Entrevista de Maria Mancin Pollezi
Entrevistada por Luiza Gallo e Maria Helena da Cruz
Rafard, 21/12/2022
Projeto: Todo Lugar tem uma História pra Contar – Rafard
Entrevista número: PCSH_HV1097
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Dona Maria, primeiro eu quero agradecer demais por você nos receber aqui na sua casa, por ‘topar’ dividir um pouquinho da sua história pra gente e, pra começar, eu queria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Maria Mancin Pollezi, nascida em Capivari, 22 do sete de 1926.
P/1 – E você sabe a história do seu nascimento?
R – Sei. Eu tinha cinco dias, eu fui batizada, porque eu estava muito mal, acharam que eu ia morrer e me batizaram e eu estou aqui até hoje. (risos) Foi um batizado urgente, né?
P/1 – E você sabe como o seu nome foi escolhido?
R – Não. Mas de duas primas eu sou a terceira, meu vô que punha o nome, as três são três Marias. Uma é Maria Mancin, igualzinha eu. (risos)
P/1 - Mesmo nome?
R – Mesmo nome, que são dois irmãos e a segunda... a primeira tem o mesmo nome meu. Não, eu que tenho o mesmo nome dela. E a segunda ganhou outro sobrenome, que é filha de uma irmã do meu pai. São as três Marias, as três primeiras netas meu vô que punha o nome, meu vô paterno, são três Marias.
P/1 – E qual o nome do seu pai?
R – João Mancin.
P/1 – E da sua mãe?
R – Rosa _______. Antigamente não usava o sobrenome do marido. Ela não tem no registro, não tinha.
P/1 – E você sabe um pouquinho da história deles? Onde eles nasceram?
R – A minha mãe nasceu em Piracicaba. Meus avós vieram da Itália. Os quatro, paternos e maternos vieram da Itália.
P/1 – E você sabe como foi essa vinda pro Brasil?
R – De navio, antigamente. Levava quarenta dias. Se a pessoa falecia, jogava no mar. Antigamente era assim. Meus avós contavam. Se adoecia, morria, jogava no mar.
P/1 – E você conheceu seu avós?
R – Conheci.
P/1 – E o que eles contavam dessa vinda, dessa viagem?
R - O meu avô paterno não se deu no Brasil. Ficou uma temporada, depois ele voltou pra Itália, abandonou minha avó, minha avó não quis voltar, porque tinha as filhas, já estava com três e ela não quis voltar e ele voltou sozinho, deixou minha avó sozinha. Nessa época minha avó morava em Piracicaba, por isso que minha mãe nasceu em Piracicaba. Eles trabalhavam muito, vieram aqui pra ‘fazer a vida’, porque eles moravam na Itália num lugar muito pobre e até hoje é. Já consegui, fui conhecer. (risos)
P/1 – E seu avós paternos?
R – Também moravam no sítio. Meu avô paterno morreu com 69 anos, novo, trabalhando. Deu derrame. Antigamente falava derrame, hoje é infarto, né? Na roça. O trouxeram, levaram pro médico, durou três dias, faleceu. Minha vó já morreu com quase 75 anos. Paterna, né? Minha vó materna morreu com 91 anos.
P/1 – E você lembra de alguma história, alguma coisa que vocês gostavam de fazer juntos, você e seus avós?
R – A minha vó materna tinha ciúmes, porque a minha irmã, mãe dessa minha sobrinha aí, era afilhada dela, então ela só dava presente pra ela e a pra mim ela nunca deu, que ela tinha ciúmes. Nunca ganhei presente da minha madrinha. Nem da avó, né?
P/1 – Você ficava triste?
R – Ficava. Mas hoje, graças a Deus, presente de Natal da minha nora, desse meu filho que não veio ainda. Hoje eu ganho muito presente. Então, foi uma recompensa.
P/1 – E tinha alguma coisa que você gostava de fazer com sua avó? Vocês cozinhavam? Tinha alguma atividade que vocês faziam juntas?
R – Não, porque os meus avós moraram sempre no sítio, e eu quando tinha dois anos, a gente já mudou em Rafard, numa colônia, Fazenda Leopoldina. Então eu, com dois anos, já fui criada aqui em Rafard.
P/1 – Então, você morava no sítio, com dois anos veio pra Rafard. E seus pais te contaram como foi essa mudança?
R – Eles mudaram, porque minha mãe não combinava com o cunhado. Então eles saíram, que antigamente casava e ficava morando junto. Depois, quando casava outro filho, aquele saía. Todos os filhos tinham que ficar com os pais, né? O primeiro que casava ficava morando junto, aumentava a família. Aí, quando casava o segundo filho, o primeiro que já casou saía e o meu pai foi o segundo que casou, a minha mãe não combinava com o cunhado, saíram antes de casar o outro. Aí a gente veio morar aí. E aí que eu fui na escola, com sete anos e meio que eu tinha, faço aniversário no meio do ano. Antigamente não entrava antes de completar sete anos. Saí da escola com onze anos e fui carpir, trabalhar na fazenda. Com o feitor atrás, com onze anos.
P/1 – Como foi ir pra escola? Que recordações você tem desse período?
R – Nossa, que luta! (risos) A minha mãe trabalhava, tinha uma criança pequena, uma irmãzinha minha, que faleceu agora faz oito anos, ela era nove anos menos que eu. Então eu ia na escola à tarde, a minha irmã, que é mãe dessa minha sobrinha, ia na escola de manhã, à tarde eu levava a menina na escola e quando chegava na escola a minha irmã voltava com a menina e eu entrava na escola. A criançada ia no recreio brincar e eu estava na classe, fazendo lição, que não dava pra fazer lição em casa com uma criança pequena, que tinha que olhar a menina. E foi uma luta pra estudar os quatro anos.
P/1 – Teve alguma professora marcante pra você?
R – Uma professora chamada Dona Altimira, que era de Piracicaba. Vinha de trem. (risos) O diretor chamava ‘seu’ Jordão. (risos)
P/1 – E os seus pais, como você os descreveria, o jeitinho deles?
R – Meu pai ‘caiu do céu’. Ele era pai e mãe pra gente. Meu pai faleceu não na minha casa, mas no hospital, que minha mãe faleceu três meses antes e meu pai ficou comigo. Faleceu no hospital, nos meus braços. Meu pai era um ‘paizão’, mesmo.
P/1 – O que vocês gostavam de fazer juntos?
R – Toda vez que ele ia no sítio visitar os pais dele, ele levava as três filhas. Só não levava a pequena, que nós éramos em quatro irmãos, ele levava os três filhos. Quando a gente cansava, a gente sentava na linha do trem, no horário que não passava trem e ele atacava pedra no mato, pra alegrar a gente, pra descansar. Depois voltava a pé. Caminhava, ia a pé. A gente não tinha condução, não tinha nem ônibus. A gente ia e voltava a pé e ia ‘feliz da vida’, porque estava passeando.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe não ia. Nem na casa da mãe dela.
P/1 - Por quê?
R – Eu não sei, ela não saía de casa.
P/1 – E vocês faziam alguma coisa juntas?
R – Em casa?
P/1 – É.
R – A gente costurava junto. Quando eu fui aprender costura, eu tinha ______ de costura, então nas usinas, antigamente, davam, no Natal, camisas pros meninos, camisinhas prontas. E pras meninas dava vestidinho. Então a minha mãe pegava as camisas pra fazer, eu pegava os vestidos. Então a gente trabalhava junto. Só que eu acabava a minha e depois acabava a dela também. (risos) Ela não tinha muita paciência pra costurar.
P/1 – E ela que te ensinou?
R – Não. Eu fui aprender fora, porque trabalhava no emprego, saía e ia aprender a costurar. A mulher que aprendi a costurar chamava Norma. Uma senhora muito boa também, que ___ duas vezes, igualzinha eu. Eu que aprendi com ela, que ela era idosa. (risos)
P/1 – E Dona Maria, o que você lembra de brincadeiras com seus irmãos? O que vocês gostavam de fazer juntos?
R – A gente não brincava muito, não, porque foi trabalhar muito cedo, né? Meus irmãos também trabalharam muito cedo, mas em casa, à noite, a gente jogava baralho com a minha mãe. Ela gostava de baralho e à noite a gente jogava baralho, brincava. (risos) E na Terceira Idade também. Eu fiquei 26 anos participando, na Terceira Idade, competia no buraco. Tinha medalha de prata, de bronze, de ouro.
P/1 – Você é do buraco!
R – Joguei vôlei.
P/1 – Isso ainda quando você era menina?
R – Não. Com 68 anos.
P/1 – No Grupo da Terceira Idade?
R – É. De menina nunca joguei. Não sabia nem o que era. (risos)
P/1 – E ainda pensando na sua família, tinha alguma comida que vocês gostavam, que tinham hábito de comer, que te lembra sua família?
R – Refrigerante a gente tomava só no Natal e ‘Dia de Ano’, né? A minha mãe gostava muito de cabrito, matava cabrito no Natal.
P/1 – E vocês cozinhavam juntas, ou não?
R – Cozinhávamos. Minha mãe cozinhava muito bem, ela foi merendeira na escola, em Capivari, muitos anos. Depois que casaram todos os filhos ela mudou pra Capivari, que o pai trabalhava na usina, ela mudou pra Capivari e ela foi merendeira no grupo em Capivari. Ela cozinhava muito bem. E eu também, com treze anos e meio saí de trabalhar na roça, fui trabalhar de empregada num francês, trabalhei dez anos numa casa só e saí pra casar. Trabalhei três anos e... como fala? ‘Fugiu’. (risos)
P/1 – ‘Fugiu’. Carpir?
R – Não.
P/1 – Isso foi novinha, com onze anos.
R – É. Com treze anos e meio que eu trabalhei lá no emprego, mas primeiro eu fui... que faz faxina na casa, que limpa a casa. Não era faxineira, na época. Copeira. Três anos.
P/1 – Com quantos anos?
R – Treze anos e meio copeira. Depois mais sete anos eu fui cozinheira, trabalhava na cozinha. Cozinhava pra francês, às vezes de sábado trabalhava até dez horas da noite. Entrava sete horas da manhã, saía sete horas da noite.
P/1 – Você não dormia lá?
R – Não.
P/1 – E como era trabalhar lá?
R – Era muito bom. Tinha fartura de tudo, mas tinha horário pra tudo. Não podia entrar um minuto atrasada, que ela falava: “Hoje você perdeu a hora”. Ela olhava no relógio e falava: “Hoje você perdeu a hora”. Mas era muito bom, porque tinha muita fartura. A gente não tinha na casa. Foi muito bom.
P/1 – Como era o dia a dia?
R – Trabalhava. Acabava o serviço, ela dava roupa pra gente desmanchar, descosturar, fazer uma pencinha. Ela tinha máquina, mas ela fazia a gente fazer na mão, pra ter sempre, pra ter serviço o dia inteiro, não parar.
P/1 – Você lembra de alguma história, algum dia marcante lá?
R – Tive. Meu patrão faleceu em maio de 1949. Ela foi pra Campinas fazer compra com a filha e ele ficou, umas dez horas ele voltou da firma, ele era químico, voltou da usina e falou pra mim que estava com dor de cabeça e na coluna. Eu falei pra ele: “O senhor quer que eu faça um chá?” Ele ficou quieto. Aí eu fiz um chá. Falei: “Na gaveta da mesa, na copa, tem comprimido. O senhor toma um, eu vou pegar”. Ele falou: “Tomo”. Tomou e deitou. Daí uma hora, mais ou menos, ele falou: “Eu melhorei um pouquinho, vou voltar a trabalhar”. Voltou. Veio almoçar e não almoçou. Ficou andando no quintal. Falei: “O senhor não melhorou?” Ele falou: “Não” “O senhor quer que faça chá?” Ele falou: “Faz outro chá pra mim”. Eu fiz outro chá, ele tomou, deitou, ficou um pouquinho deitado e saiu e foi trabalhar. De repente ele voltou, não aguentou trabalhar. Também não pensou em ir ao médico, a gente também não pensou em levá-lo ao médico. Aí elas chegaram dez horas da noite de fazer compras, porque a filha morava, na época, em Paris e ia embora. Então como foi 1945, época de guerra e isso foi em 1949, tinha terminado a guerra, então ela veio fazer compra, que na França não tinha mais nada. Vieram fazer compras pra ela ir pra França. Aí demoraram pra chegar. E ela falou que se não chegasse até dez horas, que a gente podia ir dormir. A gente ficou aquele dia pra dormir lá, porque ela tinha criança pequena, a filha, então a gente ficou com a criança e tinha que esperar elas chegarem, mas a criança já estava dormindo e a gente também foi dormir. Quando elas chegaram a gente apagou a luz e fingimos que estávamos dormindo. Não estava dormindo nada. Meia-noite ela bateu na porta do quarto, ele já tinha falecido. Nossa, foi chocante pra gente.
P/1 – Você não trabalhava sozinha, tinha mais gente?
R – Nós trabalhávamos em duas. Minha amiga chamava Mercedes. Ela já faleceu também, com 41 anos.
P/1 – Então foi um dia bem marcante?
R - _______ também. Foi muito marcante. Parece que eu vejo o dia.
P/1 - Passa na cabeça.
R - “Por que a gente não levantou?” Marcante.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – 22. Não era mais uma criança. Eu era noiva com o pai do meu filho e o meu patrão falava: “Quando que você vai casar, Maria?” “Não sei, não estou a fim”. (risos) Ele falava: “Ó, vale mais um pássaro voando, do que dois no ‘arvor’”. Ele não falava árvore, era francês! Ele faleceu, nem ficou sabendo que eu casei. Mas ele foi enterrado aqui em Rafard. Ela disse que voltava para buscar ele, mas nunca mais voltou. Não, ela voltou quando esse meu filho estava com dois aninhos, ainda ela quis vê-lo, mandou me chamar, eu morava no sítio e ela conheceu meu filho, mas ela faleceu em Paris. Ele teve uma morte repentina, ela não… Ela sofreu muito, morreu paralítica, numa cadeira de rodas. Ela era má. Ele era muito bom.
P/1 – Dona Maria, voltando um pouco, quando você era menina nova, criança, você pensava o que você queria ser quando crescesse?
R – Não, não tinha ideia.
P/1 – O que você gostava de fazer, quando você era pequena?
R – A minha amiga, que já faleceu, a gente andava muito a cavalo. Adorava andar a cavalo. O pai dela era administrador na fazenda, a gente ia muito no sítio, na casa dos avós dela, a cavalo, que o pai com a mãe dela ia de charrete e nós íamos a cavalo. Eu adorava andar a cavalo. (risos)
P/1 – Que delícia! E teve algum dia marcante com essa sua amiga?
R – Não recordo, não.
P/1 – E na escola, teve algum amigo, amiga muito importante pra você?
R – Tinha uma amiga que chamava Arlete, ela era de família bem de vida média, sabe? Então ela levava lanche melhor que a gente e um dia por semana ela trocava de lanche comigo. A gente levava pão feito em casa e ela levava um lanche mais sofisticado. Então ela queria trocar o lanche. Não sei se era porque ela queria mesmo, ou era porque ela tinha pena da gente, né? (risos) Chamava Arlete.
P/1 – Você lembra disso. E aí, depois que você estava trabalhando nessa casa, com a família dos franceses, você noivou. Como você conheceu seu esposo?
R – Foi no casamento de uma cunhada minha. Naquela época tinha baile. Tinha casamento e baile. Fazia casamento e tinha baile no quintal da casa. A gente foi no casamento da minha cunhada e eu fiquei conhecendo o meu marido.
P/1 – Como era o nome dele?
R – Benedito de Campos. O apelido dele era Du. (risos)
P/1 – E como foi o encontro de vocês? Vocês viveram quanto tempo juntos?
R – Acho que eu namorei uns quatro anos.
P/1 – Vocês casaram?
R – Casamos e ficamos três anos e nove meses só, juntos. Ele faleceu de acidente, com 33 anos.
P/1 – Você lembra desse dia?
R – Dia oito de novembro.
P/1 – Você já tinha filhos?
R – Tinha esse daí, com dois anos e estava grávida de um mês do segundo filho. Ele já tinha arrumado até padrinho. Ele sabia que eu estava grávida.
P/1 – Como foi receber essa notícia?
R – Horrível. Ainda não falaram que ele tinha falecido. Falaram que estava mal, no hospital. Horrível.
P/1 – E, Dona Maria, como foi se tornar mãe?
R – Maravilhoso. Primeiro filho. Meu marido era tão ‘coruja’! Ele adorava criança! Ele falava: “O meu torrão de ouro”. Não falava ‘meu filho’. Ele era muito amoroso, meu marido.
P/1 – E como foi suas gravidezes? As duas primeiras.
R – A primeira foi muito boa, a segunda já foi mais… de modo que esse meu filho é muito nervoso, sabe? É superelétrico. Tudo que eu passei transmitiu pra ele, né? Grávida com vinte anos, sem eira nem beira. Difícil.
P/1 – Como você começou a se estruturar novamente?
R – No começo eu fiquei nos meus pais. Quando meu filho nasceu, ele já estava com seis meses e chorava muito, sabe? Nasceu muito fraquinho, né? E a minha mãe não tinha muita paciência e falou pra mim que era melhor eu voltar no sítio, com meu sogro. Eu voltei no sítio, fiquei acho que uns seis meses, oito meses no sítio, depois eu tinha um cunhado que bebia muito, eu me sentia muito mal, aí eu mudei pra Capivari, fui alugar casa com duas crianças pequenas. Não tinha creche. Costurava pra ganhar, lavava e passava roupa pra ganhar, com duas crianças pequenas dentro de casa e de manhã eu levantava cinco horas da manhã, deixava as crianças fechadas dentro de casa e ia limpar um consultório de um médico, a sala de espera, que era o dinheiro que eu conseguia pagar o aluguel da casa, que eu trabalhava com ele.
P/1 – Quanto tempo foi assim?
R – Três anos. Aí não conseguia mais, tive que me casar pela segunda vez.
/1 – Como você conheceu seu novo marido?
R – Foi meu cunhado. Meu marido, o pai dessa minha sobrinha, trabalhava junto, ele era viúvo também, foi ele que me apresentou.
P/1 – Foi um bom casamento?
R – Foi. Enquanto ele trabalhava, foi muito bom. Depois que ele se aposentou não deu muito certo. Mas valeu, a gente tinha um filho maravilhoso.
P/1 – Depois de quanto tempo a senhora engravidou de novo?
R – Engravidei em dezenove de julho de 1956, ele nasceu dezembro de 1957.
P/1 – Como foi essa nova gravidez, essa nova maternidade?
R – Foi bem tranquila. A gente já estava muito calmo, inclusive, ele nasceu de repente. O meu marido foi chamar a parteira, quando meu marido chegou com a parteira, ele já tinha nascido. A mãe de uma amiga minha que estava aqui comigo, foi ela que pegou o nenê. A parteira chegou e ficou brava. Já tinha nascido.
P/1 – Mas deu tudo certo?
R – Deu.
P/1 – E aí, o que você fazia? Você começou a trabalhar, voltou a trabalhar, sempre costurando? Como que era?
R – Daí a família já era muito grande. Meu marido tinha quatro filhos. Eu dois, depois o terceiro, três. Então, só tomava conta da casa, não tinha como. Depois eu voltei a trabalhar fora, quando meu filho caçula estava estudando, meu marido tinha aposentado já, e um negócio errado que ele fez, a gente perdeu todo dinheiro, não conseguia mais pagar faculdade, aí eu fui trabalhar de costureira outra vez.
P/1 – Com quantos anos?
R – (risos) 65. Fui trabalhar numa confecção, pro meu filho conseguir tirar diploma de faculdade.
P/1 – Confecção de quê?
R – De calça jeans.
P/1 – Como que era esse trabalho?
R – Era das sete às 17h35 ainda, pra não trabalhar de sábado.
P/1 – ‘Puxado’.
R – ‘Puxado’.
P/1 – Então era de manhã até o final da tarde, todos os dias?
R – De segunda-feira a sexta-feira.
P/1 – E aí seus filhos já estavam grandes?
R – Já.
P/1 – E esse seu segundo marido, como é o nome dele?
R – Juventino.
P/1 – Ele cuidou dos seus filhos mais velhos?
R – Cuidou. Ele cuidava muito bem dos meus filhos. Inclusive meus filhos o consideravam como pai. Ele foi muito bom pai pros meus filhos. Cuidou muito bem.
P/1 – E você chegou a cuidar dos filhos dele também, ou eram mais velhos?
R – Sim. Eram mais velhos, mas eu cuidei de todos. Hoje só tem dois: uma mulher, ela mora em Piracicaba e um homem que mora aqui. Mas ele já é idoso também, ele já tem 85 anos. Mas os filhos dele me chamam de vó. Nem de vó, chamam de nonna. (risos) Os meus netos falam vó e os do lado dele me chamam de nonna. Meu marido também era descendente de italianos.
P/1 – E, Dona Maria, o que você gostava de fazer pra se divertir? Tinha algumas atividades aqui em Rafard, na cidade?
R – Na época de solteira tinha dois clubes, Elite e União e tinha muita rixa. Tinha futebol, eu adoro. (risos)
P/1 – Você ia assistir, ou você jogava?
R – Não. Eu ia assistir. (risos) Adorava. Tinha baile. Não dançava, só ia assistir também. Meus pais não me deixavam dançar. Mas era muito bom. Rafard foi uma cidade muito boa. Perdeu muita coisa. Tinha cinema, a gente ia ao cinema sábado e domingo, mesmo depois de casada, já morando aqui, com os filhos pequenos. A vizinha também tinha filhos pequenos e meu marido trabalhava de noite e o dela de dia, então ela ia ao cinema de noite e eu ficava com as crianças dela. Na outra semana o meu que estava de dia, eu ia ao cinema e ela ficava com os meus. A gente se dava muito bem. Inclusive o casal também já morreu, mas uma das filhas dela até hoje me chamava de mãe, é uma amigona minha. Está sempre aqui, me ajudando.
P/1 – E os festivais de Rafard?
R – Nossa, são muito bons.
P/1 – Como que é? Conta pra gente. Como que era?
R – Os prefeitos chamavam cantores na praça. Juntava muita gente, era muito bonito. Vinham os cantores de música sertaneja, outras vezes era no pátio da igreja. Tinha muita festividade. Até que teve uns prefeitos muito bons, mas depois, quando foi mudando os últimos prefeitos, já não investiu mais nada. Tudo foi acabando.
P/1 – Mas você ia assistir os festivais?
R – Ia.
P/1 – Você tinha quantos anos?
R - Eu já era casada, tinha quase quarenta anos.
P/1 – No período fechava a cidade e lotava? Como que era? Ficava cheio de gente, ou não?
R – Entrava. Ficava muito cheio de gente.
P/1 – Era festa, era farra?
R – Era. (risos) A gente conhecia muitos artistas.
P/1 – Você lembra de algum?
R – Estou tentando lembrar. (risos) ______ adorava, não consigo lembrar o nome dele, ele é vivo até hoje. Não consigo lembrar o nome.
P/1 – Tudo bem. Sem problemas. Então tinha essas atividades?
R – Tinha.
P/1 – E a religiosidade, quando entrou na sua vida?
R – Desde que eu tive a Primeira Comunhão, onze anos. _____ de aspirante tinha quatorze anos. Depois de quatorze anos Filha de Maria. As ____ eram fita azul estreitinha e depois as Filhas de Maria já era uma fita azul, uma fita larga. Aí a gente só desistia da fita quando casava. Aí a gente já não era mais Filha de Maria, aí a gente já participa de outra, aí era do Apostolado da Oração.
P/1 – E que projetos, atividades que você participava, na igreja, ao longo da sua vida?
R – Até hoje eu sou Ministra da Eucaristia. Não estou mais exercendo, porque eu caí, quebrei o braço 26 de janeiro agora que eu caí e quebrei o braço. (risos)
P/2 – Como isso aconteceu?
R – Eu não caí caindo, enrosquei o pé no fio do ventilador.
P/1 – Puxa!
R – Aí, eu fui entrar no quarto e estava com o ventilador ligado e eu esqueci, aí eu passei e se enroscou no fio. O ventilador caiu em cima do meu braço.
P/1 – Está boa agora?
R – Estou bem, graças a Deus!
P/1 – Então, você parou as atividades?
R – Parei.
P/1 – Mas como era quando você estava ativa?
R – Eu ia à missa todos os sábados, às vezes até aos domingos, levava eucaristia, cheguei a levar pra dez doentes no dia! Ficava três, quatro horas andando. Não ficava em casa, levava eucaristia para os doentes.
P/1 – Você lembra de alguém marcante, alguma história marcante dessa época?
R – Duas das que eu levei eucaristia, as duas eu levei o padre pra dar extrema-unção, uma tinha 97 anos. Ela pediu, morava sozinha também, começou a arrumar a pessoa que a ajudava. Nossa, mas ela reviveu a hora que o padre chegou. Padre Pedro Maria. Ele conversou com ela e falou: “A senhora vai durar, vai ser centenária”. Ela falou: “Eu vou, se Deus quiser!” No dia seguinte ela faleceu.
P/1 – Foi marcante pra senhora?
R – Nossa! Ela se chamava Dona Ana.
P/1 – E a outra história?
R – A outra chamava Dona Rosa, também foi um... ele era seminarista, não era nem padre ainda, ele foi levar a eucaristia pra ela, marcou muito o Evangelho que ele leu pra ela: a transformação, transfiguração de Jesus. Como se fosse hoje! Marcou muito pra mim a transfiguração. Ela durou três dias, depois ela faleceu também.
P/1 – E que outras atividades com a igreja você participou? Ajuda a gente. Tiveram outras atividades?
R – Teve a Pastoral Familiar. A gente fazia visita nas casas, após o falecimento.
P/1 – Como é isso?
R – Por exemplo: a gente tinha o Padre Carone aqui em Rafard, ele ficou nove anos e meio, hoje ele está em Rio das Pedras. Ele veio rezar a missa aqui, agora, de centenário. Os pais dele moravam em Piracicaba e faleceu a mãe e como eu tinha uma amiga que o filho dela era muito religioso, ela também era, mas o filho era um exagero, já faz seis anos que ele faleceu, com 43 anos. Câncer também. Ele queria ir no velório, ela não pode ir, mas fui eu, o marido dela e o filho no velório. Aí depois, no meio da semana, que passou a missa de sétimo dia, eu liguei pra ele, porque eu ia fazer visita pra ele, porque a gente ia fazer na casa dos filhos e como meu neto tinha casado fazia pouco tempo, um mês, o filho do meu filho do meio, que mora no Popular e não foi o padre que fez o casamento dele, porque a minha nora tinha um padre, então eles preferiram que viesse o parente fazer o casamento. Mas ele não sabia, o padre. Então ele achou que porque ele estava com problema de saúde da mãe, não fez o casamento do meu neto. Então liguei pra ele que ia fazer uma visita pra ele e ele falou que não era pra eu ir. Daí depois de três dias ele falou assim: “Eu aceito na igreja”, eu falei: “Não, na sua casa”. Ele falou: “Está bom, na minha casa, três horas, quinze minutos”. Falei: “Está bom”. Fui com mais uma amiga, que ela era da Pastoral Familiar também, cheguei lá, levei uma lembrancinha, um santo pra ele, levei a Bíblia, li o Evangelho pra ele, aí ele lembrou que era visita _______, mas ele chorava que nem uma criança. Duas horas nós ficamos na casa dele, ele não deixava sair. Ele deu quinze minutos, ficamos duas horas. Gravou isso também, porque ele não quis ficar duas horas.
P/1 – O que mais teve?
R – Em agosto agora, no pico da pandemia - começou em março - também eu fui internada. Tive constipação abdominal. E esse padre… ligaram pra ele que eu estava internada, desenganada, ele ligou pra mim no hospital de Piracicaba, que eu fosse tranquila, que ele tinha entrado em oração pra mim. Eu falei: “Eu estou tão calma, padre. Chegou minha hora, mas eu estou tranquila”. Graças a Deus meu filho aposentou! Tinha medo de morrer e deixar meu filho sem eu poder ajudar. Não era nada do que eles pensaram. Eles acharam que tinha perfurado meu intestino, os médicos aqui. E uma equipe de seis médicos, o mais idoso tinha 34 anos. Não tive uma infecção, não tive febre e eles falaram: “Nunca cuidei de uma idosa lúcida”. (risos)
P/1 – Ficou boa logo?
R – Fiquei seis dias internada em Piracicaba e cinco aqui, onze dias. Ficava dia e noite no hospital comigo, o caçula e uma amiga. Então, ele levava a amiga... não, a sobrinha dele o levava, depois levava a amiga e ia buscá-lo. Trocava. Os dois ficaram no hospital comigo, porque o mais idoso não podia ficar, ficou o caçula.
P/1 – No auge da pandemia?
R – Bem no pico da pandemia, em agosto. Fiquei dois dias na emergência, não tinha quarto.
P/1 – Dona Maria, voltando um pouco, queria saber como foi pra senhora naquela época que você precisou voltar a trabalhar na fábrica pra ajudar a pagar as contas, a faculdade do seu filho caçula. Como foi esse período?
R – Foi bem difícil, porque eu tinha três filhos solteiros ainda e meu marido, quatro homens pra tomar conta e trabalhar das sete às 17h35. Tinha que levantar muito cedo, deixar até o almoço adiantado, que vinha almoçar em casa, mas era ‘corrido’. Fazia faxina de noite. (risos) Não dava tempo de fazer de dia. Esse filho mais velho ainda trabalhava fora, quando vinha em casa, uma vez por mês, trazia quatro macacões pra lavar. (risos) Era roupa! Lavava sábado e domingo, acertava de domingo a roupa, pra no outro dia de manhã ele trabalhar. Foi uma luta, uma época muito difícil. Meu filho fala até hoje: “Mãe, eu sou beato da senhora”. (risos)
P/1 – E como melhorou a vida? Como que foi desenrolando?
R – Foi melhorando com o tempo, né? Depois que meu marido faleceu, a gente sempre continuou lutando. Vendia produto, Tupperware, Avon. Trabalhava, que nem uma condenada. Não voltei trabalhar fora, mas trabalhava muito. Depois que meu filho se formou, não voltei mais a trabalhar fora, que meus pais também ficaram doentes, eu tinha que cuidar deles, fui eu que cuidei dos dois. Daí morreu minha mãe, daí três meses morreu meu pai, daí 22 meses morreu meu marido. Eu só lutei. Foi uma luta.
P/1 – E como foi pra senhora quando seu filho se formou na faculdade?
R – Nossa, uma glória! Fui madrinha dele. Uma glória!
P/1 – E como foi quando seus filhos começaram a se casar e ter netos?
R - Nossa! O primeiro neto ‘caiu do céu’. A gente revive. O primeiro neto está com 45 anos. Ele tem um filho com dezoito anos e uma menininha com quatro. (risos)
P/1 – Como foi se tornar avó?
R – Nossa, foi maravilhoso!
P/1 – Tem algo que você gosta de fazer com seus netos?
R - Essa minha bisnetinha de quatro aninhos é um ‘bichinho do mato’. É só a mãe e uma amiguinha. A vó dela não é a vó dela. É a vó da prima dela. A vó dela é a vó da amiguinha. (risos) É um ‘bichinho do mato’. Ela foi criada muito só com a mãe, é um ‘bichinho do mato’, mas as outras eu sentava no chão, brincava com as crianças. Eu ia daqui pra Piracicaba com quatro e voltava com seis. Trazia os dois de lá. (risos)
P/1 – Você sempre gostou de criança?
R – Eu adoro criança.
P/1 – Quantos netos você tem?
R – Netos eu tenho seis: quatro meninos e duas meninas. E bisnetos eu tenho treze.
P/1 – Como foi se tornar... treze bisnetos?
R – Mais três vezes. (risos) Maravilhoso!
P/1 – Tem alguma coisa que você gosta de fazer com eles ou pra eles? As roupas...
R – Roupa nunca fiz. A não ser o enxovalzinho de tricô. Têm enxoval de tricô. O Davi gosta muito de fazer _____, sabe?
P/1 – Não sei.
R – É italiano. Brasileiro é folhado. Então, quando meu filho vem, ele leva pronta e o Davi fala: “Vó, você trouxe aquela coisa da bisa?”, que a mãe dele faz um regime pra eles, não dá leite, não dá arroz com feijão. _________, sem gordura, água de coco.
P/1 – E aqui, o que você faz pra eles?
R – (risos) Tudo. Um dia por semana o pai leva ____. Dá tudo o que eles querem, escondido da mãe. E eu vou também. Quando ele fica com meu filho, ele fala: “Vó, não quero ovo. Vá comprar pão pra mim”. (risos) Eu vou comprar pão pra ele. (risos)
P/1 – E Dona Maria, como eram as festividades antigamente, quando a casa estava cheia, vocês comemoravam o Natal, Ano Novo, aniversário?
R – Comemorava. Quando a gente tinha filhos pequenos, a gente ia na casa dos meus pais. Tinha essa minha irmã, mais uma que morava em Capivari, nós éramos em quatro. Então a gente combinava o que a gente ia fazer em casa, a gente levava e comia todo mundo na casa da minha mãe. Fazia na casa dos meus pais. Depois que meus pais faleceram, aí ficou na minha casa. As minhas irmãs todas vinham aqui. Depois que foram aparecendo os filhos, aí já vai ficando mais difícil. Os filhos vão crescendo, não vão mais querendo ir, aí ficou só a família da gente, mas já era muito grande. (risos) A minha só já é muito grande.
P/1 – Você gosta de família grande?
R - Ah, eu gosto.
P/1 – Da casa cheia?
R – É. Muito bom, né?
P/1 – E quando você entrou para o Grupo da Terceira Idade?
R – Foi depois que meu marido faleceu, há 26 anos. Fui presidente duas vezes, fui vice quatro vezes, fui tesoureira, fui secretária. Eu tenho uma placa que eu fiz reforma na Terceira Idade, quando eu era presidente. Placa que veio do estado, com meu nome gravado. Eu trabalhei muito. Trabalhava na cozinha. A gente fazia jantar no Dia das Mães, Dia dos Pais e uma vez por ano tinha os jogos.
P/1 – Como era?
R – Ensinavam a jogar, por isso que eu ganho medalhas. Disputa.
P/1 – E quais eram os jogos?
R – Vôlei, buraco, malha, atletismo. Tive até aula de atletismo lá também. É por idade atletismo. Com 93 anos ainda peguei medalha de ouro no atletismo. E depois começou a pandemia, aí eu parei.
P/1 – Qual a importância desse grupo, de poder se reunir mais velhos e ver que ainda tem vida?
R – É importante. Reúne e cada um tem uma história, cada um conta da família, a gente faz amizades, aprende os jogos. É muito importante.
P/2 – E desses campeonatos que a senhora participou, tem alguma história interessante que a senhora viveu? Como que foi?
R – O que eu achei mais importante, foi que eu era presidente em São José dos Campos, levei uma amiga que ganhou medalha de ouro e ela foi disputar o estadual e eu achei muito interessante. Importante a gente disputar o estadual, porque é regional e quem ganha em primeiro lugar, depois vai disputar o estadual e eu participei, que eu era presidente. Acho que foi muito importante.
P/2 – Mas como é que foi? A senhora consegue descrever essa sensação de chegar lá e jogar com a outra cidade?
R – Era uma disputa muito gostosa, porque fala: “Nossa, eu estou no estadual”. É o mais importante. Regional são todas as cidades juntas. Os prefeitos também participam e eles falam que lógico que a gente vai pra querer ganhar, mas o importante é competir, porque não é sempre que a gente ganha. Dependendo com quem a gente vai jogar, às vezes a gente joga bem, outro joga mal, às vezes outro joga bem e a gente joga mal. Não é sempre que a gente consegue. O importante é competir. Aqui em Rafard teve cinco jogos do coração, que fez pro Doutor Vicente, né Maria? Pro Doutor Vicente, no velório. Ele é delegado. Ele foi um prefeito muito bom aqui em Rafard. Os três que eu participei no buraco eu ganhei medalha de ouro. Ela me deu presente, porque medalha de ouro, né? Foi muito importante.
P/1 – Como foi ganhar, como você se sentiu?
R – Nossa! (risos) Quando comemora na televisão os jogos, eu falo: “Eu já participei daquilo”. (risos)
P/1 – E como funciona esse grupo? As pessoas se reúnem, treinam? Como é o dia a dia?
R – Tem o dia certo. Reúne de quinta-feira à noite, porque a maioria olha neto, umas ainda trabalham, então reúne de quinta-feira à noite. Agora, quando é final de ano, Dia dos Pais, Dia das Mães, tem um almoço de sábado, que está todo mundo folgado. Geralmente é almoço. Então, na Terceira Idade a gente faz o almoço, compra tudo coisa diferente e na época do Natal também dá um panetone pra cada um e os da diretoria dão presentes, que os da diretoria trabalham mais, né? E tem umas também - como _______ mãe rainha – que têm uma quantia de pessoas pra passar recado, que às vezes tem uma coisa diferente. Então na minha época chegou a ter 216 pessoas sócias. É muita gente pra gente tomar conta, né? Tem que ter auxiliar. Eu fui também de passar recado muitos anos.
P/1 – E vocês já fizeram alguma viagem?
R – Já.
P/1 – Como que foi?
R – Na época que eu fui presidente a gente foi até em Caldas Novas. O que me assustou, porque é uma viagem cara, então a gente começa a pagar adiantado e conseguimos. Foram 86 pessoas. Um ônibus e um micro. Até o aeroporto.
P/1 – E como foi essa viagem?
R – Foi maravilhoso, porque muitas pessoas nunca tinham passeado de avião e conseguiram. Então a gente foi muito elogiada, na época, porque você tem que trabalhar com a cabeça.
P/2 – Vocês foram fazer o que lá em Caldas Novas? Existia um objetivo? Vocês foram conhecer alguma coisa lá?
R – Passear, ficar no hotel, nas piscinas.
P/2 – Nadando.
P/1 – Foi bom?
R – Nossa!
P/2 – Teve muita gente ‘aprontando’ lá?
R – Essa minha amiga aí, essa idosa, viajou muito junto comigo. Antes da pandemia nós fomos pra Caldas Novas, nós fomos na Empresa Amiga. Eu estava na presidência, eu era tesoureira e a presidência estava pagando uma excursão pra... ‘fugiu’ o nome... umas águas aqui mais quentes...
P/2 – Termas?
R – ‘Fugiu’ o nome.
P/1 – Águas de... não é Lindóia.
R – Não. Puxa, não vou saber. E eu estava fazendo uma pra Caldas Novas. Estava com 23 pessoas, ela fez eu desistir, porque ela não conseguia fazer a dela, então eu desisti. Não fiz a minha e falei: “Também não vou com ela”. Quando faltavam oito dias, a que eu estava fazendo excursão ligou pra mim, que uma amiga estava fazendo, faltavam três pessoas, se eu queria ir. Arrumei duas amigas e fui pra Caldas Novas. Foi um passeio muito bom, valeu a pena.
P/1 – Qual é a importância de fazer essas atividades em conjunto?
R – Nossa, demais! Você já viajou muito?
P/1 – Não muito.
R - Minha amiga foi também comigo pra São Luís do Maranhão. (risos)
P/1 – E o que vocês ‘aprontaram’ lá?
R – Os lençóis maranhenses são maravilhosos! A gente conheceu as dunas, subindo e descendo de buggy. Depois a gente foi de helicóptero, pra ver bem de pertinho.
P/1 – Que delícia!
R – Foi muito gostoso. Vale a pena, viu?
P/2 – E a senhora gostou mais do helicóptero ou do buggy?
R – Dos dois. (risos) Depois, no Rio Formiga, desci três quilômetros de bóia.
P/1 – Qual foi a atividade mais importante que você fez? A mais marcante, desse Grupo da Terceira Idade? Pode ser viagens, jogos, competições. Qual foi a história mais marcante pra você?
R – A mais marcante foi essa viagem que eu fui pra Caldas Novas, que fui eu que fiz. Muita gente participou. A que a gente faz é mais importante pra gente, conseguir fazer. É muito importante.
P/1 – E aí você saiu desse grupo na pandemia?
R – Na pandemia saí.
P/1 – E já voltou, ou ainda não?
R – Não. Eles voltaram, eu não voltei, porque é muito longe o salão que a gente reúne e tem que subir de circular e à noite. O meus filhos não querem, já deu, né? (risos)
P/2 – E a senhora fez viagem pra fora, pro exterior?
R – Sim. Eu já fui à Europa duas vezes.
P/1 – Como foi?
R – Essa última que eu fiz eu fui com essa minha sobrinha. O mais importante é que a gente até no último dia saiu de manhã e voltou às dez e meia da noite. Só tinha almoço incluído. E os passeios são todos particulares. A gente chegou às dez e meia da noite. Muitos foram num jantar, ainda, quando chegou. Até minha sobrinha foi jantar também. Eu falei: “Não, vou tomar só um leite, a gente pega na portaria e depois eu levo pro meu quarto. Eu vou só tomar o leite e vou deitar”. No dia seguinte, que era quarta-feira, o papa faz a missa campal. Então, na véspera tem que ir na prefeitura pegar ingresso. É campal, mas é fechado, só entra quem tem ingresso. E a minha sobrinha falou: “Tia, como nós vamos fazer?” Eu falei: “Deus vai preparar. A gente não tem ingresso, Deus vai preparar. Nós vamos levantar bem cedinho, a gente só toma um cafezinho na portaria, chama um táxi e vai”. Fomos, chegamos aqui, mas tinha fila que dava medo, de tanta gente. Nós entramos numa fila, saímos, entramos na outra, saímos, entramos na outra, saímos. Aí entramos numa fila e eu falei pra minha sobrinha: “Vamos sair, por que o que nós estamos fazendo aqui, que a gente não tem ingresso? A gente não vai conseguir entrar”. A senhora que estava na minha frente era do Mato Grosso do Sul, você não deve conhecer também, ela falou pra mim: “Me acompanhe”. Levou na fila dela, que ela estava com pessoas, três padres naquela fila, nós ganhamos ingresso, entramos, assistimos a missa sentadas, três metros longe do papa.
P/1 – Onde foi?
R – Lá na Europa. No Vaticano. Deus preparou. Eu falei que Deus ia preparar, Ele preparou. Maravilhoso! Faz só três anos.
P/2 – O Papa Francisco, então?
R – Papa Francisco. Foi maravilhoso! A gente não vai esquecer nunca, né?
P/1 – Ainda mais sendo da terra dos seus familiares!
R – É.
P/1 – Voltar pra origem.
R – Verdade.
P/2 – E a outra viagem que a senhora fez pro exterior foi...
R – A outra eu fiz dois anos antes, eu fui pra Europa também. Aquela eu fiquei 21 dias, fui com uma amiga que queria _____, meu filho me ajudou, ele me pagou a passagem só, gastei, fiquei 21 dias.
P/2 – Em um lugar só, ou vocês ficaram andando lá?
R – Não. Na Espanha, Portugal, França.
P/1 – O que você mais gostou de visitar?
R – Eu não consegui ver o papa. Eu estava em Amsterdã, era férias. Foi maravilhosa a viagem! Num lugar chique, a gente ficou em hotel cinco estrelas. Foi muito boa a viagem! Valeu a pena! Mas eu voltei triste, porque eu não conheci o papa. Mas depois eu tive a felicidade de voltar...
P/1 – ... e ficar pertinho.
R - ... e ficar pertinho dele. Valeu muito a pena.
P/1 – E hoje em dia, o que você faz? Como é a sua rotina?
R – (risos) Eu fui internada por causa disso. Porque eu participava da Terceira Idade, às vezes ia três vezes por semana, porque a gente era da diretoria, tem muito mais coisa pra fazer, né? Fazia academia todos os dias. (risos) Fiz dezoito anos seguidos. Quando eu completei oitenta anos, que nasceu meu bisneto, minha neta foi mãe solteira, fiquei tão revoltada, que eu fui aprender natação.
P/1 – Que você levava seu bisneto?
R – Não. Eu fiquei revoltada. Pra sair de dentro de casa, conversar com as pessoas que eu conhecia. Queria pessoas diferentes pra não perguntarem nada pra mim. Aprendi. Com oitenta anos eu fui fazer natação. Fui junto com a minha irmã, ela desistiu, nove anos mais nova que eu e eu fui até o final. Aprendi.
P/2 – Ela tinha só 71?
R – Só.
P/2 – Novinha.
R - E ela desistiu.
P/1 – E tricô, foi aprender com quantos anos?
R – Com sessenta anos.
P/1 – E duvidaram de você?
R – Minha nora. Disse que eu não ia aprender. E tinha uma professora ruim, brava. Quando a gente errava, que perguntava alguma coisa pra ela, ela falava: “Burra”. Eu saía de lá chorando, ia na casa das amigas que já sabiam fazer pra perguntar e conseguir fazer. E muitas amigas já vieram na minha casa, que ela xingava de burra e eu ensinava.
P/1 – Hoje em dia você ensina?
R – Hoje em dia eu sei ensinar. Eu tiro na caneta o modelo. E a professora nunca conseguiu tirar da revista.
P/1 – Como você se sente quando as pessoas duvidam de você e você consegue fazer, realiza? Aprende a nadar, tricotar, vai viajar, como você se sente?
R – Eu me sinto realizada. Eu falo: “Eu sou privilegiada por Deus”. Sempre falo isso. Eu tenho uma amiga que reclama muito e eu falo pra ela: “Calma, a gente não veio aqui pra ser servida. A gente veio pra servir”.
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Ainda estou sonhando viajar.
P/2 – Pra onde?
R - Nas ilhas do Caribe. Estou sonhando. Eu falei pra minha amiga: “Vê lá como é que é”. Você para pra pensar por causa da pandemia, que agora já dá pra parar pra pensar, pra viajar.
P/1 – E você foi num cruzeiro também?
R – Fui.
P/1 – Como que foi?
R – Nossa, é maravilhoso também.
P/1 – Eu nunca fui.
R – Minha amiga, a primeira vez que nós fomos, era muito chique, tinha marido vivo ainda, hoje ela é viúva também, quando ela desceu do carro pra entrar no navio em Santos não achou nem o chinelo! (risos) Ela esqueceu no porta-malas. (risos) A gente riu tanto. (risos) Ela não está mais com a cabeça boa. Sempre está muito só, está meio descansadinha. Ela ligou pra mim hoje: “Posso descer aí?” Falei: “não”, não tem como.
P/1 – E essas atividades, viagens ajudam a cabeça?
R – Nossa! Muito.
P/1 - Por quê?
R – Por mais que a gente trabalhe na casa da gente, a gente esquece que tem casa, porque você vai jantar, já marca passeio no outro dia, de manhã. Um dia você tem que sair sete horas, outro dia você tem que sair cinco horas, dependendo do lugar que vai. Cada dia é num lugar diferente. Então pra cabeça da gente é maravilhoso. Vale a pena.
P/1 – Tira ‘férias’ dos problemas.
R – ‘Fecha na gaveta’, antes de sair. (risos)
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Ir pra ilha do Caribe. Não penso mais em voltar à Europa. É muito cansativo, porque tem que acompanhar os outros.
(01:14:22) P/2 – E o que interessa à senhora lá no Caribe?
R – Conhecer. (risos)
(01:14:27) P/2 – Só conhecer?
(01:14:29) P/1 – Pegar sol, ir na praia.
R – Então!
(01:14:36) P/1 - E pra você quais são as coisas mais importantes, hoje?
R – Hoje são meus filhos, os meus netos, os meus bisnetos e a igreja. Eu sou muito católica. Adoro ir à igreja. Vou todo domingo, às nove e meia, a pé, tem três quarteirões e meio e eu vou a pé, depois o meu filho vai me buscar, quando termina a missa.
P/2 – A senhora conseguiria explicar a sensação que a senhora tem quando está na igreja?
R – Nossa! Não parei pra pensar, sabe? Eu vou tanto à igreja, que eu gostaria de morrer dentro da igreja. Sempre pensei isso. Eu tive uma amiga que morreu na igreja, no dia do casamento da filha dela, mas a filha não ficou sabendo. Casou, viajou, não contaram. Falou que ela tinha desmaiado, mas que estava tudo bem, mas ela morreu dentro da igreja. Assim, de repente, caiu morta. Eu tenho essa sensação: gostaria de morrer dentro da igreja. Uma morte linda, não sofre. (risos)
P/1 – E, Dona Maria, como é a sua rotina?
R – Geralmente acordo muito cedo, porque gente sozinha não vai dormir tarde. Eu não assisto novela de noite. Cinco horas assisto uma novela, às seis assisto a outra, terminou a novela, desligo, venho aqui na copa, faço as minhas orações. Enquanto eu estou assistindo a novela, eu já comi um lanche, não janto. Faz muitos anos que eu não janto. Como um lanche, aí faço as minhas orações, fico lendo um pouquinho aqui, dependendo do que tem eu ligo a televisão, dependendo do que tem nem ligo mais a televisão e quando são dez horas, nove e meia, vou pra cama. Geralmente eu durmo aqui aberto, a sala aberta. Eu durmo no quarto dos fundos, também aberto, só com tela, então clareia muito cedo, você acorda muito cedo. Levanto cedo, faço meu cafezinho, tomo café, depois vou sentar na frente da televisão e assistir televisão fazendo tricô. Quando é sete e meia eu tenho uma senhora que me ajuda, vem segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, três vezes por semana, depois que eu caí e quebrei o braço, que eu arrumei, antes eu fazia tudo. Aí, depois que ela chega eu tomo um café com leite, como alguma coisa. Ela fica até a hora do almoço, vai embora, eu faço o meu almoço, almoço, arrumo cozinha, vou deitar, durmo às vezes até duas horas, depois do almoço. Aí naquele dia eu vou dormir mais tarde. Aí vou dormir onze horas, onze e meia. Aí eu fico acordada vendo alguma coisa na televisão, alguma coisa pra ler, dependendo do que tem na televisão, melhor a gente ficar lendo. Aí, no outro dia, eu levanto mais tarde. Vou dormir mais tarde.
P/1 – E você mora aqui sozinha?
R - Eu moro aqui, eu e Deus. De vez em quando eu vou no sítio do meu filho, esse que está aqui tem um sítio lá no Paraná, eu vou fazer companhia pra ele, que minha nora não gosta do sítio, porque hoje ela já foi, mas ela não gosta. Ele gosta de ir e ficar bastante e eu fico, às vezes quinze, dezoito, vinte dias com ele lá, no sítio.
P/1 – E o seu quintal?
R - Então, meu filho vem olhar minhas plantas e daí, quando eu vou voltar, eu ligo, aí a moça vem limpar a casa pra mim.
P/1 – E você cuida sempre do seu quintal?
R – Eu cuido.
P/1 – Você gosta?
R – Adoro mexer na terra. Pode ver que está _____. (risos) Adoro mexer dos lados, no chão, arrancar matinho dos pés de planta, adoro. Tem gente que tem pavor de mexer na terra. Eu gosto. Mas na época da pandemia, quando começou, que eu parei, eu fiquei muito nervosa. Nossa, muito elétrica. Por isso que eu tive a constipação abdominal.
P/1 - E o que você inventou pra melhorar e deixar de ficar tão elétrica?
R - A gente tenta, mas tem dia que eu fico. Ontem mesmo passei o dia bem elétrica. É difícil a gente achar uma pessoa que faça como a gente quer que faça. É tudo malfeito. Eu falei pra ela: “A gente paga e as pessoas querem o dinheiro, não o trabalho”. Faz pouco caso, né?
P/1 – E, Dona Maria, hoje você dá aula de tricô?
R – Não. Passatempo.
P/1 – Mas você ensina? Dona Maria estava contando das aulas, dos ensinamentos que você faz, de tricô. Como funciona? Quem vem aqui?
R – Vem essa minha sobrinha que está aí, uma amiga dela e vem a filha dessa minha vizinha da frente. Essa não vem junto, vem qualquer hora. A hora que ela cisma que está errado, ela liga: “Posso ir?” “Pode vir”.
P/1 – E você gosta de ensinar?
R – Eu gosto. Tem que ter paciência. Já dei aula no CRAS. Hoje participo do CRAS, não participo mais da Terceira Idade, mas participo do CRAS. Também são pessoas de mais idade, muitos que têm deficiência, dificuldade pra andar, mas a condução vem buscar a gente na porta e traz de volta, em casa. Eu vou de segunda-feira, das duas às quatro. E tem uma turma que vai de terça-feira, das duas às quatro. Toda semana. Segunda-feira agora vai o dia inteiro e tem encerramento, vai voltar dia quinze de janeiro. E quem vem à tarde a gente tem o encerramento, o almoço a gente foi no ______ Casarão, passou o dia lá e o café da manhã, a gente almoçou, teve um monte de brincadeira, dançou, teve apresentação do Natal, a gente chegou em casa de noite. Muito bom! E eu dei aula de tricô também, no CRAS. No Jeni também dei aula de tricô.
P/1 – Na escola?
R – Na escola. Mas é assim: a turma começa e depois para, desiste, sabe? Demora pra aprender, não tem vontade, então desiste e a gente para de dar aula, porque elas desistiram, não porque a gente parou. Mas é assim: sempre duas, três. Uma dá aula de bordado, outra dá de amarrar toalha, sabe? A gente vai em três, quatro amigas. Muito bom. A gente não vai levar, então tem que deixar os outros aprenderem.
P/1 – Sim.
R – Acho que vale muito a pena. A gente sempre tem o que aprender, nunca é tarde pra gente aprender.
P/1 – A gente está chegando ao fim e eu queria te perguntar se tem algo que você queira falar, alguma passagem da sua vida, alguém, algum momento importante que a gente não tenha perguntado?
R – Hoje eu sou muito feliz, agradeço a Deus, todos os dias acordo: “Obrigada, Jesus, por mais um dia que eu amanheci viva e com saúde”, né? Não tomo um comprimido. Eu tomo um laxante e um sachê de vitaminas, todo dia. E uma vez por mês eu tomo uma injeção de vitamina, depois que eu tive esse problema de saúde. Eu faço exame, check up completo, deu falta de água e vitamina no sangue, por isso que eu tomo as vitaminas. Não tenho uma dor, graças a Deus! Então, eu sou feliz, né? Agradeço a Deus. Tenho filhos bons. No que precisar tem o caçula que fala: “Mãe, _______. Quando a senhora precisar de mim, grite”, ele fala o dia inteiro. (risos) Ele adivinha meu pensamento: ontem eu falei que eu ia ligar pra ele, pra ele vir hoje, mas ele teve problema, ele tinha uma viagem, ele foi pra Itatiba. Eu falei que eu ia ligar pra ele, eu cheguei aqui, ele que ligou. Ele adivinha o pensamento da gente. São filhos maravilhosos.
P/1 – E Rafard, você gosta de viver aqui?
R – Adoro. 66 anos que eu estou aqui, nessa rua, não nessa casa, eu morava na casa lá em cima, depois eu comprei esse terreno, construí. 66 anos que eu moro só aqui. Eu falo que é minha rua.
P/1 – O que te encanta aqui em Rafard? O que você mais gosta de morar aqui, viver aqui?
R – As amizades. Aqui todo mundo é parente. Você conversa com um, é parente do lado do marido; você conversa com outro, é parente do lado da gente. Então é muita gente, muita amizade. E eu sou muito de fazer amizade. Quando eu caí tive duas cuidadoras: uma de dia e uma de noite. A de noite, inclusive, é prima do meu marido, assistente social, que arrumou pra mim, não cobrou nem um ‘tostão’, eu só agradeci o presente. Então a gente adora a cidade, o lugar, as pessoas, mas eu ajudei muita gente, também. Eu acompanhava doentes, tive uma amiga que teve problema de coração, ela foi operada em São Paulo, na Beneficência Portuguesa, eu fiquei dez dias no hospital com ela e ela tinha duas filhas e eu que fiquei no hospital com ela. Hoje vem muita gente, mas a gratificação vem de ‘lá de cima’, que essa minha amiga já faleceu também. Tombo. Ela caiu no quintal, enroscou o pé na raiz da planta, caiu de boca, ela era pesadona, mas ela se quebrou inteirinha, mas ficou um mês no hospital para depois morrer.
P/1 – E, Dona Maria, qual a importância da religiosidade pra senhora?
R – Nossa! Eu acho que ser Ministra da Eucaristia é muito importante. Levar Jesus é muito importante. A gente se realiza em chegar nas pessoas doentes. E eles agradecem. Nossa! Agradecem muito à gente, viu? Com a graça de Deus eu tenho muitas amigas. Nossa, eu tenho muitas amigas! Que no dia que nós vivemos...
P/1 – E você gostaria de deixar alguma mensagem para os seus familiares, para as pessoas que vão assistir seu vídeo, para os moradores de Rafard? Uma mensagem.
R – Eu acho que as pessoas - hoje existe muito pouca humanidade – precisavam ser mais humanas. Hoje as pessoas mudaram muito. Primeiro as pessoas eram muito mais chegadas, tinham compaixão. Hoje a turma está vendo o dinheiro. O dinheiro não é o mais importante. Faz falta, mas não é tudo na vida. Acho que as amizades, os amigos são mais importantes do que o dinheiro. Ele faz falta, mas não é o mais importante. Então eu gostaria que as pessoas fossem mais humanas. Eu tenho muita dó das pessoas, porque eu fui muito pobre também. Se eu pudesse ajudava muitas pessoas. Sem poder, ainda ajudo. Mas, enfim, gostaria que as pessoas fossem mais humanas.
P/1 – Eu queria te perguntar as duas últimas perguntas: qual é a sua primeira lembrança da vida? A primeira.
R – Acho que foi quando nasceu minha irmãzinha caçula, que eu já tinha nove anos, os outros irmãos eu tinha um mais velho, a outra era só dois anos mais nova que eu, então eu não tenho lembrança. Então, quando chegou minha irmãzinha caçula, pra mim foi uma alegria. Muito importante um recém-nascido chegar dentro de uma casa, né? Uma belezinha.
P/1 – Como foi? Você a viu na sua casa? Você pegou no colo?
R – Não. A gente foi na casa de uma comadre da minha mãe, que tinha criança também. Antigamente nascia em casa. Os meus nasceram os três em casa. Antigamente era tudo em casa, mesmo. E nasceu na casa da comadre da minha mãe, que tinha criançada, foi até um vizinho que era maior, que levou a gente lá também. Atravessou a ponte, que era na outra fazenda e a gente passou o dia lá e depois, quando ele foi buscar a gente, que a gente chegou em casa, vimos aquela criança, foi maravilhoso. Nossa! A ‘cegonha’ que trouxe, né? Era a ‘cegonha’ que trazia. (risos)
P/1 – Foi um dia bom, então?
R – Nossa, foi maravilhoso!
P/1 – Para gente encerrar, como foi, pra você, relembrar um pouquinho da sua história e contar, dividir com a gente? Como foi esse momento?
R – Foi muito bom. Valeu a pena, porque a gente reviveu tudo que passou, né? A gente teve momentos difíceis. Hoje a gente tem muito fácil, tudo pra gente mudou. Com a graça de Deus os meus filhos já [estão] todos casados, todos os netos já casados, não tenho nenhum neto solteiro, todos casados. A gente... estou realizada. Se Deus me chamar hoje, vou feliz.
P/2 – Na igreja!
P/1 – Na igreja, ele está falando.
R – Na igreja (risos).
P/1 – Mas passa um filme na cabeça, né?
R – Passa. Mas se ele me deixar até amanhã que é centenário, eu aceito.
P/1 - Por favor! Dona Maria, eu quero te agradecer demais. Foi um presente te conhecer! Tanta sabedoria! Tanta vivacidade! É muito gostoso poder te ouvir!
R – A gente não faz pra exibir, né? Eu não faço. Às vezes a pessoa pensa que a gente faz pra exibir. Não. Com a graça de Deus eu tenho saúde, né?
P/1 – E você se desafia, isso é muito interessante! É um aprendizado, mesmo.
R – É. Verdade.
P/1 – E tem muita vida!
R – Graças a Deus!
P/1 – É. Muito bonito te ouvir contando as histórias das competições, aprender, fazer coisas novas já tendo uma idade, é muito especial. Muito obrigada!
R – Deixa seu telefone, pra você ligar pra mim.
P/1 – A gente vai jogar buraco. Eu vou vir aqui. Sério? Eu vou deixar meu telefone. Eu moro em São Paulo, mas eu venho aqui jogar buraco.
R – Vai dormir na minha casa (risos).
P/1 – Tá bom. Combinado! Muito obrigada, viu?
R – Eu que agradeço, do coração (risos).
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