Projeto: SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Mauro Antônio Moraes Víctor
Entrevistada por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
Local: São Paulo, 17 de janeiro de 2005
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: SOS_HV027
Transcrito por: Luciano Fernandes Urban
P/1 – Boa tarde primeiramente. E para iniciar eu queira que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Mauro Antônio de Moraes Victor, eu tenho sessenta e cinco anos, nasci aqui no Tremembé da Cantareira, à sombra do maciço da Cantareira, e passei toda a minha infância aí, toda a minha meninice. Sempre conheci o bairro, viví no bairro, aí tenho meus parentes, meus amigos. E praticamente é uma infância comum, de um garoto de dez, quinze anos, vivendo aí perto da Cantareira com seu maciço preservado, paraíso das águas. Todos os meus primos e parentes eram guardiões do Horto, guardiões das águas da Cantareira. Então eu passei praticamente toda a minha infância ali, viajando no trenzinho da Cantareira, brincando, meus lazeres de sábado e domingo ali nos lagos do Horto Florestal. Então aí praticamente é onde a gente cresceu e onde pela primeira vez eu despertei para a atividade da biologia, atividade florestal, atividade das Ciências Naturais. Foi aí no Horto, quando eu era garoto, assistindo os filminhos da matinê de domingo, coisa aí de cinco, oito anos, garoto de calça curta. Tinha um filme que assim, me deslumbrou na época, que falava justamente da contaminação da água, dos poços subterrâneos. Então era uma imagem muito bonita onde existia um poço, um manancial de água pura e ao lado uma fossa, uma fossa séptica. E então mostrava a contaminação dessa fossa no poço de água pura, caminhamento da água que ia percoplando, ia vascularizando a terra, e quando atingia o poço de água pura saía uma caveirinha, mostrando que a água era uma água morta. Então aquilo me impactou.
P/1 – E seus pais são de São Paulo?
R – A minha...
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Depoimento de Mauro Antônio Moraes Víctor
Entrevistada por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
Local: São Paulo, 17 de janeiro de 2005
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: SOS_HV027
Transcrito por: Luciano Fernandes Urban
P/1 – Boa tarde primeiramente. E para iniciar eu queira que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Mauro Antônio de Moraes Victor, eu tenho sessenta e cinco anos, nasci aqui no Tremembé da Cantareira, à sombra do maciço da Cantareira, e passei toda a minha infância aí, toda a minha meninice. Sempre conheci o bairro, viví no bairro, aí tenho meus parentes, meus amigos. E praticamente é uma infância comum, de um garoto de dez, quinze anos, vivendo aí perto da Cantareira com seu maciço preservado, paraíso das águas. Todos os meus primos e parentes eram guardiões do Horto, guardiões das águas da Cantareira. Então eu passei praticamente toda a minha infância ali, viajando no trenzinho da Cantareira, brincando, meus lazeres de sábado e domingo ali nos lagos do Horto Florestal. Então aí praticamente é onde a gente cresceu e onde pela primeira vez eu despertei para a atividade da biologia, atividade florestal, atividade das Ciências Naturais. Foi aí no Horto, quando eu era garoto, assistindo os filminhos da matinê de domingo, coisa aí de cinco, oito anos, garoto de calça curta. Tinha um filme que assim, me deslumbrou na época, que falava justamente da contaminação da água, dos poços subterrâneos. Então era uma imagem muito bonita onde existia um poço, um manancial de água pura e ao lado uma fossa, uma fossa séptica. E então mostrava a contaminação dessa fossa no poço de água pura, caminhamento da água que ia percoplando, ia vascularizando a terra, e quando atingia o poço de água pura saía uma caveirinha, mostrando que a água era uma água morta. Então aquilo me impactou.
P/1 – E seus pais são de São Paulo?
R – A minha mãe também é natural dali, da Tremembé, da Serra da Cantareira, nasceu no começo do século aí. E meu pai era de Cotia, aqui perto de São Roque, perto de Embu Guaçu, do interior agora, nas barbas de São Paulo.
P/1 – E aí a família se estabeleceu nessa região?
R – A família se estabeleceu porque meus avós, nos fins do século 19, eram portugueses imigrantes que foram colonizar o Vale do Tremembé, por cerca de 1895, por aí. E aí se estabeleceram no Vale para cultivar hortaliças, justamente aproveitando a água que era riquíssima e aquela terra gorda, negra, o húmus da terra que dava hortaliças e produtos agrícolas da primeira qualidade, que eram embarcados ali no trenzinho da Cantareira e viam suprir o Mercadão da Cantareira. Então isso são meus avós, e depois minha mãe já nasceu ali, meu pai veio de Cotia para trabalhar naquela área, que era e ainda é uma região especial. Está pouco deteriorada, mas ainda nós temos lá uma verdadeira célula preservada. Ao norte pelo maciço da Cantareira, a oeste pelo Horto Florestal e ao sul pela invernada da Força Pública, hoje PM. Então ficou um bairro assim enclausurado e ali nasceu, segundo história que eu escrevi, o movimento ambientalista brasileiro, há mais de cem anos. É ali que há a resistência do movimento ambiental em nível de Brasil. Já escrevi alguma coisa sobre isso, porque ali nasceu o Horto Florestal há mais de cem anos, então se criou um caldo de cultura, de amantes da natureza, uma consciência cívica, uma consciência cidadã que persiste até hoje. Esse projeto faraônico do Rodoanel, de mais de oito bilhões de reais, não sai porque ali existe um núcleo de resistência civil muito grande, que consegue demonstrar, que esse Rodoanel é prejudicial ao cinturão verde de São Paulo, é prejudicial aos mananciais de água potável da Cantareira e mesmo à Billings, à Guarapiranga. Então é aí nesse bojo, nesse pequeno bairro, que começou a se formar a consciência ambiental em nível de Brasil, há mais de cem anos.
P/1 – Os seus estudos se deram também no bairro, ali na região?
R – Daí veja bem, a par desse filme, eu frequentava ali o Horto Florestal, os laboratórios, e uma figura que me chamou a atenção era um padre meio soturno de bata preta, era o Dom Bento Pickel que estava mexendo com todo o ervanário da Serra da Cantareira, isso em 1945. Ele conhecia todas as tribos indígenas que viviam no entorno de São Paulo. Ele ia pessoalmente com o Pajé, com o chefe da tribo, e ia resgatando todo aquele ervanário precioso, que hoje é a grande esperança da sociedade, encontrar aí a cura pra “n” moléstias, à base de plantas naturais. Então isso me impactou profundamente, aquilo foi fazendo a minha cabeça, foi mexendo com o meu íntimo. Depois eu fiz ali o curso primário em um grupo escolar dali mesmo do bairro, se chamava Arnaldo Barreto, e depois todo curso secundário eu fui fazer no Liceu Coração de Jesus, colégio de padres salesianos aqui perto da estação da Luz, porque na redondeza não havia disponibilidade de escolas. Então isso me obrigava a tomar o ônibus diariamente, descer na estação da Luz, ir até o Liceu Coração de Jesus, e voltar da mesma forma, era extremamente difícil. Esse foi o meu curso primário e curso secundário. Depois então é que, ainda com essa idéia na cabeça, acabo o curso clássico, acabo o curso científico, “ah o que você vai ser?”, “eu vou ser engenheiro, vou ser médico, vou ser advogado”, outro fala, “eu vou ser astrônomo”, “E eu vou ser agrônomo”. Mas não tem escola aqui em São Paulo, tem uma em Piracicaba, que é duzentos quilômetros longe de São Paulo, você tem que pegar trem na estação da Luz, demora três horas, é bitola estreita, “Não, mas é lá que eu vou estudar”. Mas o grande apelo é um apelo de infância, o que faz a gente pensar muito, sobre a parte de vocação da criança na mais tenra idade. Eu acho que principalmente a educação ambiental tem que ser voltada para logo na primeira infância despertar no jovem essa mística, essa centelha pra que ele, pouco a pouco, vá direcionando e acabe construindo uma carreira.
P/2 – Esse filme que você fala que você viu, ele era um filme ou um documentário?
R – Era uma produção que era parte documentário, mas parte também desenhado e era colorido. Na época, em 1945, eu não sei que tipo de técnica eles tinham, que já era um filme colorido, muito bem produzido. Isso daí naturalmente era importado, com toda a certeza. Eu não me lembro dos créditos, mas naturalmente era um filme importado, mas muito bem feito, muito bem feito, toda aquela fantasia. Mas o que me impactava mesmo era a figura da caveirinha e o som acompanhando todo aquele clima de envenenamento do meio ambiente. Foi praticamente isso.
P/2 – Na sua infância você morava num lugar privilegiado de São Paulo. A sua família tinha uma relação... Como que era essa relação com a natureza?
R – O nível acadêmico de formação não tinham, mas tinham uma intuição muito grande, de que os bens naturais precisavam ser preservados e tudo mais. Isso por parte de minha mãe, porque como filha de chacareiro, ela sabia que se faltasse a água, pereceriam todos os alimentos e gêneros alimentícios, então ela incutia sempre na gente essa idéia. Meu pai não, meu pai era um autêntico caçador, ele ia pelo coração da mata e caçava paca, cotia e até onça pintada. Ele tinha uma dupla de cachorros valentes, chamados Rompe Ferro e Sol Levante, que acuavam esses macharrões [macho adulto da onça] aí na Serra da Cantareira. Na década de 40, no entorno de São Paulo ainda havia onça pintada e, logicamente, o entrevero do caçador com esse animal poderoso, animais de cento e cinquenta quilos, era uma coisa assim impactante. E em um desses enfrentamentos ele perdeu dois cachorros. E ele tinha os colegas com aqueles pica-paus, que eram armas de construção caseira, que no máximo afugentava o animal. Portanto, eu escrevi um artigo que se chamava “E os gringos tinham razão”, porque todo estrangeiro que visitava a gente dizia que tínhamos aí jacaré, crocodilo, na Cinelândia, cobra etc. Isso não era bem verdade, mas quem saísse da Praça da Sé e andasse quarenta minutos em direção à Serra da Cantareira, encontrava caça grossa e logicamente o meu pai era um caçador, um exímio caçador. Depois, já no fim da vida, ele entendeu que precisava preservar a natureza, precisava preservar a vida selvagem e já tinha uma outra concepção de vida. Mas era praticamente o que faz hoje o caçador ou morador da região amazônica. trinta por cento, quarenta por cento, da proteína consumida na Amazônia hoje em dia vem da caça de animais silvestres, isso aconteceu muito em São Paulo. Na parte de minha mãe, por ser mulher, era um pouco mais sensível, era um pouco mais ligada aos apelos da natureza, e ia passando isso daí para o filho de maneira tranquila esses ensinamentos. Inclusive, há cinquenta anos, uma intuição fabulosa de que o homem estava mexendo com a natureza e a natureza um dia ia se revoltar. A gente tinha isso daí como uma lenda, talvez uma premonição até bíblica. Mas hoje em dia é uma realidade, nós temos aí a camada de ozônio, temos tantos fenômenos globais que mostram que os antigos não estavam totalmente desfocados.
P/1 – Mauro, com que idade você foi pra faculdade de Agronomia?
R – Eu tinha aí os meus vinte anos, mais ou menos, e me formei com vinte e cinco anos, isso em 1964. Mas deixa ainda eu me recordar de um fato da minha meninice. Nós temos aí o córrego do Tremembé, e o córrego Tremembé ele vem da Serra da Cantareira e serpenteia muito preguiçoso todo o vale, a cidadezinha ou aldeia se desenvolve aos pés desse vale. E na minha época era um rio viscoso, um córrego viscoso, tiravam-se várias qualidades de peixe pro almoço, pro jantar etc. Hoje é um esgoto a céu aberto. E eu era garoto e fiquei muito contente quando um dia eu fui ao riozinho e tinham vários bagres flutuando, assim, no espelho d’água, na corrente. Bagres de mais de um quilo, enormes, e eu peguei e fui muito contente pra casa, teve uma fritada de bagre aquele dia. Eu fiquei contente, só depois que eu fui me esclarecer que era a morte do rio, porque pela primeira vez faltou oxigênio no rio e toda a fauna aquática veio pra superfície para pegar oxigênio. Então aí foi a minha grande frustração, era frustrante, porque levei uma meia dúzia de peixes pra casa, todos ficamos contente, mas era o princípio do fim já.
P/1 – E isso foi em mais ou menos?
R – Isso em 1949, por aí.
P/1 – E com relação à sua faculdade, qual foi o primeiro impacto que você teve quando você chegou a Piracicaba? Saindo de São Paulo, tudo bem que de uma região que ainda tinha contato com a natureza, mas como foi para você mudar de cidade, vivenciar outra realidade?
R – É um choque muito grande, um choque profundo, porque além de morar ali num bairro preservado, eu fiquei sete anos em colégio de padre, então eu tava doutrinado, tinha aquelas idéias religiosas bastante aprofundadas. E Piracicaba é um descobrimento, sobretudo a vida acadêmica. Você passa a conviver numa república, então há um espírito muito grande de irmandade, de democracia. Você adora, você passa a adorar aquilo e é uma experiência fabulosa, porque você sai de um ambiente restrito, monástico, de monastério mesmo, e vai viver numa cidade. Piracicaba tem uma vida cultural razoável, mas também é o paraíso da poluição. Todas aquelas usinas de cana-de-açúcar e tudo mais, depositavam seu vinhoto, restilo, nas águas, mortandade de peixe e tudo mais. Quando eu cheguei ao meu primeiro ano em Piracicaba eu vi tirar do rio jaús e dourados de setenta quilos de peso. Hoje você precisa ir ao Pantanal mato-grossense pra pegar esse peixe. Por quê? O vinhoto, o restilo das usinas, fazia esse estrago e envenenava o peixe. Então aí é que a gente começou a imprimir um jornalzinho chamado Luiz de Queiroz, onde a gente contestava esse processo de desenvolvimento agressivo, com artigos assim, bem de denúncia, para com os usineiros, e isso provocou um grande furor na cidade. Por quê? Porque logicamente eram os usineiros que sustentavam o jornalzinho acadêmico, universitário. E quando os alunos passaram a fazer essa denúncia, automaticamente acabou o jornalzinho. Mas Piracicaba é o maior centro agronômico do Brasil, com estudo bastante formal de Ciências Agronômicas, e daí nós tínhamos três anos de curso básico de Agronomia e dois anos de Ciências Florestais. E fato curioso, veja você mais uma vez o despertar da vocação e da profissão. No curso de Ciências Florestais, no primeiro ano de Ciências Florestais, onde abriu o curso, nós tínhamos cinco colegas, quatro deles eram oriundos da zona norte da cidade e frequentavam o Horto Florestal, frequentavam o Parque da Cantareira, e enfim tiveram o seu despertar. Vejam vocês estaticamente, entre cinco, quatro frequentaram o curso, ou melhor, o Parque Florestal, que hoje se chama Parque Alberto Löfgren, em homenagem ao fundador, que foi um sueco.
P/1 – E como era o contato que você tinha na universidade, com as questões ambientais? Eram expostos problemas, questões para serem debatidas? Como que era o tratamento dado?
R – Veja bem, naquela época o estudo era muito formal, existia a figura do catedrático. A figura do catedrático hoje, acho que é titular, então era uma figura sacra, santa, quase inexpugnável, distante. E alguns deles obrigavam os alunos a assistirem as aulas de gravata e coisas do gênero. Mas era uma faculdade de cunho nitidamente produtivista. Desenvolvimentista e produtivista. Não existia uma grande percepção para os assuntos de cunho ambientalista. O máximo que se chegava era o curso de conservação de solo, onde tinha aulas de como evitar a torrense, a erosão do solo e tudo mais. Mas era um curso nitidamente produtivista, era uma coisa assim orientada para formarem engenheiros que fossem atuar na cadeia de produção. Aumentar produção, aumentar produtividade, essa visão bem produtiva do fenômeno. Isso daí felizmente depois mudou, mas foi uma mudança que levou tempo. Porque São Paulo, vocês sabem muito bem, a locomotiva do Brasil, a maior área de produção de café, de algodão, de milho, de gado. Então era isso que praticamente era a grande motivação da escola. E eu fui formado nessa linha e daí já na minha carreira ingressei num Instituto Florestal e os primeiros estudos que eu fiz foram nitidamente de corte produtivista. Porque existia uma carreira de pesquisadores científicos na qual os métodos de avaliação eram exatamente esses. O quanto você agregou, qual é o impute de produção volumétrica, de alimentos, ou de grão, ou de carne. Era isso praticamente que fazia a carreira do pesquisador científico. Foi quando no Instituto Florestal eu tive a oportunidade de estudar que isso, em tudo, não estava levando em conta o capital produtivo da terra, o capital natural, contaminação por agrotóxicos e tudo mais. Então foi quando eu direcionei totalmente a minha carreira para a área ambientalista. E eu publiquei um trabalho clássico que este ano está fazendo trinta anos, que se chama “Devastação Florestal”. Eu digo como é que a natureza no estado de São Paulo foi destruída durante um século. Como é que o ecossistema natural, principalmente as matas, foram destruídas e dizimadas no decorrer de um século. Então aí eu dei uma rotação de cento e oitenta graus para a minha pesquisa e para o meu enfoque. E aí logicamente comecei a ser uma “persona non grata” para o sistema.
P/1 – Durante o seu período de faculdade, na década de 60, você já tinha ouvido falar ou já tinha contato com algum grupo ambientalista ou com alguma associação ligada à área?
R – Eram escassas as pessoas e associações naquela época. E eu estou até dizendo que está na hora de se construir a memória do ambientalismo no Brasil. Porque é a pré-história, eu já fiz um ensaio a respeito e mostro como é que são as raízes históricas do movimento ambientalista no Brasil. Começa há mais de um século com Löfgren, então eu até publiquei num caderno especial de ciência hoje, que é uma revista da SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência], que é a pré-história que se chama “Raízes históricas do movimento ambientalista no Brasil”. Depois tem a história moderna, que essa começa mais ou menos na década de 60, 70, depois da grande conferência mundial sobre meio ambiente em Estocolmo, que foi em 1972. Aí então houve uma explosão da preocupação ambientalista, e os elementos que nessa época surgiram, eu estou falando de trinta anos atrás, eram o Aziz Ab’ Saber, o jornalista Randau Marques, no jornal O Estado de São Paulo; nós tínhamos no Rio Grande do Sul aquele gênio enlouquecido que se chamava [José] Lutzenberger, que depois foi ministro do meio ambiente; nós tínhamos no nordeste o Vasconcelos Sobrinho; nós tínhamos o despertar do movimento ambientalista em São Paulo. Então esse pessoal é que praticamente começou a falar em ambiente, começou a se reunir, começou a formar associações e tudo mais. Nós tínhamos no Rio de Janeiro um grande colega que se chamava Almirante Belart, Almirante José Luiz Belart, esse elemento foi extraordinário, hoje é falecido, no sentido de também levar junto à Presidência da República a preocupação ambiental. Não se esqueça que nós estávamos no período da ditadura, onde os jornais eram amordaçados, onde a consciência cidadã era amordaçada. Então nós tínhamos também a figura de Paulo Nogueira Neto, isso é importante dizer, nosso conselheiro de SOS Mata Atlântica, que começou aí a despertar o que hoje está mais ou menos consolidado, que é a consciência ambiental. O Almirante José Luiz Belart ele foi o criador da Flotilha do Amazonas, então ele enfrentava esse problema muito bem, viu de perto como é que se destruía o ecossistema amazônico. E a partir daí ele construiu a Flotilha, depois ele saiu da Amazônia, foi para o Rio de Janeiro, mas ele é que levava perante a ditadura, perante o governo da ditadura, este sentido de que defender a natureza nada tinha de subversivo, porque não se podia fazer crítica. Quando eu publiquei o meu trabalho sobre a devastação da natureza do Brasil não foi bem visto, porque logicamente estava falando contra o milagre brasileiro, estava de certa forma conflitando contra os postulados do governo de exceção. Então, isso é bom que se diga, que os ambientalistas da época estavam na alça de mira do governo militar da época, nesses tristes anos de chumbo. Era difícil a militância ambiental, isso precisa ficar bem dito, porque qualquer crítica que fizesse, era crítica que era tida como invalidação do sistema produtivista. Os ambientalistas dessa época merecem esse crédito, eles afrontaram o governo de exceção dizendo o que estava errado no país. Inclusive começaram a conflitar contra a Belém-Brasília, conflitar contra a construção dos grandes lagos amazônicos, da usina hidroelétrica, contra o saque das nossas riquezas, conflitaram contra usina nuclear de Angra dos Reis, que aquilo era menina dos olhos do regime militar. Então muitos dos nossos ambientalistas estiveram assim ameaçados, porque veja bem, na época de ditadura você dizer que uma usina nuclear era uma coisa indesejável para o Brasil, era uma coisa que tinha risco... Então nós tivemos muitos colegas perseguidos e até levados à prisão. Não se podia absolutamente criticar. Eu lembro, a minha colega, a minha companheira, a minha esposa, Vera Lúcia Braga, ela fez uma campanha intensa contra o aeroporto internacional de Cumbica, que foi construído na época sem nenhum estudo de impacto ambiental, sem nenhum EIA/Rima [Estudos de Impacto Ambiental/ Relatórios de Impacto Ambiental], foi construído mesmo porque era desígnio do governo militar. E ela fez uma campanha esclarecendo à população que um aeroporto é uma coisa que causa danos à saúde humana, causa prejuízo à audição, causa prejuízo respiratório. Ela fez até uma cartilha e foi esclarecendo à população que aquilo tinha que ser passado no crivo da consciência cidadã. E na época do aeroporto de Cumbica, ela estava presente, distribuindo panfleto, com faixa, protestando contra o aeroporto, e naquela época ela invadiu o terreno que era tido como a de segurança nacional e foi ameaçada de prisão, porque para o governo militar os ambientalistas eram uns verdadeiros sabotadores. “Como o Brasil grande, o Brasil milagre, como é que tem alguém dizendo que o processo não está certo? Que tipo de crítica é essa?”. Então isso tem que ser dito e melhor estudado, porque os antigos passaram maus bocados e maus momentos por defenderem a saúde pública, o ambiente e a vida na sua dimensão mais ampla. Haja vista também e esse é um episódio que tem que ser resgatado, que esse aeroporto internacional era pra ser construído nas matas de Caucaia, aqui perto de Cotia. onde eu morei também um ano de vida, morando em Cotia, conhecendo a mata de Caucaia, a represa Pedro Beicht, fiquei um ano ali naquela região. E o governo militar, a primeira – isso estamos falando na década de 70 – a primeira idéia foi construir dentro de uma área que é um parque, que é uma área de preservação permanente, e começou a desmatar também sem estudo de impacto ambiental, sem uma reflexão maior. E nesse instante houve todo um protesto da sociedade brasileira e então nós temos aí o Cardeal Arns, que naquele tempo era líder em defesa dos direitos humanos e foi justamente fazer uma missa campal ali perto do aeroporto internacional de Caucaia do Alto, para evitar a destruição dessa mata. Logicamente ele já era uma pessoa visada pela ditadura, então aí os militares falavam: “Não, realmente é uma coisa de subversivo. Defender a natureza definitivamente é coisa de subversivo”. Então o início do movimento, estou falando do começo da década de 70, o que tinha realmente... Depois esse trabalho clássico que eu publiquei e que mostra realmente todo o processo produtivo, a destruição que ele gerou, tanto do patrimônio ambiental, como do patrimônio humano, gerando uma enorme dívida social e ambiental, então esse trabalho foi publicado há trinta anos e a gente quer reeditar agora, porque foi um trabalho que foi um marco para despertar o cidadão. Aqui para nós, teve o mesmo papel que teve aquela célebre publicação de uma autora americana, “Primavera Silenciosa”, que foi publicada nos Estados Unidos e despertou a consciência americana para o desenvolvimentismo exacerbado, sem nenhum tipo de compromisso com a vida ou com a ética da biosfera. Então a rigor esse é o início do movimento, e depois, logicamente, há dezoito anos atrás, já a formação da SOS Mata Atlântica.
P/2 – Mauro, vamos só voltar um pouquinho. Nessa década de 70 que você esteve em Cotia, que você viu de perto as coisas que estavam acontecendo, você atuou nesses grupos?
R – Veja bem, eu era um funcionário público de carreira. Eu era um funcionário público de carreira ocupando um cargo dentro do Governo do Estado. Então eu tinha que lutar dentro da minha área de abrangência, porque não se concebia que um funcionário público fosse para a rua e fizesse protesto, porque existia uma política de governo cuja política de governo tinha que ser seguida. Então até 1975 eu fui freado por essa condição minha, funcional. Em 1975 houve um episódio que justamente a gente fez a história de toda a devastação em São Paulo, pegando um século, desde a época do café e trazendo até a época de hoje. E eu comecei lá de dentro, advertir as autoridades, nessa época eu era diretor geral do Instituto Florestal, e então advertia dentro da máquina do Estado que o modelo era perverso. O modelo de produção de alimentos e o modelo produtivista eram perversos. E isso naturalmente faz com que você seja já um estranho no ninho. E o Instituto Florestal do Estado é um instituto que administrava os grandes remanescentes do que ainda existia de verde no estado de São Paulo. É fácil você ver, você pega um mapa de satélite hoje em dia e onde existir manchas verdes, aí é um Instituto Florestal do estado que está administrando, tanto assim que é conhecido como o guardião da biodiversidade. Hoje guarda mais de um milhão de hectares de terras florestais. Então na época, eu, como diretor geral, eu guardava esses parques por força legal. E nós tivemos um episódio lá no Vale do Ribeira, especificamente no Parque Estadual de Jacupiranga, uma área protegida pelo Código Florestal e até por institutos legais internacionais. O governador do estado queria porque queria rasgar uma estrada atravessando o parque público para tirar mármore da Serra da Andorinha. E sem nenhum estudo, sem nenhuma permissão, o governador determina que as máquinas abram uma estrada de quatro quilômetros dentro da mata virgem para buscar então esse mineral na Serra da Andorinha. Naquele instante eu sou diretor geral, a área está sob a minha guarda, então eu vou pessoalmente ao local e requisito força pessoal e embargo as máquinas do Estado, embargo as máquinas do governador. Então nesse instante, logicamente eu sendo um funcionário, como é que se explica confrontar ou afrontar um ato do próprio governador? Nesse instante então eu sou exonerado do meu cargo e provoco um grande escândalo nacional. Provoco um grande escândalo nacional porque eu estou na defesa de um código que é um Código Federal e que manda que eu autue qualquer agressor, qualquer invasor do Parque. Como é que fica quando esse invasor é o próprio governador? Então a partir de 1975, a partir desse episódio então eu passo a atuar abertamente, já sem o peso do meu cargo, eu passo a atuar abertamente junto à sociedade civil no sentido de preservar o patrimônio natural. Então aí sim, a gente passa a atuar com várias organizações não governamentais etc. A mais forte delas SOS Mata Atlântica.
P/2 – Quando você sai em 1975, que você é exonerado, aí você vai pra onde?
R – Aí eu então fico sem mercado de trabalho aqui no Brasil. Na verdade eu sou exonerado do cargo maior de diretor geral e volto para o meu cargo de soldado raso, apenas como um técnico, como um pesquisador científico. Então nesse instante praticamente o meu mercado de trabalho dentro do Brasil, ele fica comprometido. Então, a partir desse instante, eu tenho um outro momento na minha carreira, onde eu vou para a América Central, para o Caribe, e onde eu fico vinte anos trabalhando na América Central, no Caribe, e onde eu faço estudos para a FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura], para as Nações Unidas, onde eu fico em Genebra escrevendo a Agenda 21. Então de certa forma fecharam-se as portas internas aqui pra mim, mas se abriram outros panoramas. Então realmente começou uma campanha internacional, onde eu fui fazendo umas alianças com organizações do exterior e tudo mais. Se eu puder tomar uma aguinha e tomar um café… (pausa)
P/1 – Quando você foi exonerado você foi pra América Latina. Quais foram os trabalhos que você desenvolveu lá fora?
R – A minha desvinculação com o país era temporária, porque eu estava residindo aqui e viajava muito pra fora, eu nunca me mudei completamente pro exterior. Então sempre fazia essa ponte Brasil - exterior. Na América Central eu trabalhei na Nicarágua, contratado pela Comunidade Européia para fazer um plano de desenvolvimento rural integrado numa zona chamada Waslala, onde tinha um conflito guerrilheiro muito grande. Nicarágua estava no primeiro ano de sua revolução socialista, que depois caiu. Mas então a idéia era que a Comunidade Européia aportasse algum dinheiro para fazer um plano de desenvolvimento florestal e agropecuário também, de forma integrada e com uma visão harmoniosa. Foi aí que eu fiquei algum tempo trabalhando e depois fomos apresentar o estudo em Haia, Holanda, discutir com a Comunidade Européia os recursos que seriam injetados. E naquela época ficamos em Haia dialogando com as autoridades monetárias, financeiras, e refizemos o programa três, quatro vezes, até que alguém nos alertou, “Olha não é problema de vício ou qualidade de projeto, é que há uma ordem do governo Reagan, para não dar dinheiro para a Nicarágua no sentido de que o país não saia da sua vertente do mundo livre. Portanto dinheiro nenhum deverá sair, então não é um problema de deficiência de projeto, é um problema político pelo qual o governo americano manda não dar recursos para aquele país, a exemplo do que faz com Cuba até hoje.”. Então é a minha triste experiência na Nicarágua e na Comunidade Européia. Depois eu fui contratado por uma empresa para trabalhar no Caribe Colombiano. Existia uma fábrica, uma indústria, de chapas de madeira tipo Duratex e Eucatex e essa indústria estava se abastecendo dos manguezais. Os manguezais são sistemas ricos, porque são criadouros de uma série de organismos marinhos, camarões etc, e aquela indústria estava praticamente arrasando com os manguezais. Então, naquela época, eu devia construir uma reserva florestal de bosque plantado para abastecer essa indústria, aí nisso eu fiquei uns quinze anos trabalhando. A indústria hoje em dia é completamente auto-suficiente, parou de predar os seus bosques naturais e é totalmente abastecida com bosques plantados. E também nesse meio tempo fui chamado a Roma para trabalhar com a FAO, das Nações Unidas. Depois, em 1992 fui chamado pra Genebra, pra escrever a Agenda 21, especificamente o capítulo sobre florestas. E mais recentemente, na década de 90, fui chamado pela FAO novamente, no México, para fazer um projeto de jovens carentes em atividades agro-florestais, para visar justamente a inserção social desses jovens de rua, jovens necessitados, jovens que estão presos no niilismo, na droga de ficção e tudo mais. Esse projeto, depois que eu saí, ele foi em frente e chegou a ganhar o prêmio Ted Turner e é referência internacional. Esse é o prêmio que a Wangari Maathai, prêmio Nobel da Paz de 2004, deverá visitar proximamente no Brasil ainda esse ano, se Deus quiser. Mas aí é outro capítulo, porque esse capítulo da Prêmio Nobel da Paz diz respeito mais à minha companheira, à minha esposa. Ela é uma ativista ambiental e que praticamente fez uma parceria muito grande comigo, porque ela não tinha emprego público, era aposentada do serviço público, então ela podia dizer o que quisesse, ela era uma ativista cem por cento. Denunciou todas as barbaridades que havia e então é uma ativista no sentido da palavra, dedicava vinte e quatro horas de sua vida para combater justamente essas agressões ao meio ambiente. Isso é um outro capítulo da história, mas sempre trabalhou associada comigo, então toda produção científica, acadêmica, que eu fazia, passava para ela, e ela teve uma atuação também aqui no Brasil, aqui no exterior, como eu lhe disse foi ameaçada de ser presa no episódio do aeroporto internacional, foi ameaçada de ser presa pelo ex-presidente Jânio Quadros, porque ela barrou um projeto de via de fundo de vale que iria atravessar o córrego do Tremembé, um verdadeiro muro de Berlim, dividindo a comunidade em duas partes e abrindo todo o flanco sul do paredão da Cantareira pras invasões. Ela na época se insurgiu contra isso, foi a Washington, barrou 200 milhões que o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] ia dar para o Jânio Quadros. Jânio Quadros não gostou e mandou processá-la. Então essa é a vertente feminina da coisa, em que infelizmente ela não pode dar o depoimento, porque faleceu. E ela trabalhava respaldada pelo Cardeal Arns, que entendeu a mensagem e a filosofia da defesa da natureza como essência para a paz. Coisa que, como eu conversava contigo, a prêmio Nobel da Paz soube fazer com maestria. Pela primeira vez ela demonstrou o óbvio, que era justamente associar a saúde do planeta, a defesa ambiental, com a paz universal. Então é um fato inédito, porque ela mostrou o óbvio. Eu acho que esse é o grande desafio para os ecologistas e para os ambientalistas deste século, deste milênio. Acho que justamente é saber como trabalhar nessa vertente, se não houver conservação ambiental não haverá paz universal. Isso porque ela ganhou entre duzentos candidatos, foram duzentos candidatos que no mundo todo competiram pelo Prêmio Nobel da Paz, e essa ecologista, ambientalista, uma mulher negra ativista, doutorada na Europa também, ela fez com maestria absoluta. E é por isso que ela foi considerada a madrinha do nosso “green belt”, de nosso cinturão verde. E é com essa função que ela estará vindo ao Brasil este ano e uma das coisas que minha companheira e esposa conseguiu fazer, foi coletar cento e cinquenta mil assinaturas para criar a reserva da biosfera do cinturão verde de São Paulo. Ela ficou dois anos batalhando, fez um estudo, foi a Paris, levou para a UNESCO esse trabalho, e reconheceram justamente a reserva da biosfera do cinturão verde de São Paulo, da cidade de São Paulo, com “status” de patrimônio da humanidade. Então é esse papel extraordinário que eu gostaria que em algum momento fosse resgatado também. Mas eu tenho obrigação de dizer que ela era o braço armado da SOS Mata Atlântica, porque ela punha assim às claras, a nu, o que muita gente, ou por pudor ou por zelo profissional, não conseguia por. Então como ela não tinha compromisso, nem vínculo empregatício, coisa nenhuma, ela ficava à vontade pra fazer as denúncias à sociedade. É outra faceta que foi a minha parceira, a minha companheira que fez e graças a isso ela recebeu dez prêmios. O mês passado acabou de receber o prêmio do Instituto Histórico Geográfico do Estado de São Paulo. Então eu acho indelével esse papel da mulher, da mulher como parceira da vida, como autora da vida, ser engajada num movimento como esse. Acho da maior importância, porque é uma coisa de acordo com a teoria de Gaia, é a mulher a geratriz da vida, então ela mais do que ninguém sabe como é que a vida começa e como a vida acaba. Então Gaia, é deusa grega que a gente sabe que zela pela vida do planeta, assim como a mulher zela pela vida do ser humano. Isso é uma coisa só. Mas existe um alerta também, Gaia, de acordo com a mitologia grega, devora os seus próprios filhos, esse é um alerta brutal que tem que ser feito e que ela fazia com a maior tranquilidade. Ela passava uma mensagem de vida e de alegria muito grande, ela ficou cinco anos em UTI com ventilação assistida, ventilação artificial, vinte e quatro horas por dia, mas nem por isso ela perdeu o pique, a coragem, a energia. E ela tinha um sistema de comunicação pelo computador, pelos olhos, pela vista. Então nesses últimos cinco anos que ela ficou na UTI, foi o momento de maior produção dela. Porque vinham muitos ecologistas, muitos companheiros buscar uma orientação, uma palavra de alento, e ela a todo o momento dava essa palavra de alento. Então eu acho que é uma lição de vida que a SOS em algum momento tem que resgatar, então fica aqui, não sei se deveria falar mais da SOS Mata Atlântica...
P/1 – Mauro, na época que você escreveu o seu livro, foi em 1975?
R – Perfeitamente, em 1975.
P/1 – Nesse período quais eram as organizações que já estavam desenvolvendo algum tipo de trabalho na defesa do meio ambiente aqui no Brasil?
R – Nós tínhamos pouquíssimas. Tínhamos a associação do Paulo Nogueira Neto e outra mais antiga no Rio, que também era antiga e tradicional. Eram praticamente as duas associações que tinham a liderança do movimento, que tinham esse compromisso com cidadania, sociedade civil. E executavam esse trabalho com bastante organização, com bastante coragem, mas não havia ainda aquele clamor, eram muito poucas as entidades. Existia a entidade do José Lutzenberger, no Rio Grande do Sul. Se der o trabalho de fazer uma coleta, não devem passar de uma dúzia aquelas que realmente tinham nome e militância.
P/1 – Então na década de 70, mesmo na metade final, o assunto meio ambiente não era tratado de maneira devida?
R – O grande clamor, que despertou mesmo, foi Estocolmo 72 na grande Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, que depois foi reproduzida no Rio em 1992. Então foi a partir daí que o meio científico, o meio artístico, meio intelectual, meio de ensino, as faculdades, o Legislativo, começaram a se incorporar ao movimento, mas de maneira inicial, de maneira tímida. A grande explosão começou mesmo com a criação de OIKOS, União de Defensores da Terra, cujo fundador foi Randau de Azevedo Marques juntamente com Fábio Feldmann, que era uma entidade bastante aguerrida, bastante combativa, uma entidade de enfrentamento, de passeata e de ousadia, até de certo desrespeito institucional, de quebras, de rupturas. Era uma entidade bastante forte, OIKOS, União dos Defensores da Terra e que já tinha um nome bastante abrangente e um tanto quanto ambicioso porque falava “defensores da Terra”. Antigamente a defesa era regionalista, local, localizada, pontual, aí surge OIKOS com essa abrangência planetária. Então esse foi um grande divisor de águas quando surgiu OIKOS, que tinha também uma forma de atuação bastante contundente, bastante enérgica, bastante valente. Tanto assim que se dizia num determinado momento que SOS era uma entidade politicamente correta e OIKOS era o braço armado da SOS Mata Atlântica. Porque pelo próprio conselho administrativo, SOS Mata Atlântica tinha que se resguardar, porque faziam parte aí vários empresários de renome e tudo mais. Tinha um perfil assim enérgico e eficiente, mas mais cauteloso. OIKOS não, era mais desabrida, provocativa, era assim bastante agressiva, era praticamente isso, que é uma etapa marcante do movimento ambiental.
P/1 – E a OIKOS então ela se formou no final da década de 70? É isso?
R – É, por aí, na década de 70 já começou a entrar a OIKOS e tudo mais.
P/1 – E aí o que muda na década de 80? No início da década de 80, na defesa do meio ambiente?
R – Aí é onde existe o grande salto qualitativo, porque aí o Brasil já começa a construir a sua legislação ambiental, o Executivo se incorpora na máquina. O discurso ambientalista deixa de ser apenas uma coisa de fanáticos, loucos, apóstolos da catástrofe. Daí então ele é praticamente capilarizado pra toda a sociedade de uma maneira geral. Então, na área federal se cria o Conama, na área federal se cria uma Secretaria Especial do Meio Ambiente, cujo primeiro titular foi Paulo Nogueira Neto. Aí logo se cria o Consema estadual, Conselho Estadual do Meio Ambiente, depois cada prefeitura cria o seu Condema, o Conselho de Defesa do Meio Ambiente, o ensino básico, o ensino superior começa já a pôr no seu currículo a matéria ambiental, e, sobretudo, uma coisa que veio para ficar e realmente transformou, foi o Ministério Público Federal se incorporar à causa da defesa dos interesses difusos. O que são os interesses difusos? É um interesse de todos, aquele que não tem uma nomeação específica, mas está aí, existe. Então a partir desse momento criou-se o Ministério Público Estadual, o Ministério Público Federal, que hoje está fazendo um excelente trabalho na defesa do patrimônio comum, do patrimônio coletivo. Então em 80 foi esse despertar e a criação da legislação federal ambiental seguida pelas legislações estadual e municipal. Então aí realmente o movimento ganha as ruas, ganha momento, ganha espaço, ganha visibilidade, é nesse instante que a coisa começa a acontecer. E lógico, uma história mais recente é 1992, quando nós temos aqui a Cúpula da Terra, em que vários chefes de Estado estiveram presentes e todos se comprometem a respeitar a Agenda 21, que é a “Bíblia planetária”, e que isso já é uma outra história. Mas houve no Rio de Janeiro esse episódio que marcou época, marcou história, marcou toda uma maneira de pensar. E o Brasil abrigou então a Cúpula da Terra, a Eco 92. Então a partir desse momento houve uma nova explosão e depois seguiu até hoje. Infelizmente, numa análise crítica muito objetiva, muito realista e muito honesta, todos aqueles postulados colocados pela Eco 92, pela Agenda 21, não foram cumpridos, não foram respeitados. Então eu acho que a história do ambientalismo do Brasil e do mundo é feita por impulsos, por verdadeiros picos e por verdadeiros vales, onde há momentos de grande euforia, de grande vitória, e depois momentos de grande depressão. Essa que é a nossa realidade. Porque numa avaliação isenta, menos de 5% das metas da Rio 92 foram cumpridas.
P/1 – Aí você disse que na década de 80 foi o “boom” da questão ambiental com o surgimento de organizações...
R – Exatamente, e aí já chega a SOS Mata Atlântica, que marca um momento muito forte da consciência coletiva e da consciência cidadã, onde várias pessoas dos mais diferentes “status” se reuniram e isso foi muito bom, porque havia uma diversidade de pessoas e formações muito grandes. Não era que eram todos geólogos, ou geógrafos, ou agrônomos ou advogados. Eram pessoas de diferentes formações, de diferentes origens, de diferentes extrações, de diferentes raízes, todos mais ou menos decepcionados e desencantados com o rumo do ambientalismo no Brasil. Gente da mídia, gente da imprensa, gente do empresariado, gente da academia, gente do Ministério Público. No meu caso, gente do funcionalismo público, e aí foi feito o grande amálgama dessas forças díspares frustradas nas suas áreas respectivas de comportamento, de saber e de fazer. Então se juntaram para dar esse grande curto-circuito para criar a SOS Mata Atlântica e aí se consolidou uma entidade que ganhou o público, ganhou a mídia, ganhou espaço, ganhou visibilidade nacional e internacional e está aí até hoje, cumprindo dezoito anos. O que também é um fato invejável, porque a maioria dessas ONGs, Organizações Não Governamentais, têm vidas muito curtas, surge hoje, amanhã, um fato, um episódio, uma ação de valentia, demonstração, depois fenece, morre, para renascer ou não renascer mais adiante. E o que eu acho interessante em SOS Mata Atlântica é justamente que tem assim dezoito anos de estabilidade, altos e baixos é claro, mas tem uma postura uniforme e uma respeitabilidade muito grande perante a opinião pública.
P/1 – E como que foi o começo da fundação? Você se lembra quais eram as frentes de atuação? Quais eram as principais propostas bem no início mesmo?
R – Aí, sem falsa modéstia, eu me coloco como um idealizador a partir desse trabalho que a gente fez sobre a devastação da Mata Atlântica em São Paulo. Não era um trabalho acadêmico, era uma história em quadrinhos. Era uma história em quadrinhos que mostrava, era assim, hoje está assim e ficará assim. Uma história em quadrinhos que impactou todo mundo. Então a primeira motivação era deter este quadro de destruição. Como fazer pra deter e para inverter o eixo da história, para que isso não se processe nos anos futuros, nos anos vindouros? Mexer tanto com a legislação como com o campo político, como um campo empresarial, como no campo da conscientização. Era mais ou menos essa a proposta, como fazer para inverter o eixo da história da predação, da devastação da Mata Atlântica a nível nacional, foi mais ou menos essa a motivação. Especialmente, especificamente o Roberto Klabin tomou a si essa tarefa e diz: “Puxa Mauro, você vem frustrado da área pública, eu também acho que a minha área empresarial, eu não posso fazer muito, porque o meu avô foi pioneiro, meu pai consagrou um império celulósico papeleiro. Eu vou seguir as pegadas do meu pai? Não, eu quero ter uma outra visão de mundo, uma outra visão de natureza, uma outra trajetória. Eu também não estou contente em ser apenas um empresário”. Ele confessava pra mim e daí então foi a partida da coisa. Novamente essa figura intrépida de vigor e de coragem que vocês vão entrevistar que é Randau Marques. Já entrevistaram? É obrigatório, aliás, nem sei se ele virá porque ele tem horror a essas coisas. Não sei se ele virá. Mas de qualquer forma é importante tomarem o depoimento dele, porque ele vai dizer com bastante propriedade como é que a coisa se passava nos bastidores, no arcabouço e tudo mais, porque ele é um homem de mídia, ele vem da mídia. Ele vem do jornal O Estado de São Paulo. O Rui Mesquita falava: “Aqui está o meu ministro do meio ambiente.” No caso o Rodrigo Mesquita dava também muita força a Randau Marques, ele foi um verdadeiro artesão dessa coisa toda, com a sua figura ousada, polêmica, provocante, provocativa. Ele tinha esse condão de espicaçar as pessoas e conseguir das pessoas o melhor. Então no começo foi duro unir numa mesma associação pessoas de perfis tão distantes e tão díspares, de vocação diferente, de trajetória diferente. Mas eu acho que o que podia ser debilidade do movimento acabou sendo a sua fortaleza e a sua grandeza.
P/1 – Você fez parte do conselho?
R – Sim.
P/1 – De quando a quando foi o período?
R – Eu fiquei nos primeiros quatro anos. E depois como eu estava me mobilizando muito para ao exterior, já praticamente me afastei.
P/1 – E nesses quatro anos que você esteve no conselho, no início da SOS, quais foram os maiores problemas enfrentados na defesa do meio ambiente em sua opinião? Quais foram as grandes questões que a Mata Atlântica levantou e defendeu nesse período?
R – Olha, foram muitos, foram vários. Existia a chamada Estrada do Sol que deveria sair de São Paulo e fazer uma cicatriz em toda a Mata Atlântica e desembocar no porto de São Sebastião. Então essa tarefa a sociedade se empenhou, se bateu muito. Existiram vários projetos de enfrentamento direto, mas especificamente a Estrada do Sol houve muita briga, houve muita energia. Esse começo do Rodoanel, que deveria sangrar o cinturão verde de São Paulo, a SOS Mata Atlântica se bateu muito. Fez alguns projetos interessantes no Vale do Ribeira, projetos de plantio de essências nativas, de manejo de matas naturais. Mas para mim a grande virtude de SOS Mata Atlântica foi justamente não ficar dependente de nenhum organismo, de nenhum “lobby”, nenhuma organização. Foi democratizar o seu capital associativo, porque na época a gente tinha muito temor de que se fosse subsidiada por grandes empresas e grandes consórcios, num determinado momento isso poderia tentar contra a liberdade da instituição. Então eu acho que a grande virtude foi praticamente fazer uma rede associativa bastante grande, porque aí você democratiza essa entidade e a partir daí você cria a sua independência. Para mim essa é a grande coisa que a SOS tem sabido preservar. A partir do momento que você fica preso a apenas uma fonte de financiamento, a partir desse momento você vende a sua alma, o seu coração e a sua consciência. Então pelo fato de democratizar o seu quadro associativo ela praticamente cresceu.
P/1 – E das campanhas que a SOS teve nesse tempo de existência dela, qual que te marcou de uma maneira especial?
R – Não, a própria criação do logotipo “estão tirando o verde de nossa bandeira”. Essa motivação, essa coisa, esse apelo dramático, foi a grande campanha. Que por sinal, pôr a bandeira brasileira sendo comida por uma borda gerou bastante conflito com as autoridades militares. Porque o pessoal argumentava que era um grande desrespeito, a bandeira era o símbolo da pátria e tudo mais. Porém, o pessoal acabou forçando a barra e acabou sendo esse o logotipo que, aliás, inspirei, anima a associação até hoje. Porém, era uma coisa de apelo dramático, de apelo emocional, de apelo nacionalista, que a meu ver deveria ser um pouco repensado e isso os homens da mídia como vocês, poderão dizer melhor. Eu fiquei impactado quando vi o “folder” de vocês logo na entrada, dizendo que o museu aqui é uma entidade que quer fazer o resgate da memória, mas de uma maneira “light”, leve e alegre. Então eu acho que essa é a grande motivação, que eu acho que deve ser repensada por SOS Mata Atlântica. Trazendo a prêmio Nobel aqui para o Brasil, nós temos trabalhado, trabalhado com essa coisa do Nobel, e tem um frase que eu acho que cabe para mim, para vocês e para SOS Mata Atlântica, diz textualmente: “Todos os ganhadores do prêmio Nobel do mundo, primeiro fizeram o mundo sorrir e depois pensar”. Então eu acho que essa é a nova abordagem, o novo “approach” estratégico. E é por isso que quando Beth me pediu que trouxesse algumas fotos, a primeira minha é plantando uma bananeira, dando uma parada de mão que é a tentativa de ver o mundo de ponta cabeça, ou seja, a face oculta da lua. Eu acho que o movimento ambientalista não pode perder esse aspecto descomprometido, ousado, brincalhão, não pode ficar apenas na parte séria, circunspecta, formalista, burocrática. Eu acho que de certa forma SOS tem feito isso de uma maneira magistral, mas é preciso aprofundar mais essa vertente, se eu puder deixar algum conselho aos meus companheiros é isso daí.
P/2 – Mauro, quando a SOS foi fundada, que você participou, como que ela era vista publicamente pela população?
R – Existia todo aquele preconceito contra todo movimento ambientalistas, que é uma cambada de pessoas sensacionalistas ou pessoal, um pessoal que é apóstolo da catástrofe, são catastrofistas, é sombra do movimento hippie que precede de Woodstock, que é “flower and power”, o pessoal tinha o movimento de uma maneira pouco séria e jocosa. Nós sofremos todo esse impacto, todos sofremos, “não, isso não é pra valer, isso é uma meia dúzia de meninos mimados que querem proteger o mico-leão de cara dourada, a baleia azul, o macaquinho prego, o muriqui”, enfim, havia essa discriminação. Ninguém, praticamente, tinha consciência planetária do fenômeno.
P/1 – E Mauro, de quando você escreveu o livro em 1975 pra hoje, o que é que mudou na questão ambiental? Para melhor e para pior, quais foram os ganhos e quais foram às perdas sofridas pelo meio ambiente?
R – Olha, é um pouco difícil fazer um balanço de 30 anos. Eu acho que você colocou bem, existem ganhos e existem perdas. Na parte de ganho, acho que existe essa conscientização coletiva. Eu acho que isso é muito importante, as pesquisas dizem que mais de noventa por cento dos jovens de hoje são contra o modelo predatório que faz o desenvolvimento à custa da natureza, então eu acho que isso é extremamente marcante e extremamente positivo. Realmente houve uma consciência não somente no Brasil, estou falando de dados do Brasil publicados pelo Estadão. Semana passada vi uma entrevista, uma enquete da BBC de Londres, onde também a nível mundial a conscientização coletiva é mais de sessenta por cento. Hoje em dia nós sabemos que ou nós mudamos os padrões de vida, o estilo de vida, sociedade consumista, consumerista, ou o planeta não resiste. Isso daí eu acho o grande ganho, que o pessoal tem plena consciência de que não dá para continuar assim. Tem que haver um repensar, uma remodelação, uma nova maneira de agir em relação à natureza, em relação à biosfera, com uma nova ética da biosfera. Então eu acho que isso perpassou e capilarizou toda a sociedade, todos os ramos de atividade, as religiões, o meio artístico, o meio científico, o meio acadêmico, o meio produtivo, para mim esse é o maior ganho. Agora, quanto a resultados práticos, eu acho que nós perdemos ou no mínimo empatamos. Especificamente no que diz respeito à devastação florestal, desde que a gente publicou o estudo e foi criada a SOS Mata Atlântica e outras ONGs, nós conseguimos refrear o ritmo da devastação, mas não eliminá-lo completamente. E de agora, recentemente, se publicou o Atlas Ambiental da cidade de São Paulo, e diz textualmente que nos últimos dez anos se destruiu trinta e quatro parques do Ibirapuera de verde, de tecido verde no núcleo urbano e na periferia e no cinturão verde. Então esse é um quadro que eu acho que conseguimos diminuir o ritmo e intensidade, mas freá-lo completamente não. E, logicamente, nós temos outros tipos de poluição, poluição sonora, poluição aérea, poluição do solo, poluição dos mananciais, dos cursos d’água, dos aquíferos subterrâneos. Eu acho que isso nós perdemos, estamos perdendo a batalha. Você veja, por exemplo, a tragédia que é a inundação na cidade de São Paulo, no casco urbano, qualquer chuva, qualquer temporal, praticamente inunda, sufoca a cidade. Por quê? Porque as áreas verdes foram eliminadas, porque não há área de percolação, não há plantas, isso tudo foi impermeabilizado por asfalto, por concretos, por prédios, então é a tragédia que se vê. Os piscinões, será que nós precisamos dessa cirurgia invasiva? Será que nós não podemos ter um tratamento muito mais natural, naturalista, pro fenômeno da enchente? Mas não obstante os piscinões são construídos por quê? Porque cada piscinão custa quinze milhões de reais, então você veja aí que nós estamos longe de fazer uma gestão do espaço urbano de acordo com os predicados da sustentabilidade. Outra coisa que você vê, que SOS denunciou, OIKOS denunciou, o problema das ilhas de calor. Você veja, isso é estudo clássico da companheira Magda Lombardo, que diz que o diferencial térmico entre o espigão da Paulista e o coração da Cantareira é de dez graus centígrados. dez graus centígrados numa distância de apenas doze quilômetros, você tem um diferencial térmico de dez graus centígrados. Ou seja, enquanto o espigão da Paulista está com trinta graus centígrados, o coração da Cantareira está com vinte graus centígrados. Então a mata como condicionador do ar, como bem estar social, como bem estar humano, como condição de habitabilidade, isso não foi aprendido pela sociedade e pelos governantes e pelos gestores, isso ainda não foi apreendido. Então veja você que nós estamos muito longe de conseguir o minimamente desejável, eu não digo o bom nem o ótimo, o minimamente desejável. Você veja alguns dias atrás, o calor impossível que teve na cidade, com uma noite altamente sufocante, por quê? Porque o tecido verde desapareceu. Então nós ainda estamos perseguindo intervenções cirúrgicas duras, tecnocráticas, ao gosto da tecnocracia de 1970, isso daí é uma perda total. E como eu lhe disse, a nível mundial, a nível planetário, os grandes postulados da Agenda 21, que é a “Bíblia do planeta”, foram cumpridos minimamente aí cinco, sete por cento. Então, eu tenho que ser realista e dizer que ganhamos consciência, mas estamos perdendo a batalha ecológica na prática, na grande prática. Isso sem falar da devastação do espaço amazônico, que continua uma coisa que é uma vergonha nacional e uma vergonha internacional.
P/1 – E Mauro, você fez agora um balanço da questão ambiental brasileira e mundial. E da fundação SOS nesses dezoito anos? Você que acompanhou ela desde o começo, o que você pode falar pesando desde o começo até hoje, o que aconteceu de bom ou o que pode melhorar? Qual é o seu balanço da SOS?
R – O meu balanço é positivo. O meu balanço é positivo porque, pelo fato de estar durando aí dezoito anos uma organização não governamental, já é um êxito, já é um sucesso. Agora, ela luta no limite extremo das suas possibilidades e das questões legais e institucionais. Ela absolutamente não pode exacerbar o limite de atuação dela, ela atua nesse limite. Quando ela atua pontualmente, por determinada campanha, de despoluição do Tietê, campanha pela preservação etc, ela consegue um êxito absoluto. Porém, eu diria que estamos, e aí eu me coloco junto, estamos ganhando no varejo, mas perdendo no atacado.
P/2 – Mauro, nós estamos indo para o final. Então antes de a gente pegar esse finalzinho eu queria te perguntar se tem alguma coisa que nós não te perguntamos que você gostaria de falar? Algum assunto, algum período...
R – Eu acho que eu fiquei a vontade, fiz um depoimento sincero, autêntico. Vocês foram extremamente simpáticos, me deixaram a vontade. Agora tem o seguinte, nós não podemos condensar trinta anos, nem dezoito anos em uma hora ou duas horas, mas eu acho que consegui dar algumas pinceladas. Se vocês depois quiserem me convocar para outro depoimento, estarei sempre presente aqui.
P/1 – Então Mauro eu queira que você falasse pra gente onde você enxerga a SOS daqui a dez anos? Olhando para o futuro, onde você vê ou onde você gostaria de ver a fundação SOS Mata Atlântica, daqui a dez anos?
R – Eu acho que quero que ela continue como consciência crítica, atuando sempre com responsabilidade, com respeito, com a ética devida à biosfera. Que continue assim com o seu papel democrático, democratizante, que seja transparente, que seja fiel às suas origens. E que pegue um pouco esse papel assim, mais leve, para levar a sua mensagem a maior número de pessoas. E quero que aumente o seu quadro associativo e quero que tenha uma grande representatividade no Brasil e no exterior. E quero que ela contamine, no bom sentido, os companheiros e colegas e forme novos quadros, forme novos combatentes dentro de uma ética, dentro de uma verdade, que ela consegue muito bem.
P/1 – E, para finalizar, o que significa a fundação SOS Mata Atlântica na sua vida? Qual é a importância que ela desempenhou na sua trajetória pessoal, profissional e intelectual?
R – Eu me senti identificado com a SOS porque ela praticamente agasalhou toda a minha inquietude, todos os meus postulados, toda a minha frustração, mas toda a minha alegria, toda a minha energia. Quando eu participei, eu tenho consciência de ter passado para os colegas, para os amigos, uma imagem de fidelidade, uma imagem de companheirismo e uma imagem de verdade. E recebi dos mesmos o mesmo tipo de contágio benéfico. Ajudou-me, me fez crescer, me deu campo, me deu espaço, e eu sou bastante grato aos companheiros. Vendo depois numa perspectiva de tempo eu acho que eu fiquei muito contente, muito feliz de batalhar junto aos companheiros. E faço sucesso e sei que nos encontraremos na mesma batalha, pelo mesmo ideal, com o mesmo tesão de vida. E é claro que todos amadurecemos, todos mudamos, mas eu creio que sempre dentro de um processo de conscientização e de lucidez. Eu acho que isso foi importante, que todos os nossos companheiros conservaram uma lucidez muito grande sobre essa trajetória e sobre essa batalha. Eu espero que cresça, que continue assim, que faça muitos prosélitos, muitos combatentes, muitos agregados, muitos amigos. E que realmente nos encontremos aqui num curto espaço de tempo, todos unidos pela mesma causa.
P/1 – Então muito obrigado por ter dedicado esse tempo com a gente para explicitar esses pontos tão importantes na história da SOS.
R – Eu agradeço o espaço.
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