dos alunos com os dois professores?
R – Normalmente era tranquila. Havia uns que queriam realmente só concluir, mas não queriam ofertar algo em troca, não é? Eles pensavam que só por estar no projeto eles seriam aprovados e concluiriam o ensino médio. E não é assim que funciona, existem avaliações também. Então, você precisa fazer a sua parte enquanto aluno para que o professor não lhe dê a nota, ele escreva a nota que você construiu. E muita gente não tinha essa visão, então teve gente que perdeu, inclusive, também, módulos, por achar que só pela matrícula já teria terminado, seria um supletivo qualquer. E não foi assim que funcionou.
P/1 – E você falou do processo e tal, que você vai ter a nota do que você construiu.
R – Exato.
P/1 – E você fazia também o Memorial, que nós sabemos que tem?
R –
Sim, tem que fazer. A gente tinha outras atividades que eram além da prova, não é? Outras ferramentas avaliativas. Isso também foi muito benéfico, a gente estava acostumado, os alunos, acho que todos, não é? Alguns até que tinham saído já da escola e voltado, de que “eu preciso decorar algum tema e escrever num papel para que alguém leia e se for do jeito que estava no livro eu vou conseguir a nota”. E lá eu pude perceber que tinha um contexto maior, eles não avaliavam simplesmente o que você havia colocado no papel, eles tinham avaliações que eram orais, eles tinham debates, a gente fazia peças teatrais também, encenações. Então, foram várias formas avaliativas que favoreceram, eu acredito, a aprendizagem de quem fez parte do projeto.
P/1 – Você fez seu Memorial?
R – Eu...
P/1 – Você lembra dele?
R – Não (risos). De verdade, eu não lembro. Eu devo ter feito, porque senão eu não teria concluído (risos). Mas, de verdade, eu não lembro.
P/1 – Eu perguntei porque podia ter lá alguma coisa interessante, tal.
R – De verdade, eu não me lembro (risos).
P/1 – E entre os colegas, como era a relação? Teve alguma situação bem marcante assim na relação dos seus amigos, seus colegas?
R – Então... Além do Júnior, que era quem eu já tinha um contato antes, que eu praticamente morava na casa dele, só não dormia sempre lá, porque eu dormia lá também, eu acho que foi pouco. A gente só tinha o contato na escola, então a gente fazia alguns grupos de estudos para fazer algum trabalho, alguma coisa. Ou quando eu podia e conseguia, auxiliava em algum ponto, principalmente em Matemática, Física e Química, que eram as áreas com as quais eu tinha maior afinidade. E a gente conversava também sobre outras coisas, onde eu tinha maior dificuldade eu tentava: “Ôpa, fulano de tal sabe mais, vamos conversar, vamos fazer uma troca?”, para tentar se ajudar. Eu acho que não teve nada muito marcante nesse ponto,
não.
P/1 – Mas você consegue dizer para a gente se o próprio Travessia, o jeito de encaminhar as aulas fazia diferença para a relação de vocês, ou era igual à escola? Eu estou falando dos alunos.
R – Estou entendendo. Então... Eu acredito que sim, porque a gente conseguia visualizar um ambiente diferente, não é? Não era simplesmente sentar, olhar para o quadro enquanto alguém fazia um discurso e ir embora. Então, os professores eram... Como é que eu posso dizer? Mais humanos. Não sei se por uma formação específica, eu não posso dizer se foi por isso ou se era algo pessoal deles, mas eles tentavam conversar conosco e, realmente, pareciam se importar se a gente estava absorvendo o conteúdo. Então eles perguntavam: “E aí, está tudo bem? Vamos lá”, e tal. Eles tentavam, iam para cada um. Tinha situação até de ligar para aluno que faltava: “O que foi que aconteceu? Por que você não veio, rapaz?”, não sei o quê. Inclusive teve - eu não lembro o nome dele agora - um aluno que ia desistir e pela insistência do Jonas ele voltou para o Travessia.
P/1 – E você sabe dele depois, o que aconteceu?
R – O aluno? Não, não teve mais contato. Infelizmente, não.
P/1 – E assim... Essa relação professor-aluno e as aulas favoreciam um ambiente para os alunos diferente do que você tinha na escola?
R – Sim.
P/1 – De que forma?
R – Simploriamente eu posso dizer que era mais confortável. Dava vontade de estar lá.
P/2 – E além? Você diz que a contextualização e a avaliação eram diferentes da escola e a metodologia você usou na outra escola. Além disso aí, o que era que, nessa escola, com o Travessia, você encontrou, você registraria?
R – Não sei...
P/2 – Você disse que a contextualização era diferente, lá contextualizava, no Travessia.
R – Isso.
P/2 – Avaliação também era feita de várias formas.
R – Isso.
P/2 – Além disso, o que era mais diferente? O que você achava diferente da escola que você já tinha estudado?
R – Deixa eu pensar (risos).
P/2 – Não, eu estou perguntando... se você acha que não tinha...
P/1 – Você falou que era mais confortável.
P/2 – Foi.
P/1 – Por quê?
R – Eu acho que por que era muito cansativo fazer a mesma coisa todos os dias, não é? Você chegar na escola, sentar, olhar para o quadro por horas. Um professor dá o discurso, ou então outro professor dá outro discurso, você anota, anota, anota, anota, anota, depois decora isso para fazer a prova. E, no Travessia, não era bem assim que funcionava. A gente tinha os professores dos módulos e eles abordavam diferentes disciplinas e de formas diferentes para cada disciplina. Então, o fato, talvez, de não ter que estar todos os dias sentado, olhando para um quadro e copiando, e talvez admitindo aquilo como verdade absoluta, tenha favorecido a metodologia para mim, do Travessia. De me sentir mais confortável de estar naquele ambiente, pelas outras formas de abordagem que se tinha no projeto.
P/1 – E você já tinha ideia, nessa época, do que você gostaria de fazer?
R – Então... Nessa época, eu tive a oportunidade de fazer um trabalho voluntário no Museu de Ciências aqui, o Espaço Ciências, e eu estava nos anos finais do Travessia. E lá eu fui voluntário por três dias numa feira que eles costumam fazer, a Ciência Jovem, e eu estava caminhando para a área de Matemática como o Marcos queria, meu professor. E lá no Espaço Ciência eu fui enveredando para outro caminho, não é? Eu tinha feito na escola, na época regular ainda, no nono ano, a Olimpíada de Astronomia. E eu fiquei maravilhado porque comecei a estudar o tema para fazer a Olimpíada. Aí o professor Marcos: “Dá uma lida nisso aqui, vai ser o primeiro ano da escola. Estuda aí e vamos fazer uma boa prova!” Por sorte, eu consegui tirar a melhor nota da escola e, inclusive, fui premiado com uma medalha na época do ensino regular. E quando eu fui para o Espaço Ciência, eu descobri que eles tinham uma área específica para Astronomia. Então eu me voluntariei a trabalhar lá nessa área porque eu queria aprender sobre Astronomia. E lá eu conheci outras pessoas que também, eu posso dizer, me ajudaram. Pessoas excelentes que eu, certamente, vou lembrar por muito tempo, inclusive eu tenho contato até hoje, trabalhei em outros processos com essas pessoas e acabei descobrindo que o que eu queria era Astronomia. O problema é que Pernambuco não oferta Astronomia. E aí, conversando com alguns amigos, eu não tinha ideia de como funcionava curso superior ainda, nem nada, e eles disseram: “Olha, você pode começar com Física, por exemplo, e depois tentar Astrofísica ou algo do tipo como uma pós-graduação”. Eu disse: “Poxa, eu gosto de Física, pode ser uma boa, não é? Então eu vou entrar por aí”. Eu tinha pessoas dentro do museu que eu admirava, como o professor Antônio Carlos Miranda, que é excepcional nessa área de Astronomia. E como pessoa também ele é incrível. E eu disse: “Poxa, esse também é um espelho que eu posso usar. Eu já tenho o Marcos, que foi meu professor, como espelho, e o Antônio Carlos também é uma referência para mim”. Então eu quis aquilo também, eu queria algo diferente. E eu não teria tido essa oportunidade se não tivesse entrado no projeto. Porque eles só aceitam o terceiro ano médio para você se voluntariar e, como eu estava nos anos finais do Travessia, é equivalente ao terceiro médio. Aí eu consegui uma declaração na escola, apresentei junto ao museu, eles aceitaram que eu fizesse o trabalho voluntário. Aí, depois de terminar o Travessia, no ano seguinte, eu fiz o vestibular e entrei para cursar Física. E acabei conseguindo uma bolsa pela Secretaria de Educação para estagiar no Espaço Ciência, depois disso.
P/1 – Então você saiu do Travessia e fez cursinho?
R – Não.
P/1 – Foi direto?
R – Foi direto. No ano em que eu terminei o Travessia, eu fiz o Enem. E, no ano seguinte, eu usei a nota do Enem para entrar na Universidade.
P/1 – Ano seguinte. Começo, assim?
R – Sim.
P/1 – Para já fazer?
R – Para já cursar o superior, isso.
P/1 – E você consegue identificar, nesse percurso do Travessia, o que conseguiu lhe preparar para já passar no vestibular? Consegue identificar?
R – Acho que eu não consigo pontuar uma coisa, eu acho que posso generalizar pelo todo do projeto, sabe? Então, como o Enem, que foi a minha forma avaliativa para entrar na Universidade, é todo o programa, e eu fiz o meu todo programa no projeto, talvez o conjunto da abordagem, das metodologias e também das formas avaliativas diferentes puderam me mostrar uma forma diferente de estudar. E o Enem cobra justamente problemas contextualizados, e não você decorar um conteúdo; acho que isso foi bem benéfico.
P/1 – Querem perguntar, gente? Atendeu ao que você gostaria?
P/2 – Sim!
P/1 – Robson, o que da sua infância você acha que influenciou, de alguma forma, essa escolha da Astronomia? Teve alguma coisa?
R – Sem dúvida (risos). Como eu falei a princípio, eu gostava muito do desenho Os Cavaleiros do Zodíaco... Então, quando eu fiz a Olimpíada de Astronomia na escola é que eu consegui perceber a relação com aquele desenho e que eu entendi que o que era abordado no desenho era real, eles usavam constelações reais, o nome de alguns personagens era o nome de algumas estrelas que, realmente, estão lá no céu. Eu disse: “Poxa, isso é fantástico! (risos). Eu preciso entender mais sobre isso, eu quero aprender sobre o Cosmos”. E aí eu acho que foi o ponto de partida entender outras culturas dentro também do desenho, porque ele abordava a mitologia grega, nórdica, entre outras. Entrar no conceito astronômico como Ciência, não como mitologia apenas, que ele também abordava como Ciência, e eu queria saber mais a respeito. Então eu queria fazer Astronomia por essa razão.
P/3 – Então aí o Robson, depois que teve essa experiência, foi voluntário no Espaço Ciência e tudo. Aí a sua trajetória seguiu de que forma, até se tornar professor?
R – Quando eu entrei no Espaço Ciência, a gente também tinha capacitações para atender alunos porque o Espaço Ciência é um museu de ciências a céu aberto, com diversas áreas. Então, eu acabei sendo capacitado não somente para a minha área de Física, mas para outra áreas também. Isso foi muito benéfico porque eu poderia até ajudar os alunos com dúvidas que eles tinham em sala e não era muito abordado, então acabava discutindo com eles dentro do Museu. Depois disso, de estar no Espaço Ciência, o professor Marcos me indicou para uma escola, onde foi meu primeiro emprego mesmo, como professor. estagiário, mas foi o meu primeiro emprego. Porque eu era estudante de Física ainda, na época, e assumi alguns anos de fundamental com a disciplina de Ciências, e a maior satisfação era o sexto ano, porque trabalhava com Astronomia, não é? E o nono ano porque era a bifurcação Física e Química, que são as ciências de que eu gosto bastante. Depois eu acabei fazendo outras relações para outra instituições, alguns estágios também, em outras escolas, até conseguir o primeiro emprego mesmo, com registro, com carteira assinada, ainda como estudante, no final.
P/1 – Robson, lá no Museu, você recebia? Você era remunerado?
R – Sim. O primeiro momento foi voluntário, que foi a parte de admissão e, posteriormente, a gente fazia alguns projetos para conseguir bolsas de estudo. Tinha bolsa da Secretaria de Educação, que foi a primeira bolsa que eu consegui - a Seduc. E depois a gente escreveu alguns projetos também para a Facepe.
P/1 – Qual o seu sentimento, a sensação de conseguir uma bolsa?
R – Foi sensacional porque eu estava sendo pago para fazer uma coisa que era prazerosa, sabe? Não tem nem comparação a carregar água e gás (risos). Mas foi incrível. E, além do museu, foi ainda mais satisfatório quando eu realmente fui para a sala de aula. De ver que eu estava na posição de alguém que me ajudou. Então, eu posso ajudar outras pessoas, sabe? Era isso que eu queria.
P/1 – E você foi dar aula para...
R – Primeiro Fundamental II.
PAUSA
P/1 – Você falou que teve esse sentimento de estar ali. Você, em algum momento, lembrou de você lá no Fundamental, quando entrou na sala?
R – Sem dúvida. Então... Eu sempre procurei, desde essa época, ser mais do que um professor. Eu queria tentar alcançar meus alunos de uma forma como amigo, não é? De querer saber se tem algo além daquelas paredes. Porque eu sabia... Eu vivi que não é só aquele momento que reflete o meu empenho. Então, tinha alunos que, assim como eu, passaram fome, que tinham desestabilidades dentro de casa, problemas conjugais dos pais, alcoolismo como o meu também, ou até perda de parentes. E eu conseguia imaginar que alguém poderia passar pelo que eu passei. E como para mim foi benéfico o auxílio de alguém que pôde me ouvir, querer me ajudar, eu queria fazer isso por outra pessoa, eu queria ajudar.
P/2 – Eu queria saber... O que do Travessia, enquanto aluno do Travessia... Você, enquanto professor, levou alguma coisa para lá?
R – Sim.
P/2 – Era a minha pergunta.
R – Bastante. Nessas primeiras aulas foi quando eu percebi que aquela pergunta que eu me fazia não era fácil de responder. Por que é que eu vou estudar isso? Não é? Então eu me fazia essa pergunta, consegui ter algumas respostas e percebi que os meus alunos também se faziam essa pergunta. E eu busquei ferramentas para poder usar nas minhas aulas que favorecessem isso aí. Então eu acabei encontrando ferramentas de simulação para a área de Exatas. Inclusive eu achei até em plataformas digitais vídeos do Travessia que eu já usei em aulas minhas também sobre determinado assunto: “Poxa, isso aqui é bacana! Eu vou usar com os meus alunos”. E eu tive experiências maravilhosas com isso. Eu conversava com a professora da escola, que também era professora do Travessia, ela dizia: “Poxa, isso é bacana e tal. Se tu quiseres, eu tenho o livro de professor. Dá uma olhada aqui para ver se tu consegues absorver alguma coisa para usar”. Eu disse: “Perfeito!” E eu fazia isso. Então, mesmo enquanto professor, sem ser do projeto, eu utilizava metodologias do projeto nas minhas aulas. Isso foi muito, muito bom para os meus alunos, eu tenho certeza.
P/1 – Robson, a gente sempre pergunta sobre esse percurso. Hoje você consegue enxergar tudo isso, então você acaba analisando. Mas também a gente tem muita necessidade, para compor a história, de você lembrar algum momento, algum aluno, uma situação que você tenha…. Sobre essa atenção que você deu ao aluno, ou do ensino mesmo, sabe, um caso específico?
R – Eu tenho lembrança de dois casos específicos - um bom e um ruim.
P/1 – Então conta para a gente.
R – Que inclusive me levou a uma discussão na faculdade. Eu tive um aluno que era envolvido com drogas. E ele era jovem, coisa de treze anos também, que era na época em que eu comecei as coisas ruins que eu fiz no passado. E, certa vez, a gente tentando conversar com ele, tal, a escola também fazia isso, e a gente tinha muito contato com a área familiar desse aluno. E, uma vez, eu fui dar aula e o aluno não estava. Eu perguntei na coordenação: “Poxa, cadê fulano que não veio de novo?” Aí a coordenadora me chamou para a sala dela, fechou a porta e me disse que ele tinha sido assassinado. Ele estava devendo por causa de drogas, entraram na casa dele e mataram. Nesse mesmo dia eu fui para a faculdade, porque eu trabalhava de manhã e à tarde no museu, escola e faculdade, e ia para a faculdade, à noite. Era uma aula sobre educação. A professora fez uma roda gigante com os alunos, todo mundo de licenciatura, não é? E chegou um momento em que ela disse que o problema para um aluno não aprender era do professor, ele tem que fazer alguma coisa. Eu me arrependo também disso, mas eu lembro de ter levantado na sala e ter discutido: “Então, quer dizer que a culpa do meu aluno ter sido assassinado hoje é minha? O que é que eu poderia ter feito para que ele não devesse drogas e que não fossem na casa dele tirar a vida dele?” Aí ela parou, olhou para mim e eu, com vergonha, peguei a bolsa e fui embora, não terminei a aula. Depois eu pedi desculpas a ela, ela disse que entendia, que eu estava revoltado porque eu perdi um aluno e, para mim, o sentimento era esse, era alguém que eu poderia ter ajudado e eu falhei, sabe? E eu pedi desculpas a ela pelo constrangimento, por ter sido grosseiro, não deveria ter feito aquilo, só que eu estava triste e aborrecido ao mesmo tempo. Não justifica o que eu fiz, obviamente, mas eu acabei expondo dessa forma. E eu tenho outros exemplos positivos de diversos alunos. Como eu dava aula só até o nono ano nessa época, eu tive vários alunos que depois que foram para o ensino médio entravam em contato ou por rede social ou iam na escola também me visitar, para ver: “Robson, muito obrigado, eu estou vendo muita coisa que tu já falastes comigo aqui na outra escola. E o professor não ensina como tu ensinas, ele não usa as coisas como tu usas. Mas eu sei do que se trata porque tu já falastes para mim”. Então eu tentava sempre, além do conteúdo regular, tentava dar algo a mais que ele fosse ver posteriormente para já embasar mais, sabe, o conteúdo. Sabendo que outros professores poderiam não tratar da mesma forma.
P/2 – Eu queria saber se você se sente como um outro Marcos, como o Marcos foi na sua vida. Se você acha que tem outros alunos que também sentem o que você... Essa presença do Robson na vida deles.
R – Eu acredito que sim, por algumas razões. Umas são mais explícitas, quando eles dizem: “Ah, eu quero ser que nem tu, vou ser professor também”. Eu disse: “Ah, agora, seja de Física, viu?” Eu brinco com eles e tal, tenho até alguns ex-alunos que estão na faculdade, que já no ensino médio, quando eu estava lecionando em outra escola, que eles queriam fazer Física, alguns não conseguiram, aí acabaram cursando outra coisa, mas que, eventualmente, falam comigo, agradecem e dizem que eu realmente ajudei. Aí eu digo: “Pronto, se eu ajudei, a missão foi cumprida. É só o que eu queria”.
P/1 – Robson, a gente vai caminhar agora mais um pouquinho. Você foi fazer pós-graduação, agora foi fazer o doutorado... Fala um pouco disso e depois a gente vai entrar um pouquinho em família, e vai fechar.
R – Certo. Como aqui não tinha Astronomia, eu precisava sair do estado para poder cursar a pós-graduação, que seria o mestrado. Então eu procurei alguns lugares para fazer isso; foi quando eu descobri que não tinha condição financeira de fazer isso (risos). Não tinha como. Eu não podia sair do estado e me manter lá. Além, logicamente, do esforço que eu teria de fazer para poder ser aprovado no programa. Porque a gente consegue fazer, obviamente, mas como é que eu vou me manter lá? A incerteza de ter uma bolsa de estudos, por exemplo. Porque não é certeza, você passou no programa mas pode ser que você passe sem bolsa. Então eu pensei: “Poxa, o que eu vou fazer? Eu vou ficar por aqui mesmo, que é onde eu consigo me manter, tenho alguns trabalhos. Se eu sair, vou perder todas as escolas em que eu trabalho aqui; então, eu vou tentar algum programa aqui dentro do estado”. Aí eu conheci, por intermédio de um colega, que também era do Espaço Ciência, o Programa de Tecnologias Energéticas e Nucleares da Universidade Federal de Pernambuco. E aí eu fui, visitei o Departamento de Energia Nuclear, vi com o que é que eles trabalhavam, são diferentes linhas de pesquisa, inclusive. E uma delas me chamou a
atenção, que era a parte de dosimetria e instrumentação nuclear, que usava esse tema, da parte nuclear, para o bem-estar das pessoas. Era aplicado à Medicina, à Instrumentação, entre outras coisas. E aí eu tive interesse pelo programa. Tinha a parte de energia renovável, que também me interessava, mas eu acabei indo para esse ponto. Daí eu fiz a seleção. Na época, eu lembro que, infelizmente, só tinha uma vaga e eu estava desacreditado. Eu disse: “Poxa, a chance é mínima”. Tudo bem. Daí eu estava dando aula em outras escolas, e num dia... Porque o resultado era para ter saído numa sexta-feira, não saiu. Na segunda-feira seguinte, que eu estava trabalhando, esse meu amigo que me indicou o programa, o Douglas, que inclusive é meu compadre - eu tive o prazer de ser padrinho da filha dele - ele ligou: “Ó, saiu o resultado da seleção do DEN”. Aí eu disse: “E aí?” Ele falou: “Pô, não fica triste não e tal, não deu”. Eu falei: “Não, beleza, eu já esperava que não fosse dar”. Ele: “Estou brincando, Robson, fostes aprovado!” Eu estava na porta da sala... Eu havia pedido licença aos alunos para atender ao telefone. Quando eu soube: “Nossa, eu não acredito!”, foi uma surpresa maravilhosa. Daí, quando terminei a aula, eu fui direto para o Departamento para procurar a coordenação, para saber como era o procedimento. “E agora? Eu passei, estou dentro. E aí?” Aí eu conheci a coordenadora do programa, a professora Helen, e ela me disse que, pela minha nota, eu não teria bolsa, mas que eu poderia entrar no programa. Eu falei: “Tudo bem, professora, eu quero estudar. Então, mesmo sem bolsa, eu vou fazer, não tem problema, não”. E aí eu fiz a matrícula. Na semana seguinte, ela ligou para mim e disse: “Robson, apareceu uma bolsa, você quer?” Aí eu: “Sem dúvida!”. Foi quando eu disse: “Não, agora eu preciso sair do trabalho”. Aí deixei as escolas e fui me dedicar à pós-graduação. Porque, com a bolsa, eu conseguiria ter uma renda e poderia me manter.
P/1 – É mestrado?
R – Essa foi mestrado.
P/1 – Aí você continuou.
R – Aí eu continuei. Depois do mestrado, nesse programa, aí eu parei, eu precisava trabalhar porque eu queria ter uma renda um pouco maior. E aí eu não fiz a seleção para o doutorado no ano seguinte. Aí acabou que, posteriormente, um outro professor, que era orientador da minha esposa, disse: “Robson, tem um projeto que a gente poderia desenvolver. Você tem interesse?” Eu perguntei: “Como é que é?” Porque ele trabalha com a parte de Agronomia, essa parte que não é tanto o que eu trabalhei. Normalmente, os alunos dele são químicos, são biólogos, e tal. Eu disse: “Poxa, como é que um físico vai entrar aí?” Ele disse: “Vamos lá!” Aí me mostrou alguns projetos que ele tinha em mente e que ele gostaria de realizar. Eu disse: “Poxa, se for possível, eu gostaria”. Aí ele disse: “Pronto. Vai ter uma seleção agora, se você quiser fazer...”. Aí eu disse: “Tudo bem”. Nessa seleção ele só conseguiu abrir duas vagas. Aí, tinha uma colega que eu conhecia, que tinha feito no ano passado e não tinha sido aprovada, e tinha outra amiga, que é de outro município, distante, ela não podia ficar aqui. E tinha um outro amigo também que ia fazer, que estava esperando há seis meses. Aí, como eram duas vagas, eu disse: “Não vou fazer, não. Porque se eu passar e ela não passar, ela não vai ter bolsa e vai ter que voltar para a cidade dela. Ele está esperando há seis meses. Eu estou trabalhando, estou tranquilo, eu espero mais seis meses”. Aí eu não fiz a seleção naquele ano, passei um ano de hiato, desde o fim do mestrado até o início do doutorado, por causa dessas coisas; no ano seguinte eu fiz e entrei. Ai, hoje, eu estou no meu primeiro ano de doutorado (risos).
P/1 – Parabéns!
R – Obrigado! (risos)
P/1 – E é a mesma área?
R – O mesmo Departamento.
P/1 – Tecnologia nuclear.
R – Isso. Só que eu trabalhei no mestrado com dosimetria e instrumentalização nuclear e agora eu trabalho com radioisótopos aplicado à agricultura e meio ambiente.
P/1 – Ai, que legal! Muito bom! E você falou da sua esposa, não é? Que também está estudando (risos).
R – Isso.
P/1 – Você tem filhos?
R – Não, não temos.
P/1 – Como é que ela entrou na sua vida? Em que momento? Como foi?
R – É uma situação interessante porque a gente se conheceu no Espaço Ciência. Logo depois de sair do projeto, que eu comecei a trabalhar no Espaço Ciência. Ela também era monitora de lá - eu da área de Física, ela da área de Biologia. A gente não tinha muito contato durante a nossa estada no museu. E o engraçado é que, por alguma razão, ela não gostava muito de mim, não ia muito com a minha cara. E eu lembro que, no ano em que eu soube que ela ia sair do museu, eu fui falar com ela para dizer: “Ó, Catarine, eu sei que você não gosta muito de mim, apesar de eu não saber a razão, mas eu não queria que você saísse daqui com essa imagem que acabou sendo construída de mim, de alguma forma. Então, se eu lhe fiz algum mal eu queria lhe pedir desculpas, apesar de não saber qual foi, eu posso ter feito e não me recordar, mas eu queria que você não saísse com essa imagem”. Ela: “Não, tudo bem, beleza, deixa isso para lá”. Desde então a gente começou a conversar. Eu nunca tinha lido O Pequeno Príncipe e ela me emprestou o livro, formidável inclusive, e a gente acabou se aproximando desde a saída dela. Então, aquela aproximação que acabou gerando uma amizade, hoje é um casamento de algum tempo já, a gente está junto há quase cinco anos.
P/2 – A história de 612 também entrando no ar (risos).
R – Não é isso? Foi formidável, o livro é incrível.
P/1 – Olha, muito bom, viu? Bela trajetória! A gente já vai encerrar.
R – Tudo bem.
P/4 – Uma coisa que você já falou, mas elas estão muito espaçadas dentro da narrativa, então eu vou pedir para você contá-las como uma historinha menor.
R – Certo.
P/4 – Eu queria que você contasse dessa parte de moleque, que você assistiu ao desenho e tinha constelações, e até chegar num cientista. E qual foi o papel do Travessia nessa caminhada.
P/2 – Ainda tem mais! Termina com o casamento por meio do Pequeno Príncipe, com 612. É! (risos).
R – Deixa eu ver como é que eu vou fazer isso aí, vamos lá.
P/1 – Acho que você pode falar mais do seu sentimento.
R – Nesse âmbito, você fala?
P/1 – Isso. Do jeito que eles propõem. Em síntese mesmo.
P/3 – Não sei se vai ajudar, mas assim... Quando você estava lá atrás, menino, assistindo o que você assistiu e depois, estudante, sendo retratado, o que você imaginava lá para a frente? Como é olhar de onde você está, olhar para trás e, lá de trás, o que é que você via?
R – Perfeito, ajudou sim!
P/4 – Imagina que é a sua dissertação, a sua tese, é tipo a conclusão. Você vai pegar os elementos de cada um e dar uma condensadinha.
R – Beleza. Então... Eu posso dizer, seguramente, que lá no meu aniversário de cinco anos, quando eu estava lá com o Everton, assistindo Cavaleiros do Zodíaco, eu nunca poderia imaginar que eu acabaria chegando nesse lugar, não é? Na utilização da Astronomia como trabalho também, como divulgação científica. Então, não dava para imaginar que, por exemplo, quando eu assistia aos Cavaleiros, falando um pouco de Astrologia... O meu signo é Touro, pela Astrologia, por mais que não tenha relação científica. E, no desenho, o cavaleiro da constelação de Touro se chama Aldebaran. E eu aprendi depois que Aldebaran é o nome da estrela mais brilhante da constelação de Touro. E isso foi uma conexão extraordinária para mim. Eu entender que aquele desenho não era ficção, não é? Era usado ciência para fazer aquilo, as informações eram reais. Então, posterior a isso, ter feito a Olimpíada de Astronomia me fez ficar mais inserido no meio. As abordagens que eu tive durante o meu trajeto educacional nos anos finais; o Espaço Ciência na área de Astronomia, também; o final da minha trajetória no Espaço Ciência, com o Pequeno Príncipe, conhecendo a minha esposa e aplicando esses conceitos de Astronomia também nas minhas aulas... Porque, até hoje, eu sou representante de algumas escolas na área de Astronomia para fazer olimpíada também, que os meus alunos, assim como o professor Marcos fez comigo, eu acho que mesmo não tendo feito o mestrado e o doutorado na área da Astronomia, eu consigo continuar na área como hobby e sem deixar de praticar. Eu posso olhar para trás e dizer que hoje, mesmo sem imaginar, eu sou o homem que aquela criança de cinco anos queria ser.
P/4 – E o papel do projeto nisso tudo?
R – E o projeto conseguiu me ajudar a usar, por exemplo, outras metodologias ativas para cativar os meus alunos também, para abordar temas difíceis de você mostrar em sala de aula com algumas ilustrações, com literatura, com encenações teatrais em sala, viagem a campo, entre outras coisas. Então, muita coisa que eu aprendi no projeto eu pude replicar nas minhas aulas e eu acredito que consegui gerar o benefício que foi gerado a mim no passado.
P/3 – Você apresentando o conteúdo de diversas maneiras para os seus estudantes poderem entender, é isso?
R – Isso. E de forma incomum, posso dizer assim. Não somente chegar, mandar eles ler uma página do livro ou escrever no quadro. Eu consegui usar outros meios para fazer isso. Muitos deles que eu aprendi no Travessia, não é? (risos).
P/1 – Robson, você quer falar alguma coisa que a gente não perguntou, para deixar registrado na sua história?
R – Eu acredito que o que eu poderia falar é algo que eu costumo dizer para os meus alunos também: que o local onde você nasce, as dificuldades que você enfrenta, o que as pessoas dizem para você, isso nunca vai refletir quem você é, sabe? Então, eu sei que em diversas situações é difícil. Talvez, se eu não tivesse tido os auxílios que eu tive, as pessoas presentes - o professor Marcos, a dona Nida, a família, o Herbert e o Júnior, todo mundo, e até o projeto para me fazer avançar, o Espaço Ciência, as amizades que eu fiz, a minha esposa, a Catarine também, talvez eu não tivesse conseguido chegar onde eu...
Não estou onde eu queria estar, eu quero mais, sabe? Mas, sei lá se não tem nenhum gênio aí morrendo de fome, sabe? Que não tem oportunidade de ter educação ou ter algum auxílio? Então eu acho que, com esforço e um pouquinho de ajuda, a gente consegue mudar a realidade, sim.
P/1 – Muito bom. O que você achou de contar a sua história aqui para nós?
R – Foi bom. Eu posso dizer que alguns pontos eu nem pensava há anos, a respeito. Por exemplo, em relação ao meu irmão eu parei há muito tempo de falar a respeito. Eu tive dificuldade depois da morte dele, eu consegui superar acho que anos depois com o auxílio de religião, inclusive. E voltar, olhar para trás. Há algum tempo eu não pensava no Marcos, no Miranda também. É bom. É bom fazer essa reflexão.
P/1 – Foi invasivo para você? Eu quero saber isso, até para eu me...
R – Não foi.
P/1 – Não foi?
R – Não. Eu acho que expor isso foi benéfico para mim. Ele faz lembrar de quem eu sou.
P/1 – Muito bonito. Muito obrigada. Parabéns, viu!?
FINAL DA ENTREVISTARecolher