Projeto: A Economia Solidária na Vida das Pessoas
Entrevista de Neli Medeiros
Entrevistada por Bruna Oliveira
Entrevista concedida via Zoom (São Paulo/Belo Horizonte), 08/05/2023
Entrevista n.º: IPS_HV006
Realizada por Museu da Pessoa
P/1 – Neli para começar eu queria que você dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento?
R – Neli de Souza Silva Medeiros, eu nasci em Belo Horizonte, no dia 20 de novembro de 1965.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – Aracy Alves de Souza e Antônio Ribeiro da Silva.
P/1 – E com que eles trabalhavam?
R – A minha mãe, ela veio do interior, então ela trabalhava na lavra, ela colhia café, depois veio para Belo Horizonte, onde ela trabalhou plantando eucalipto e logo depois virou doméstica, trabalhou a vida inteira enquanto doméstica. O meu pai, ele veio do interior também para cá, minha mãe conheceu ele através de uma tia, aí eles começaram a namorar, ela me teve, ele registrou, mas eu não tive contato com ele. Então a minha mãe foi mãe solo.
P/1 – E como você descreveria a sua mãe?
R – Uma guerreira, uma vencedora, diante de tantas dificuldades, da problemática que é vindo do interior para cá, onde a vida era difícil, mas lá havia uma condição maior, pelo menos em termos de alimentação. E vim para cá no desconhecido, começar tudo de novo, ela tinha quatro filhos, porque eu tenho três irmãos por parte de mãe, com os meninos pequenos, depois ela me teve. Então, assim, a vida não foi fácil. Então, eu vejo na minha mãe uma mulher guerreira, forte, lutadora e vencedora.
P/1 – E quantos irmãos você tem? E como que era essa relação com eles na infância?
R – Então, eu tinha quatro irmãos, dois deles, quando fizeram 15 anos, para 15 anos, saíram mundo afora. Minha contava, que ele sempre trabalhou viajando. Um trabalhava com a Virgínia Lane, então saía com ela em temporadas para cantoria, para cantar. O outro foi para São Paulo, ganhar a...
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Entrevista de Neli Medeiros
Entrevistada por Bruna Oliveira
Entrevista concedida via Zoom (São Paulo/Belo Horizonte), 08/05/2023
Entrevista n.º: IPS_HV006
Realizada por Museu da Pessoa
P/1 – Neli para começar eu queria que você dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento?
R – Neli de Souza Silva Medeiros, eu nasci em Belo Horizonte, no dia 20 de novembro de 1965.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – Aracy Alves de Souza e Antônio Ribeiro da Silva.
P/1 – E com que eles trabalhavam?
R – A minha mãe, ela veio do interior, então ela trabalhava na lavra, ela colhia café, depois veio para Belo Horizonte, onde ela trabalhou plantando eucalipto e logo depois virou doméstica, trabalhou a vida inteira enquanto doméstica. O meu pai, ele veio do interior também para cá, minha mãe conheceu ele através de uma tia, aí eles começaram a namorar, ela me teve, ele registrou, mas eu não tive contato com ele. Então a minha mãe foi mãe solo.
P/1 – E como você descreveria a sua mãe?
R – Uma guerreira, uma vencedora, diante de tantas dificuldades, da problemática que é vindo do interior para cá, onde a vida era difícil, mas lá havia uma condição maior, pelo menos em termos de alimentação. E vim para cá no desconhecido, começar tudo de novo, ela tinha quatro filhos, porque eu tenho três irmãos por parte de mãe, com os meninos pequenos, depois ela me teve. Então, assim, a vida não foi fácil. Então, eu vejo na minha mãe uma mulher guerreira, forte, lutadora e vencedora.
P/1 – E quantos irmãos você tem? E como que era essa relação com eles na infância?
R – Então, eu tinha quatro irmãos, dois deles, quando fizeram 15 anos, para 15 anos, saíram mundo afora. Minha contava, que ele sempre trabalhou viajando. Um trabalhava com a Virgínia Lane, então saía com ela em temporadas para cantoria, para cantar. O outro foi para São Paulo, ganhar a vida em São Paulo. Quando a minha mãe me teve, eles ainda ficaram um pouco tempo com ela, depois ficou só o meu irmão caçula, que hoje tem 69 anos. E ele que me olhava quando eu era pequena. E a minha relação com eles foi uma relação boa, porque eles me tinham como uma bebê, então era muito cheio de cuidados, de carinho, mesmo meu irmão me colocando no carrinho e me levando para rua para ele jogar bolinha, me deixando debaixo de sol, mesmo assim era a forma que ele tinha de cuidar e fui muito bem cuidada pelos meus irmãos. Apesar deles não aceitarem muito o relacionamento que a minha mãe teve, então meu irmão mais velho proibiu a minha mãe de fazer tudo, nada podia, mas comigo era diferente, ele me tratava com muito carinho, muito zelo, muito cuidado.
P/1 – Você chegou a conhecer os seus avós?
R – Não, não conhecia os meus avós.
P/1 – E quando você pensa na infância, tem algum cheiro, ou alguma comida, ou até mesmo uma data comemorativa que lembra essa época?
R – Então, a minha infância eu lembro de leite em pó, era uma coisa que a minha tia, ela ganhava, porque ela tinha muitas crianças pequenas, mas ela sempre separava uma lata de leite em pó para mim. E aí eu lembro que uma vez, brigando com o meu irmão…. hoje já não é nome feio mais, falar filho da puta, esse nomes que hoje para as pessoas é normal, na minha época era uma palavrão absurdo. Então, fiquei me sentindo mal, aí coloquei um monte de bagos de feijão, ajoelhei nesses bagos de feijão, junto com uma amiga e ficamos de castigo, mas comendo leito em pó.
P/1 – E sua mãe contou sobre o dia que você nasceu, alguma coisa? E por que que você chama Neli?
R – Então, quando eu nasci, eu nasci na Santa Casa de Misericórdia, aqui de Belo Horizonte. Minha mãe saiu para ir trabalhar e começou a sentir as contrações, foi para o hospital, no hospital as enfermeiras olharam para ela e falaram, “não tá na hora essa criança nascer não”. E ela continuou, insistiu lá, sentou no banco, porque antigamente na Santa Casa tinha aqueles bancos de madeira, ela sentou nos bancos de madeira e ficou lá aguardando, de repente ela deitou e eu nasci no banco do hospital, lá da Santa Casa. Ela conta que foi muita dor, muito difícil, mas na hora que ela viu eu já tinha nascido. Aí as enfermeiras veio, pegou ela, levou. E logo em seguida também, no outro dia já deram alta, porque o parto dela foi… Com as dificuldades que teve, mas para os médicos foi tranquilo. E aí eu nasci no hospital, na Santa Casa de Misericórdia, aqui de Belo Horizonte.
P/1 – E o por que do seu nome?
R – Então, na verdade, o meu nome era para ser Merli. E a minha mãe até registrou como Meli. E eu falei, aí, mas esse Meli é muito feio, quando eles falavam Meli. E aí com o passar dos anos, eu entendi que aquele M não era M, era Neli, mas a minha mãe falava Meli. Mas por que Meli? E aí as minhas tias por parte de pai, falavam, não, é Neli, era o nome que seu pai tinha colocado, era a Neli. Mesmo não sendo próxima dele e nada, mas o nome Neli me agradava mais do que Meli. Então eu fiquei com Neli, comecei a escrever Neli e ficou Neli.
P/1 – Neli, você lembra da casa, da rua onde você passou a sua infância, como que era?
R – Sim, eu morava na vila oeste, aqui em Belo Horizonte, era uma vila que tinha infraestrutura, sabe, ela tinha asfalto, água, luz, rede de esgoto. Rede de esgoto, não, a gente tinha cisterna e era jogada no rio, que passava lá perto, hoje nem tem mais, não era infraestrutura não, mas para a gente, na época, falava que tinha água luz e asfalto, era isso! Eu gostava demais! Eu lembro de uma ida minha, do outro lado tem um bairro chamado, João Pinheiro, e a gente atravessava um pedaço grande, que hoje é uma avenida enorme, a gente atravessava para ir do outro lado comprar bala, pipoca. Eu lembro que eu ganhei um dinheiro, fui do outro lado para comprar bala, cai, machuquei a mão. Eu tenho a marca até hoje, do tombo que eu tomei quando eu era pequena indo comprar bala. Voltei, de volta chorando, mas com medo de ir em casa e minha mãe bater, brigar, parei na casa de uma vizinha que o filho da vizinha me colocou na cama, me fez parar de chorar e eu dormi, depois que eu acordei e voltei para casa. Essa é uma lembrança que eu tenho de onde eu morava.
P/1 – E nesse dia você lembra se a sua mãe brigou com você quando você chegou?
R – Não! Aí ela não brigou, porque quando eu cheguei em casa eu já não estava chorando, eu já tinha colocado um esparadrapozinho no machucado, cheguei bem, não toquei no assunto, que eu tinha ido sozinha do outro lado da avenida para buscar nada, fiquei quietinha e ela não brigou. E essa é uma das lembranças que eu tenho. A outra lembrança que eu tenho muito nítido na minha cabeça, é que a minha mãe fazia presépios em época de Natal, e eu era doida para ser irmã de caridade, então os meus vestidos eram sempre vestidões grandão. E eu estava sempre junto com as irmãs de caridade na igreja que tinha lá no João Pinheiro, no Alto dos Pinheiros e também lá Vila Oeste.
P/1 – E tinha alguma motivação para você querer ser irmã de caridade, ou era um desejo de infância mesmo?
R – Acho que era pela vestimenta, era pelo fato que a minha mãe ficava sempre na igreja, ela sempre ajudava na igreja e a gente estava sempre juntas na igreja, e as irmãs de caridade muito presentes nessa época. As irmãs de caridade faziam trabalho dentro da igreja que eu achava muito bonito, aquela coisa, aquele carinho que elas tinham também com as crianças. E eu falava que ia ser irmã de caridade, até os meus 7 anos eu ia ser irmã de caridade.
P/1 – E o que que mudou com 7 anos, que você desistiu?
R – Então, aí nós mudamos da vila oeste, para o bairro Regina, e no bairro Regina, a gente já não ficou tão participante da igreja. E no bairro Regina, as irmãs tinham uma casa separada da igreja, que eu lembro que era num morrão grande, onde era a casa das irmãs. E a gente não tinha tanta proximidade com as irmãs. E aí eu fui conhecer amiguinhas, porque até então, quendo eu morava na vila oeste, eu tinha só uma amiguinha e depois que eu fui para lá, eu fui para a escola, na escola eu fui conhecer mais pessoas, ter mais amigas, aí a gente começou aquela coisa de muita brincadeira, muita bola, rouba bandeira, queimada. E aí fazia outras amizades, brincava cair no poço, e aí outras brincadeiras que me levou a dizer que eu não seria mais irmã de caridade, que agora eu queria ser professora de matemática.
P/1 – E você gostava de matemática nessa época?
R – Muito, gostava muito de matemática, muito mesmo, era boa na questão da matemática.
13:06 - E tem alguma professora, ou professor dessa época que tenha te marcado?
R – Eu tenho uma professora de matemática, que eu estava na 6ª série, que ela chamava Maria das Graças, a gente chamava ela de Quinha. Era uma professora muito, muito bacana de matemática. Eu tinha duas professoras que eu me espelhava nelas, era a de matemática e a professora de inglês. Então, assim, eu cheguei até a trabalhar com a professora de matemática e com a professora de inglês, de tanto que eu gostava de estar próximo delas, ficar junto com elas. Então, chegava final de ano, eu lembro que da 6ª para 7ª, da 7ª para a 8ª, eu passei com uma das melhores notas, e ela me chamava para ajudar, dar aula de reforço, aula de recuperação para os meninos no final do ano. Eu amava fazer aquilo, achava que eu era muito importante naquela época.
P/1 – E onde que você estudou?
R – Eu estudei no Colégio Loyola, Colégio Bandeirantes, estudei no Carmo de Sony e estudei no Pedreiro de Renó, foi a minha primeira escola. Depois eu estudei no Carmo de Sony, depois eu fui estudar lá no Santo Antônio e eu estou perdida com o nome aqui na cabeça, depois eu lembro. E de lá eu estudei no Loyola, alguns meses e depois eu estudei, esqueci o nome da escola agora.
P/1 – Eu ia te perguntar se tem alguma história marcante dessa época da escola, para além das aulas de matemática?
R – Eu acho que tem mais marcante, era que a gente para ir estudar, a gente precisava que o padre da nossa igreja, o Padre Baíje e o Padre Miguel, que era da igreja lá do Lindéia. Eles alugavam um ônibus, que cobravam da gente uma passagem simbólica, para a gente estudar, porque a gente só tinha escola de segundo grau, quinta, sexta série, no bairro Amazonas, mas que a gente tinha que pagar, porque a escola particular. Então para estudar em escolas públicas, só era fora dos bairros onde a gente morava. E aí o padre arrumava um especial, que a gente pagava esse especial, para poder ir para a escola. E eu lembro que na ida, a gente é muito quietinho, todo bonitinho, para não sujar, para não sujar a roupa e na volta a gente vinha aquela turma fazendo uma bagunça, mas muita bagunça. Eu lembro, eu tenho um galo até hoje aqui, de tanta bagunça dentro do ônibus, eu levantei a cabeça com tudo e taquei a cabeça no ferro do ônibus, que me fez um galo que eu tenho até hoje. Essa é uma das lembranças que eu tenho. Além das boas amizades, das brincadeiras, tão bom que foi que a gente ainda teve condições de estudar um pouco, com toda dificuldade a gente ainda estudou um pouco.
P/1 – Neli, até que idade você estudou?
R – Eu estudei até os 17 anos. E depois eu continuo estudando, porque ficou faltando eu fazer a oitava série, eu parei de estudar, para poder ir namorar. E aí voltei a estudar depois que meu filho já tinha nascido, eu voltei a estudar com 21 anos, quando o meu filho nasceu.
P/1 – E como que foi essa época da Juventude, me conta um pouco?
R – Eu era muito namoradeira, muito passeadeira. Eu trabalhava e estudava, então durante a semana eu dormia na casa das patroas, eu não vinha para casa, então eu dormia por lá, estudava por lá, só vinha em casa final de semana, sábado e domingo. Sábado e domingo que eu vinha em casa, eu ajudava minha mãe cuidar da casa de manhã, depois eu ia para bola, jogava vôlei a tarde toda, voltava à noite, tomava banho e ia dançar, ia para discotecas. Minha mãe ficava muito brava, meus irmãos ia atrás de mim, falava que não podia, que se não ia acontecer alguma coisa, que tava errado. Mas mesmo assim eu acabava enrolando ela, ah, mas fulano vai, o pai de fulana vai acompanhar e deixa eu ir. Aí a gente acaba indo, no domingo de manhã, eu levantava, a gente ia à missa, depois que a gente voltava da missa, minha mãe passava na padaria e comprava aquele pão bengala. Você já ouviu falar? E aí aquele pão bengala, meus irmãos tiravam o meio e deixavam só a ponta para mim, eu ficava tão brava com aquilo, porque só me sobrava a pontinha do pão e eu queria comer o meio, igual todo mundo comia. Mas eu sempre chegava só tinha a pontinha do pão. E aí depois que a gente tomava café, dava uma organizada na casa, eu ia para a bola de novo, ficava no vôlei até de tarde, 5h, 5h30, voltava correndo, tomava banho de novo e ia para discoteca. Ela xingava, eu falava, mãe eu vou ficar a semana inteira lá no trabalho, não vou ver ninguém, não vou conversar com ninguém, eu preciso ir, deixa eu ir! E aí ela acabava amolecendo, “mas 22hs você tem que estar aqui!” “Não, 22hs eu tô em casa!” Aí eu ia, mas eu voltava às 22h, direitinho.
P/1 – E aí você trabalhava com o que nessa época?
R – Eu trabalhei em casa de família por muito tempo. Porque para mim estudar, às vezes, a gente acabava não tendo dinheiro para pagar o especial, então, uma forma de eu estudar era trabalhar nas casas das professoras, das diretoras, das vices diretoras, para mim poder continuar estudando, eu tinha que trabalhar na casa de alguém. Para poder ter minhas coisas também, porque minha mãe, por ser sozinha, o dinheiro dela mal dava para as coisas de dentro de casa. Então, eu tinha que estudar mesmo, para poder ter as minhas coisas e também ajudar em casa. Não era uma coisa fácil, porque a gente… eu pensava, eu tô deixando de brincar, de passear, porque eu preciso trabalhar e preciso estudar. Mas era o que eu tinha na mente, que eu precisava mesmo estudar, porque aí eu via que outras meninas da minha idade também faziam o mesmo, então eu tinha que fazer a mesma coisa. Então eu ficava muito tempo longe de casa, longe da minha mãe, só para poder estudar, tinha que trabalhar para poder estudar.
P/1 – Você lembra como foi o seu primeiro dia de trabalho?
R – Eu lembro de um pedaço do meu trabalho, aliás, eu lembro de duas histórias do meu trabalho, que para mim foi muito triste. Uma eu trabalhava com a vizinha, que morava perto da minha casa. Ela casou e foi morar lá perto da minha casa. E ela me pagava cinco cruzeiros por semana, era o que é hoje, nem R$50,00 não é, acho que deve ser o que é R$ 10,00 hoje, que é R$ 5,00 hoje. E eu trabalhava muito, e ela tinha aqueles lençóis grandes, pesados, eu tinha 9 anos de idade, então aquilo era tão difícil para mim, esfregar aquelas roupas, por para quarar, porque tinha que quarar, era muito ruim, foi muito difícil! Mas por outro lado, hoje eu olho para trás, agradeço a Deus, porque eu aprendi a fazer. E acho que se ela não tivesse feito eu me sacrificar, talvez eu não teria aprendido. Uma outra etapa, e depois que eu sai, eu reclamava com a minha mãe, aí a minha mãe viu o tanto que eu ganhava, aí ela falava, ah não, é melhor você ir trabalhar comigo. E aí eu ia trabalhar com a minha mãe, às vezes, quando era férias, assim, que eu não estava estudando, eu ia trabalhar com a minha mãe. Mas era muito triste, porque as patroas, eu só comia o resto, depois que todo mundo já tinha comido, era tudo trancado mesmo, com o cadeado, sabe, na geladeira. Eu gostava de um bombom, eu gostava daquele bombom de figo, que hoje nem tem mais, da Garoto, adorava aquele bombom, mas eu não podia comer porque elas escondiam. Então, quando acontecia de uma das filhas da patroa resolver abrir uma caixa de bombom e perguntar qual que eu queria, que me dava aquele. Ah, eu me sentia assim, aquela menina! Eu ganhei hoje o bombom de figo! Mas era muito difícil! E aí quando era o dia de vir embora, a gente sempre vinha no domingo, depois do horário da feira da Afonso Pena, que acontece até hoje a feira, era na Praça da Liberdade. E a gente só vinha embora depois da feira, aí era onde a gente passava e a minha mãe comprava o resto do resto, que estava ali para poder levar para casa. Era uma vida muito, muito regrada, com muita dificuldade, mas vencida, graças a Deus!
P/1 – E como foi a gravidez nessa época?
R – Então, eu engravidei antes do casamento, comecei a namorar e engravidei. Quando o meu ex-marido foi contar para minha mãe que eu estava grávida, ela chorou, esbravejou, falou, agora vocês tem que casar! Ela não perguntou se a gente gostava, se era aquilo que a gente queria, mas que tinha que casar! Então, nós casamos, eu já estava bem gordinha, pelo vestido já dava para ver a barriga. Que eu era muito magrinha, eles me chamavam de tripa de amarrar cachorro, então uma tripa de amarrar cachorro, com um neném dentro da barriga, mostrava um pouquinho. Mas eu me casei, tentei ser feliz, durante o tempo que foi possível. Meu filho é lindo, é maravilhoso, amo demais, acho que faria tudo de novo para ter os meus filhos, para ter os dois. E a gente casou e fomos viver a nossa vida. Logo em seguida, deu nove meses Gleivison nasceu, antes de nove meses, que eu casei eu já tava de quatro para cinco meses. Gleivison nasceu, veio ao mundo com muita saúde, 3,400 kg, sofri muito para ter ele, não foi fácil, meu Deus, não desejo para ninguém essa dor, que dor terrível! Mas veio um menino saudável, grande e bonito e uma ótima pessoa, mas que um filho, ele é amigo, ele é pai, ele é protetor, ele é tudo para mim hoje.
P/1 – Depois você teve outros filhos?
R – Eu tive mais uma menina, que é a Gleiciane. Que é também uma super mãe, super amiga, nós somos também mais do que mãe e filha, sabe, é aquela coisa de uma olhar para outra e saber o que que a outra está sentindo, de eu viajar, está lá viajando… Eu lembro que eu fui para Europa e tava lá na Itália, quando ela me ligou, mãe eu preciso falar com a senhora. Já sei, você está passando mal? Eu também estou passando mal. Então, assim, de sentir o que a outra está sentindo mesmo distante.
P/1 – Eu ia te perguntar o que que a maternidade representou na sua vida?
R – Se fosse para gestar os meus dois filhos, eu já gestaria de novo. Eu acho que a maternidade é uma coisa muito bonita, sabe! Você poder amamentar, eu dei, a primeira vez que eu dei mamar para o Gleivison, eu tava em plena Afonso Pena, era um feriado de 1º de Maio, onde aqui os ônibus eram gratuitos nesse dia. E a gente tinha ido para o Parque Municipal, então eu tirei o peito para fora para dar mamar para ele, e as minhas amiga do lado, aí que vergonha, nossa, não faz isso! Eu falei, não faz? É uma coisa tão bonita, tão nobre! Não, eu vou dar sim! Aí dei mamar para ele, fiquei tão feliz. E eu tenho até hoje isso comigo, de o quanto que é belo, o quanto é bonita, a gente poder amamentar, pegar a criança no colo, cuidar, o carinho que é. É uma parte da gente, um pedaço da gente aquilo e é bonito demais, eu acho que a maternidade é uma coisa santa mesmo. E uma coisa de Deus, que só Deus explica, a gente não sabe explicar.
P/1 – Neli, e me conta depois da escola, você me falou que depois voltou a estudar. E daí o que que aconteceu depois na sua vida?
R – Então, eu voltei a estudar, terminei o meu segundo grau. E aí depois que eu terminei o segundo grau, eu queria, eu tentei fazer uma faculdade. Então, eu busquei, assim, uma forma de conseguir pagar, mas eu não consegui. Porque, quando a gente é mãe solo, aí eu já tinha me separado do meu ex-marido, então, assim, primeiro vem os filhos, tudo para os filhos primeiro e depois vem a gente. Então, eu consegui sentar, ajudar eles a fazer o trabalho, ajudar a fazer o para casa, mas aí eu já não tinha mais condições, eu vi que aquela hora ainda não era minha hora de tentar a faculdade. Então, eu fiquei quieta, absorvi aquilo e continuei trabalhando. E aí eu tinha um salão de belezas, quando eu vim morar nesse conjunto aqui, aqui que eu voltei a estudar. E aí quando eu vim para cá eu tinha um salão de beleza, eu comecei a fazer o trabalho com as meninas, era uma coisa que eu gostava demais, eu amava muito, porque eu não sou tratava quimicamente os cabelos, como eu fazia alguns penteados também, para festa, casamento. Então, eu me sentia tão presente, fazendo alguma coisa boa, sabe, alguma coisa que ficava bonita, que os outros comentavam. E falava, nossa, mas ela faz um penteado. E eu lembro que um profissional da área, falou, menina, você está desperdiçada! Porque eu fiz o cabelo da filha dele, que ia casar. Ele falou, você está desperdiçada, você tem que focar nisso, estudar mais sobre isso. E aquilo para mim era muito bacana, muito nobre. Mas aí o salão aqui já não era uma coisa que me dava retorno, pelo fato de que as pessoas daqui são todas muito humildes, então para elas arrumar um cabelo, era uma vez ou outra, de vez em quando. E eu pagava aluguel, e eu falei, eu não vou dar conta de continuar pagando o aluguel, e não vou ter retorno do meu trabalho, porque o dinheiro ficava mais para pagar aluguel e comprar os produtos. Aí eu parei, fiquei com o tempo ocioso. E nesse tempo ocioso eu fui fazer os trabalhos aqui da comunidade, eu fui síndica do meu bairro, da minha comunidade aqui. Depois eu arrumei trabalho no carnê do Baú da Felicidade. Então quando eu fui trabalhar no carnê do Baú da Felicidade, todo dia eu passava em frente à igreja São José, pedia perdão a Deus, falava, aí Senhor, me perdoa, mas eu preciso ir, eu preciso trazer o pão de cada dia para os meus filhos, eu não tenho outro caminho. Foi uma época também muito difícil para mim, porque era difícil demais ter que mentir para as pessoas, para poder vender um carnê do baú. Porque o carnê do Baú realmente era uma mentira só! Para vender todo mundo tinha que mentir muito, fazer aquele malho, aquele badalo com as pessoas, para poder ganhar um dinheiro, e eu pedi perdão, mas eu ia. Eu lembro que era e eu e o meu chefe de equipe, Ricardo, a gente passava em frente à Igreja São José, pedia perdão, e falava assim, nós temos que ir, nós não temos outro caminho. E a gente não conseguiu outro emprego, outro trabalho, e assim a gente foi. Eu não sei se eu estou atropelando, porque eu já estou falando um monte de coisas de uma vez.
P/1 – Tá indo tudo bem. Queria te perguntar como que seguiu, como que foi indo até você… Em que momento da sua vida entrou o trabalho de catar recicláveis, como foi?
R – Então, eu saí do Baú da Felicidade e fui para Maxion, fui trabalhar na Maxion fazendo peças automotivas. Fiquei na Maxion durante um tempo e lá teve uma greve, os trabalhadores estavam pensando em numa greve, nessa greve, eu cheguei para trabalhar e o Patrus Ananias estava na porta da fábrica, ele estava fazendo campanha para Maria de Lara, que seria vereadora em Contagem. E eu parei e conversei com ele, porque eu já conhecia ele da minha militância, que eu fui presidente de associação de bairro, eu fui coordenadora de núcleo, esse conjunto aqui onde eu moro, foi uma das conquistas que eu conquistei tanto para mim como para outras pessoas, fora outros conjuntos habitacionais que tinha famílias minhas também. E como ele foi prefeito de Belo Horizonte e eu militava na habitação, a gente tinha contato. Quando foi para entregar a chave aqui do conjunto habitacional onde eu moro, ele me entregou a minha chave. Então, isso para mim, foi sim, de grande valia, era uma coisa assim, não que eu não entendesse da política de habitação, porque eu também ajudei a pensar a política de habitação, então não é porque eu não entendi que foi uma conquista, mas eu entendia também, que era uma honra para mim receber uma chave pelas mãos do Patrus Ananias. Então, até hoje isso para mim é motivo de gratidão. E aí encontrei com ele na porta e parei para conversar com ele, em eu parar para conversar com ele, lá tinha muitas câmeras, me viram conversando. Eu entrei para dentro da fábrica, quando eu entrei para dentro da fábrica, eles me chamaram para conversar e falou que eu tava ajudando na greve. Eu falei que não, que não tinha nada a ver, que eu parei para conversar, porque era uma pessoa que eu conheço, contei a minha história e tudo. E passou! Só que eles convidaram as pessoas que trabalhavam comigo para um churrasco na Cut, que é em Contagem, a sede da Cut. Nós fomos para esse churrasco, nesse churrasco também, levantaram a hipótese que eu estava com essas pessoas. “Olha, você foi para o churrasco, churrasco do povo da Cut, que faz greve, que isso, que aquilo.” E aí eles me chamaram para conversar e me mandaram embora. Tanto eu como as pessoas que estavam nesse churrasco nesse dia, eles mandaram embora. Aí fiquei muito triste, desolada, porque era um trabalho que eu gostava, eu fazia hora extra, eles não precisavam nem perguntar, já eu estava me oferecendo para fazer hora extra e gostava muito. E era o que estava dando condições de sustento para os meus filhos. Eu fiz uma amiga lá na Maxion, que até hoje a gente é próxima, ela pagou toda, como é que fala isso, a internet. Minha filha fez um curso de internet, ela pagou todo o curso. E assim, as pessoas conseguiam me ver enquanto realmente uma profissional ali, aquilo para mim era mais importante do que todos os trabalhos que eu já tinha feito, porque os outros trabalhos por qual eu tinha passado, eu não tinha tanto reconhecimento igual eu tinha lá. Então, foi muito difícil para mim, mas aí depois que eu saí de lá e cheguei aqui no conjunto. E aí eu acordava de manhã, aquele monte de mulher sentada pela rua fora, brincando com seus filhos. E eu olhava aquilo e pensava, a gente precisa arrumar trabalho, eu tenho que arrumar um trabalho. Mas assim, naquele momento eu olhava para elas, eu pensava em mim e nos meus filhos, como é que eu vou ficar, meus filhos passando dificuldade. A minha mãe, o que tinha, a minha mãe dividia comigo. A minha comadre, o que tinha, dividia comigo. Mas eu falei, eu preciso fazer alguma coisa. Então, a minha amiga, a Silvana, que até hoje trabalha comigo, ela foi numa reunião na Cut, e lá na Cut ela conheceu a ADS, que a agência de desenvolvimento solidário e conversando com o pessoal lá, conheceu uma outra associação, uma outra comunidade feita à nossa, que tinha recebido unidade habitacional também, que estava lá trabalhando, vassouras Pet. Aí ela veio, me contou! “Ah, vamos conhecer isso para ver de perto o que que é. Então, a gente arrumou uma van aqui, pegamos, colocamos algumas mulheres dentro e fomos lá conhecer. Quando a gente chegou lá, que viu o trabalho e tudo, eu fiquei entusiasmada, ah, não, a gente vai fazer isso também! E a gente já ajudava as crianças a fazer o dever de casa, o dever de casa falava muito do pet. E aqui na região onde eu moro, tinha um córrego aberto, hoje não mais, mas era um córrego aberto. E a gente via falar muito da questão do pet, do mal que fazia para o meio ambiente. A gente falava, não, a gente precisa ajudar então a fazer alguma coisa, e vai ser o pet que a gente vai trabalhar. Aí pedimos para elas para dar o contato da pessoa, na fábrica onde elas levavam vassouras, que vendiam. Elas deram o contato, eu ainda estava no seguro desemprego e a Silvana com ajuda do marido dela, falei, a gente vai lá para ver isso! Nós fomos lá, conhecer, conhecemos a fábrica. E aí eu pedi apoio, eu falei que era um grupo de mulheres e que a gente queria fazer o mesmo trabalho que a Serrano Serrano estava fazendo, o conjunto Serrano. Aí eles se prontificaram a nos apoiar. A gente pegou os moldes de vassoura e trouxe. Chamamos a mulherada, fizemos uma reunião. E a gente falou, a gente vai ter que catar muito pet, porque para a gente poder fazer o trabalho. Então,aqui tinha um quarto, que foi o quarto que o pessoal da empresa que fez os apartamentos, eles ficavam, então esse quarto não foi desmanchado. Então a gente usou esse quarto no primeiro momento, coletamos muita pet. Aí a mulherada saiu catando pet, a gente trouxe os pets, pedimos apoio dos maridos, quem tinha marido, quem não tinha pedia aos amigos, porque eu pedi aos amigos também. E começamos, compramos uns tambores, enchemos os tambores de água, a gente lavava esses pets, então umas cortavam o molde, as outras lavavam os pets, as outras tiravam o rótulo, tampinhas. E a gente começou a fazer o trabalho aqui na comunidade. Quando a gente começou a fazer o trabalho na comunidade, a gente foi em uma outra reunião, e nessa outra reunião, estava lá de novo a ADS. E aí a gente contou do trabalho que estava fazendo aqui, aí eles, “a não, a gente vai lá conhecer”. Eles vieram conhecer. E quando a pessoa veio, era um técnico da ADS, que chamava Demetrios. Quando o Demetrios veio, ele estava fazendo um estudo de viabilidade. E aí eu olhei para eles, olhei para as meninas, agora a gente está com tudo ganho, a gente vai ganhar todo o maquinário. Eu não sabia nem por onde se passava esse estudo, mas eu achava que já era maquinário todo que eles iam dar para nós. Aí contei para as meninas, depois que ele foi embora, aquela felicidade. E ele sumiu, desapareceu! Aí nós fizemos a primeira carga. A primeira carga eu levei conhecimento da regional, na época era Neuzinha Santos, que gerenciava a regional, gerente regional, e ela falou, olha, infelizmente a gente não pode levar para vocês o material, porque a gente não pode sair de um município para outro, de Belo Horizonte para Contagem. Porque era em Contagem que ficava a empresa. A gente não tem como ajudar. Voltei, contei para as meninas, triste, falei, aí gente, não tem! Aí pedi a um amigo, o amigo levou. A nossa primeira retirada deu R$5,00, R$5,00 tirando eu e Silvana, porque se colocasse eu e Silvana era menos ainda para todo mundo. Então, como eu ainda estava no seguro e Silvana tinha o marido dela, então dividimos só entre as outras. Mesmo assim as meninas ficaram felizes, porque elas acreditavam que do mesmo jeito que a gente tinha conquistado moradia para elas, a gente ia conquistar um emprego, então mesmo assim elas ficaram felizes e continuaram o trabalho. Aí quando eu levei de novo ao conhecimento da prefeitura, “a gente precisa de um apoio lá, a gente está fazendo um trabalho, precisa que vocês façam alguma coisa”. Eles falaram, a gente tem um galpão que tá lá no Jatobá 4 e esse galpão é para fazer toda a coleta e triagem de material. Aí eu falei, o galpão tá num espaço onde eu fui presidente de associação, então eu conheço os moradores, não conheço todos os materiais, mas eu topo, eu quero! Aí vim, coloquei para a mulherada, aí umas queriam, outras não, não, porque para sair daqui com os meus filhos vai ser muito difícil, como é que eu vou fazer com os meus filhos. Aí as outras, não, eu topo! Eu vou, porque se você conseguiu moradia você vai conseguir trabalho para nós e esse trem vai dar certo. Falei, bora lá! Então vamos tocar. Aí voltei para a reunião com a prefeitura, falei com eles. O pessoal lá quer, uns querem ficar, outros querem ir. “Mas para isso a gente tem que montar uma associação, para vocês receberem o galpão, porque sem montar a associação não dá!” Mas associação é sem fins lucrativos. E como é que a gente ia ganhar o dinheiro se é sem fins lucrativos, a gente não podia perceber. Aí nós paramos, ficamos, como é que vai ser isso. Aí a prefeitura falou, olha, tem um projeto que é um projeto que era uma outra ONG, que era o IBEI, agente de desenvolvimento solidário que tinha aqui em Belo Horizonte. O IBEIDES pode ajudar a fazer a formação, vocês vão passar por duas formações, associativismo e cooperativismo, vocês vão entender o que vocês querem. Falei, vamos fazer! As meninas, então vamos! E aí a prefeitura colocou, mas tem um porém, nós temos 4 comunidades que precisam ser atendidas nesse galpão, uma era a Vila Corumbiara, porque foi ela que conseguiu uma emenda parlamentar para metade de construção desse galpão. O outro era o próprio Jatobá 4, que era uma área carente, onde foi construído o galpão. A área do Nac, que é o Independência, que é uma área de núcleo e apoio a família, então aqui na regional o único que tinha era lá na independência. E nós aqui que já tínhamos começado o trabalho. Eu falei, eu to dentro! Vamos chamar! Pode chamar essas formações, vamos fazer essas formações. Eu queria era gerar dinheiro. E aí continuei a fazendo a catação. Aí meu tio encontrou comigo na rua, hoje ele já é falecido. Ele falou, minha filha, não acredito, sua mãe estudou você para você ficar catando lixo. Eu falei, é meu tio, é desse lixo aqui que eu vou conseguir fazer as minhas coisas. A não! Aí ele veio e falou com a minha mãe, Iraci, Iraci, não, conversa com essa menina, cuida dela direito, não, meninas estudou e agora está catando lixo pela rua a fora. Aí minha mãe me chamou, falou. Não mãe, eu quero fazer, eu acho que vai dar certo, eu gosto! Eu gosto de rua, gostava muito de ficar na rua, eu gosto de rua, eu to andando, to passeando, eu gosto, eu vou continuar. E eu levava a minha filha junto. Então, a gente pegava o carrinho de mão, porque a gente não tinha nada, ia com o carrinho de mão catando pela rua afora, enchia o saco, ia colocando no carrinho, amarrava aquele carrinho enorme, cheio de material e trazia. E assim foi. E as outras moradoras aqui também, as que acreditaram no projeto, na proposta, a mesma coisa. Passamos pelos 2 cursos, Sociativismo e Cooperativismo. Então nós montamos a associação, juntando as pessoas dessas quatro comunidades. Então, elas só iam montar a associação para a gente poder receber o galpão e depois buscar maquinário, essas coisas que a gente precisava criar a associação. Aí a gente fez isso e logo em seguida a gente criou também a cooperativa, com os trabalhadores que ali estavam. No primeiro momento eram 47 pessoas, dessas 47 pessoas a gente tinha um critério que fossem mães e chefes de família. Então entrou no primeiro momento três homens, só, o resto era a mulherada. E nós começamos a fazer o trabalho. Aí a gente pegava a coleta na segunda, quinta, segunda, quinta e sábado, em duas comunidades, que era a minha e a do Jatobá 4. E quarta, terças, quinta, sexta e sábado… era terça, quinta e sábado, em uma, segunda e quarta na outra, nas outras duas. E assim a gente foi fazendo o trabalho. A gente implantou nas escolas, então nas escolas a gente pedia para deixar guardado o material para a gente, que a gente tinha coletado ali naquela comunidade, que depois a prefeitura ia lá e ia pegar e coletar para nós. E a gente conversou isso com a prefeitura, a prefeitura buscava levava para nós no galpão. Mas a gente falava, gente tá chegando muita pouca coisa, a gente criou uma associação, criou uma cooperativa, precisamos gerar renda, como é que a gente vai gerar renda com tão pouco material. A nossa primeira retirada foi R$47,00, dentro do galpão. Aí eu pedi apoio da prefeitura, para ajudar a gente em termos de cesta básica, a prefeitura veio, trouxe, dava para a gente nos primeiros meses, nos primeiros seis meses ela deu cestas básicas. O galpão, a luz e a água, por conta da prefeitura. Para coletar os materiais, que aí gente ia toda semana, a gente dividia as turmas e ia, então os que não iam, que eram de outros bairros, ficavam na triagem, depois aqueles que tinham na triagem saiam para coleta e os que estavam na coisa iam para triagem. E a gente foi fazendo esse rodízio, para ver se melhorava. Começamos a buscar as empresas, a buscar outros espaços. E aí a ABS colocou para a gente, que tinha já criado a Unisol São Paulo e que tava para nascer a Unisol Brasil. Aí nós falamos, nós queremos fazer parte disso também. Aí fizemos uma assembleia e falamos vamos lá conhecer e saber o que que é essa Unisol, o que que ela vai trazer para nós. A gente entendia que a gente precisava de alguma forma articular, fazer articulação do nosso nome, mostrar. Então, a primeira feira de economia solidária que aconteceu aqui em Belo Horizonte, foi lá na UFMG, a gente se fez presente também. Chegamos lá, pedimos um stand para nós, colocamos lá os nossos fardos. A gente tinha um materialzinho pobre de divulgação, que era uns quadradinhos, que pegava uma folha A4, dividia ela em quase 10, para poder fazer o materialzinho de divulgação. Mas a gente estava brilhando ali, não tinha importância. E aí a gente ia para os espaços e tentava de alguma forma mostrar o nosso trabalho, divulgar o nosso trabalho. E nós nascemos. E aí pelo fato da gente começar a participar das reuniões na ADS, junto com o IBDES, e a ADS aqui era muito forte na questão da economia solidária. Então a gente falou, a gente quer trabalhar esses princípios, que é os princípios da economia solidária, não é outra coisa que a gente quer, é isso que a gente acredita. E aí a gente ouvia Paul Singer falar que outra economia é possível, Uai, se é é possível, é essa que nós queremos, é essa que a gente vai fazer! E minha mãe, não minha filha, volta para casa de família, arruma serviço em outro lugar, tá muito feio te ver na rua, na catação. Meu filho no primeiro momento ele tinha vergonha. Só a minha filha que não, minha filha falava, não mãe, acredito, vai dar certo esse trem! Vai dar, você vai ver, você vai conseguir! E aí a gente falou, não, é isso que eu acredito, é isso que eu vou fazer! E aí eu comecei a mostrar, tanto para minha mãe, como para os meus filhos, como para os meus amigos mais próximos, o trabalho que eu já fazia na igreja católica quando eu morava no Regina, eu não ajudava os padres a vim trazer alimentação para aqui perto na região onde eu moro. O córrego que tinha inundava todas as casas, então a gente vinha trazer alimentação, a gente levava eles para a igreja para fazer o sopão, para dar o sopão, a gente fazia cursos de tricô, crochê, bordado, pintura. Eu pintei muito pano de prato. A gente já faz isso há um tempão, e a gente achando que está fazendo o trabalho diferente, não é diferente, a catação é para o trabalho que a gente já faz mãe, o que você faz! Que a minha mãe, além de fazer os presépios na igreja, ela ajudava a fazer fuxico, ela ensinava fazer os fuxicos, ela ajudava, ensinava a fazer o tricô, falei, você já faz a gente não cobra nada, mãe. E aí a partir de agora é diferente, a gente vai ter um ganho, olha para você ver! E olha para você ver o tanto de feira que tem expondo o produto que você já faz! E aí eu falei, não, é isso mesmo que eu quero. E aí eu insisti! Aí fui fazendo outras formações, buscava o grupo para fazer formação. A gente não sabia nem ligar um computador. E aí eu comecei a prestar atenção nas pessoas, aprendi a ligar, ligava para um e falava, aqui, eu tô aqui com um ratinho na mão e ele tá me mostrando uma setinha aqui, para onde que eu vou? O que que eu faço? E aí por curiosidade, por dificuldade, eu falei, eu preciso aprender, porque alguém tinha que puxar aquele grupo, alguém tinha que fazer o grupo caminhar. Eram 47 pessoas que tava acreditando no trabalho da gente. Quando a gente fez o curso de cooperativismo, eles logo me apontaram como presidente. Mas é porque eu era que mais falava, era eu que falava não a gente dá conta, é possível, espera aí que eu vou resolver. E aí eu ia, pedia, porque eu não tenho vergonha de pedir para as pessoas, tenho vergonha de pedir para mim, mas quando é para os outros eu não tenho vergonha de pedir. E aí a gente foi para o primeiro encontro que teve da Unisol Brasil, lá eu já comecei a fazer parte da diretoria, fiquei no conselho, no conselho fiscal da diretoria. As pessoas olhavam para mim, eu olhava, não sei onde eu tô me enfiando não, mas eu tô me enfiando e vou dar conta. E aí voltei numa felicidade, toda alegre, porque eu já estava no Conselho da Unisol. E aqui a gente começou a falar da Unisol. O primeiro encontro da Unisol, quando o presidente era o Cláudio, foi aqui também, teve um congresso da Unisol aqui em Belo Horizonte. Então, assim, a gente se sentia supervalorizado, porque eram só catadores, eram catadores de materiais recicláveis no meio de um monte de gente que ganhava dinheiro. Não é muito dinheiro, porque eu acredito que a gente ainda vai ganhar muito dinheiro, quando eu olhar para trás, falar, hoje eu ganho muito dinheiro. Mas eu vi aquele tanto de trabalhadores, do artesanato, da confecção, da alimentação, todo mundo ali. E eu lá no meio podendo fazer aquele trabalho junto, acreditando, e acredito, que é possível, ter outra economia é possível. Então aquilo para mim era muito gratificante. E aí eu fui empoderando mais ainda o grupo, cacei jeito de fazer formação, de buscar apoio, ajuda, buscar projetos. Aí no primeiro projeto nosso, que veio, a gente olhou o projeto, falei, ai meu Deus, será que a gente vai dar conta, falei, vai! Aí a gente fez o primeiro projeto, a gente conquistou balança, prensa. E aí depois o segundo, a gente buscou computador, e aí a gente buscou carrinho de fardo, buscou outra prensa. E aí a gente viu que era possível fazer o trabalho, a gente ainda tinha uma renda, uma retirada ruim, mas a gente acreditava naquele trabalho. Então eu busquei a fazer várias formações, a viajar, a conhecer outras pessoas, outras realidades. Quando eu conheci Enrico Giusti, que era presidente das ISCOS da Itália, ele veio em uma formação que a gente fazia na escola sindical. E a minha intenção na escola sindical, nessa época ainda tinha meu ex-marido. Eu queria aprender fazer salgado, porque eu queria mexer com alimentação. E aí o Enrico sumiu, desapareceu! Eu fui encontrar com o Enrico de novo nesse encontro na Unisol, porque ele estava na Unisol. E aí quando eu cheguei lá, vi ele, falei, esse aqui é o meu lugar mesmo, gente! E essa pessoa que vai me ajudar! Então, foi uma pessoa que me ajudou, me empoderou muito, porque aí ele me levava, toda vez que ele vinha ele fazia questão de me levar nos outros estados, sabe, de me apresentar, ele me levou para Brasília para me apresentar para os deputados, para falar do meu trabalho. Porque ele falava, que ele não queria conhecer e ele nunca foi na minha base, na minha cooperativa. Ele falou que queria ajudar empoderar, mas sem assistencialismo, ficar olhando a gente, ficar com dó, parecendo coitado, não! Ele queria mostrar que realmente era possível que a gente podia fazer o trabalho, se a gente conseguisse outras mãos para nos ajudar. E que a gente não perdesse nunca o Norte do caminho, que a gente aprendesse a trilhar o caminho e fazer as formações, as captações. Então, quanto mais formação, mais captação a gente fazia, mas a gente queria fazer. E aí a gente aprendeu, aprendeu a criar as nossas planilhas, a contabilizar tudo que chegava, a calcular o preço e a barganhar o preço, discutir o preço, sentar numa mesa para negociar os valores que a gente achava que queria receber. Porque a gente já tinha conquistado os equipamentos, não estava mais na mão do seu atravessadores através dos projetos. E aí a gente falou, não, hoje é a gente que vai ditar as regras. Então, Enrico colocou que ele queria fazer de nós projeto de uma incubação, que fosse nós e depois viesse os outros. E a gente não tinha entendido nem quando a gente nasceu, porque quando nós nascemos o IBEIDS tinha na mente, Pauladão, era o técnico desse IBEIDS, ele falava que queria que a gente fosse uma rede. E a gente não entendia isso. Então, ele saiu colocando nome, que o projeto da prefeitura era para nove regionais. E aí ele saiu colocando o nome de Coopersol para todo mundo, e aí nós ficamos indignados, porque a gente foi o primeiro a nascer, falei, por que que todo mundo vai ter o mesmo nome que nós? E a gente não entendia. Então quando Enrico veio, que a gente entendeu, que a gente precisava ser uma rede, a gente precisava se constituir enquanto rede. Já tinha uma rede aqui em Belo Horizonte, em Minas Gerais, que é a Cataunidos, mas por caminhos tortos a gente não pode fazer parte dessa rede. Então nós falamos, vamos criar a nossa própria rede, então a gente criou a rede Sol, onde veio para junto dessa rede 14 associações cooperativas. E com o intuito também, e aí um dos critérios nossos, era que essas 14 tivessem o mesmo nível uma da outra, que todo mundo tivesse condições de ter um espaço para trabalhar, com equipamentos, uma infraestrutura completa. E também passar por todas as formações e captações que uma passasse a outra passasse também. E com isso a gente fortaleceu de maneiras a poder sentar numa mesa, com comprador, discutir, negociar com ele preço, e ditar, porque aí a gente tinha na mão ali, o que ele queria, mercadoria que ele queria e os equipamentos eram nossos. E aí teve época, assim, que foi muito bacana, porque a gente conseguiu negociar, fazer com que pagassem o mesmo valor para todas, tanto as grandes, como as pequenas. Isso foi muito bacana para a gente, se sentir que a gente estava fazendo algo e algo que a gente acredita, e que a gente sabe que dá conta de fazer. Então hoje, a gente falava antes, que era a era sola, meros catadores. Hoje a gente sabe que é um negócio econômico e solidário, mas é um negócio, não deixa de ser uma empresa. Porque ela precisa ter todo cuidado, todo resgate igual a qualquer uma empresa. Que a gente precisa ter além do conhecimento, compromisso. E realmente trabalhar esses princípios com todo mundo que chega. Então, todas as vezes que sai um cooperado e entra outro cooperado, a primeira coisa que a gente diz é que a gente trabalha com os princípios da economia solidária. E que a gente não está ali para ganhar mais que ninguém, tanto é que a minha cooperativa, a nossa cooperativa, eu estou há 23 anos nesse trabalho, a gente ganha todo mundo igual, não tem ninguém que ganha diferente. Porque o que a gente acredita não é engessar um negócio, que uns tenham mais lucros que o outro, um ganhe mais que o outro, um seja melhor que os outro, não, é igual para todo mundo! E a gente tenta capacitar todo mundo do mesmo jeito, mas a gente sabe e respeita que nem todos conseguem fazer a mesma coisa. Então, por acreditar, que esse mundo pode ser melhor, que a gente trabalha o bem viver, que a gente acredita no trabalho que a gente faz, então a gente tenta fazer com que todo mundo se sinta à vontade, livre para trabalhar, gosto do que faz, porque a gente tem que amar, gostar do que faz. E aí o ganho é igual para todo mundo, como tudo, aí eu já falo com eles, aqui têm direitos e tem deveres também. Então do mesmo jeito que vocês acham que vocês têm direitos, vocês também têm deveres. E aqui não tem isso que um faz e outro não faz não, todo mundo fazendo igual. O que a gente vê que um não dá conta de fazer, que o outro faça para ajudar o outro, para a gente dar conta de seguir. E aí a gente tá aí hoje, até hoje nessa luta, 23 anos nessa caminhada, que é muito bacana, gratificante. Eu já fui lá do Conselho da Unisol Brasil. Hoje eu sou Conselho da Economia Popular Solidária, sou Presidente do Conselho de Economia Popular Solidária. Represento o movimento nacional dos catadores, mobilizadora pela _________, contratada a pouco pela SIMOS, para fazer assessoria às associações e cooperativas dentro do Estado de Minas Gerais. Então, assim, eu sou uma pessoa muito feliz por acreditar em tudo aquilo que o Paul Singer colocava pra mim. No primeiro encontro que eu tive com ele aqui em Belo Horizonte, No Fórum de Economia Popular Solidária, quando ele disse para mim, é possível se você acreditar, se você acreditar, tudo é possível. E por acreditar eu estou aí!
P/1 – Neli, muito legal conhecer um pouco da sua história! Mas eu queria voltar um pouco antes. Eu vou fazer mais perguntas sobre economia solidária, mas antes de começar a perguntar sobre economia solidária. Eu fiquei interessada, que você contasse um pouco, como que foi esse momento da militância no movimento de habitação?
R – Então, eu morava de favor, antes de morar de favor, eu morava com a minha mãe e meus irmãos, eu já tinha casado mas eu tinha uma casa lá onde a gente morava. Meu irmão resolveu vender o terreno, foi embora para São Paulo e eu fui morar no Vale do Jatobá, de favor, no lote da minha ex-cunhada. E lá eu participava, a minha outra ex-cunhada, morava no Jatobá, e ela fazia um trabalho com a associação do bairro, onde dava o ticket do leite. Não sei se você lembra? Você não lembra dessa época, você é menininha! Tinha o ticket do leite, e eu ajudava a entregar esse tickets, a fazer ata. E aí, não vou lembrar a data certa, eu vendia roupa nessa época, eu era sacoleira. E aí o pessoal começou a puxar as reuniões, dos sem casa. Nessas reuniões dos sem casas, eu lembro que era no Barreiro, era perto de uma área, era uma escola, eu não vou lembrar o nome da escola. O pessoal reunia nessa escola, para pensar a política de habitação, então foi onde veio a lei, veio a política de habitação. Criaram-se a política de habitação. E eu comecei a participar dessas reuniões, porque eu morava de favor e tinha o entendimento de que eu queria minha casa, eu queria ser dona do meu lar, dona do meu espaço. E aí eu comecei a participar das reuniões. E aí a presidente da associação lá do bairro, a finada Narcisa, ela faleceu, e aí o grupo ficou sem ninguém para apoiar. E aí eu falei, ah, eu vou ficar nisso, porque se não a gente vai perder, eu já tinha participado de várias reuniões, onde tinham colocado o meu nome, falado que eu ia receber minha moradia. Se não der continuidade, nem eu vou receber minha moradia. E aí eu abracei a causa, aí fui presidente do bairro, que nem precisava, mas aí eu assumi a presidência do bairro, que ela faleceu. Assumi a presidência do núcleo dos sem casas, núcleo de mulheres do Vale do Jatobá, que chamava. Assumiu o núcleo dos sem casas, comecei a fazer o trabalho. E aí conheci vereadores, deputados, assessoria. E eles vinham, e falavam, e eu falei, não, eu acredito que isso vai acontecer e a gente vai conseguir a nossa moradia. Porque onde ela morava, era um conjunto habitacional que era do Ferrara. Falei, do mesmo jeito que veio do Ferrara, vai vim Municipal, Estadual, Federal, para nós, a gente acredita e a gente vai continuar. E eu continuei participando das reuniões, as reuniões era na Urbel, na época. E aí fui aprendendo a como fazer, como lidar, como é que fazia uma ata, como é que a gente fazia para pleitear as unidades habitacionais. E aí eu fui aprendendo no tapa também, assim como foi na cooperativa, foi a mesma coisa. E aprendi a fazer o trabalho de militância, a viajar, a participar. Tinha encontros em Brasília eu ia, tinha encontros em Belo Horizonte, tinha conferência. A conferência 1, 2, 3 e 4, eu tava na 1, na 2, na 3 e na 4. “Hoje não tem alimentação.” Não tem importância, a gente vai assim mesmo! E aí, fui fazendo minha militância na habitação, ficando por 10 anos, esperando sair a primeira unidade habitacional, mas graças a Deus saiu. E aí eu dei continuidade por uns bons anos, mesmo depois de ter recebido a minha, eu continuei fazendo o trabalho. E tenho vontade, hoje, de voltar, porque eu tenho muitas pessoas que trabalham comigo, muitos catadores autônomos, precisando de sua moradia. Eu acho que pela dificuldade que eu vejo as pessoas passarem, eu acho que vale a luta, vale a pena voltar de novo e construir de novo o núcleo e voltar, sabe. Buscar moradia para o nosso povo.
P/1 – Queria que você me contasse como foi o momento em que você recebeu a sua chave?
R - É uma lembrança boa, mas uma lembrança ruim! Eu tinha acabado de sofrer um espancamento do meu ex-marido. No dia que eles foram entregar a chave, eu estava com o olho ridículo de feio. E aí eu tinha preparado tudo, porque por ser a coordenadora de núcleo, eu tinha preparado um bolo enorme, para a gente cantar parabéns no dia, nós fizemos cachorro quente> Pedi ajuda de todo o povo, os familiares, as pessoas que vinham morar aqui, pedi ajuda, contribuição, então o povo deu, pedi contribuição ao entorno da comunidade. A comunidade não queria que a gente viesse para cá, mas já não tinha jeito, porque já estava construído. Então, aí eles ajudaram também. A gente comprou muito pão, muita salsicha, tomate, cebola, fizemos aqueles caldeirões enormes de cachorro quente, refrigerante. E aí no dia, tudo preparado para acontecer. Um dia antes, a gente teve uma discussão horrorosa, e aí ele me agrediu. E aí eles fizeram um palanque, eu doida para pegar minha chave, aí coloquei um óculos escuro e vim, toda poderosa! Aí subi, para poder pegar a chave, falei, ninguém está vendo, já tinha ido perto das meninas, já tinha conversado, tudo pronto, tudo organizado, o bolo tá no lugar, tá tudo pronto. E a criançada doida, todo mundo já querendo era comer logo, falei, só depois das entregas da chave. Aí subi no palanque, e a hora que ele foi entregar a chave para mim, eu não sei o que que eu fiz, o óculos caiu, e eles viram o meu olho. Aí não sei se eu chorava de tristeza, ou se eu chorava era de alegria, por ter pegado a minha chave, e saber que agora eu ia ter a minha casa, minha liberdade, meu direito de ir e vir e não ia ser mais, apanhar de ninguém. Então, foi um momento muito bom, que eu lembro hoje com muita alegria. Depois agradeci a Deus a cada parede desse apartamento, agradeço muito a Deus. Mas foi um momento também triste, pelo fato de que aí eu expus para as pessoas que não sabiam, que não conheciam o outro lado da Neli, o sofrimento da Neli. E aí as pessoas ficaram conhecendo, aí já vieram, você tem que denunciar, você tem que fazer, tem que acontecer, isso não pode acontecer, você não pode apanhar! Mas eu já apanhei, e agora é seguir a vida! Não era uma época fácil de denúncia, porque a família dele, ele não prestar, não quer dizer que a família dele… Era o meu pensamento na hora, tinha que sofrer. A família dele é muito boa para mim, sempre me ajudou muito, tudo o que eles puderam fazer por mim e pelos meus filhos, eles fazem até hoje! Meu filho acabou de sofrer um acidente de moto, quebrou oito costelas, furou o pulmão, quebrou o pé, quebrou o fêmur, e a família dele lá de cima, sabe, comigo o tempo todo. Então, assim, até hoje eles são muito bons para mim, eu não achava… se eu denunciasse ele ia tá fazendo… Eu ia fazer ele sofrerem também, então eu preferi não fazer nada. Mas foi um dia de muita alegria, mas também de tristeza.
P/1 – E quando começou a catação, você pode me falar mais ou menos que época que era, que ano, não precisa ser o ano exato, mas é que eu me perdi nas datas.
R – 2.000 para 2001 a gente começou a fazer as conversas. Em 2001 a gente começou a catação. Aí a gente já começou a catar e armazenar. Eu não tenho mais as fotos, que a gente fez uma única foto desse quarto cheio de pet. Mas em 2001, a gente já estava fazendo o trabalho. E a gente foi registrada em 2003, 15 de agosto de 2003.
P/1 – E quantos anos você tinha nessa época?
R – Vixe, volta aí, 57 para 2003, 2001. Faz a conta aí, que agora eu não tô com a cabeça não.
P/1 – Tudo bem! Mas o que eu ia perguntar dessa época, se tinha algum motivo especial de ser só mulheres naquela época, no início?
R – Porque um dos critérios que tinha na habitação, é que as unidades habitacionais saíssem para mães chefes de família. E aí, devido a chegar no conjunto… E aí, aqui tinha mães, que elas acendiam um fogão de lenha dentro do apartamento, porque não tinha condições de comprar um botijão de gás. Fazia o arroz e deixava o feijão para outro dia, porque se fizesse o arroz e o feijão, comia naquele dia e no outro dia não tinha nada para comer. Então, aqui a dificuldade era tão grande! E aí a gente via que era só as mulheres, a maioria era as mulheres. Depois essas mulheres tudo arrumou companheiro, viu! Depois que elas tiveram a unidade delas, todas elas arrumaram companheiros. Mas até então a dificuldade era tão grande, que um dos critérios que a gente tinha, era que fossem mães chefes de família.
P/1 – Outra coisa que eu queria perguntar é: como que você convenceu elas?Depois que você começou, você foi junto com a sua amiga. Mas como que foi o processo de convencimento das outras mulheres,nessa época?
R – A gente não teve muito o que convencer, sabe, é porque elas acreditavam, que do mesmo jeito que a gente tinha conquistado moradia, com toda dificuldade, eu sempre fui para as reuniões, eu sempre busquei, com dinheiro, ou sem dinheiro, tinha as atividades, eu ia! Elas achavam assim, se elas foram e elas estão indo, do mesmo jeito que ela conquistou moradia para nós, ela vai conquistar o trabalho. E aí elas acreditaram nisso, então, assim, eu não precisei fazer muito. Só de falar, a gente vai tentar aqui! E aí a gente queria fazer dentro do conjunto, tanto é que quando a gente começou a coletar o pet, e pensando na vassoura, a gente já veio com a ideia de fazer material de limpeza. E eu tinha cheque na época, então nós demos um monte de cheque voador. Tinha uma vizinha aqui, ela já é falecida, a Ivone, ela sabia fazer material de limpeza, sabão. E ela tinha as receitas, a gente falou, ah não, vamos pegar isso dela e a gente vai comprar o material todo e nós vamos fazer e vamos vender junto com as vassouras. Então, a gente começou a vender o material de limpeza e a Elis Regina que saia para vender para nós, ela em um outro rapaz que tinha. Ela deixava tudo fiado! Falei, como é que vai ser no dia de pagar isso, gente? Porque o cheque é voador, não tem fundo não, eu não tenho fundo! “Não, no dia lá a gente vê, a gente cobra, que não sei o quê!” Assim, nós deixamos muito dinheiro para trás, porque a gente nunca mais veio esse dinheiro. Mas pelo menos a gente conseguiu cobrir os cheques, só não dava dinheiro para nós, porque como era tudo fiado, e acabou ficando fiado mesmo. Mas o cheque a gente dava conta de cobrir. Então, assim, elas acreditavam! Eu não sei, não era brincadeira, era trabalho mesmo! A gente tinha hora para pegar, hora para largar, era séria a coisa, igual é hoje! Porque mesmo na cooperativa, mesmo sem nenhum registro, sem nada, não tem caderno de ponto, não tem nada, mas o pessoal chega na hora e sai na hora de trabalhar. Tem um compromisso, de que se não for, liga, avisa que não tá indo, se precisar, se tá doente, igual, eu fiquei uma semana no hospital com meu filho, essa uma semana elas cobriram o meu dia, tranquilamente, mas sabiam onde eu estava. Eu tô aqui hoje, em casa, que eu tinha que estar no galpão, mas lá faz muito barulho, então eu vim para cá. Elas sabem que eu estou aqui em casa. Então, assim, é tudo com muita transparência. E elas acreditam muito, elas acreditam em nós! Nós acreditamos uns nos outros, porque senão a coisa também não daria certo. Então, eu falo com elas que a gente trabalha em formato de engenhoca, eu trabalho para elas, que trabalha para mim, que trabalha para o outro e vamos trabalhando um para o outro, pra coisa dar certo. Então, assim, é acreditar mesmo um no outro e ter compromisso pra coisa dar certo.
P/1 – Você falou bastante das formações, eu queria saber qual a importância das formações para o seu trabalho hoje?
R – Se a gente não entender, que a gente precisa se capacitar, para tocar o negócio, a gente não consegue tocar. Olha, a gente precisa entender que… a gente precisa saber precificar, a gente precisa saber que a gente tem horas de trabalho e que é trabalho mesmo, não é horas para você ir ali para brincar, nem nada. Você tem que conhecer do processo que você está fazendo, você tem que conhecer do material reciclável. O que que é reciclável de verdade? Porque se você não conhecer você não consegue. Você precisa saber fazer o administrativo, porque se você não souber fazer, ficar solto, as coisas acontecem e você se perde. Então, se você não faz formação, você precisa fazer formação. E eu dei muita informação da economia solidária, a gente precisa entender esses princípios. O que que são esses princípios para nós? O que que isso nos fortalece? O que que isso traz de bom para a gente? Nas formações eu falava, olha, a gente já faz economia solidária, desde quando a gente morava na roça que trocava um café por um arroz, um feijão por um pedaço de toucinho. Então a gente já faz essa tal de economia solidária a anos. Só que num outro processo, uma outra forma diferente, mas que a gente já faz. Hoje a gente faz no intuito desse tal desse dinheiro, que eu não sei porque que a gente tem que ter esse dinheiro. Mas já que tem que ter, então a gente precisa repensar as nossas atitudes. Então precisa ter formação, precisa ter formação até para mim chegar e virar e falar: olha, hoje nós recebemos R$ 100,00, mas a gente precisa pensar que R$ 20,00, desses R$ 100,00, é para manutenção, para despesa da casa. Do mesmo jeito que a gente tem na casa da gente, luz, água para pagar, aqui a gente também tem, a gente precisa deixar. E se a gente não estuda, não faz essas formações, não passa pelas captações, a gente só entende que é por dinheiro no bolso. E se você põe ele todo no bolso e não dá equilíbrio, você não tem sustentabilidade, a coisa morre. Então, não tem jeito de você viver um negócio, fazer um negócio, sem ter formação. Mesmo na casa da gente, a gente não precisa pensar, quando você vai subir uma escada, se ela está equilibrada, qual que é o nível do terreno que você tá, para poder subir? A mesma coisa é no trabalho nosso! É um trabalho solidário? É um trabalho econômico solidário. Solidariedade não precisa dessas coisas! Precisa! Porque se você não se fortalece, não se junta para coisa acontecer de fato, você morre, daí uns meses você não consegue mais fortalecer aquilo que você achava que ia dar certo. É acreditar que que é um negócio, mas é um negócio solidário, mas é um negócio!
P/1 – E quais as vantagens de se trabalhar coletivamente, autogestionada?
R – Eu acho que das melhores coisas que tem, é não ter o patrão! Quem dita regras, que você tem que fazer e ser imposto. Quando a coisa é imposta, a gente faz, mas você faz sem ter vontade de fazer. Nós fizemos reunião semana passada e semana passada eu coloquei que a gente precisava ter meta de produção, que tá muito fraco, tem muito material e a gente precisa trabalhar mais, ou então a gente ia ter que trabalhar 24 horas, a gente ia teve que trabalhar sábado também, domingo também, então a gente tinha que arrumar um jeito lá. E aí as meninas me chamaram a atenção. “Como que você fala que nós somos os nossos patrões, nós somos chefes do nosso negócio, esse negócio é nosso, a gente precisa fazer ele com solidariedade, com amor! Se está sendo imposto! Porque do jeito que você está colocando, está sendo imposto! Porque a gente não quer vir trabalhar todo dia, a gente não quer trabalhar 24 horas. A gente não é máquina!” E eu acho que o bom de ser dono do seu negócio, de trabalhar essa gestão, acreditando que vai dar certo! E se a gente tem compromisso e responsabilidade, é isso! É deixar livre para poder fazer o trabalho! Ter lá os acordos, que é claro, que se na casa da gente tem um pai e uma mãe. E aí a gente costuma dizer lá que lá a mãe é a Silvana. Não sou eu não, é a Silvana! Mas precisa também ter uma hierarquia, não dá para ser de todo livre, de todo solto. Mas que a gente precisa ter o mesmo compromisso e responsabilidade que o outro tem, para coisa dar certo. Então, acreditar nisso, gostar de trabalhar dessa forma, realmente, é pensar, eu não preciso ter um patrão para mim poder fazer o meu trabalho, é o que eu fizer, é o que eu vou ganhar, e é o que eu ganhar, é que eu vou controlar as minhas dívidas, as minhas contas. Porque aí eu tenho que pensar, se eu quero ganhar bem, eu tenho que trabalhar bem. Eu quero um dia, eu falei para elas, eu quero chegar uma hora de virar e falar, hoje nós ganhamos R$ 5.000,00, e desse R$ 5.000,00, a gente pode ter direito a mais lazer. Não é que a gente não tenha direito, mas ter direito a mais lazer. A Silvana, mesmo, foi através do bolsa reciclagem, a primeira bolsa reciclagem que a gente recebeu, que é um programa do governo aqui do estado. Ela me agradeceu tanto, que eu falei, não sei porque que você está me agradecendo, porque você trabalhou para isso. Ela conseguiu ir viajar para a praia de avião com a família dela, o marido e as duas filhas. Então, isso foi um motivo para ela de muito orgulho, que era do suor dela que estava saindo esse dinheiro para poder levar a família para viajar, para ir para praia. Então é isso, sabe, acreditar que a gente pode! Se a gente quer, se a gente tem compromisso, responsabilidade, a gente pode!
P/1 – Tava falando do bolsa reciclagem, eu queria saber se tiveram outras políticas que vocês acessaram, enquanto grupo, pode ser política federal, política estadual, municipal, política de economia solidária?
R – Então, nós temos a 12.305, de 2010, que a política nacional de resíduos. Que ela completa nós demais, o nosso trabalho, mas ela não tem uma fiscalização, sabe! Acho que ela não é implementada conforme diz a lei, devido à questão de não ter uma fiscalização. Então, cada município que você chega, cada estado que você chega, é uma visão contrária do que essa política. Então, é a política nacional de resíduos, que fortalece muito a nossa cadeia e nos dá condições mais dignas de fazer o trabalho. A CBO não é uma política, mas o reconhecimento da nossa cadeia, o profissionalismo, isso também fortaleceu muito o nosso trabalho. Os programas, tem vários programas, agora, por exemplo, o Pró Catador, voltando, que tá aí, que é uma ferramenta também, que empodera muito os catadores. Os fomentos, que hoje a gente sabe, que nem todo município, mais alguns municípios tem alguns fomentos de empoderação, de apoio aos catadores. Nem todos os estados, nem todos os municípios, mas uma parte já faz isso, já trabalha isso. Outra coisa muito bacana que tem acontecido também, é a contratação pela prestação de serviços, nos municípios. Acho que é o que eu estou lembrando agora no momento. Eu tô meio avoada aqui, gente.
P/1 – Eu queria saber, sendo um trabalho coletivo, tem as amizades, as colegas, e também tem histórias coletivas. Eu queria que você contasse alguma história de um momento especial dentro da Coopersoli, que você lembra com carinho?
R – Eu acho que a história que eu lembro com muito carinho dentro da Coopersoli, era quando a minha família tava junto, fazendo o trabalho, porque eu já tive junto com nós, sobrinho, minhas ex cunhadas, minha filha. Quando a gente trabalhava todo mundo ali junto e com o mesmo alcance de divisão, porque eles entendiam que a gente precisava ali apoiar outras pessoas. Gerar trabalho em renda, não era só para os que tinham condições de fazer, mas também para os que não tinham condições, porque entre nós tem muitas pessoas, que você olha e fala… E aí alguns fazem essa observação, como é que pode ganhar o mesmo tanto que o outro, sendo que ele não dá conta de fazer. Mas aí a minha família tá junto e dizer, não, mesmo direito que um tem o outro tem. E a gente precisa somar esforços, ele não dá conta de fazer, a gente faz por ele! Então quando eu tinha a minha família mais próxima, eles estavam juntos ali, ajudando, apoiando. Eles faziam bazar para poder ajudar, garantir a renda da cooperativa. Eles faziam o corre de… Meu filho, por exemplo, o primeiro telefone que a gente teve, foi meu filho que deu. Eu preciso de um apoio para dirigir, por exemplo, hoje o caminhão, é o meu sobrinho que está dirigindo, porque o nosso motorista está machucado. Então, esse apoio da minha família, me deu sustentabilidade, sabe, me deu força para fazer o trabalho. E assim, eu olho para eles, hoje mesmo a minha filha gravou um vídeo, falando do meu trabalho, do quanto isso para ela é importante, do quanto eu fui guerreira para dar a eles condições de continuar estudar. Minha filha fez uma faculdade, e fazendo a catação junto comigo. Então, é isso que me fortalece. Acho que das histórias mais bonitas que eu tenho, é isso, é a nossa união, é ouvir a Inês falar, “olha, eu comprei a minha geladeira, aqui do material.” “Neli, esse mês deu para eu pagar a minha prestação, comprei minha geladeira! “Paguei a minha geladeira à vista, comprei a minha televisão agora.” É essas coisas que me deixam feliz e me motiva. A outra, “eu estou pagando o meu aluguel, mas graças a Deus eu pago o meu aluguel com prazer, que é do meu do meu suor, do meu dinheiro, tô mais livre hoje, tenho a minha liberdade!” Então isso para mim é muito importante! Hoje um homem me abraçou, e falou: Neli, graças a carta que você escreveu, eu consegui uma vaga na escola para o meu filho, então hoje eu estou deixando ele num lugar mais quietinho e que tem condições de cuidar dele para mim para mim, pra mim pegar só depois que eu sair daqui, muito obrigada! Essas coisas, assim, supera qualquer dificuldade!
P/1 – Neli, eu queria saber, você falou que conheceu o professor Paul Singer, se você tem alguma memória dele?
R – Eu tenho várias memórias, tenho várias! Na feira de economia solidária, no Rio Grande do Sul, Santa Maria. Ele me abraçando e a gente trocando carinho, porque ele era muito carinhoso com a gente, mesmo depois de estar doente, na dificuldade, mas ele muito próximo. Eu tenho lembrança deles lá na Unisol. Mas a lembrança mais presente que eu tenho, foi dele dentro do Fórum de Economia Solidária, eu numa mesa com ele, e ele falando comigo, se eu acreditasse, tudo que eu acreditasse era possível, a partir da hora que eu acredite.
P/1 – Eu queria saber como você vê o futuro do seu trabalho?
R – Eu já falo com as pessoas, que eu estou velha e que eu estou deixando para os novos. E que eu espero aposentar, mas continuar recebendo do meu trabalho, viu! Eu não quero receber de outro lugar, não, é do meu trabalho. Eu acredito muito, muito, nas pessoas e acredito muito nesse trabalho, é uma coisa que eu amo, amo fazer. Eu acredito que a gente ainda vai ser reconhecido por essa prestação de serviço. Eu costumo dizer, que nós somos os médicos do meio ambiente, porque a gente aqui trata esse meio ambiente, para essa população toda que está aí. Tem lá o médico que faz o seu diagnóstico, mas temos nós que trabalhamos e limpamos no meio ambiente. Então, eu acredito que a gente ainda vai ter esse reconhecimento, assim, como outros profissionais tem. Eu acho que a única coisa que eu gostaria, de fato, sabe, que acontecesse, era o reconhecimento e o pagamento por essa prestação de serviço, sabe! Que todos os meus companheiros tivessem uma vida mais digna, menos insalubre, com menos dificuldade. Eu acredito que esse momento vai chegar, não é hoje, não é amanhã, mas eu creio que eu ainda vou olhar para trás, e falar: olha, a sementinha que eu plantei, ela vingou, deu flores e deu frutos. As pessoas, hoje, realmente, recebem por essa prestação de serviço, e a gente é reconhecido, e faz o trabalho ainda… Hoje a gente já faz com um pouco de dignidade, mas nós vamos fazer ainda, com muito mais dignidade. E passar pela rua e ouvir falar, “olha lá, aquele lá é o catador”. Igual eles falam, aquele lá é o médico, sabe! Sem ser menosprezado pelo fato de ser catador.
P/1 – Como é o seu dia a dia hoje?
R – O meu dia a dia hoje é fantástico, só não é melhor pelo fato do meu filho estar doente, e eu ter que cuidar dele. Mas ele é bom demais! Eu viajo muito, ajudo muito os companheiros nos outros municípios, dentro do estado e fora do estado. A minha base, eu sou reconhecida pelos meus companheiros de trabalho, que me dão carta aberta para ir fazer as coisas que eu tenho para fazer, de ajudar, de apoiar o próximo. E sou reconhecida, sabe, não por toda população, porque eu espero que um dia eles vejam o belíssimo trabalho que a gente faz, mas por aquelas pessoas que me importam, que é importante para mim, eu sou reconhecida. Então, meu dia a dia é maravilhoso.
P/1 – E o que você gosta de fazer nas horas de lazer?
R – Eu gosto da minha casa, eu adoro a minha casa! Eu já caminho muito, já ando muito, já viajo muito, já vejo tanta coisa lá fora. Assim, gosto de ver um filmezinho. Mas eu gosto de ficar na minha casa! Eu gosto muito da minha casa, do meu lar.
P/1 – Neli, como que o coronavírus, a covid-19, acabou impactando a sua vida? Seja nos quesitos mais profissionais e também na sua vida pessoal?
R – Profissional foi difícil, porque a gente teve que parar 8 meses. Ficamos 8 meses parados, a prefeitura falou que a gente não podia sair mesmo para trabalhar. E aí eu fui buscar a campanha, graças a Deus, eu sou uma pessoa que tem muita gente que me ama, que gosta de mim, me ajudou muito! Então me ajudaram a fazer campanha, busquei recurso para que nós catadores não ficássemos tão desassistidos, consegui cesta básica. Foi difícil, porque a gente ficou sem se ver, e aí as pessoas mais velhas da cooperativa, a gente não podia nem um na casa do outro. Fiquei sem ver o meu neto durante esses meses, porque não podia, e eu só tenho meu netinho, que é lindo, maravilhoso, e aí a gente só ficava fazendo chamadas, foi muito difícil! Mas eu agradeço ainda a pandemia, com tudo que a gente viveu, que a gente passou. Eu tive covid, não foi fácil, e aí por eu morar sozinha é muito difícil, então meu filho vinha, ajudava, mas não podia ficar perto. Minha filha não podia vim porque tinha o meu neto, não podia ficar perto, foi difícil! Mas por outro lado, ela apresentou para a gente uma outra forma de fazer a vida, de trabalhar, porque agora mesmo nós estamos aqui, trabalhando. E antigamente a gente falava, esses trem é impossível! E hoje a gente consegue, nem que seja através da tecnologia, a gente consegue se vê, falar, conversar. Mas foi uma coisa que, foi não, ela está, porque ela continua. Deu muito medo, por mais cuidado, por mais amparo que a gente tenha tido. Ancat, na época, me ajudou com recursos para que a gente tivesse toda a estrutura para voltar a trabalhar, quando a gente voltou a trabalhar, em termos de álcool, lona, borrifador, máscaras. A gente conseguiu com a universidade aqui que fizesse máscaras para a gente, conseguimos doação de máscara pela __________,pelo ____________, pelo núcleo alternativo. Então, assim, a gente muito apoio, da própria prefeitura, o tempo todo. No primeiro momento a gente ficou chateado com o prefeito, depois eu falo que ele acertou em muito, em ter paralisado realmente Belo Horizonte, o nosso trabalho, porque se não muito dos nossos poderiam ter morrido. Graças a Deus, a gente não perdeu nenhum companheiro. Então, acho que tem coisas que foi ruins, mas tem coisas que foram muito boas dentro dessa tal covid. Que a gente precisa continuar ainda, tendo os cuidados básicos, se protegendo, porque ela continua, ela está aí. Mas dando mais condições hoje da gente trabalhar.
P/1 – Neli, o que é Coopersoli significa hoje na sua vida?
R – Coopersoli é minha vida, é o meu cantinho, é a minha família. A Coopersoli é tudo para mim! Eu não fico nem sem trabalhar, eu não consigo ficar aqui em casa e falar, assim: hoje eu não vou trabalhar! Eu só não trabalho no domingo! Mesmo assim, depende do domingo, porque tem domingo, se tiver alguma atividade, falar é da Coopersoli, eu tô indo! E as meninas falam, não sei para quê, por que se pergunta uma lá, tem reunião no sábado, “eu não posso não, porque eu vou cuidar da casa, vou fazer…” Eu prefiro não arrumar a casa, não lavar roupa, não fazer nada! É atividade, é Coopersoli, eu vou! A Coopersoli é tudo para mim! É a minha vida!
P/1 – E quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R – Meu neto, olha para você ver, olha o grau de importância. Meu neto, os meus filhos e a Coopersoli.
P/1 – E eu queria saber quais são os seus maiores sonhos hoje?
R – Eu acho que o meu maior sonho, e eu conversei isso com Deus ontem, eu queria minha saúde de volta, esse é o meu maior sonho, ter a minha saúde de volta. O segundo sonho, ver os meus filhos bem estabilizados, meu neto bem saudável. E o terceiro é ver os companheiros da Coopersole ganhando bem, trabalhando com qualidade, com vontade e cada um com a sua moradia, que é de direita e com dignidade.
P/1 – E qual o legado que você deixa para o futuro?
R – Que eles não se esqueçam do amor ao próximo, do cuidado com o próximo, de ser grato a tudo que tem. Porque por mais dificuldade que a gente passe, a gente tem que ser grato a tudo que a gente tem, tudo que a gente passa é porque é necessário passar para aprendizado, para crescimento. E não se esqueça nunca do bem viver, do amor ao próximo.
P/1 – Neli, a gente já está chegando ao fim, eu tenho só mais duas perguntas. A primeira delas é se você gostaria de contar alguma coisa que eu acabei não perguntando, ou se não deixar alguma mensagem?
R – Eu não sei se você perguntou tudo, mas eu acho que dizer que a gente tem que olhar para trás, rever as nossas histórias, rever os nossos conceitos, acreditar! Porque de fato, tudo é possível quando a gente acredita. E se a gente quer, se a gente ama, pode ir lá que vai dar certo! É por Deus na frente, sabe, e não esquecer os conselhos, porque às vezes a gente nem entende no momento aquele conselho, mas coloca Deus na frente, escuta, olha para um lado, olha para o outro e segue que a gente tem condições de vencer.
P/1 – E como foi contar a sua história hoje no Museu da Pessoa?
R – Muito difícil, não é fácil não! Porque a gente fica ansiosa, não sabe nem o que tá falando, se tá dentro do que foi perguntado. A gente fica assim, mas ela perguntou foi o que mesmo? E a gente fica cheio de dúvidas, se tá respondendo o que está certo. Mas foi bom, eu acho que foi bom pelo carinho, pelo acreditar de Paul Singer nessa caminhada nossa, acreditar que a gente pode ser patrão do nosso negócio, a gente pode crer que uma nova economia é possível, que a gente pode ganhar do suor da gente sem explorar ninguém, sem ter que ficar ouvindo ninguém gritando, mandando a gente o tempo todo. Eu acho que o legado que ele deixou para a gente, é de solidariedade. Que isso não morra nunca! E que todas as pessoas que leem, que ouvir falar dele, lembre que ali tinha uma imensidão de amor, sabe! Era cuidar das pessoas de uma forma muito, muito especial.
P/1 – Neli, é normal ficar nervosa. Mas eu vou te contar que foi muito legal conhecer a sua história, foi ótimo! Você respondeu todas as perguntas super bem, não teve nada que você deixou passar, que eu tenha percebido, foi super legal, mesmo! Muito bom te conhecer e agradeço demais! Porque acho que a sua história tem completamente a ver com a economia solidária, tem que estar nesse projeto do Instituto Paul Singer junto com o Museu da Pessoa, faz muito sentido! Então eu agradeço muito, em meu nome, em nome do museu, em nome do Instituto Paul Singer também! Eu acho que é uma grande memória para a Economia Solidária no Brasil. Obrigada, viu!
R – Eu que agradeço, viu! Não sei se a história é bela, não, mas também se não for não tem importância! Mas acho que falar dele para mim é gratidão, sabe! Vê que as pessoas, foram duas pessoas que me disseram nessa caminhada coisas que eu precisava ouvir, para mim acreditar mais em mim, foi Paul Singer e foi Enrico Giusti. Então, são duas memórias que ficou latente para mim, que me fez uma pessoa diferente, sabe! Me fez acreditar que eu podia acreditar em mim que a coisa ia dar certo. Eu que agradeço muito por estar aqui, por poder compartilhar um pouquinho de mim. E espero que você tenha gostado mesmo! Tá bom!
P/1 – Muito! Muito!
[Fim da Entrevista]
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