Entrevista de Antonia Alves Quagliato
Entrevistada por Luiza Gallo e Wagner Antonio Bragalda
Rafard, 06/10/2022
Projeto: Todo Lugar tem uma História pra Contar – Rafard
Entrevista número: PCSH_HV1369
Realizado por: Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Toninha, pra começar eu queria te agradecer demais por nos receber aqui, por contar um pouquinho da sua história pra gente. Queria que você começasse se apresentando, dizendo o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Antônia Alves Quagliato e eu nasci na Fazenda Itapeva, dia 25 de fevereiro de 1944.
P/1 – Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R – Não, nunca. Porque eu fui a primeira filha, na casa dos avós, minha mãe era bem novinha dentro da casa, então tinha tudo meio preconceito, mas eu nunca fui de perguntar, saber e depois eu tive mais cinco, seis irmãos, cinco irmãos, então foi rodando, eu nunca tive curiosidade de perguntar, mas eu acho que eu fui nascida em parto normal, foi tudo bem e vivi meus sete primeiros anos na Fazenda Itapeva. Primeiro ano primário eu fiz no grupo escolar de Itapeva, que até hoje está lá, meio caindo em pedaços, mas de vez em quando a gente vai dar uma volta lá, pra ver. Eu fui batizada acho que na igreja aqui, mas a crisma foi lá. Eu lembro, eu tinha seis anos. Então, o bispo foi pra lá e a gente foi crismada lá. Quando vim pra cá, como já tinha na escola a catequese, já vim, mudei em novembro e em dezembro eu já fiz a Primeira Comunhão aqui. Foi com sete anos, já pude entrar na catequese. De lá pra cá fiquei sempre na catequese, que tinha uma catequista vizinha, chamava Jocelina e eu a ajudava. Eu dei catecismo até pro meu marido! (risos) De lá pra cá eu sempre dei catecismo, sempre fui da igreja, já vinha aspirante Filha de Maria, tudo que tem dentro da igreja a gente foi e fui trabalhando dentro da igreja, fui catequista até casar, depois parei um pouco, depois continuei. Num todo eu dei quase quarenta anos de catequese. Fui por quinze anos coordenadora da catequese, aí saí da coordenação pra entrar de coordenadora da Pastoral da Criança. Fui mais quinze anos coordenadora, o padre quis e eu falei: “Mas eu já sou da catequese”, ele falou: “Não tem problema, você vai sair da catequese e vai entrar na Pastoral da Criança”, porque não tínhamos aqui em Rafard a Pastoral da Criança, na época, a gente trouxe e conseguiu 25 líderes pra trabalhar junto e depois nós tínhamos uma base de 220 crianças, entre o bairro da parte baixa e da parte popular da cidade e foi muito bom os quinze anos. Até hoje a Pastoral vive no meu coração e a catequese também, porque a gente encontra com os meninos: “Ah, a senhora foi a minha catequista”. Dei catecismo pra meninos quando eu era mocinha e depois dei pros três filhos dele, do Luiz Pellegrini, dei pra Laura, pro...
P/2 – Lucas.
R – ... pros três filhos dele e pra ele também e ele sempre lembra, fala: “A senhora foi a minha catequista e dos meus filhos” (risos). Eu sempre trabalhei assim, dentro da igreja, arrumando vaso, limpando igreja, trabalhando em quermesse e sempre dentro da igreja.
P/1 – Toninha, eu vou voltar um pouco. Você nasceu com parteira?
R – Com parteira, parteira da fazenda.
P/1 – Você lembra quem que era?
R – Tinha a parteira lá e tinha um médico aqui em Rafard, mas só se precisasse o chamava. Tinha a parteira lá, ela se chamava Dona Lúcia, ela era bem velha, mas eu não lembro dela, mas a minha mãe falava.
P/1 – Qual o nome da sua mãe?
R – Aparecida Carnelos(?) Alves.
P/1 – E como que era o jeito dela, que recordação que você tem dela?
R – Xerox. (risos) Eu sou uma xerox. O meu cabelo está branquinho, agora que eu dei umas luzes escuras pra tirar um pouco o branco, mas era minha mãe idêntica. Um dia eu encontrei com um primo, ele falou: “Ah, Aparecida!” Eu falei: “Não” (risos). A minha mãe morreu, agora em novembro vai fazer cinco anos, morreu com 94 anos, bordando, estava bordando, saiu pra ir no banheiro, caiu e morreu.
P/1 – E, Toninha, você lembra de alguma história com a sua mãe, criança ainda, uma coisa que vocês gostavam de fazer juntas?
R – Eu era sempre a companheira dela pra quando ela ia lavar roupa, lá em Itapeva a gente não tinha lugar pra lavar na casa, vinha até perto da fazenda, onde tinha uma caixa d’água grande, ainda tem lá essa caixa d’água e todo mundo lavava roupa naquela caixa d’água, então eu lembro que eu vinha com ela e ela dava uma “baciinha” com as roupas pra eu pôr na cabeça, (risos) para acompanhá-la, porque ela trazia a outra no colo, então era tudo um atrás do outro e é isso aí. Alguma coisa que eu lembro é isso aí, só. Lembro que uma vez ela chorou o dia inteiro... dia inteiro não, sempre chorando e quando o meu pai chegou, à tarde, ela reclamou que a minha nonna, era uma espanhola daquelas bem estouradas e tinha chamado a atenção da minha mãe e a minha mãe reclamou pro meu pai. Meu pai falou pra ela assim, eu nunca esqueço: “Você obedeça a minha mãe, porque mãe eu só tenho essa e mulher tem muitas por aí”. Era meio enérgico o meu pai, mas mesmo com isso eu o adorei, porque ele sempre nos ajudou. Nós três mais velhas toda noite era tabuada, era fazer a lição, era tudo junto com ele, então tabuada era de trás pra frente e a gente sabe até hoje, porque uma já morreu, a minha irmã do meio morreu, tem eu e a outra, abaixo de mim, mas sempre lembramos disso, que ele deixava todos nossos lápis apontados, tudo prontinho os pares de lápis pra não ficar perdendo tempo na escola apontando lápis. (risos) Sempre ele falava a mesma coisa. Ele lutou muito pra criar, nós éramos em seis. Minha mãe era uma pessoa muito boa. Até hoje a gente lembra sempre dela, porque todas as coisas que a gente vai fazer lembra o jeitinho dela e ultimamente, nos últimos anos a gente cuidou dela, dormia com ela, bastante gente, porque ela ficou sozinha. Então, é a vida.
P/1 – Qual é o nome do seu pai?
R – Manoel Alves. Meu pai era filho de espanhol e minha mãe filha de italianos, vieram moços da Itália e da Espanha, meus avós. Moços não, quatorze e quinze anos, mas vieram, se conheceram no navio, no fim vieram pra cá e casaram (risos).
P/1 – A senhora conheceu os seus avós?
R – Conheci os quatro. E, assim, do meu avó espanhol, que morava na casa junto eu lembro mais, meu avô e minha avó. Minha avó morreu primeiro, eu tinha uns cinco anos, mas lembro perfeitamente dela. Ela era uma mulher grande, uma mulherona, uma espanhola mesmo e meu avô já era mais baixinho. Agora os outros dois, a mãe da minha mãe morreu muito nova, com 65 anos, mas ela teve muita ‘dor de cabeça’: um filho dela foi pra guerra e então aquilo calou muito nela e um dia ela morreu, balançando um neto no berço e ela caiu morta. E o meu nonno não, veio morar pra cá com a gente, veio do sítio e morreu, eu não lembro o ano, mas eu o conheci muito bem, ele ajudava a minha tia, que morava com ele. Moravam aí onde é a casa de peças ali e então era pertinho de casa e a gente estava sempre junto. Lembro bem dos meus avós, sim.
P/1 – Você gostava de fazer alguma atividade com eles?
R – Olha, atividade com eles não tinha. O meu nonno lá gostava muito de lidar com a terra, então a gente estava sempre por perto, porque ele arava a terra, plantava feijão, então sempre foi ali. Agora o outro já morava num sítio que tinha um tanque muito bonito. A gente ia lá, eu lembro bem do passeio de barco, canoa no tanque, mas não com ele, ele já era mais com os tios, com os primos, mas num sítio muito gostoso. Você deve conhecer, Wagner, Monte Alto.
P/2 – Sim.
R – Muito bom. Agora __________, acabou tudo.
P/1 –Toninha, você estava me contando que você tem mais cinco irmãos, certo?
R – Eu tenho quatro agora, uma morreu. Ela viajou, foi pro Egito, pra Europa e o médico acredita que ela comeu carne naquele tempo da vaca louca, o cérebro dela ficou uma esponja, ela ficou mais de ano vegetando, quase, depois ela morreu. Era a do meio, aposentou, foi professora e logo morreu. Então nós somos quatro irmãs e um irmão mais novo, um irmão. E nós, graças a Deus, temos uma amizade muito boa. Que nem hoje mesmo é dia de nos reunirmos em Tietê, na casa de uma irmã. Tenho duas irmãs no Tietê e uma em Capivari e a gente se reúne a cada quinze dias, de quinta-feira, na casa de uma, com café, com pão, já faz um tempo que estamos fazendo isso. Agora já faz duas vezes, hoje também eu já não vou poder ir, porque Toninho vai bem, mas eu não gosto de deixá-lo ficar saindo, tem cadeira de roda, é difícil pra pôr no carro, pra tirar, por enquanto a perna dele está meio trêmula, mas vai firmar, se Deus quiser. Então a gente tem uma amizade muito boa, conversa todo dia, pelo zap, é ‘bom dia, tudo bem aí?’, saber a vida de todos. Meu irmão é aquele que toda semana passa aqui, vem, ele já é aposentado e vive uma vida boa, sozinho, ele e a mulher, anda de bicicleta trinta, quarenta quilômetros quase todo dia e daí de vez em quando ele passa aqui. Não de vez em quando, toda semana, pra tomar um cafezinho cedo, conversar e depois vai embora. Graças a Deus meus irmãos nós somos bem unidos!
P/1 – E na infância, o que vocês gostavam de brincar?
R – Eu tenho uma história pra contar (risos) da minha infância, porque nessa época a usina dava brinquedo, no final do ano, para todos os filhos dos que trabalhavam na usina e eu era mais velha e ganhei uma boneca. Naquela época a boneca era cabeça de louça e o corpo de papelão e as minhas irmãs ganharam outro brinquedinho lá e elas queriam a boneca e a gente dividia, deixava brincar e deixaram pra fora, choveu na noite e eu fiquei sem boneca. (risos) Chorei tanto, porque não tinha outra. Naquela época, a gente não tinha. Chorei tanto por causa da minha boneca, mas a gente brincava, nossa, no tempo da casinha lá. Ou mesmo aqui, morava na esquina de lá, era um terreno grandão e a gente tinha horta. Nossa, brincava muito na rua, principalmente, porque naquela época, naquela rua que eu morava, que o Wagner tem o pai lá, tudo, na casa que o Wagner morava tinha uma tia que tinha cinco, seis filhos. Eu sei que eram quinze moças naquela rua. Toda noite, na esquina da minha casa só tinha aquele poste com lâmpada, então nós sentávamos todos lá, pra conversar, ‘bater papo’, jogar peteca, andar de bicicleta (risos) e era muito bom, nossa! Rafard era uma cidade deliciosa. Era, não, é até hoje, eu gosto muito. Às vezes faço parte de um “coiso” no Face, Do Fundo do Baú, que tira as fotos, as coisas antigas, então as pessoas que estão fora falam: “Ah, Rafard não é mais aquela!” e eu sempre ponho: “Porque você não vem aqui. Venha que você vai ver que Rafard continua a mesma, até melhor, né? A parte de cima lá é uma beleza, né, Wagner? Mas meus filhos, tem dois que moram lá em cima, é uma beleza lá e aqui também, a gente conhece quase todo mundo, a parte da cidade dos velhos, porque aqui a maioria é gente de cinquenta, sessenta anos, aqui. Eu, nessa casa, vai fazer quase cinquenta anos, (risos) então a gente criou raiz. Então, muito bom aqui.
P/1 – E como era a sua casa de infância?
R – Casa? Ah, casa simples, né, tijolo. Na de Itapeva a sala tinha uns tijolos quadradões, assim e a gente _______ (15:15) água lá da barroca, do córrego pra lavar e toda semana lavava e aquele tijolo ficava branquinho. Então era casa simples, fogão de lenha, lá. Depois aqui, quando mudamos pra cá, também tinha fogão de lenha, mas logo tirou, mas era uma casa normal, não era forrada, depois que foi forrada. Era uma casa simples, mas sempre casa boa e sempre foi casa nossa, mesmo, que quando nós mudamos de Itapeva pra cá meu pai tinha construído, que ele vendeu um sítio que tinha lá e construiu a casa e viemos morar pra cá, morávamos na casa da gente. Era muito bom. Depois, com doze anos, eu já fui trabalhar na tecelagem, fiz admissão ao ginásio, na época fazia, depois da escola fazia admissão ao ginásio, pra entrar. Tinha feito, faltava só uma prova oral de geografia pra eu fazer, meu pai arrumou um serviço, precisava ajudar, aí fui trabalhar, já entrei direto de tecelã mesmo, no tear, trabalhei oito anos no tear, saí de lá pra casar (risos).
P/1 – Toninha, você estudou no grupo escolar da fazenda, lá em Itapeva?
R – Estudei, estudei um ano, tive duas professoras e uma era do Tietê, Dona Alícia, parou porque estava grávida e ia ter bebê. Aí no segundo semestre foi Dona Jeni Apprilante, que hoje tem escola aqui e aí ela dava aula lá, depois eu ia com ela, quando eu mudei pra cá. Uma baixinha, um amor de pessoa, estudei um ano inteirinho lá, o primeiro ano eu fiz lá, depois eu vim pra cá.
E foi gostoso? Que recordações a senhora tem de lá?
R – Da escola? Era muito boa, tinha muita amizade, porque lá era assim: vinha muita gente do sítio do Limoeiro, do Monte Alto, tudo assim e tinha um amigo do Monte Alto, do Limoeiro, do Ponte. O Lins já morreu, mas ele trazia abacate, eu adorava abacate e ele trazia de lanche e ele falava assim pra mim: “Mas eu não trago açúcar, como abacate assim”. Então eu trazia um pacotinho de açúcar de casa, ele dava meio abacate pra mim, (risos) meio pra ele e a gente comia. O Lins era uma pessoa maravilhosa, tive amizade até depois de casado, era amigo do Toninho, então foi muito bom. Que eu lembro, assim, de escola, é isso.
P/1 – E a mudança pra cá? Como foi, mudou muito a rotina, ou não, da sua família?
R – Não, foi fácil, porque a gente já vinha quase sempre pra cá, no Sete de Setembro, desfilava aqui. Era tudo... as escolas se reuniam aqui, então a gente já conhecia bastante gente e tinha parentes, bastante parentes que já moravam aqui, então normal ir pra escola e tem uma turma que a gente fez segundo, terceiro, quarto ano juntos, sempre e as amigas que ficaram pra sempre, até hoje a gente tem amizade, né?
P/1 – E aí, aqui, chegando em Rafard, você logo entrou para igreja e começou a trabalhar?
R – Eu sempre trabalhei, eu sempre ajudei alguém, a lavar, limpar, a igreja, a varrer. Sempre ajudei. Depois fui ficando, arrumando andor, ajudava Dona Maria, ajudava outra e, no fim, fui ficando e fiquei.
P/2 – Toninha, você se lembra da época das irmãs, aqui em Rafard? Como era Rafard, a igreja, a casa paroquial? Como funcionava, naquela época, a comunidade?
R – Era muito bom, elas eram umas pessoas maravilhosas. Tinham duas, três que eram do sul, Irmã Donata, Irmã Valéria e elas tinham um sotaque diferente e tinha aquelas danças diferentes, que as crianças iam e na época eu já tinha as minhas duas meninas, que iam pra catequese com elas, elas faziam muita brincadeira e depois, quando elas foram embora daqui, nossa, deixou muita saudade. Eu, pelo menos, tenho até hoje livro de bordado, revista de bordado que elas me deram, fiz também curso de bordado em Campinas, com uma Irmã, Maria José, pelo SESI, ela ia e fazia tricô e eu fazia bordado, depois nós duas, uma passava pra outra. Fomos mais de meio ano, seis meses, nós íamos toda semana em Campinas, naquele bordado. Era de graça, a gente pagava só o ônibus. Elas eram muito boas, as irmãs. Tinha muitas atividades, elas tinham capacidade, eram estudadas, tinham uma religiosidade muito boa, eram irmãs pastorinhas. Elas faziam a assinatura da Família Cristã, aí eu comecei a assinar, (risos) assinei a Família Cristã por 42 anos, (risos) parei há pouco tempo de assinar, porque tinha só eu que assinava, aqui em Rafard, aí parei também. Outro dia eu _____ de monte, dei umas duzentas pra catequese, revista, o dia que teve a reunião aqui em casa, da Quaresma, do final do ano, fizemos, aí eu dividi, dei, todo mundo levou revista. Muito bom.
P/1 – A senhora lembra de alguma história marcante, na tecelagem, de algum dia?
R – Nenhuma assim, específica. Era normal, a gente trabalhava, tinha amizades, tinha algumas amigas que a gente tinha muito mais amizade, conversava o dia inteiro, eu não ouvia nada, mas movimento de boca, a gente conversava. Talvez eu perdi a minha audição lá também, não sei, porque… tinha umas amigas mais amigas, que a gente saía de noite, eu já namorava Toninho, porque eu namorei desde os treze anos, então ela sempre estava junto, a gente ia passear, ela estava junto, sempre junto. Ela mora até hoje lá em cima, só que faz muito tempo que eu não a vejo, porque com o negócio da pandemia ela não sai, eu não saio, ela está sozinha, que ela só tinha uma filha e morreu, a Lita, morreu de covid. E as outras que moram: uma é minha vizinha, que é minha cunhada. A tecelagem não tem nada. (risos). Muita amizade com os velhos, com o nonno, que tinha lá em cima, o velho, pai da sua irmã, todo dia, às três horas, vinha com um prato com mamão, com alguma fruta pra dividir pra nós. Na hora do café das três parava quinze minutos, ele sempre estava lá. A gente nunca esquece essas coisas, que ficam. Aliás, graças a Deus eu tenho uma cabeça assim: não sou de lembrar muito agora, mas coisas antigas eu gosto, me lembro muito bem, lembro de tudo, muito bom.
P/2 – Toninha, como você aprendeu a costurar?
R – (risos) Essa eu vou falar pra você: eu entrei na costura com doze anos, a gente fazia dois anos de costura, era do SESI, ali no prédio do círculo. Com 14 anos, em 1958, eu tirei um diploma de costura. De lá pra cá eu só costurei, sempre costurei pra minhas irmãs, costurava à noite, porque trabalhava de dia. E fiz mais cursos, aperfeiçoamento, tenho sete diplomas de costura, sempre fui fazendo alguma coisa. De bordado, então, nem sei, fiz dois, três em Campinas, fiz em Capivari, fiz aqui com a Dona Maria do Zuza, porque sempre renova, sempre tem coisa nova. Varicor, mouliné, novelo, depois a fita que entrou agora, linha e já está voltando outra vez o bordado da vovó, bendizer, aqueles pontinhos que a gente aprendia no primeiro ano, eu aprendi a bordar, porque na escola ensinava bordado, tinha hora e depois ainda tenho uma toalha que eu bordei no segundo ano, em 1952, chamava _____ o tecido. Bordava só na parte de cima, não aparece na parte de baixo. Eu aprendi com a Dona Helena, uma senhora, acho que ela é viva ainda, aprendi com ela, nunca esqueço, ela ensinou muito bordado pra mim. Peguei gosto pelo bordado e pela costura, eu gosto até hoje de fazer bordado. Agora eu tenho uma minha bisneta que vai vir, já estou bordando pra ela. Agora, ultimamente, estou bordando guardanapos para a Andréia, que ela quer, para dar de presente para as alunas dela, então estou fazendo os bordados, o pontinho da vovó: correntinha, ponto atrás, caseadinho, pontinho que todo mundo sabe. Aliás, quem gosta de bordado, porque não é todo mundo que gosta de aprender a bordar e pra bordar tem que ter paciência, para costurar tem que ter paciência, tem que ter. Meu marido fala: “Só você mesmo pra ficar aí, ponto por ponto”, mas é gostoso, eu gosto e passa o tempo, é muito bom. Mas a costura desde 1958 que eu peguei diploma e ainda o meu padrinho, o padrinho nosso, do baile, que teve aquela festa maravilhosa: Franco Montoro foi o nosso padrinho, (risos) na época. Ele era candidato a governador e depois ele foi governador de São Paulo por muito tempo.
P/2 – Toninha, fala um pouco de quando você conheceu o ‘seu’ Toninho, o namoro de vocês, o casamento, as dificuldades, o que vocês viveram.
R – No começo não foi fácil. A gente começou a namorar já no tempo de escola, quase. Era sempre junto. Tinha um monte de menina que gostava dele, porque (risos) era o único de olho verde e todo mundo gostava. (risos) Tinha umas duas, três que gostavam dele. Começamos a namorar e era uma conversinha assim... na época o namoro era ir pro cinema, dar uma volta, subia junto com as amigas, conversava um pouco no portão, na esquina, junto com as amigas. Foram uns dois, três anos. Depois que a gente chegou a namorar firme. Ele morava no Saltinho, que é uma cidade... não, um bairro aí do lado, tinha campo de futebol, eles jogavam lá e a gente ia de domingo, passear lá, ficava junto, ele trabalhava na usina, era mecânico. Nosso casamento foi um casamento simples, normal. Na época, assim: casava no civil de manhã, o almoço na minha casa, com os meus convidados e na casa dele, com os convidados dele. À tarde o casamento na igreja e daí era uma festa só na casa dele e era todos os amigos juntos, mas mais amigos e parentes, só gente... não era muito. Nem fizemos lua-de-mel, por causa que a gente tinha que optar pela festinha ou para viajar e ele tinha muitos amigos que trabalhavam junto e cobravam a festa, então a gente fez a festa, não foi viajar, mas depois viajamos muito e nosso começo de vida foi normal. A gente casou, não tinha uma geladeira, não tinha um liquidificador, eu não tinha máquina de costura, usava da minha mãe e foi um tempo assim e depois, devagar, a gente foi ____. Graças a Deus fizemos um ‘pé de meia’, ele trabalhando bastante e eu ajudando. Nunca trabalhei fora, mas costurava, bordava, fazia tricô. Tenho máquina de tricô, na época fazia muito tricô, bordava enxovalzinho de nenê, todo mundo tem enxoval de nenê que eu bordei, na época. (risos) Roupinha, vestidinho, ‘casinha de abelha’, que é um bordado meio complicado pra fazer, fazia bastante, ajudava nessa parte. Aí fomos montando nosso ‘pé de meia’, graças a Deus. Tivemos uma chácara, montamos também, compramos terreno, fizemos a casa, a piscina, tudo. Agora faz uns quatro anos ou cinco que vendemos, por causa de não ter quem lidar, cuidar da chácara. Era 1500 metros, dava muito trabalho. O Wagner conhece, ele ia sempre lá. E alguns terrenos, a criançada já está desfrutando, né? Passamos pra eles. Graças a Deus nossa casa fizemos. Aquele rapaz que estava aí quando nós chegamos, ele que construiu, é sobrinho dele, ele que construiu essa casa e fizemos e não foi fácil, mas também não foi difícil e foi muito bom, graças a Deus, sempre tivemos apoio da família. Na época, no começo eu tive uma infecção no rim e deu edema pulmonar, fiquei internada muito tempo e na época a gente já tinha comprado tijolo, tudo pra construir, estava pagando, aí o pai dele e meu pai ajudaram fazer lá e depois, devagar, a gente os pagou, foi levando, mas não foi fácil, mas é o que eu sempre eu falo pras minhas filhas... Graças a Deus quem conhece sabe que os meus filhos são maravilhosos, não é por serem meus filhos, (risos) mas são maravilhosos, muito amorosos conosco. Agora que ele não está bom, toda noite vêm dormir aqui, junto, pra não deixar eu sozinha com ele e eles também, sempre falo pra eles: “O casamento tem que virar assim: você está nervoso - o Wagner sabe disso - você fala, o outro responde, ‘bate de frente’, não vai. Você tem que escutar, depois que passa, aí você fala: ‘Olha, aquela hora você falou assim, pense bem, você estava errado’ e vai embora”. Nunca brigamos, graças a Deus. (risos) Brigamos, Toninho? Não, nunca brigamos. O Nelsinho fala: “Eu sou mais novo” - ele fala – “eu tenho 42”, igual eu falei, mas nunca vi meu pai, nenhum falar alto um com o outro, muito bom. Então vem de família e também isso, viu, bem: criado dentro da igreja, isso é muito importante, a gente ter uma religião, não importa qual, mas que nem eu, sou católica e meus filhos, têm as crianças do Nelsinho e a mulher, tocam tanto na igreja, são ministros e tal. A outra minha filha que não tem filho, ela e o marido têm um coral, os dois cantam e tocam, ele toca violão e cantam na missa. A outra não canta, mas é catequista, dá catecismo, segue meus passos. Então, graças a Deus estão tudo dentro da igreja, então isso é muito bom, a religião ‘prende’ a pessoa.
P/1 – Toninha, o que você gostava de fazer na juventude, como vocês aproveitavam a vida, você e seu marido? Você saía com as amigas, iam ao cinema, como era?
R – A gente não tinha muita opção, aqui era o cinema, tinha um Vai e Vem na rua, um passeio que a gente fazia, que as meninas ficavam lá e a gente passeava, era assim. E como catequista a gente ia sempre fazer visita à Santa Bárbara. O padre que a gente tinha aqui era um padre que tinha alguém em Santa Bárbara, então a gente ia sempre pra lá, tinha um elo com os catequistas de lá. Então fazia passeios lá, elas vinham pra cá, era coisa simples. Como Filha de Maria tinha a reunião na diocese, a gente ia pra lá, aquela reunião de toda Filha de Maria, da diocese, uma vida assim. Depois de casada, agora, ultimamente, fiz muita viagem. Eu, principalmente, fui pro sul, fomos pra Goiás, pra Caldas Novas, pra Rio de Janeiro, fizemos algumas viagens. Algumas não, umas dez (risos) que eu fiz e as outras que a gente ia como participando da terceira idade que é um grupo ótimo que a gente faz parte também e ali também, todo ano faz um passeio pra praia, pra algum lugar, sempre faz, mas mais específico, na juventude, era coisa pouca, porque a gente não tinha opção e os pais que tinham mais coisas, iam em Capivari, ou assistir filme, mas tinha um cinema aqui.
P/2 – Toninha, como eram as amizades daquela época?
R – Eram muito boas, verdadeiras, amizades verdadeiras e umas que a gente tem até hoje, não teve o elo, mas eram amizades assim que uma ajudava a outra, uma sabia alguma coisa, já: “A fulana está fazendo isso”. Não era fofoca, era amizade, mas eu acho que era uma amizade boa. A gente ia muito, tinha duas represas aqui, a gente ia muito de domingo, uma levava um bolo, outra levava coisa e sentava lá e comia tudo junto, era tudo junto, quem chegasse comia.
P/2 – E quem eram essas amigas?
R – As amigas?
P/2 – É.
R – Começava pela Mariza; Lourdes Braggion, que mora em Campinas agora e essa semana eu vi uma reportagem dela com o marido, que o sobrinho dela foi… fiquei muito contente de ver que eles estão muito bem; Maria Helena Curato, que mora em São Paulo... em Jundiaí agora; Marilene Lorenzon é uma ‘amiga do coração’, que morreu há pouco, a uns pares de anos atrás. Ah, muitas amizades que a gente tinha e tenho até hoje: Guida, é uma amizade, assim, ‘do coração’ mesmo. (risos) Quem mais? Tinha as filhas da minha tia, que moravam lá na sua casa. Nossa rua ali era incrível! Bernadete Aldeiro, a Regina, eram amigas, porque conhecia todo mundo, então todo mundo era amigo da Escola Ivone Pellegrini: Doroteia, Maria Helena Juliane, a Bernadete Bros, um monte de amigas.
P/2 – E hoje, como a senhora vê as amizades de hoje, as atuais?
R – Um pouco distante. Não sei se é mais por causa dessa época aqui, mas eu tenho telefone delas, às vezes a gente liga, dá um oi. As que tem o "zap'', pelo "zap'' a gente conversa, tem bastante amiga e continua, né? E tem algumas que a gente está meio afastada, mas é uma amizade ainda que só dar um “oi”, a turma já responde. Mais amizade com as minhas amigas da Pastoral da Criança, muitos anos, né? Fez quinze anos. Elas colaboraram bastante. Então são amizades também que ficaram. Eines e Maria da Graça são amigas daqui. Quem mais? Dida, Ivone, Done são amigos que a gente está sempre se encontrando, sempre vendo, lá na terceira idade e fora.
P/2 – Toninha, eu queria que você falasse da Pastoral da Criança, o trabalho que foi feito, que você desenvolveu aqui em Rafard. O contato que você teve com a Doutora Zilda. Fala dessa experiência sua, de vida.
R – Foi muito bom. Assim: eu fiz uma semana de aprendizado, de capacitação em Piracicaba, então foi assim muito bom, porque eu não tinha ideia do que era a Pastoral da Criança, a gente não tinha na paróquia e fazia pouco tempo que tinha, o Dom Eduardo, trazido para Piracicaba, com a Doutora Zilda e daí foi muito bom as meninas, achamos crianças desnutridas, à época, muita. Tinha muita mortalidade infantil, por causa da pouca convivência da parte da gestante, que não sabia as coisas e aí era feita uma capacitação muito boa com as líderes e elas faziam visita todo mês, na casa e todo mês a gente se encontrava lá em cima, na igreja, no barranco. Aqui embaixo, primeiro na casa da Dona Maria, depois na estação ali, onde tem o ‘coiso’, então reunia, pesava as crianças que estavam desnutridas. Tivemos muitas coisas boas. Uma senhora que tinha uma criança, ela pegou pra criar, a criança era cega, surda. Ela trabalhava no banco, não sei se você lembra dela. A criança era muito desnutrida e nós tínhamos uma multimistura, que a gente fazia e até hoje faz em Capivari, aqui não tem mais. A gente pega de lá, quando precisa. E ajudou muito, a criança andou, que não andava. Então, ela, depois, escreveu uma carta maravilhosa, que eu levei na diocese, porque a doutora, pra ela ficar sabendo que estava dando coisa aqui, aparecendo o nosso trabalho. Então no começo nós tínhamos duzentas e poucas crianças e depois foi melhorando. Agora a gente tem que ter... não é mais desnutrida, agora são muito gordinhas, tem que tirar um pouco, (risos) porque são poucas crianças, mas ajudava as pessoas que faziam quimioterapia. A multimistura ajudava. Minha cunhada atingiu bastante ________. É uma multimistura que é feita de casca de ovo, que é cálcio, mas era um processo muito bem elaborado. A folha de mandioca é venenosa, mas no processo que a gente fazia, ela ia junto, no ‘coiso’. Leite em pó, farelo de arroz, farelo de trigo, tudo que ia junto ajudava demais na alimentação. Aí tinha um padre em Capivari que fazia questão que fizesse bastante pras pessoas que trabalhassem na roça, a mulher pôr até na marmita um pouco da mistura, em cima, pra ajudar as pessoas reanimarem, sabe? Foi muito bom o tempo que eu trabalhei, ficou muito gravado. Eu só parei mesmo porque não podia, eram dois anos cada coordenadora, eu fiquei quinze, não tinha ninguém que ficasse no meu lugar e eu fui ficando, fui ficando, no fim, depois aí eu desisti, falei que não dava mais, tinha que pôr outra e ainda temos aqui.
P/2 – Toninha, fale um pouco agora do seu filho adotivo.
R – Foi ele que nos adotou como pais e meus filhos como irmãos. Então, Andréia é a paixão dele, ele só chamava de paixão. A ngela é o amor dele, meu amor. E o Nelsinho é meu irmãozinho. E ele furava os olhos do padre, (risos) ele era seminarista, ele vinha aí e o padre ia viajar e o deixava e o padre, dez horas da noite, ligava, tudo, para ver se ele estava na casa, naquela época só com telefone fixo. Atendia o telefone, daqui a pouco ele estava aqui: “O padre já ligou. Nelsinho, eu vou dormir com você”. Jogava o colchão no chão, no quarto do Nelsinho e dormia com ele. Aí fomos padrinhos dele, ele tinha perdido a mãe há pouco tempo e então ele nos adotou. Fomos padrinhos dele de sacerdote, nós que entramos, eu com meu marido, com a roupa dele, de sacerdote e está aí, Padre Inácio de Gusmão. Ele agora está na Igreja Nossa Senhora da Imaculada Conceição, na Vila Rezende. Ele estava em Santa Bárbara, ele estava em um bocado de lugar, depois em Santa Gertrudes ele ficou um bom tempo, na Igreja de São Joaquim e agora ele está em Piracicaba, mas ele era... até hoje, pai e mãe: “Mãe, eu vou aí, você faz bucho?” Ele adora. “Faço”. (risos)
P/2 – Toninha, e quando ele foi seminarista aqui, o que aconteceu na nossa comunidade, com relação aos jovens?
R – Nossa, foi maravilhoso! Ele conseguiu reunir oitenta jovens. O que ele fazia com aqueles oitenta jovens? Tinha um coral que era maravilhoso. No Natal foram cantar num monte de lugar, ele levou para festival de música sacra, em São Paulo, meu genro foi, esse que toca violão, ganhou lá, de música sacra e ele fez mil e uma. Lá na chácara ele levou todos os jovens lá, passavam a noite, né Wagner? Você também ia. Fazia uma reunião e ele já avisava: “Mãe, depois da reunião nós viremos aqui”. Então estourava bacia de pipoca, punha tudo ali, sentavam tudo ali, comendo pipoca. Era muito bom. Ele fez um… nossa, nunca teve tanto jovem junto, que nem quando ele foi seminarista aqui e ele veio, assim, num sábado à tarde, ele chegou conosco, na Casa Paroquial, o padre Deolindo ligou pra mim: “Toninha, você tem que ir”. Eu ia no São Bernardo ver um lugar para a catequese, que eu era ainda coordenadora, que não tinha lugar para dar lá em São Bernardo, como não tinha aqui, que a gente dava em qualquer lugar aí, dava a catequese ou dentro da igreja. Aí ele veio com o Inácio junto e falou: “Esse é um seminarista, que vai ficar conosco, ele vai junto”. Eu com o Toninho e eles dois. Aí ele já falou: “Toninha, amanhã você faz um almoço pra mim, com o seminarista?” Falei: “Faço”, aí ficou. Teve noite de jantar seis seminaristas aqui, que ele trazia e ele ficava aí. O Inácio era difícil ficar na Casa Paroquial. Ele ficava mais aqui em casa. Foi um filho mesmo, que nos adotou por pai e mãe e irmão, mas o movimento que ele fez com os jovens, ninguém mais fez. Agora tem um grupinho de jovem aí, minha neta faz parte, mas é um grupinho, não é um grupo. Mas funciona também.
P/2 – Toninha, e a catequese daquela época? A gente não tinha uma estrutura como tem hoje. Então todo mundo se doava mesmo, de coração. Não tinha material, não tinha nada, era um aprendizado simples.
R – Não. Teve uma época que tinha um padre aí, que eu era coordenadora, que não tinha material nenhum. Eu ia em Campinas, procurar nas Irmãs Paulinas, que tinha lá, trazia um monte de livros. Era a mesma coisa que eu não mostrar pra ele. Ele falava: “Você resolve”. Eu comprava um monte de livro para dar para as crianças, para ter um material para a gente trabalhar e o meu marido ia junto, a gente trazia, vinha... não tinha carro na época, a gente vinha de ônibus e voltava de ônibus, com sacola e as coisas de material, de livro, essas coisas, pra distribuir, mas era precário. Não tinha um lugar pra dar a catequese como tem hoje, era no fundo da casa do padre, tinha um rancho, Toninho que fez os bancos para as crianças sentarem. Tinha uma tábua em cima e tinha morcego e as crianças só gritavam, (risos) de ver os morcegos. A gente deu catequese assim, de todo jeito. Lá em São Bernardo arrumamos, teve uma senhora que arrumou espaço e deram catecismo lá também. Na venda onde é o Tezoto, dei muito tempo catequese para os plantadores de tomate, que eles queriam casar e nenhum tinha Primeira Comunhão, nada e ia de sábado à tarde e de domingo lá. Meu marido me levava, coitado e a gente ia dar catequese pra eles, depois teve o casamento, batizado, alguns fizeram Primeira Comunhão. Tudo aquela gente que vinha de fora, plantar tomate pra nós.
P/2 – E com quantos padres você trabalhou? Você lembra todos, na cabeça, o nome?
R – Primeiro de tudo foi o Padre Brandão, que eu fiz Primeira Comunhão e trabalhei com ele. Padre Freguglia, Padre Miguel, Padre Renato. Meu Deus, Padre Randolfo, um ‘neurótico de guerra’, (risos) que às vezes ele saía do altar e ia embora pra dentro e todo mundo ficava esperando, aí ia procurá-lo, ele estava na casa: “Ah, não vou mais rezar a missa. Pode mandar embora”. Depois Padre João, o padre que mais ficou aqui em Rafard, um holandês, um padre da casa também, ele vivia aqui e era muito bom. Padre Edmundo, Padre Caruni, Padre Delmur. Nossa! (risos) Padre Regis, agora o Padre Vicente. Tem uns pares de padre que passaram aí. Bispo desde o primeiro: Dom Aniger, Dom Eduardo, Dom Moacir, Dom Fernando e agora Dom... olha quanto bispo!
P/2 – Toninha, e as festas, antigamente, como eram as festas da paróquia? Quando vocês começaram.
R – Eu comecei desde o tempo que eu estava no corte e costura, que a nossa professora falou: “Vamos pôr uma barraquinha na festa”, que era em maio, na época, a Festa de Nossa Senhora de Lourdes era em maio, tempo de frio, frio, frio. Aí nós tínhamos uma barraquinha, roleta, arrecadava prenda e fazia roleta. Depois fui ficando, aí foi fazendo, só que as festas eram bem simples, porque pastel a massa era feita e nós mesmo que fazíamos; coxinha nós mesmo que fazíamos. Tudo era feito, não era nada comprado, vinha pronto. Então começou com frango assado e daí foi evoluindo. O Toninho começou assando, junto com outra pessoa, eu comecei temperando os frangos, aprendi com um senhor, ele me ensinou, eu o ajudava e no outro ano ele morreu e eu fiquei, estou até hoje. Vou sábado temperar cem frangos para a festa ________.
P/2 – Toninha, quem era esse senhor, a pessoa que te ensinou a temperar frango?
R – Antônio Rossi.
P/2 – Você lembra da receita, ‘de cabeça’?
R – Opa!
P/2 – Então, solte a receita agora.
R – Olha: “Para sessenta frangos, um quilo de sal. Sessenta frangos de um quilo e meio, um quilo e oitocentos a dois quilos. Vai mais ou menos uns três a quatro frascos de vinagre, vai uns vinte a trinta limões e um pouco de água, para cortar a acidez, pimenta, eu gosto muito de pimenta mesmo, o alho batidinho, sem aparecer, manjericão não pode faltar no tempero. É um tempero básico, mas o pessoal adora o frango da festa aí. É o carro-chefe da festa.
P/2 – E o amor que vocês e suas colegas colocam, suas amigas, inclusive.
R – É.
P/1 – Toninha, quando a senhora dava aula de catequese, você lembra de algum aluno muito marcante, alguém que te ‘tocou’?
R – Tinha um aluno, dois, que eu vinha em casa e eu chorava, falava pra minha mãe: “Não volto mais na catequese, eles me tiram do sério”. E hoje é o Túlio do jornal da nossa cidade, um menino maravilhoso, né, Wagner? Ele e o primo dele, o João, ai meu Deus do céu, que dois meninos (risos) que me tiravam do sério! E tinha, em uma outra época, duas meninas, que eram a Michele e a Carolina, Carolina Breggion, a irmã do Francine e a Michele, filha de Magda Fornaziero. Elas só riam, qualquer coisa elas estavam rindo. “Do que vocês estão rindo?” “Nada, dona” e daí começava, de repente as duas morrendo de dar risada e gargalhada. Eram coisas que atrapalhavam. Eu não sei, umas crianças muito amorosas, sempre tinha vinte, 25. Eram dois anos seguidos com eles, aí faziam Primeira Comunhão. Festa da Primeira Comunhão o Wagner acho que nunca chegou a ver. As festas a gente fazia sempre um café, depois da Primeira Comunhão, porque tinha, às vezes, criança que até desmaiava, porque ia, era em jejum, agora que pode tomar um café antes de ir. Modernizou, pra melhor. É claro que todas as coisas modernizam. E era muito bom, todo mundo ajudava e ficava aqui no café. A roupa, então, foi bom até ter tirado, que vestiam as meninas que nem noiva, os meninos todos de terninho, muito bonito, era bonito, só que tinha criança que se sentia humilhada perto de outra, tinha umas que iam com umas roupas muito chiques e outra iam simplesinhas. Tem um detalhe dessa minha irmã que morreu, quanto que ela chorou na Primeira Comunhão dela, porque o vestido dela era simples, foi minha mãe que fez, tinha só um babado, manga comprida, golinha, simplinha, branco e tinha uma amiga dela, que era muito amiga, a Leila, filha de Dona Leonildes, que agora mora nos Estados Unidos, foi com um vestido majestoso, parecia uma noiva mesmo, de figurino, então ela se sentiu humilhada, por mais que a gente explicasse para ela que ela recebeu igual o que a outra recebeu, Jesus, ela sentia que ela estava simples. Então, quando mudou para uniforme, camiseta, alguma coisa, foi a melhor coisa que fez. Eu acho. Não tem ninguém diferente, todo mundo igual. Então a melhor coisa. Pra receber o mesmo Jesus, então todo mundo igual.
P/1 – Toninha, como foi se tornar mãe? O que a maternidade representa, na sua vida.
R – Ah, foi muito bom, sempre gostei. Tinha duas filhas e cuidava com muito carinho, sempre gostei de criança, minha casa era sempre cheia de crianças, porque mesmo que eu tinha só elas duas, tinha o menino aí da frente, que eu ajudava minha irmã a cuidar desse que morreu, ele morava aqui comigo. O pai o trazia de sexta-feira... de segunda-feira, que eles moravam no Tietê e o pai tinha uma oficina de televisão, em Capivari e ela já tinha outro nenê. Então trazia, ele ficava a semana comigo e depois, no final de semana ele levava embora. Então, senti muito a morte dele, que ele foi criado comigo. Quando ele nasceu, teve um probleminha e eu que fui ao hospital com ele, passei noite e noite com ele. Então, a minha casa sempre esteve cheia de criança e as minhas meninas loucas pra eu pegar uma criança pra criar, porque elas já eram mocinhas e nós não tínhamos, só os que viviam aqui e eu achava que eu já estava na menopausa e fiquei grávida do meu filho, o tive com quase 39 anos e agora ele já vai fazer 42. (risos) Mas é uma bênção todos os meus filhos, as duas meninas uma beleza, mas ele é, assim, muito carinhoso, eu não preciso pensar em nada, ele faz tudo para mim, negócio de banco, ele que cuida de tudo pra nós, pro pai, ele está sempre aí, todo dia ele vem e vê o pai, que está com um abcesso aqui e ele vem aí e cuida, vem dormir, fica cuidando do pai, que nem _____________, falta só carregar o pai, ele é muito amoroso. Então, eu falo que filhos são bênçãos que a gente recebe de Deus e tem que cultivar, porque é demais. O que a gente faz pra eles nunca é demais e sempre a gente recebe o troco, já estamos recebendo tudo. A maternidade é maravilhosa. Eu falo pra minha neta, ela tem 22 anos e está grávida, vai ser uma menina, vai nascer em janeiro, Maria Cecília. Nossa, a gente está ‘curtindo’ que nem... (risos) porque ela foi eu que criei também, porque a minha filha dava aula e as duas tinham dois anos de diferença, ficavam comigo, eu cuidava delas, até ela arrumar uma babá boa, que ficou com as meninas. Então, à noite era sempre comigo, quando a Milena dava aula à noite e eu ficava com ela. Então, como filhas, netos são filhos duas vezes. Muito bom, a maternidade é a melhor coisa que tem pra mulher, foi o que Deus fez de melhor. É verdade. A gente se sente não dono, mas uma parte da gente. É muito triste quem perde um filho. Lembro da minha irmã, nossa! Foi muito triste. Então, é uma parte da gente. A maternidade é coisa boa. Muito bom.
P/1 – Toninha, quando a senhora começou a pintar?
R – Eu comecei a pintar quando morreu meu sobrinho, porque ele vivia comigo, quando pequeno e depois ficava tudo as coisas que ele fazia, montava uma égua, ele fazia aquelas coisa que faz, como que é? Jóquei, que faz com a égua, ele fazia o que ele queria com a égua e depois morrer junto com ela, que ela também morreu, a égua, na hora, ele ainda foi embora, deu na cabeça, tudo. Então, eu fiquei com aquele trauma e alguém, não me lembro quem, falou: “Por que você não vai fazer pintura, você já sabe bordar, já sabe não sei o quê”. Aí eu fui, com uma senhora de Capivari, que é uma pintora maravilhosa e fui aprender com ela e lá eu fiquei acho que uns quinze, vinte anos aprendendo lá, pintei mais de duzentos quadros, pintei bastante quadros. Nossa! No fim, tenho guardado lá dentro, bastante gente tem, fazia... acho que o Wagner também tem um quadro meu, não tem, Wagner? Acho que não. Não pintei um porta-chaveiro? Acho que não. Ah, eu bordei uma toalhinha pra você.
P/2 – Você bordou duas toalhas.
R – Tem um quadro meu lá no Centro Cultural. Lá tem um quadro meu, tem bastante.
P/1 – Toninha, você contou que fez algumas viagens. Teve alguma muito marcante pra senhora? Muito gostosa.
R – Marcante eu fiz para o Rio Grande do Sul e a gente ia de ônibus e teve um ‘coiso’ que o ônibus parou na serra, quando a gente vinha voltando, né, Toninho? O ônibus parou, não ia, aquele desespero e estava com o ônibus lotado de gente, cheinho, ia cheio e aí tinha uma senhora de Capivari e ela começou: “Vamos rezar, vamos rezar”. Aí começamos todo mundo a rezar e o motorista, não me lembro se foi o Toninho, alguém que foi e viu que era a válvula do banheiro, sabe? Que pisaram na válvula, pra puxar e ela enroscou, então o ônibus estava sem freio, faltou ar, não sei como que foi lá, não entendo, mas aquilo deixou a gente meio... sabe? E nessa viagem mesmo, quando ia indo, teve uma senhora que passou mal, a gente já estava em Santa Catarina, a gente ia dormir lá em Santa Catarina e ia seguir no outro dia pra Gramado, onde a gente ia ficar. E essa senhora passou mal, aí paramos num posto, o moço do posto muito bom, se prontificou a pegá-la no carro. Nós tínhamos dois motoristas, um motorista foi junto e uma amiga dela, que estava junto, voltou uns quilômetros atrás, que tinha uma cidade com hospital. Esse posto era no meio da estrada. E demorou um pouco. E na minha turma tinha um senhor, um médico, vou falar o nome dele, Doutor Márcio, médico otorrino e ele queria que fosse embora, de todo jeito: “Ah, deixa a mulher aí, ela está no hospital e vamos embora”. Eu não podia deixar uma, qualquer pessoa que estivesse doente, não podia deixar, mas ela era mãe do Milton, do dono da empresa que eu estava com o ônibus. Ligamos, liguei pro meu irmão, que trabalhava na empresa e ele entrou em contato comigo e falou: “Não, cuide dela, a pegue e leve pra Lages, a deixe em Lages, que a gente vai buscá-la. Não a leve pra frente”. E aquele homem me infernando, onde eu ia, ele ia atrás. E estava passando o último capítulo de uma novela, lá dentro do posto, numa sala lá, as mulheradas estavam tudo lá, assistindo o último capítulo da novela e ele, onde eu ia ele ia, eu num desespero. A sorte que eu tinha um amigo ali, a Marilene com o Osmar, a Marilene falou para mim: “Não ligue para ele, nós não vamos deixar ninguém na estrada, nós vamos esperar. Se você é a dona da excursão, nós vamos esperar e eu falei: “Não, vou esperar, eu não vou deixar a mulher aí, na estrada” e esperamos, logo ela voltou, o motorista estava junto, veio o rapaz do posto, com o carro dele e trouxe. Dei o meu lugar para ela, porque eu falei: “Ela estava no final do ônibus”. Porque era assim: conforme ia dando o nome, a gente ia pondo no ônibus e ela foi uma das últimas que deu o nome, que sobrou lugar e o Milton falou: “Vou mandar a minha mãe, com a minha prima e ela olha minha mãe e vai”. A mãe dele era nova, uma senhora e ela estava lá no fim. É ruim viajar no último banco, além de quente, é barulhento, porque o motor do ônibus lá atrás, aí eu falei: “Alguém dá o lugar mais na frente, pra Dona Helena?” Ninguém. Eu dei o meu lugar. O meu lugar era só um, eu dei o meu lugar pra ela, aí eu fui sentar lá atrás e lá eu desabafei, chorei, tudo. Quando chegamos em Lages a deixamos, meu irmão ligou: “Pode deixá-la aí, que a gente…”. Chegamos quase de madrugada em Lages e tinha um jantar no hotel e aí o moço falou: “Alguém quer tomar... vou pôr um chá, lá, toma, depois amanhã cedo eu dou um café reforçado”. E aí ficamos lá e ela ficou. Daí, quando eu saí, já estavam chegando, o meu irmão com o filho dela chegando, pra levá-la de volta e nós seguimos viagem. Marcou por causa disso e depois, na volta, por causa disso também, mas era uma serra que vem, muito linda. Todo mundo vai de avião, mas se você for de ônibus, você se apaixona, porque você passa no meio daquelas plantações de maçã, aquelas coisas muito lindas, que tem no Rio Grande do Sul, muito lindo e valeu a pena. Fomos até Porto Alegre, que não estava no roteiro, mas o guia nosso pediu, o motorista ligou na empresa, a empresa autorizou e fomos fazer um tour por Porto Alegre, só vendo, passando beira rio, todo lugar lá e fomos conhecer Porto Alegre e foi muito boa a viagem. A única que eu fiz, pro sul. Fui pra Santa Catarina, mas fui com essa senhora que me ensinou a pintar, pro Beto Carrero e tudo, mas fui com ela, não fui eu que fiz. Viajei um pouco.
P/1 – Toninha, como é o seu dia a dia, hoje?
R – Hoje? Hoje eu cuido do meu marido. (risos) Não, meu dia a dia é normal, sempre faço o que posso, não estou mais ajudando a limpar a igreja, essas coisas assim, mas ajudo no que eu posso, minhas filhas, negócio de catequese, alguma coisa e de manhã na minha casa, depois do almoço eu costuro, bordo, faço essas coisas e faço, sempre ajudo. Agora essa semana eu vou temperar os frangos para a festa de domingo, já entrei em contato com as meninas que me ajudam, tem umas sete, oito que ajudam. Não é temperar. Tem que lavar, limpar tudo e depois temperar. Então, a minha vida é essa, assim: faço o que eu posso pras crianças, pro futuro, pras netas. A gente faz uma roupa, acorda, faz, tira da internet. Nossa, a Isabela que está adorando as roupas que faz pra ela. Essa é a minha vida, muito boa.
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Meu sonhos? Terminar a minha vida, assim, muito boa e que Deus me dê mais uns pares de anos, (risos) mas se tiver que morrer hoje ou amanhã, eu estou preparada. Não tenho medo da morte, não. Sempre falo pro meu marido. Eu não tenho medo de morrer, mas sempre espero ficar mais aqui. (risos) Meu sonho é que tudo ficasse bem, que não tivesse tanta intriga, tanta bobeira, ouvir essas coisas de política, muito um fala, nenhum fala: “Vou fazer isso e vou fazer isso”, só fala mal do outro. Então, são coisas que a gente fica, né? Desliga a televisão, não assiste TV, mas está ótimo, não quero sonhar muito alto, mas se puder fazer alguma viagem, ainda gostaria. Assim que ele estiver ‘mais bom’, nós vamos. (risos)
P/1 – Toninha, você gostaria de acrescentar algo mais? Contar de alguma passagem da sua vida que a gente não tenha te perguntado?
R – Não, não quero.
P/1 – Algum momento, de alguém?
R – Teve uma época aí que eu limpava a igreja e tinha uma equipe muito boa. Nós éramos em doze, só que era assim: seis um mês e seis outro mês, eram treze, porque eu era, nesse mês eu era, naquele mês, sempre junto com elas, mas elas eram muito… ajudavam, tudo, mas todas de idade, já, foram se afastando e algumas morreram, então eu fui deixando. Agora, tem outras pessoas, mas minha vida sempre foi aí, dentro da igreja, sempre alguma coisa assim. Se eu pudesse, eu continuaria. Na festa mesmo, né, Wagner? Mesmo que eu não faça nada, eu fico lá, do lado, (risos) ajudando em pensamento.
P/2 – Na verdade, ela, por ter trabalhado tanto tempo assim na cozinha, tem alguns macetes de cozinheira, algumas técnicas, que às vezes a gente acaba... ela passou para o Rogério, para os meninos, porque nós chegamos a um momento da festa da igreja onde não se tinham mais mulheres pra trabalhar e nós precisamos inserir os homens dentro da cozinha e foi algo maravilhoso.
R – Foi ótimo trabalhar com os meninos! Os meninos, eu falo sempre que foi um tempo muito bom. Era uma equipe de mulheres, que era assim: eu começava fazer uma coisa, elas vinham ajudar e eu já passava para outra, então tudo sabia o seu serviço. E com os meninos melhor ainda, porque eles tinham força, a gente faz aqueles panelões de feijoada, aquelas coisas, então eles movimentam, eles fazem e são os que gostam: o Wagner, Rogerinho, Gustavo, tem uma turminha, o Aranha, uma turminha muito boa, que sempre ajudou, não tem preguiça. Agora tem uma equipe aí boa também, eles estão ajudando e a gente fica meio de fora, com o coração lá dentro. (risos) Depois foram muitos anos, então quantidade, essas coisas a gente tem ideia de quanto é, quanto não é, para não faltar e para não sobrar. Então, foram muitos anos. Eu fui ajudante delas, das mulheres mais velhas _______, depois pegamos, ficamos de líder, chefe, alguns anos, eu e uma amiga.
P/2 – Fala um pouco das histórias dos andores de Nossa Senhora, que você ajudou a arrumar, que vocês faziam, como fazia desde lá de trás, quando nem usava flores.
R – Não. As flores a gente catava nos quintais, pessoas que tinham ofereciam, então flores era uma diversidade bastante de cores e modelos, de todo tipo tinha e depois que foi aparecendo _____ cultura, essas coisas, mas andor arrumava, o tempo que tinha um andor que era um carro, quatro pneus, era um carro mesmo, a Nossa Senhora de Lourdes e a Bernadete. Tudo se punha flor, de monte, mais folhagem, porque ajudava mais. Teve um ano que eu fui em Porto Feliz, na casa de uma prima e vi umas flores lá e ela falou que era uma senhora que fazia. Aí eu fui procurar, ela falou que fazia. Eu queria a florzinha azul, porque o manto da Nossa Senhora é azul e ela fez para mim, só que o padre falou: “Nossa, mas você gastou tanto dinheiro nessa flor!” Era o Padre Renato, na época, eu falei: “Pode deixar, que eu vou recuperar esse dinheiro”. Quando terminou a procissão, tudo, eu o mandei falar que a gente ia vender as flores que estavam no andor. Então, tirava todos os galhinhos e foi vendido, deu o dinheiro que eu gastei e ainda sobrou, porque todo mundo quis levar, era uma flor de cetim, feita de pano, então durava. Todo mundo levou. Então, marcou esse ano aí, foi o único ano que pôs flor artificial, sempre foi flor natural. E agora tem a ngela, que arruma melhor do que eu, porque ela é professora de artes, fez faculdade de artes, sabe fazer as coisas, desenha que é uma beleza e ela vai arrumar tudo de rosa a Nossa Senhora Aparecida. Não rosa flor, mas a flor rosa. Vai usar só o rosa sempre.
P/2 – Toninha, nós passamos por um período de pandemia, um período de reclusão, onde não tínhamos mais as missas físicas. Como foi esse período e depois, quando nós voltamos vacinados, como que a senhora viu esse momento que nós vivemos dentro das nossas casas, com relação a igreja?
P/1 – Religiosidade.
R – Foi assim: pra mim foi meio angustiante, porque a gente não participava da missa, só ouvia, ou via na televisão e participava assim, mas a hora que pôde voltar, mesmo com máscara, que já foi liberado, não deixamos de ir. Agora já faz dois meses que a gente não vai, porque ele não está bom, mas ainda eu, às vezes, as meninas ficam aqui e eu vejo, mas eu acho que foi um período que valeu para deixar a gente mais forte na religião, porque houve muito mais a gente rezar e pedir, os evangélicos orando e todo mundo pedindo. No Face você vê quanto pedido de oração. Então, eu acho que foi um período que veio para isso, para fortificar o povo na religião, seja qual for, eu não sou contra nenhuma, eu acho que tudo tem que ter uma religião. Então, Deus é o mesmo. Então, eu acho que isso valeu pra deixar a gente mais cristão, mais forte, mais...
P/2 – Eu acho que melhorou a nossa espiritualidade.
R – É
P/2 – E você acha que todos conseguiram ter essa percepção, essa sensibilidade?
R – Tem alguns que não tem, tem alguns que veem do outro lado, ao contrário. A gente procura ver de um jeito. Todas as coisas são assim, né, Wagner? Todas as coisas têm o contra e o a favor, então tem sempre aquele que achou que foi um castigo, alguma coisa assim. Eu já penso que foi uma coisa que veio... eu tinha muita coisa, uma operação na mão pra fazer e foi adiada, fiz um ano depois, mas não me lamentei, rezei e esperei. Então, todas as coisas... não podia frequentar hospital, não ia. Eu acho que, da minha parte, da parte aqui de Rafard, eu acho que foi mais espiritualidade mais forte, foi um aprendizado. Agora, teve bastante gente que desmoronou, mas não pode.
P/1 – Toninha, para a gente finalizar, eu queria saber se você gostaria de deixar alguma mensagem pras pessoas.
R – Meu Deus, uma mensagem? Difícil.
P/1 – Só se você quiser.
R – Uma mensagem que eu posso dizer pra quê? Para minha cidade, assim, você fala? Que todos continuem trabalhando, porque agora, graças a Deus, nós estamos com um prefeito jovem, estão fazendo de tudo. Tem gente que ainda gosta de criticar e eu costumo pôr: “Vocês estão cuspindo no prato que come”, porque estão sempre precisando. Mesmo na parte de saúde eu acho que está ótimo. Você vai lá tem dois, três médicos, sempre bem atendido. O Toninho foi todos esses dias, sempre bem atendido. Vai, fala com o médico, ele está pronto para ir na enfermagem, ver. Então, são todos uns médicos bons e, mesmo que sejam médicos novos, que tem bastante novos aí, pra eles é aprendizagem e eles gostam, então eles dão tudo deles. Então, eu acho que, pra nossa cidade, nós estamos em um período muito bom agora e já passamos por período ruim, mas agora estamos... nossa cidade não tem muito o que fazer, só embelezá-la já está bom, (risos) tem bastante atividade, tem bastante coisa, tem bastante emprego, é só querer. O que não falta é desempregado. Eu acho que não, porque você abre o jornal tem lá oferecendo emprego, emprego, emprego, é só querer. A minha mensagem é essa, para que todo mundo tenha fé na nossa cidade e que ela continue sendo a cidade do coração.
P/1 – Qual é a sua primeira lembrança da sua vida?
R – Primeira lembrança da minha vida? Como assim? Desde...
P/1 – Hum-hum.
R – Uma lembrança? Difícil assim, mas acho que foi o dia que eu tive a minha primeira filha e a peguei no colo, que eu tive um parto normal, mas que durou quase oito dias pra ela nascer. Comecei com cólicas na segunda-feira e ela foi nascer na sexta-feira à noite. Foi assim: ela era muito pequenininha, pesou dois quilos e meio, muito pequenininha, agora está uma mulherona aí. (risos)
P/2 – Toninha, você está sendo privilegiada em ter uma bisneta futuramente. O que isso provocou em você?
R – Nossa, uma alegria imensa, porque é a primeira bisneta da primeira neta, a minha neta mais velha, que eu ajudei a criá-la desde pequenininha. Então, essa minha neta é uma boneca, muito linda e eu acho que a filha dela vai ser uma bonequinha também. (risos) Não é eu que estou falando, o Wagner está aí, que ela é uma menina muito linda, muito boa, muito prestativa. Então, eu estou esperando com alegria, espero estar até janeiro aí, para carregá-la, pegá-la no colo.
P/1 – Pra finalizar, como foi pra senhora contar um pouquinho da sua vida aqui, pra gente, lembrar de alguns momentos, compartilhar com a gente. Como que foi, para você? Lembrar de alguns momentos da sua vida e partilhar aqui, com a gente.
R – Hoje, aqui?
P/1 – É.
R – Foi muito bom, sempre lembrar as coisas é muito bom. Eu com o meu marido, geralmente, no café da manhã nosso, nós ficamos horas conversando, então a gente fica sempre lembrando das pessoas e das coisas. Gente velha só lembra de coisa antiga, (risos) mas a gente lembra de coisas boas. Eu tenho boas lembranças, que nem quando eu morava ainda em Itapeva e ia levar o café para o meu pai, meu pai trabalhava na usina de força, onde gerava força para Itapeva, para a fazenda. Então, era tão gostoso, a gente ia e ele tinha um cachorrão preto, chamava Guarani, vinha encontrar a gente, ia eu e a minha irmã. Então, coisas que ficam na lembrança. Do lado da usina tinha um pé de ingá, que talvez você nem saiba o que é, é uma fruta muito gostosa, é uma vagem, assim. Então, coisas que a gente vai lembrando. Depois, à noite minha mãe ficava numa frestinha da porta, olhando pra ver se meu pai vinha vindo, porque apagava a luz às nove horas, a fazenda ficava no escuro e só ia acender no outro dia e ela ficava esperando-o e nós também. A gente tinha medo, que a nossa casa era no meio de um pasto, meio sozinha e o meu pai fumava, então ela via que vinha uma luzinha vindo e falava: “Papai vem vindo” e nós ficávamos tudo contente, esperando. Coisas que a gente vai lembrando, né? Muito bom. Nós tínhamos um pomar maravilhoso lá, não tem mais nada, acabou tudo. Muito bom.
P/1 – Querida, muito obrigada por nos receber na sua casa, por dividir tantas histórias! Foi muito gostoso te ouvir, aprendi muito. Tenho certeza que muita gente vai aprender junto. Obrigada!
R – Eu que agradeço vocês lembrarem, esse menino lembrar da gente. Eu o adoro, ele sabe. É como se fosse o meu filho. Então, eu que agradeço vocês.
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