P/1 - Bom dia, Nelson.
R - Bom dia.
P/1 - Eu queria, para começar, que você dissesse, por favor, o seu nome completo, seu local e data de nascimento?
R - Meu nome é Nelson Cascelli Reis. Eu nasci em 2 de julho de 1954 em Pouso Alegre, Minas Gerais.
P/1 - O nome do seu pai e da sua mãe?
R - Meu pai é Cláudio de Queiroz Reis. A minha mãe é Mariângela Cascelli Reis.
P/1 - Os seus avós, você conheceu?
R - Conheci.
P/1 - Paternos e maternos?
R - Paternos e maternos. Você quer os nomes deles, também?
P/1 - Por favor.
R - O nome do meu avô paterno é Joaquim José Reis, do meu avô materno é Francisco Cascelli, da minha avó paterna é Maria Josefa de Queiroz Reis e da minha avó materna é Maria José Fernandes.
P/1 - Você conhece a origem dos seus avós, de onde eles vieram?
R - Conheço, conheço. Na verdade, o Cascelli veio da Itália. Os meus bisavós vieram da Itália na imigração do final do século e vieram, eu acho, que da parte da Calábria. Aí, foram para o sul de Minas mexer com café em uma cidadezinha chamada Jacutinga, onde nasceu o meu avô. Do lado da minha avó materna, eles vieram da Espanha, também mais ou menos na mesma época, e começaram a mexer com comércio de produtos importados da Espanha para distribuição de panelas, de utensílios. Montaram uma loja em Pouso Alegre. E pelo lado do meu pai tem uma descendência de índio e de portugueses. Reis é uma família portuguesa e a minha avó é descendente de índio. Daí para trás... (risos) Aí, você está no século dezessete, dezoito, aí eu não vou lembrar. Eu não tenho informação. (risos)
P/1 - Qual que era a atividade do seu pai?
R - Meu pai era industrial.
P/1 - O que ele fazia?
P/1 - Meu pai começou a vida a vida em Pouso Alegre nos anos 1950 mexendo com agrimensura, fazendo loteamento e abrindo ruas na cidade e depois ele montou uma concessionária de automóveis, de Jeep. Na época, do começo da industrialização do Brasil, ele foi...
Continuar leituraP/1 - Bom dia, Nelson.
R - Bom dia.
P/1 - Eu queria, para começar, que você dissesse, por favor, o seu nome completo, seu local e data de nascimento?
R - Meu nome é Nelson Cascelli Reis. Eu nasci em 2 de julho de 1954 em Pouso Alegre, Minas Gerais.
P/1 - O nome do seu pai e da sua mãe?
R - Meu pai é Cláudio de Queiroz Reis. A minha mãe é Mariângela Cascelli Reis.
P/1 - Os seus avós, você conheceu?
R - Conheci.
P/1 - Paternos e maternos?
R - Paternos e maternos. Você quer os nomes deles, também?
P/1 - Por favor.
R - O nome do meu avô paterno é Joaquim José Reis, do meu avô materno é Francisco Cascelli, da minha avó paterna é Maria Josefa de Queiroz Reis e da minha avó materna é Maria José Fernandes.
P/1 - Você conhece a origem dos seus avós, de onde eles vieram?
R - Conheço, conheço. Na verdade, o Cascelli veio da Itália. Os meus bisavós vieram da Itália na imigração do final do século e vieram, eu acho, que da parte da Calábria. Aí, foram para o sul de Minas mexer com café em uma cidadezinha chamada Jacutinga, onde nasceu o meu avô. Do lado da minha avó materna, eles vieram da Espanha, também mais ou menos na mesma época, e começaram a mexer com comércio de produtos importados da Espanha para distribuição de panelas, de utensílios. Montaram uma loja em Pouso Alegre. E pelo lado do meu pai tem uma descendência de índio e de portugueses. Reis é uma família portuguesa e a minha avó é descendente de índio. Daí para trás... (risos) Aí, você está no século dezessete, dezoito, aí eu não vou lembrar. Eu não tenho informação. (risos)
P/1 - Qual que era a atividade do seu pai?
R - Meu pai era industrial.
P/1 - O que ele fazia?
P/1 - Meu pai começou a vida a vida em Pouso Alegre nos anos 1950 mexendo com agrimensura, fazendo loteamento e abrindo ruas na cidade e depois ele montou uma concessionária de automóveis, de Jeep. Na época, do começo da industrialização do Brasil, ele foi concessionário da Willys em Pouso Alegre. E o meu avô já tinha mudado para o Rio de Janeiro para ser sócio de uma empresa que ele fundou em Pouso Alegre que se chamava Renar. E a Renar em um determinado tempo, foi vendida para uma empresa multinacional chamada Borden Química. E ele foi para o Rio de Janeiro, ficou como sócio minoritário dessa empresa. Foi para o Rio de Janeiro e faleceu no Rio, e aí o pessoal da Borden chamou o meu pai para substituir o meu avô na indústria. Então, nós fomos para o Rio de Janeiro em 1964, na época da Revolução.
P/1 - Vamos ficar em Pouso Alegre um pouquinho. Como é que era a sua casa de infância, a casa onde você cresceu?
R - A minha casa tinha jabuticabeira. Eu nasci em cima de uma jabuticabeira, de uma mangueira. Era uma casa que tinha um terreno muito grande, eu criava passarinho e brincava na rua. Não tinha... Só tinha calçada, a cidade só era calçada, no final da década de 1950, só nas principais ruas. A minha casa era de frente para a principal praça e no fundo já não era calçado mais e começavam as fazendas, os sítios. Eu tirava leite cedo no sítio do meu tio. Eu tive uma infância, assim, muito ligada à terra.
P/1 - Como é que era a casa, assim, vamos descrever um pouco o ambiente, os cômodos. Como é que era?
R - Era uma casa grande que tinha sido reformada. Foi do meu avô e o meu pai reformou para casar. Então era uma casa em que tinha uma área muito grande social. Tinha até uma sala, eu lembro bem dessa sala. Criança não podia entrar nessa sala. Essa sala só era aberta para quando as visitas chegavam, quando o meu avô vinha do Rio de Janeiro ou quando tinha um jantar na família. E essa sala tinha um quadro, uma fotografia de Jesus Cristo e eu passava, quando era menino, quando eu passava correndo por essa fotografia de Jesus Cristo, esse Jesus Cristo me persegue até hoje. (risos) Eu ficava olhando e parecia que ele estava me olhando porque era proibido entrar na sala, né? Criança não entrava naquela sala e... Bom, eu acho que de pitoresco é isso. O resto era uma casa normal, uma casa que tinha fogão de lenha no fundo, que tinha lavanderia no fundo. Tinham aquelas empregadas que criavam a gente e tinha a Cida que... Tem história da Cida com uma maritaca que eu conto para os meus filhos até hoje.
P/1 - Como é que era essa história?
R - Ah, tem muitas histórias. Nós criávamos uma maritaca e a maritaca ficava o dia inteiro “Cida, eu quero café, Cida, eu quero café”. Eu criei algumas histórias em cima disso quando os meus filhos eram pequenos para fazer eles dormirem, contando história da maritaca que era muito mentirosa e que a Cida... Enfim, tem uma porção de coisas. Uma outra hora, a gente... Eu queria até editar isso uma hora.
P/1 - Como é que era o cotidiano da casa, assim, o horário de almoço todo mundo tinha que estar presente...
R - Todo mundo almoçava junto e jantava junto. A gente ia para a escola bem cedinho e lá no sul de Minas é muito frio, não é? Então, a gente saía cedo. Eu lembro bem que eu ia a pé para a escola, ia conversando e estava saindo fumaça da minha boca, de condensação do ar. Lá pelas onze e meia, meio dia, a gente já estava almoçado e cinco e meia, seis horas a gente jantava. E, depois, era o começo da televisão. Eu lembro que o meu pai teve a primeira televisão da cidade e ele foi fazer uma experiência de melhorar a imagem da televisão. Eu acho que é por isso que eu sou enxerido até hoje, por isso, que eu dou palpite em tudo. E convidou os amigos dele todos, o pessoal lá da cidade, todos para ver a televisão. E ligou a televisão, ele com outro tio que já morreu, o Murilo, e começaram a mexer para melhorar a imagem da televisão e a sala cheia de gente. Essa tal sala que era proibida de entrar e as crianças estavam lá nesse dia. Mexeu tanto, mexeu tanto que até explodiu a televisão. (risos) Mas, o cotidiano era esse. Era uma coisa bem metódica, a vida passava muito mais devagar.
P/1 - Quantos irmãos?
R - Uma irmã só.
P/1 - E essa escola? Como é que foi a sua primeira escola?
R - A minha primeira escola foi em um colégio Santa Dorotéa. Um colégio de freiras onde eu fiz o jardim da infância e o pré-primário. Depois eu fui para uma escola pública que tem o nome do meu bisavô, Joaquim Queiroz, que foi um educador lá em Pouso Alegre no final do século e fiz o primário lá. Depois, em 1964, quando eu saí do primário, nós mudamos para o Rio e aí eu fiz o ginásio no Rio de Janeiro.
P/1 - Como é que foi essa mudança na cabeça do garoto Nelson?
R - Foi muito ruim, é muito ruim até hoje, eu não gosto do Rio de Janeiro. É... Eu achava que aquilo não tinha sentido. Eu morei dez anos no Rio e depois eu voltei. Eu fiz faculdade em Pouso Alegre. Eu passei no vestibular no Rio de Janeiro, na Gama Filho, para Telecomunicações e tinha passado na Inatel, no Instituto Nacional de Telecomunicações, em Santa Rita e voltei para o interior porque eu não consegui me adaptar no Rio de Janeiro. Para mim era incoerente ter que estar em ônibus às sete horas da manhã e o pessoal ir para a praia. Eu não consigo viver muito com incoerência desse tipo. (risos) Eu acho muito bom o Rio de Janeiro. A minha mãe mora lá até hoje, minha irmã mora lá, eu vou lá para passear, mas, enfim, era muito difícil para um menino de doze anos, de dez anos de idade, criado no interior, enfrentar a juventude dos anos 1960 no Rio de Janeiro. Eles tinham um comportamento diferente, tinha...
P/1 - Aonde você foi morar lá?
R - Fui morar em Copacabana, na rua Pompeu Loureiro, em frente a um clube que chama Olímpico Clube. A gente jogava bola na rua. A gente descia, tem um lugar no Rio de Janeiro que chama Córrego do Cantagalo, a gente descia de skate do Córrego do Cantagalo... Hoje, é impossível. Mas mesmo assim, o Rio era uma coisa que me assustava muito, sabe? E aí, em 1974, eu saí do Rio e vim estudar, fazer engenharia em Santa Rita que é muito perto de Pouso Alegre.
P/1 - Certo. Nesse período do Rio, na continuidade dos estudos, como é que começou a se desenhar essa tendência, essa vocação, essa escolha de uma carreira, de uma profissão adiante?
R - Eu sempre... acho que essa coisa é uma coisa que eu herdei do meu pai. Meu pai era uma pessoa muito habilidosa e sempre mexeu com muita questão de ferramenta, de fazer coisa, de arrumar coisa em casa. E eu, desde pequenininho, ia atrás dele, ajudando a arrumar tomada, ajudando a instalar lustre, a instalar a persiana, né? E ele era fascinado por telefone. Ele achava telefone a invenção mais bonita que tinha porque economizava tempo. E eu lembro dele em Pouso Alegre falando com o meu avô. Aquilo demorava oito, dez horas uma ligação. E ele antes de mexer com carro, ele dirigia caminhão. Então, ele falava: “Aqui meu filho, eu demoro três dias com o caminhão para ir para o Rio de Janeiro. Nós falamos com o seu avô aqui só em quatro horas. Olha que beleza!” Eu acho que eu fui aliando essa questão das ferramentas. Até hoje eu mexo muito com ferramenta. Um dos meus hobbies é fazer as coisas em casa. E eu acho que aí eu fiquei com esse negócio e peguei uma fase muito interessante de telecomunicações, que era bem o começo da mecanização das telecomunicações. Sempre gostei muito de física no colégio, sempre gostei muito de matemática e não gostava do resto. Até hoje eu tenho muitas idéias para escrever, mas a minha ortografia é terrível.
P/1 - E no Rio de Janeiro onde é que os estudos continuaram?
R - Eu estudei em um colégio que chama Guido de Fontgalland, um colégio dos padres barnabitas, isso no Ginásio, e depois no Científico, eu mudei para um outro colégio, também desses padres barnabitas, que chama Zacarias. Santo Antônio Maria Zacarias, lá no Catete. E depois, fiz o cursinho Impacto que era aqueles cursinhos de Vetor, Impacto...
P/1 - Mas, já decidido a...
R - Já decidido desde o Científico. Naquela época, você escolhia, quando você ia para o Científico, três áreas. Eram biomédicas, humanas ou tecnológicas, não é?
P/1 - Sim, mas já decidido para telecomunicações?
R - Já decidido para Engenharia.
P/1 - Para Engenharia.
R - Para Engenharia.
P/1 - Essa idéia das telecomunicações como é que surgiu na cabeça do jovem Nelson?
R - Essa idéia surgiu dessa, acho que dessa fusão de coisas, de gostar muito de Física, gostar muito de eletricidade, que eu já mexia com eletricidade por causa do convívio com o meu pai nos consertos do dia a dia em casa, e a hora que isso se materializou... Se materializou nessa possibilidade. E quando eu passei, eu passei para Engenharia Elétrica no Rio de Janeiro e para Engenharia de Telecomunicações, em Santa Rita. Então, já juntou o útil ao agradável, porque eu queria voltar para o interior. Aquele sonho também do jovem de dezoito anos de querer deixar a família, de querer viver vida própria. Então juntou... Acho que foi mais por aí, essas duas coisas, ter passado em uma escola de telecomunicações e sentir vocação para isso, e dessa coisa história junto aí com meu pai nos consertos.
P/1 - A decisão do vestibular teve a aquiescência da família? Teu pai e tua mãe acharam...
R - Não, eles nunca, nunca... Eu sempre tive muita liberdade. Eu fui criado com muita liberdade de decidir, de fazer o que... Eles sempre me apoiaram.
P/1 - Mas, pela primeira vez saía de casa efetivamente, não é?
R - É, eu saí de casa... Não tinha muito problema, não teve muito problema porque eu já viajava muito. Na juventude do Rio de Janeiro, eu ia muito para Petrópolis, para Teresópolis, para Cabo Frio nos fins de semana, nos feriados longos e tal. Então, você começa a dar os primeiros passos mais pertinho e depois você vai criando asas, não é? Eles já estavam acostumados com isso.
P/1 - Algumas grandes amizades ficaram ali?
R - Muitas, muitas. Até hoje a gente se fala. Quando eu vou para o Rio eu encontro o pessoal. Coisa de...
P/1 - Turma da praia?
R - Turma da praia, turma do colégio. Turma da música, turma do festival.
P/1 - Da música?
R - Da música. Quando eu voltei para Pouso Alegre eu, na faculdade, na verdade, nos dois anos iniciais da faculdade eu era mais músico e poeta do que estudante de Engenharia. (risos) A gente tinha muito festival em 1972 por aí, no sul de Minas, em Poços de Caldas, em Passos. Eu e o Celso Machado. Quando eu encontrei... A primeira vez que eu vi o Celso Machado foi muito antes de estar aqui. Foi em um festival de Poços de Caldas que nós ganhamos o primeiro lugar e a música do Celso ficou em terceiro ou quarto. E eu vim encontrar o Celso aqui depois e nem lembrava. Em uma conversa, batendo um papo, “nossa você é o cara que estava naquela música assim, que ganhou”. O Celso até queria gravar essa música. Estou te devendo, Celso! Preciso passar a letra da música para você gravar uma hora.
P/1 - Como surgiu essa vocação, esse talento musical?
R - É... Nós tínhamos um círculo de amizade em Pouso Alegre que gostava muito de ler poesia, de parnasianismo, e de fazer poesia, sabe? E tinha gente, até primos meus, que tinham muita habilidade com violão, muito dom para música. E, naquela época, era uma coisa até muito no começo da MPB, muito no começo de Chico Buarque, de Tom Jobim, de Vinícius, não é? Então, a gente sentava para escutar aquilo, para comentar aquela letra, para tentar tirar aquela música, para fazer poesia em cima daquilo, para olhar as rimas de Chico Buarque, que era uma coisa muito rica em construção; “Nossa, como é que ele fez tudo aquilo, proparoxítona. Vamos tentar fazer alguma coisa assim.” E começava e passava noites fazendo isso. Eu passei noites lendo Guilherme de Almeida, lendo, discutindo. Então, isso era uma coisa muito... Tão forte que a gente pensou em gravar disco, em ir para outro lado. Talvez eu não tivesse sentado aqui falando de Engenharia. (risos)
P/1 - Tocou algum instrumento, ou não?
R - Não, eu toquei um pouco de bateria, mas eu era mais letrista. Mas, o auge desse pessoal nosso, nós chegamos a ganhar, não com uma letra minha, com a letra do Eduardo e do parceiro, era o mesmo músico, chegamos a ganhar o Festival Internacional da TV Tupi. A Jane de Moraes, a Jane do Herondy, que cantou essa música. E aí que a gente empolgou. “Pô, vamos fazer isso, vamos mandar para a Globo, vamos mandar...” Aí, cada um foi formando, o time foi formando e tal.
P/1 - Mas chegou-se a pensar em profissionalização na música?
R - Várias vezes nós pegamos o nosso disquinho lá... Não era disquinho, era fitinha com as letras e fomos para o Amilson Godoy, depois fomos para as gravadoras. Lá nas tardes de domingo, lá no pessoal do Roberto Carlos, domingo de tarde fazia... Ficava tocando Jazz lá nos barzinhos para tentar enturmar, para mostrar a fitinha. Fizemos algumas vezes isso.
P/1 - Legal. Em Pouso Alegre, como é que era a cidade? Desculpa, Santa Rita de Sapucaí, para onde você foi viver? Como é que era a cidade nessa tua época?
R - Muito pequena. A cidade girava em torno de café na fazenda e na escola, não é? A escola de Engenharia e a escola de Eletrônica lá. Então, uma cidade basicamente de estudante onde o que tinha de diversão era jogar sinuca e tomar cerveja, e a gente divertia mais do que estudava no começo. (risos) Eu morei lá, na verdade, um ano. Na verdade, eu morei um ano, porque Pouso Alegre era muito perto, era vinte e cinco quilômetros. E o meu avô, uma pessoa que tem muito da minha história também, eu sempre fui muito amigo dele e ele morava em Pouso Alegre junto com uma tia, e eu consegui um emprego no colégio estadual para dar aula de Física, em 1976. Eu gostava muito de Física e tal, e a minha tia era professora lá, me apresentou e eu consegui esse emprego. Então, eu mudei de Santa Rita para Pouso Alegre. Ficava morando, indo e voltando, sabe? Eu lecionava Física de noite e de manhã alguns dias para o terceiro Científico, para o segundo. Então, eu voltei para lá. E Pouso Alegre era maior. Pouso Alegre é uma cidade já maior onde tinha um ambiente também universitário. Tinha, tem até hoje, Faculdade de Direito, de Medicina, de Filosofia, então, era uma coisa comercialmente mais desenvolvida. E nessa fase a vida era muito apertada porque eu tinha que dar quarenta horas de aula por semana e terminar a faculdade, em 1977, 1978. Aí eu tinha que estudar no ônibus, estudar no banheiro e como os dois primeiros anos foram meio, mais música e cerveja do que livro, então no final eu ralei um pouco. (risos)
P/1 - E dar aulas, como é que nasceu essa vontade de dar aulas?
R - Dar aulas acho que é uma coisa que eu me identifico muito até hoje. Eu sempre tive, o meu avô esse que eu morei com ele lá em Pouso Alegre, ele era professor da Faculdade de Direito e eu via ele preparando aula. Minha tia era professora de Matemática. Então, desde muito cedo, desde quando eu morava em Pouso Alegre, antes do Rio, eu via aquele ambiente, a minha avó era professora de francês, eu via aquele ambiente de educação, aquele ambiente de... Eles discutindo, sabe, eles corrigindo prova, “puxa, o fulano melhorou, puxa...”. Porque todo mundo se conhecia. “O filho de não sei quem está com problema. Vamos chamar ele aqui para...” Esse negócio foi entrando dentro do meu sangue, não é? Então, é uma coisa que foi muito prazerosa e hoje eu olho colegas, pessoas que foram minhas alunas, são casadas hoje e são amigas minhas. Casaram com amigo meu porque eu também era muito novo. Eu tinha dezoito anos e estava dando aula para o... Eu tinha vinte anos, dando aula para o terceiro Científico. O pessoal tinha dezessete. Então, hoje tenho amigos que eu fui professor.
P/1 - E ficou nessa ponte entre Pouso Alegre, dando aula, que foi o seu primeiro emprego efetivo, não é?
R - Foi o meu primeiro emprego efetivo.
P/1 - E a faculdade em Santa Rita do Sapucaí?
R - A faculdade em Santa Rita.
P/1 - Como é que você conseguiu levar isso até o fim? Como é que foi esse final de curso?
R - Aí em Santa Rita, eu já também estava mexendo com laboratório. Eu já era monitor do laboratório de Eletrônica por causa dessa questão de querer estar envolvido com a escola, querer estar envolvido com pesquisa, querer... Eu comecei a dar palpite lá no laboratório que as apostilas do laboratório eram muito mal feitas e tal. Então, falaram: “Então, vem cá ser monitor e vem fazer.” Eu sempre sou muito palpiteiro, em querer saber por que e tal. Era uma coisa bem corrida. E eu estava determinado a acabar aquilo e acabar bem. Tanto é que as minhas notas foram muito boas nos últimos dois anos. E acho que era isso. Quando você está motivado e quando você está completamente cheio o seu tempo, você arruma tempo para fazer o que você quer. Você arruma mais tempo, você produz isso. Eu lembro que era... Olha... A gente tinha que abrir mão de coisas e teve uma grande festa de casamento lá de um amigão meu, que está na CSN hoje. A gente se encontrou aí até há uns dois meses atrás e na época eu ajudei a preparar o sítio dele para a festa de casamento e tal, e na semana da festa de casamento dele eu tive que ficar estudando dia e noite. Eu estudava até às quatro horas da manhã, dormia, acordava às oito, ia dar aula das oito até meio dia, estudava de novo. Não tinha outra alternativa. Essa coisa era apertada, mas eu tenho boas recordações disso. Talvez eu tenha mais trauma do começo quando eu não estudei. Até hoje, de vez em quando, eu sonho com os dois primeiros anos de faculdade, aquele negócio “Pô, eu vou ter prova e não estudei para a prova e tal”. Não sonho com os últimos anos, só sonho com as neuroses dos primeiros. (risos). Aí, eu fiquei apaixonado pela Lúcia, que eu casei com ela, estou casado, graças a Deus até hoje e em um ano eu só consegui passar em duas matérias: Estudo dos Problemas Brasileiros e Economia. Economia na escola de Engenharia, zero e Estudo dos Problemas Brasileiros... (risos) Só era música e namoro.
P/1 - Como é que você conheceu a Lúcia?
R - Conheci a Lúcia em Pouso Alegre. A família dela era conhecida. Ela namorava um desses parceiros meus, Zé Otávio, que é meu primo. Ela era apaixonada nele e eu era apaixonado nela. Então, eu tinha que tirar ela dele para ficar com ela. Então, era um trabalho grande. (risos)
P/1 – Um xadrez sentimental.
R - E eu comecei a ficar amigo dela no começo, na verdade, e ela tinha brigado com o Zé Otávio, e eu fui dar conselho para ela: “Ah, esquece ele, tal.” Mas, o que eu estava querendo na verdade era ela, não era dar conselho para ela esquecer ele, não é? E a gente está junto até hoje.
P/1 - Vamos voltar a Santa Rita. Como é que foi a sua formatura? O dia da sua formatura, você se lembra como é que foi?
R - Não, eu não lembro como é que foi porque eu não participei da cerimônia de formatura. Eu tinha... Por causa disso, eu acabei tendo duas turmas. Eu acabei saindo da escola... Eu tive que fazer um curso de verão em 1978 para sair com a minha turma e eu fazia matéria com uma turma anterior. E no baile de formatura, que foi em um sábado, na sexta-feira tinha aberto uma inscrição na Embratel, no Rio de Janeiro. Então, eu falei: “Olha, como eu não tenho turma mesmo, eu estou em duas turmas, meu nome está lá no convite, tal, tudo, mas eu vou para a Embratel, vou fazer esse teste lá na Embratel.” E fui para a Embratel e não fui no baile de formatura. Fui para o Rio de Janeiro fazer o teste na Embratel e não fui para o baile de formatura.
P/1 - Era um teste para que?
R - Era um teste para a Engenharia. A Embratel estava fazendo o começo da área de telex. Nem me lembro de telex mais.
P/1 - E passou, depois?
R - Passei. Passei na Embratel, aí voltei e aí a Embratel foi aquele negócio de chamada. Concurso Público, não é? Aí, formei e voltei para o Rio de Janeiro, e aí me senti uma visita na minha casa. A minha mãe arrumando cama e... Eu falei: “Isso aqui não está bom!” (risos) Eu não me sentia em casa mais, sabe? Eu não me sentia em casa mais e durante esse período da espera da Embratel, de ser chamado na Embratel, eu tinha um, que é compadre meu hoje, mas, na verdade, casado com uma irmã da minha mãe que morava em Brasília e que era chefe de gabinete do Aureliano quando o Aureliano era vice-presidente da República. E ele foi deputado duas vezes junto com o Valdir Melgaço, casado com a dona Eleusa, irmã do Dr. Luiz.
P/1 - Como é que é o nome dessa pessoa?
R - Luiz Fernando Faria de Azevedo. Luiz chama ele de Boiota, porque eles foram contemporâneos em Itajubá, quando Dr. Luiz estudou em Itajubá. E eu vim, falei com o Luiz Fernando. Falei: “Luiz, eu vou aí para... Eu estou aqui esperando no Rio de Janeiro, está ruim esse negócio aqui, eu estou fazendo nada, eu vou em Brasília, você dá uma volta comigo aí no Ministério, na Telebras?” “Vem cá.” E eu fui para lá, para Brasília e comecei a... Passei aqui por Uberlândia, na verdade, porque eu vim de carro e comecei a visitar Ministério, deixar currículo no Geipot, não sei o quê e tal. E depois de uma semana ele falou para mim: “Nelson, eu tenho um amigo que tem uma telefônica no interior. Só que é interior, é em um lugar aí para baixo, chama Uberlândia. Você topa ir trabalhar lá?” Eu falei: “Claro. Sem problema nenhum.” Aí, ele telefonou para o Dr. Luiz, para o Sr. Alexandrino, na verdade, ele também era amigo do Sr. Alexandrino, e o Dr. Luiz falou: “Não, fala para ele vir cá. Deixa um currículo dele aqui. Eu estou precisando montar umas mesas interurbanas. Eu preciso de estagiário aqui para montar mesas interurbanas.” Aí, eu não consegui nunca mais voltar para o Rio de Janeiro. Fiquei aqui, já faz vinte e um anos. Vim para cá, fui ser estagiário, montar essas mesas interurbanas junto com o Dr. Luiz e aí...
P/1 - Eu queria insistir nisso, mas eu queria recuperar uma passagem sua. Como é que é essa história de sentir-se estranho na própria casa? Como é que foi essa sensação de voltar para casa e querer sair de casa?
R - Pois é, eu acho que tem essa questão de... Tem essa questão... Acho não, tem. Isso aí eu descobri depois, porque eu fui uma pessoa... Eu fiz cinco anos de análise. Então, isso me ajudou muito a entender essas certas questões. Então, eu estou te falando porque isso é uma coisa que eu passei por isso. O que é isso? Isso, na verdade, foi uma vontade de não querer ficar em casa com o pai e a mãe. A relação deles não era uma relação que me satisfazia. A relação pessoal deles não era uma relação que eu achasse legal. Então, o fato de estar fora era mais confortável, além dos desafios. Isso eu vim descobrir depois no divã do psicanalista. O que me intrigava, como te intrigou, me intrigava. Era uma relação muito complicada e eu não via aquilo. Eu era... Eu sou uma pessoa muito sentimental, muito ligada ao amor e a relação era muito fria, era muito complicada.
P/1 - Pois muito bem, Uberlândia você só conhecia de passagem?
R - Uberlândia eu só conheci de passagem quando eu subi para Brasília. Não conhecia. Aí, deixei, mandei meu currículo e aí, na época, o engenheiro chefe chamado Claudio Leig...
P/1 - Cláudio?
R – Claudio Leig, me chamou uma semanas depois: “Olha, eu estou com o seu currículo aqui, pode vim cá, começar segunda-feira. Tem um negócio aqui, você passa aqui, eu vou te dar o serviço e tal.” E aí eu vim para cá. Cheguei aqui em Uberlândia com, sei lá, talvez hoje uns dez, quinze reais. Dava para ficar dois dias no hotel, no Hotel Colombo, aqui na praça e um carro Chevette, 1974, que eu tinha comprado com o dinheiro das aulas que eu dava lá. Eu pagava a prestação do carro. E até tinha dinheiro, podia pedir para o meu pai e tal, não teria problema. Mas, para começar a vida aqui eu vendi o carro para comprar uma televisão, um colchão, uma geladeirinha pequena e um fogão de duas bocas. Fui morar acho que onde todo mundo que chega mora, aqui no Tubal Vilela, em uma kitnet no Tubal Vilela e trabalhar lá junto com as telefonistas na CTBC.
P/1 - Dona Lúcia, nessa...
R - Não, nessa época a gente estava brigado. Nessa época, a gente brigou. Nós ficamos dois anos separados. Exatamente depois que eu formei, de 1979 até 1981 a gente estava brigado. De 1978 até 1980. Aí, eu vim para cá e aí tinha muita coisa nova aparecendo. A CTBC, nessa época, nessa área de tráfego, tinha setecentas telefonistas, equipamentos muito velhos e tal. Eu cheguei, comecei a procurar coisa nova para melhorar a condição de trabalho e aí eu... Nossa, a gente viajava muito. Não tinha... A gente viajava, não tinha dinheiro, a dona Ilce não dava dinheiro para ninguém, a gente saía para viajar, comia arroz, feijão, tomate e ovo, e vinha com as notas e ela ainda reclamava que a gente estava gastando muito. Era até divertido. (risos)
P/1 - Essas viagens eram com que objetivo?
R - Na minha área... A gente viajava muito junto. Tinha umas Veraneios e a gente botava tudo quanto era engenheirada nova na Veraneio. Vinha o cara da rede, o cara da rede para ver a rede externa, ia o pessoal do tráfego que era eu, ia o pessoal de central que era o Zé Cândido. A gente saía daqui para chegar em Iturama. O objetivo o que é que era? Era fazer a implantação. A gente tinha mesas, telefonistas em tudo quanto é lugar, a gente queria concentrar para ganhar em escala, para medir, para dar treinamento para essas telefonistas. Então, ia de mutirão, não é? Ia de mutirão.
P/1 - Como é que era essa relação com as telefonistas? Porque elas eram de fato o esteio de todo o processo da telefonia na época, não é?
R - É, elas tinham um prestígio muito grande com a... No dia de Natal, no dia de festa era uma coisa no tráfego. As telefonistas recebia garrafa de champanhe, recebiam flores, porque dependia delas a velocidade das ligações. Aquilo passava muita ligação. As ligações automáticas eram muito poucas. A gente tinha alguns circuitos, DDD tinha em poucas cidades, tinha Uberlândia, Uberaba e Franca, na época em que eu vim e começamos a implantar. Isso que era uma das tarefas que eu tinha, era implantar isso. E, por outro lado, tinha uma questão até complicada, uma questão moral complicada, que a gente demorou algum tempo nisso. Porque, se por um lado as telefonistas tinham esse pessoal gostava delas, por outro lado o pessoal não tinha muito respeito pela telefonista. “Ah, telefonista é qualquer uma, telefonista é menina de programa.” Então, a gente começou, eu peguei essa... Talvez essa questão minha de professor, de já ter dado aula e tal, e nós começamos a desenvolver módulos de treinamento para as telefonistas, de comportamento, de ética, de como atender. E aí comecei a arrumar mais uma coisa para fazer que era dar curso de treinamento para telefonista. Fui na Telebrás, e a Telebrás estava desenvolvendo isso também, a gente montou algumas coisas juntos e começamos a dar o primeiro curso de treinamento para telefonista. Nós demos para quinhentas telefonistas. Eram vinte e tantos módulos e fizemos até o que seria um codigozinho de ética para começar passar a limpo a área delas, e fazer daquelas moças profissionais.
P/1 - Vamos ter que dar uma interrompida só para trocar a fita.
P/1 - Fala um pouquinho sobre esse curso que você disse que foi o primeiro curso feito especificamente para telefonistas?
R - Para telefonistas. Então, o que a gente fez? A gente desenvolveu alguns módulos de qualidade no atendimento. O que é que era qualidade no atendimento? Porque da mesma maneira que a telefonista era reconhecida pela sociedade como elemento importante para fazer a ligação, também ela era muitas vezes achincalhada: “É, você é não sei o que, você está segurando a minha ligação!” E como tratar com isso? Então, tem um componente forte aí de relacionamento humano. Tem um componente forte de lidar com crise. Muitas vezes, a pessoa estava atendendo... Aconteceu várias vezes de eu estar no tráfego, na mesa interurbana, fazendo supervisão e chegava uma ligação lá falando: “olha, aconteceu um acidente aqui, tem uma pessoa morrendo e nós precisamos de ajuda”. E a gente... E aí telefonava para hospital, telefonava para a polícia. Então, se por um lado a telefonista salvava, por outro lado também chegava uma pessoa: “Olha, avisa fulano que morreu o pai dele”. Então, ela era o veículo dessa emoção, não é? E tratar com isso para uma pessoa que aquela época tinha uma educação primária, básica e às vezes nem isso. Ao mesmo tempo, tinha que ser cortês com quem estava sendo descortês: “Ah, você é uma vagabunda, você...” Era uma questão muito complicada. E nós tínhamos seiscentas, seiscentas e cinquenta telefonistas nessa época e não só em Uberlândia. Nós tínhamos em Uberlândia, Uberaba, Franca, Prata, Campina Verde. Tinha, para todo o lugar tinha telefonista. Então, isso era impossível. Era um desafio impossível. O que é que nós fizemos? Vamos concentrar isso. Vamos pegar e vamos deixar dois, três centros só de telefonistas que a gente pode qualificar mais e treinar mais. Então, nós desenvolvemos módulos comportamentais de treinamento, módulos de treinamento técnico, como fazer o palavreado, uma fraseologia. Isso eu trabalhei muito com a Telebras nisso e a Telebras adotou isso, a parte técnica de fraseologia, de modo de atendimento. Tinha vários tipos, ligação a cobrar, ligação para uma determinada pessoa, “quero falar com fulano, em tal lugar”, uma ligação que precisava de mensageiro. Você deixava um recado, o mensageiro tinha que ir lá na fazenda. Então, tudo isso nós padronizamos e fizemos essa parte comportamental. E desenvolvemos até um codigozinho de ética e aí eu saí viajando para todos esses lugares, reunindo com as telefonistas e falando: “Olha, é assim, nós vamos ter que nos respeitar assim, se acontecer isso...” E tinham algumas coisas tristes também. Tinha algumas coisas que a própria cultura da empresa, naquela época, era meio nociva. Por uma série de razões e até por um comportamento pessoal do Sr. Alexandrino, telefonista não podia casar. Se telefonista casasse, mandava embora. Por que? Porque isso era uma cultura nas telefônicas, porque aí ficava grávida e ia ficar sete ou oito meses fora. E se ficava sete ou oito meses fora você tinha que contratar outra e tinha encargos sociais, e não tinha dinheiro para pagar. Não tinha. Então, era uma coisa traumática para elas. E o Sr. Alexandrino era duro nesse negócio. Sr. Alexandrino era duro em muitas coisas. Não podia ter chuveiro, não podia ter... (risos) Isso eu brinco até hoje com o Luiz.
P/1 - Não podia ter chuveiro?
R - Não, isso é brincadeira. Mas, essa questão era um trauma. Essa questão de não poder casar era um trauma. Tem casos de telefonistas que não podiam perder emprego que ficaram grávidas que abortaram. Tem casos... Tem coisa séria nisso aí. E era mudar isso aí e aí era também mudar os dois lados. Aí, era mudar uma questão no próprio presidente da empresa e mudar elas. Isso foi um desafio. Isso foi um desafio.
P/1 - Aí o professor Nelson voltou lá para a linha de frente para começar a dar aula...
R - Voltei, voltei. Eu sempre tive na linha de frente. Só agora que não porque agora eu estou mais vagabundo. (risos)
P/1 - Mas, e o resultado desse processo todo?
R - Então, o resultado desse processo todo nós conseguimos concentrar e hoje a CTBC só tem um centro, que é só em Uberlândia, que mudou completamente isso. Nós começamos a incentivar essas pessoas a estudarem, muitas dessas pessoas se formaram. Hoje nós temos gente que começou como telefonista e é engenheiro aqui na empresa. Tem gente que começou como secretária, a Marineide, e é diretora financeira da CTBC. Isso foi um processo que a gente começou a incentivar as pessoas a também fazer autoformação. O próprio Sr. Alexandrino, naquela época, reconheceu que nós tínhamos que fazer um avanço social em nome até do próprio bem da CTBC na comunidade e aí fomos mudando essa questão de casar e tal, e fomos fazendo... Na verdade, sempre... Nós começamos uma filosofia de empresa rede até lá atrás. “Olha, vamos começar tentar botar uma cultura de comprometimento aqui porque aí vai ser bom para todo mundo. E você vai casar e você vai ter os seus direitos, e nós vamos, por outro lado, também incentivar você a crescer e se a gente precisar de você aqui em um período para substituir férias...” E aí fomos arrumando um jeito de comprometer os dois lados.
P/1 - Você disse que essa estrutura que você montou desses cursos modulares foi adotada pela Telebrás?
R - Não, nós ajudamos a Telebrás a escrever isso. Na verdade, quando nós estávamos preocupados com isso, a Telebrás também estava. Mas, ela estava preocupada muito mais com o aspecto técnico, de usar fraseologia correta, de usar essa questão de ter módulo para ligação comum, para ligação a cobrar, para ligação por posto de serviço e tal. Então, nós participamos junto com eles na feitura disso e acoplamos a isso toda a parte comportamental e de relacionamento humano.
P/1 - O senhor chegou a se relacionar muito com o Sr. Alexandrino?
R - Cheguei a me relacionar muito com o Sr. Alexandrino.
P/1 - Como é que ele era?
R - Ah, o Sr. Alexandrino era uma pessoa especial. Quando eu vim trabalhar lá na CTBC, o Sr. Alexandrino ainda trabalhava aqui na... Dr. Luiz já tinha mudado e ele não queria mudar lá para a cidade industrial, ele ficava aqui. Então, os meus relatórios de viagem, é por isso é que eu brinco com o negócio do dinheiro, eu viajava muito, não é? Pegava o ônibus aqui e ficava quinze dias fora quando não tinha carro e, normalmente, não tinha carro. Carro era coisa complicada. Depois eu te conto uma história de carro do Sr. Alexandrino. Então, ele visitava os meus relatórios de viagem e aí ele me chamava a cada viagem. Depois de um tempo, eu já passava direto para ele para reportar para ele o que é que tinha acontecido. Antes... “Seu Nelson...” E ele chamava os engenheiros de “os meninos do Luiz”. Os engenheiros do Dr. Luiz, o pessoal de comutação e tal e eu não, porque nós trabalhávamos no mesmo prédio. Ele me chamava de Dr. Nelson. “Dr. Nelson, o senhor não mistura com os meninos do Luiz, não. O senhor chega de viagem, o senhor vem cá me contar como é que está.” E queria saber como é que estava o tráfego, como é que estava... E aí eu fui mais um canal de ligação aí do que... (risos) Mas ele era uma pessoa muito exigente, mas era uma pessoa extremamente, extremamente com visão, sabe? Uma ocasião, eu tinha que instalar três mil... A CTBC está instalando quantos mil telefones agora, por mês? Três mil por dia! Por dia, não é? Seis vezes três, dezoito. Três vezes três, nove. Noventa mil telefones por mês. É isso? E eu tinha que instalar três mil telefones em um mês, o que era um absurdo porque não tinha jeito. Eu falo, isso há quinze anos atrás, por aí. E eu pedia carro para fazer isso e o Zé Leonardo, que era o chefe do almoxarifado, não dava carro. E eu precisava de carro e o Zé Leonardo não dava carro, e eu falei: “Não tem jeito, eu vou ter que ir no Sr. Alexandrino.” E eu fiz uma conta... Isso aí eu já não estava mais no tráfego, eu já era gerente regional. Da Regional de Uberlândia. Eu fiz uma conta e falei: “Isso aqui dá tanto por mês se eu instalar tanto, três mil telefones por mês.” Era em um ano, eu ia instalar trinta mil telefones em um ano. trinta mil telefones no ano era quase o crescimento... Era dobrar, botar 30% a mais do que a CTBC tinha, uma coisa dessas. Eu falei: “Eu vou ter que ir no Sr. Alexandrino.” Cheguei lá no Sr. Alexandrino com a conta, falei: “Sr. Alexandrino, eu preciso instalar três mil telefones por mês e o Zé Leonardo não me arruma esses carros, e três mil telefones por mês vai dar tanto de receita a mais na CTBC.” Ele escondeu esse papel. Ele pegou da minha mão: “Dr. Nelson, deixa esse papel comigo aqui.” Dois dias depois, o Zé Leonardo chegou louco de raiva comigo: “O que é que você foi falar com o Sr. Alexandrino!” Eu falei: “Você não me dá carro e eu preciso de carro.” E o Sr. Alexandrino manda quatro carros zero para a rede. A rede nunca teve carro zero, nós andávamos em Kombi, eram oito dentro da Kombi. Oito... Mandou quatro carros zero, me chamou e falou: “Agora eu quero que o senhor vem cá todo dia me falar quantos telefones o senhor instalou.” E ele ia acompanhando o faturamento daquilo: “Uai, esse mês deu mais, deu mais do que aquilo que o senhor previu aqui. Aqui, ó.” E ficou animado com esse negócio. Na última cidade que nós tínhamos que instalar era Tupaciguara, nós mandamos esses quatro carros para lá e ele já tinha mandado quatro carros a mais novos para a rede. O que nós tínhamos que fazer em Tupaciguara em uma semana nós fizemos em dois dias, em um sábado. A hora que chegou sábado lá o Sr. Alexandrino estava lá com churrasco e com cerveja para os instaladores. Então, era uma pessoa que dava, cobrava, batia e assoprava. E ele chegava junto. E aí foi uma festa. O pessoal da rede viu o Sr. Alexandrino, nós com carro novo e, puxa vida, aí nós começamos a ganhar moral. (risos)
P/1 - Quer dizer, ele, na verdade, ele percebia...
R - Ele percebia claramente. Botou um número e falou: “Isso aqui, por que é que não vai ter carro? Isso aqui o carro vai pagar, ué!” Então, ele tinha essa visão de futuro muito... A hora que a gente estava discutindo com ele essa parte de automação, essa parte de concentração das telefonistas aqui, isso era uma coisa que ele vibrava, porque ele conhecia isso do começo. “Nossa, como é que era difícil, agora a gente já está discando direto. Agora, a gente...” Ele tinha muita visão do que tinha que ser feito para ganhar produtividade, sabe, para...
P/1 - Ele acompanhava, além do acompanhamento pelos relatórios e tudo mais? Ele ia à campo?
R - Todo dia, todo dia. Nós tínhamos... quando nós começamos a fazer o prédio da 236... O Dilson já contou isso aqui? Todo dia, seis e meia, sete horas da manhã, tinha que estar lá eu, o Dílson era o superintendente, era o chefe nosso na época, eu, o Dilson, o Zé Cândido e o Carlos Alberto, que era o engenheiro da rede. A gente subia até o andar que estava sendo fundido e o Sr. Alexandrino não gostava que ninguém que ele gostasse tirasse férias. Nós demoramos seis meses, se faltasse um ele queria saber aonde é que esse um estava, o que é que tinha acontecido e ia, arrumava um defeito para a área desse um. “Isso aconteceu porque o senhor não estava lá. O senhor não foi lá ver isso aí.” Porque na verdade o que ele queria é que o pessoal estivesse junto com ele e discutindo junto com ele as modificações nesse prédio, tal, que foi talvez o maior empreendimento dele, Sr. Alexandrino, que ele fez, um prédio de vinte andares e tal, com tecnologia, com elevadores. Aquilo para ele era uma coisa espetacular. Ele adorava dar palpite nisso aí. E eu tirei férias, uma semana de férias e não apareci. Ah, o dia que eu apareci, esse Sr. Alexandrino: “Pois é, pois é, porque tem gente que some, tem gente que some. Tem gente que não acompanha as coisas. Eu fui lá ver onde é que vai ser o tráfego, aquilo lá está tudo errado. Aquilo lá está tudo errado. Vai ter que refazer tudo.” Eu falei, “É comigo, não é?” (risos). Ih, esse homem ficou bravo comigo porque eu sumi uma semana. (risos) Não tinha jeito. Aí, tinha que ir lá: “Oh, Sr. Alexandrino...” “Pois é, pois é, mas o senhor podia ter esperado o prédio acabar, não é?” Ele nunca dava o braço a torcer. “Agora o senhor vai lá e arruma. Vou passar lá amanhã para ver.” Arrumar o que? Eu não sabia o que estava errado. Mas, então, ele participava sim.
P/1 - Mas ele não era engenheiro.
R - Não era, mas ele era. Ele sabia muito mais do que engenheiro. O Sr. Alexandrino fez algumas coisas lá que são sábias. Ele fez uma caixa d’água lá que aquele prédio de lá é embaixo de um brejo, não é? E nós fizemos uma piscina invertida lá, que foi uma das idéias dele junto com o Carlos Alberto de fazer a fundação e ele viu aquela água... Ele nunca gostou... A cultura dele contra o desperdício é uma coisa que eu tento ensinar para os meus filhos. Eu dou exemplo para os meus filhos disso. De ele pegar o prego do chão, de ganhar um pouquinho todo o dia. Ele falou: “Puxa vida, mas se a gente fizer essa piscina aqui essa água vai ficar represada. Vamos botar uma bica d’água.” Então aquele prédio de lá é mantido por uma água de uma mina que tem lá em baixo eternamente. Um engenheiro ia só fechar aquilo lá, ia fazer o prédio, ia pegar a água do Dmae e ia pagar a água. Então, ele tinha uma visão assim espetacular dessas coisas. Espetacular.
P/1 - Quer dizer, o risco que seria para as fundações acabou sendo um benefício...
R - Acabou sendo um benefício para o prédio que está lá. É só descer lá no subsolo que você vai ver a... Isso é uma das coisas. Tem diversas.
P/1 - Fala mais uma do Sr. Alexandrino para nós. Assim, uma característica dele. Essa questão do serviço já foi... Já está clara. Ele tinha uma...
R - Ele tinha um dom de enxergar isso, aonde é que tinha isso, muito grande. É, e ele era uma pessoa que vibrava com as realizações, não é? A coisa que mais me marcou em Sr. Alexandrino foi sua coerência. Como é que ele conseguiu motivar as pessoas a fazer um sonho dele, a realizar um sonho dele. Quando ele fala que o funcionário só é bom quando sente que é dono da empresa, essa é a base da empresa rede. Isso é uma coisa que o Mário veio, em 1989, fazer e que era o que ele preconizava desde 1954. E ele deixava isso acontecer. Era uma cultura muito paternalista, que era o regime da época, que era o de bater e assoprar, não é? Depois desse dia das férias lá, três dias depois ele me chamou, em um sábado, eu fiquei andando com ele aqui, ele sabia que ele tinha me batido, que eu tinha ficado magoado. Nós andamos um sábado de manhã inteiro nas obras e tal, depois eu fui levar ele lá na granja, nós sentamos e ele: “Não, você vai tomar vinho comigo aqui hoje, você vai...” Nós tomamos duas garrafas de vinho. É o jeito de alisar, não é? Mas, essa noção que ele tinha de motivar as pessoas e deixar as pessoas entrar dentro do sonho dele e aí conseguir resultado, para mim é uma característica muito forte dele.
P/1 - Tem uma coisa que eu queria que você refletisse também que é o fato de ele estar, de ele controlar um negócio privado, mas sempre tendo a idéia do serviço público. Quer dizer, talvez a idéia preponderante seja a do serviço público e não a do negócio privado. Como é que isso se resolvia ali no cotidiano?
R - Ele tinha... Ele tinha a visão de que sem, se não tivesse o assinante, desde lá trás... O assinante era quem pagava a conta telefônica, não é? Então, muitas vezes a gente saía nessas peregrinações aí no tráfego e ele falava: “Olha, você vai lá e vê se o caixa dá para pagar a folha de pagamento. Fecha o caixa, vê se o caixa dá para pagar. Se não der fala para a telefonista chefe...” A telefonista chefe era a gerente da telefônica naquela cidade. “Fala para ela que elas só vão receber a hora que tiver dinheiro para receber. Então trata bem o cliente porque senão o cliente não vai pagar. E se não pagar não tem salário. Se não tem salário não tem... E aí depois que tiver o dinheiro você soma e me fala.” Por isso que eu passava lá depois das viagens primeiro. Eu fazia isso, Geraldo Caetano fazia, o Ataíde, o Barata, que mexeu com tráfego antes de mim fazia isso. Então, essa noção de prestação de serviço é... Ele só conseguiu crescer porque ele tinha a visão clara de que se ele não prestasse um serviço com uma qualidade superior a das que as empresas da Telebrás tinham, ia ter um motivo para o cliente ser contra ele. Se o cliente fosse contra ele era o motivo que a Telebrás queria para poder encampar a CTBC. Então, essa bandeira, desde cedo, ele levava claramente para todos nós. “Se a gente quer continuar vivo, nós temos que prestar um serviço de qualidade.” Esquece... ele não gostava de marketing, ele não gostava de propaganda, ele falava “A nossa propaganda é o serviço”. Ele falou várias vezes isso para mim. “A nossa propaganda é o serviço. Vai lá e faz um serviço de qualidade e deixa o resto que um vai contando para o outro, um vai contando para o outro e aí a Telebrás não pode falar.”
P/1 - Você diria que estaria aí o segredo do fato de a CTBC ter resistido a todo o assédio, na época da estatização da telefonia?
R - Eu acho que não estaria somente nesse ponto, não é? Nesse ponto, com certeza, ele é um dos alicerces. No outro ponto, da gente se sentir motivado com esse projeto, até se sentir meio dono. Essa liberdade controlada que o Sr. Alexandrino dava e que o próprio Dr. Luiz até hoje continua, quer dizer, isso motiva a que o projeto CTBC seja o nosso projeto de vida. É, esses dois pilares com uma questão de inovação, que aí é fruto de uma genética da CTBC, quer dizer, você ter liberdade e de você estar sempre procurando coisa nova. Quer dizer, não adianta você manter a qualidade se você não estiver sempre renovando. Então, acho que essas três coisas fizeram a CTBC chegar até hoje. Essa questão de estar sempre preocupada com o cliente que vem lá da questão do Sr. Alexandrino, essa questão de a empresa só é boa quando o funcionário sente que é dono dela e tem liberdade para poder fazer isso e, terceiro, para poder ter boa qualidade a gente tem que estar sempre a frente do concorrente. Então, se você for ver a história de pioneirismo da CTBC, do próprio Grupo, não é, a fábrica de fibra óptica lá, a X Tal, que o Zé Mauro ajudou a construir, o cabo que nós colocamos aqui e tudo isso... Hoje, agora, nós estamos mexendo com reconhecimento de voz, na CTBC, estamos com um projeto de Internet que é pioneiro de... Isso virou genético, todo mundo que entra pega esse gene positivo. Então, acho que esses três alicerces são muito importantes para... Ou foram muito importantes.
P/1 - Nesse momento, ainda com o Sr. Alexandrino na linha de frente dos negócios, era um momento de muita efervescência do ponto de vista da inovação, que foi um desses pilares que você listou. A tecnologia estava começando a tomar uma velocidade de Cruzeiro, digamos assim.
R - Aí entra a figura do Dr. Luiz, que é engenheiro e que era uma pessoa muito voltada a essa tecnologia, e que tinha esse espírito também de qualidade de serviço e de crescimento que ele herdou do pai, mas que tinha a vocação para a tecnologia. Então, eu até acho que depois, no final, eu estou falando isso já de 1985, 1986, quando o Sr. Alexandrino já estava mais debilitado. Ele já não acompanhava essa questão da inovação pelo lado da tecnologia, está certo? Até muito pouco depois disso ele até separou. Mas, aí veio a figura do Dr. Luiz incentivando sempre estar na frente na questão de tecnologia, a primeira central CPA que tem aqui, que era a 236 que nós implantamos, esse cabo óptico que nós implantamos. O primeiro cabo óptico que a Xtal fez ligando os dois prédios aqui. Acho que isso tem uma coisa mais com o Luiz.
P/2 - Ainda voltando um pouco essa questão do comendador, a gente está percebendo ao longo de toda essa história que o que ele foi deixando foi formando um preceito, a base do que é hoje esse Grupo, do que é essa empresa. E uma coisa que eu acho que na sua sensibilidade dá para você contar um pouco para nós, como era a postura dele diante da comunidade, que é uma coisa hoje que é muito forte. Como é que era esse relacionamento dele, como ele via isso?
R - O Sr. Alexandrino sempre... Aí, eu não estava aqui. Aí eu... Quando eu vim para cá ele estava se dedicando muito à telefônica, tá? Mas, eu sei pela história que quando ele começou a telefônica ele era presidente da Associação Comercial. Então, de ouvir contar, ele era uma pessoa muito inserida na comunidade de Uberlândia, não é? O Sr. Virgílio Galassi conta muita história dele, do que é que ele fez na comunidade, que foi idéia dele fazer A, B ou C, para a rua, uma porção de coisas. Mas, aí eu não posso dar testemunho porque eu não...
P/2 - Nesse momento em que vocês estavam aqui...
R - O momento que eu cheguei para cá, em 1989, ele já estava muito interno dentro da telefônica. Ele estava olhando a parte da telefônica. Olhou aí até 1994, 1995 e depois ele ficou muito debilitado com a vista, e depois ele foi se afastando. Então, eu tenho essas histórias do meu relacionamento pessoal com ele, do meu serviço na época, que a gente trabalhava no mesmo prédio, junto, desse tipo de contato.
P/1 - Ele, mesmo debilitado, ainda ia lá para...
R - Ia, ia. Essa questão de subir o prédio ele já estava com problema de deficiência na vista, estava fazendo um tratamento. Ele estava até muito animado com o tratamento de soro que ele estava fazendo no Rio de Janeiro e aí ele teve uma melhora boa. Ele não tinha tempo ruim não.
P/1 - E conseguia enxergar coisas.
R - E muito mais do que se estivesse com a minha vista boa. (risos)
P/1 - Está certo! Vamos retomar um pouquinho esse momento que o Dr. Luiz já assume mais diretamente a gestão da companhia como um todo e esse ambiente de muita efervescência de tecnologia. Como é que isso se refletiu no seu trabalho específico lá na operação?
R - Pois é, aí cabe... Aí, nós começamos a ter uma expansão, a gente não podia mais expandir em área porque a Telebras já tinha... o Governo, o Ministério, tinha determinado que ia ter uma empresa por Estado. Uma empresa pólo. Os “Pólos de Integração por Estados”. E nós ficamos meio que congelados na nossa área que é a área que nós temos até hoje, que nós operamos até hoje. Então, o que é que cabia? Cabia só crescer verticalmente. Então, nós começamos... Nós tínhamos dois desafios nessa época: crescer em número de assinantes e mudar a tecnologia. Aí tinha que implantar DDD nas cidades menores, porque o prefeito já queria DDD e nós tínhamos que ir para a frente, e o concorrente que era... Na verdade, essa questão de monopólio, por um lado, a CTBC nunca teve. Ela pode ter tido o monopólio do cliente, mas nós sempre fomos ameaçados pela Telebrás. Então, nós sempre tivemos concorrentes porque nós éramos o “filho não legitimado”. Então, isso... Nós éramos um parâmetro de comparação. Então aí continua aquele negócio do Sr. Alexandrino: “Nós vamos ser melhores, vamos ser melhores”. Se a gente for melhor, né?”. Então, a gente ia em uma cidade pequena, por exemplo, como o Prata, implantamos o DDD no Prata, puxa vida, no Delta, aqui perto de Uberaba, as cidades da Telemig em volta não tinham. Isso pressionava, eles morriam de raiva. “Pô, vocês botaram em uma cidadezinha pequenininha, vocês não vão ganhar dinheiro com isso.” Eu falei: “O nosso negócio não é só ganhar dinheiro não. O nosso negócio também é servir.” Porque aí o prefeito de Sacramento, de não sei o que, começava ir lá em Belo Horizonte e falar: “Olha, o vizinho lá tem.” Nós implantamos um DDD em uma cidade, em um lugar que não era distrito, que era distrito de Uberaba. Até engraçado, chama Delta. Hoje, Delta... Lá na beira do rio, não é? Hoje, Delta é município e do lado tem Sacramento que é da Telemig, e que demorou anos para ter DDD. Nós até estávamos inaugurando esse DDD... Esse DDD tem uma história. A idéia era chamar o Dr. Luiz nessa inauguração para falar e tinha um alto falante na praça, falando de uma ligação, que ia falar com o Dr. Luiz, depois nós íamos falar com o governador do Estado. Nós conseguimos falar com o governador do Estado a ligação caiu e eu estava no telefone. Aí, o que é que eu fiz? Eu falei: “Espera aí, gente, um minutinho só...” Estava a minha voz no microfone a do governador não estava. “Está muito barulho na praça, deixa eu desligar o microfone.” Eu desliguei o microfone, falei dez minutos com o governador e não tinha governador nenhum na outra linha. Eu tinha que inaugurar, como é que eu ia fazer? Tinha caído a ligação, tinha caído um tal de um link do DQ12, uma linha que tinha lá... (risos) E inauguramos e batemos palma, soltamos foguete. (risos) Isso não aconteceu só comigo não. Isso aconteceu no Prata com outras pessoas e vocês vão escutar mais dessas histórias. O Dilson acho que tem...
P/1 - Mas, depois se falava efetivamente?
R - Depois se falava, depois se falava. Mas, então, tem essa questão desse crescimento, não é? Nós inauguramos cem mil telefones. Nós pulamos de cinquenta mil para cem mil. A curva de crescimento foi muito... Em cinco anos isso aconteceu. Então, foi uma fase... E aí vem novas tecnologias de transmissão, novas tecnologias ópticas...
P/1 - E o acompanhamento de tudo isso, Nelson?
R – É uma outra coisa que está ligado, acho que na nossa genética é a questão de treinamento. Nós sempre treinamos o nosso pessoal. A gente usava muito o treinamento fora. Mesmo aquela época, na década de 1980, muitos engenheiros nossos ficaram dois, três meses na Suécia, em Estocolmo, vendo tecnologias novas e usamos muito, muito fornecedor para fazer isso. Era um desafio. Era um desafio um engenheiro formado aqui no interior sair e acompanhar isso. Muitos de nós fizemos isso, a própria Telebrás começou a ficar muito preocupada com essa questão de treinamento. Nós usamos muito o centro de treinamento da Telebrás. Isso começou até a aproximar a CTBC da Telebras. A gente trocava muita figurinha. Desenvolvemos treinamento interno para aproximar essa tecnologia. E aí, eu acho que a questão principal aí foi começar a nós medir. A gente não tinha muito indicador, a coisa era meio feita meia empírica. Então, essa necessidade de nos comparar era muito importante e aí começaram as primeiras pesquisas lá no final dos anos 1980, as primeiras pesquisas com clientes, os primeiros indicadores de performance. a gente começou a estruturar uma área de planejamento e aí chegou a necessidade porque o próprio Dr. Luiz, ele estava com um desafio no Rio de Janeiro... O que aconteceu, na verdade? Bom, a CTBC está crescendo e tal. Era geradora de caixa, como é até hoje, e o que vai acontecer no futuro? Era uma incógnita o futuro, por que? E se a gente perder a concessão? Então, o Dr. Luiz começou a diversificar muito a atividade do Grupo Algar naquela época, a Empar, Empreendimento e Participação, ABC Empar, e nós fomos para o Rio de Janeiro na ABC Teleinformática que era uma sociedade com os italianos e que depois ficou a gente sozinho, foi um erro fantástico lá que nós cometemos. Nós fizemos uma joint venture com a Bull, nós abrimos uma empresa de computadores para nacionalizar computador aqui. Então, fomos diversificando para que se perdesse a telefônica tinha ainda um pé na área de tecnologia. Nós fomos diversificando para um lado que não era muito a nossa genética, que era o lado de indústria, não era o lado de serviço. Mas, o que aconteceu nessa época? Nessa época aconteceu que o Dr. Luiz ficava muito tempo fora olhando esses negócios e era preciso profissionalizar a CTBC. Então, foi a primeira vez que a CTBC teve uma diretoria profissional, para poder o que? Para poder começar a fazer planejamento, para poder começar a fazer orçamento. Não tinha... Era tudo muito empírico. Para você assinar um contrato com a Ericsson, olha no caixa, olha com a tia Ilce, vê sem tem e vamos assinar. E não tinha nada... Era a turma de engenheiro do Luiz. Vamos crescendo esse bolo, botando fermento para crescer esse bolo. Então aí nós fizemos a primeira diretoria profissional da CTBC. O Dr. Luiz continuou sendo presidente da CTBC, o Dílson foi ser o superintendente, eu o diretor de operações, o Zé Cândido diretor técnico e o Geraldo Caetano diretor financeiro. E a idéia disso, isso foi em 1983... tem na capa de uma Teleco aí, eu não lembro a data, eu acho que foi 1983. A idéia disso era “bom, a pressão da Telebras está pegando. Vamos nos preparar, vamos nos ferramentalizar tanto na parte de planejamento como na parte técnica para poder ter parâmetros de comparação, fazer um orçamento e começar a tocar a empresa de uma maneira mais profissional.”
P/1 - Perfeito. Vou ter que interromper um pouquinho, só para trocar a fita.
R - Claro.
P/1 - O que é que eles revelavam? O que eles...
R - Tá. Está ok.
P/1 - Eu queria, Nelson, por favor, que você dissesse o que esses primeiros números, saindo da fase do empirismo, o que esses primeiros números começaram a revelar para vocês que estavam ali na...
R - A gente começou, primeiro, a gente começou a tentar medir produtividade. Aí, a hora que a gente começou a pegar número de produtividade... E era engraçado, porque nós conhecíamos o número de produtividade da Telebrás, que era medido, empregado por cem telefones. A partir do momento em que nós começamos a ter o nosso e o nosso era muito melhor, nós vimos que nós tínhamos uma empresa muito mais enxuta e duas vezes mais produtiva do que a Telebrás, e começamos a tentar divulgar esses indicadores. Naquela época, o (Garbo?) era presidente da Telepar e o Dr. Luiz fez um acordo com ele de todo mês a gente trocar indicadores para ver como é que estava indo. E a Telepar era parâmetro de... Foi durante até o final de 1990, até a privatização, parâmetro de qualidade. E muitos desses indicadores nossos, de produtividade, de queda de ligação, de taxa de congestionamento eram os melhores do Brasil. Então, nós estávamos fazendo o melhor com menos gente e com mais tecnologia. Chegou um momento que a Telebrás não mandava mais indicador para gente. Ela proibiu da gente de ver os indicadores dela. Então, nós ficamos meio que perdidos. Mas, com isso, com esses indicadores, nós pudemos estabelecer uma política de desenvolvimento a longo prazo, quer seja do lado tecnológico, então, nós queremos ter tantos terminais... Nós queremos acabar com as comutações manuais, nós queremos ter taxa de congestionamento em um nível tal. Nós queremos atingir produtividade de tantos funcionários por... E fizemos o primeiro Big, Boletim de Informações Gerenciais, que existe até hoje. Hoje é uma bíblia, onde a gente colocava esses indicadores de rede. E aí, nós começamos a ser chamados, e eu acho que isso até irritou mais a Telebrás, por gente que já estava vislumbrando a quebra do monopólio, como Ethevaldo Siqueira da RNT, o pessoal da Telebrasil, para a CTBC fazer apresentações. Eu lembro que a gente tinha um sistema de gerência de rede que a nossa pretensão, e que continua até hoje, o desafio era colocar tudo no mapa e a hora que você clicasse em cima da rua apareciam os telefones para transferir automaticamente e tal. E nós começamos a desenvolver isso e o Ethevaldo chamou a gente para apresentar em um seminário. Foi uma ciumeira depois que... “Ah, a CTBC, os números da CTBC são melhores e tal”. Isso era uma coisa que era constante e a própria imprensa começou a pegar isso como parâmetro. Nós começamos a divulgar isso também, mais para os nossos clientes e isso foi o fator fundamental para a gente conseguir a renovação da concessão. Nós estávamos chegando aí, já em 1989 né? Que foi o negócio do Collor, a assinatura do Collor e iam vencer todas as concessões da CTBC naquele ano. Nós começamos a fazer um... Nós estávamos no começo já do trabalho da empresa-rede, tinha uma motivação interna muito grande e essa divulgação desse nível de qualidade dessa comparação levou instituições de classe, Rotary, Lions e prefeituras, mandar mandar para o congresso: “Olha vota a favor da CTBC porque aqui não tem fila de espera, a gente sabe com quem fala”. Porque isso foi importante, foi uma demonstração importante de que aquela filosofia inicial do Sr. Alexandrino dá resultado.
P/1 - Deu fruto.
R - Deu fruto.
P/1 - Perfeito. Quer dizer, esse momento era um momento de renovação foi na constituinte em 1988, antes...
R - Em 1988, a constituinte pegou e acabou de ferrar o que já estava ferrado, quer dizer, falou que vai ser monopólio estatal, salvo umas medidas transitórias que aí nós nos incluímos nessas medidas transitórias. Até a data do final da concessão... Aí acaba tudo e fica tudo do estado. Então nós tivemos dois desafios que eram: mudar essa medida transitória; e como é que nós íamos fazer isso? Era uma lei para um só. Era uma condição complicada votar isso com quinhentos e tantos deputados, uma lei que ia beneficiar um só. Então, nós tínhamos que colocar isso em um ambiente maior que era o ambiente da privatização do Brasil. Então, isso demonstrou... E nós só pudemos fazer isso porque nós tínhamos reconhecidamente os melhores indicadores de telecomunicações do Brasil, ou se não fosse todos, a maioria deles. Nós tínhamos que ter o reconhecimento do nosso cliente e nós tínhamos que ter o reconhecimento do nosso associado o que era um desafio, porque se você comparar a cesta de salário naquela época do funcionário da CTBC, talvez fosse menor do que da Telebras. Aqui, a gente podia... A gente mandava embora se precisasse, a gente agia profissionalmente. A empresa já era muito profissional e lá ainda tinha aquela questão do monopólio, tinha mais segurança, tinha fundo de pensão e tal. Então, e esse pessoal juntou ônibus aí e iam duzentos, trezentos por semana, por quê? Porque acreditavam no projeto.
P/1 - Certo. Como é que foi montado essa engenharia de conseguir arrancar essa legislação específica para a CTBC?
R – Essa engenharia o Dílson tem que falar. O Dílson tem que falar mais disso. Ele esteve mais envolvido com isso, especificamente nisso, mas era esse o tripé. Era por um lado, estar convencendo os deputados, batendo de porta em porta naquele Congresso. A gente ia lá, cada um tinha uma lista e falava: “Olha, eu estou aqui em nome de uma empresa privada, sou funcionário desta empresa, estão aqui os graus de qualidade dessa empresa, vai ter uma lei que vai votar, a Constituição está assim, assim... Nós queremos isso porque nós entendemos que isso assim vai ser melhor para o Brasil, por isso...” Era o nosso pessoal, associados nossos, batendo de porta em porta. Essa era uma vertente. A outra vertente era conseguir apoio dos nossos usuários e das sociedades constituídas, câmaras, clubes de serviços e tudo mais. O que era uma outra, um outro trabalho que os gerentes nossos estavam fazendo, “Olha, a CTBC está correndo risco. Muito provavelmente vai vir a Telesp aqui se a gente não fizer alguma coisa...” Aí, o pessoal também a pressionar. E por trás, tinha um trabalho todo de advogado, de juristas nos dando o parecer de que aquilo era factível à nossa lei, que a nossa lei não ia ser uma lei para um só. Esse foi um trabalho muito grande que o Dílson pilotou de uma maneira espetacular.
P/1 - Quer dizer, nada disso aconteceria se não tivesse essa inserção tão enraizada, tanto na área de atuação quanto nos depois chamados associados?
R - Com certeza. Naquela época, a gente já estava implementando mais profundamente essa filosofia de administração participativa.
P/1 - Que foi uma coisa nascida a partir do Dr. Luiz, quer dizer, ou a partir do momento em que a diversificação assumiu uma proporção maior do que o próprio negócio da telefonia?
R - Não, não. Isso veio um pouco depois. Isso aí já veio em 1989, nessa época, em 1987, quando nós começamos a profissionalizar a CTBC, até 1989, esses negócios nossos na área de indústria começaram a ir muito mal e a gente tinha 63 CGC’s, era uma complicação, uma dívida de curto prazo muito grande e o Dr. Luiz chamou o Mário para vir... E antes disso, em 1986, quem era o nosso superintendente era o Sr. Wilson.
P/1 - Wilson?
R – Wilson Luiz da Costa e que é falecido. Faleceu no ano passado. E o Sr. Wilson era uma pessoa muito tradicional, era um administrador do caixa. Era aquela coisa empírica, quer dizer, a folha de pagamento não pode passar de “x” por cento da receita e não tinha orçamento, não tinha planejamento e tal. Era a maneira antiga de administrar. Ele ficou doente... Nós tínhamos saído para pular para a CTBC e tocando só a CTBC... Eu, o Geraldo, o Dílson e o Zé Cândido e o Grupo ficou... Ninguém estava olhando o Grupo, enquanto o Grupo... O Dr. Luiz ficou muito tempo fora por causa desses problemas com teleinformática e com a parte de indústria nossa, a Emep e tal. E aí, ele chamou o Mário, o Mário estava na França. O Mário tinha trabalhado com a gente na joint venture, Algar Bull, ele veio da França em 1989 para fazer toda a reestruturação do Grupo. Vender ativo, pagar essa dívida e reformular isso. Ao lado, acompanhando a estratégia financeira que o Mário implementou, de orçamento muito firme de acabar com dívida de curto prazo e tal, ele começou, também com enxugamento de vender negócios e tal. De sair de uma porção de áreas e focar mais na parte operacional, ele começou, também, a desenvolver uma cultura, baseado lá no Sr. Alexandrino, de acreditar que é dono e aí que fica bom, que é a nossa cultura que a gente chama de empresa-rede que é a cultura da administração participativa. Então ele foi o mentor, vamos dizer, junto com o Cícero que ajudou muito, o César Falcão, na época, para fazer as bases disso. Mas, aí veio de novo... Isso é um processo educacional e comportamental. Isso não é de graça, isso demora não é?
P/1 - Como é que foi, como é que se desenvolveu essa cumplicidade, digamos assim, para... Porque tratava-se de uma mudança cultural, não é?
R - Uma mudança cultural que... Primeiro, a gente precisava que os nossos gerentes e diretores entendessem. Aí, já era um primeiro desafio. Se aquilo era muito bonito para o associado, era meio complicado para os médios gerentes porque ia perder poder. Na CTBC não ficou ninguém. Nós tivemos que, infelizmente, mandar gerentes de vinte e cinco anos, trinta anos embora porque eles não admitiam que tinham que mostrar balanço para o associado, não admitiam que tinham que abrir a porta para o associado, que tinham que conversar com as pessoas. Era um outro estilo, não é? Então... Mas, só se consegue uma mudança cultural, primeiro; se os valores dessa mudança cultural estiverem alinhados com o desejo das pessoas. E segundo, tão importante ou mais, tem que ser exemplo. Não se consegue uma mudança cultural falando mentira, você pregando comportamento e agindo diferente. Isso só destrói. E nisso o Mário foi um exemplo e motivou a gente a engajar nesse projeto e começar a divulgar isso. E aí a gente ia de novo, a mesma questão do manual das telefonistas lá, a gente botou o manual debaixo do braço e aí você sabe, você estava ali. E fomos para a palestra para todo mundo ver como é que era. O que faz as pessoas acreditarem naquilo que você acredita é o comportamento. É ter um desafio comum, é saber que nós vamos melhorar juntos e que se melhorar, ele vai ter o retorno. E começamos a mostrar, implantar prêmio por resultado, o primeiro prêmio por resultado... e falar a verdade. Eu lembro muito bem, nós estávamos fazendo uma palestra de empresa-rede em Aramina, eu e o Virmondes e depois que a gente falou isso com as telefonistas, juntamos uma porção de gente em Aramina, ou São Joaquim. Aí, uma moça me virou e falou: “É, mas é muito fácil você falar isso que depois que pagar essa dívida de curto prazo da CTBC, que vai aumentar o nosso salário porque você ganha uma fortuna e teteté...” Eu peguei meu holerite e dei para ela. Na hora que ela olhou o meu holerite, ela disse: “Nossa, é só isso que você ganha?” Porque a imagem das pessoas é que a gente ganhava rios e mundos e fundos, não é? Você tem que ser transparente. E aí nós começamos a fazer coisas ousadas. Nós começamos na CTBC, ninguém precisava bater ponto, nós implantamos horário variável. A pessoa tinha o horário que ela tinha que estar lá, mas ela tinha uma flexibilidade. Nós falamos que a ia dar prêmio por resultado e demos e foi 50% mais o primeiro do que as pessoas esperavam, porque nós criamos uma regra junto. Nós sentávamos todo mês para mostrar o resultado. Então, era uma coisa, era uma coisa religiosa.
P/1 - Como é que isso chegava no associado, quer dizer, nessa telefonista, em um médio gerente...
R - Chegava através de um comitê de associados, porque nós não queríamos gestionar a empresa sozinhos, nós precisávamos... Não podia ter diferença entre intenção e gesto. Então, o que nós fizemos? Nós começamos a montar por centro de resultado. Se você não for um centro de resultado, você não vai existir. Você tem que ter receita, você tem que gerar o Grupo na última linha. E nesse centro de resultado, eles escolhiam quem que era a pessoa que ia representar, representá-los, e criamos um comitê de associados. Tem até hoje, comitê?
P/2 - Tem.
R - O comitê passava por um treinamento de contabilidade, contabilidade gerencial, de comportamento, para poder entender número. E todo mês a gente sentava com o comitê e falava: “Esse é o número da empresa.” E o sindicato de outro lado odiando isso, porque queria botar lenha na fogueira. Queria fazer greve, queria... Nós chegamos em uma época complicada em 1992, 1993 que o PT queria tomar a força, e o Lula estava forte como candidato e tal, querendo fazer uma porção de coisa política. O comitê de associados, ele escreveu o acordo coletivo, discutiu com os funcionários, foi lá no sindicato... Porque ele sabia que não dava para dar mais. Quer dizer, não dá para fazer demagogia.
P/1 - Conhecia os números.
R - Conhecia os números. Eu acho que esse processo de coerência de intenção e gesto e de transparência foi que nós conseguimos motivação necessária para levar o pessoal lá para Brasília né? Para acreditar nesse projeto, para fazer desse projeto um sonho de todo mundo. E isso...
P/1 - Na verdade, consegue amalgamar essas intenções, essas energias e essas competências também, não é?
R - Isso.
R - E o pessoal ficou junto, quer dizer, tinha um projeto para construir junto que era muito maior que ele mesmo. Quando você está dentro de um projeto que te fascina e que é maior que você mesmo, você se motiva.
P/1 - Claro. Aí, quer dizer, isso foi uma espécie de uma alavanca, de um motor que conseguiu tirar o Grupo daquela situação de risco...
R - Isso, isso, em quatro anos mudou completamente a figura do Grupo. E aí, o desafio disso era depois, a privatização que já estava chegando. Era nos preparar de novo tecnologicamente para fazer a privatização. Aí, entra a tecnologia celular que nós fomos... Aí, veio o pioneirismo. Essa coisa não muda porque ela é genética, não é? Então, veio de novo o pioneirismo, nós fomos a primeira empresa em 1993 a ter telefone celular. Antes da Telesp, antes da... Só tinha no Rio de Janeiro. E a gente briga um pouco com o pessoal da Sercomtel...
P/2 - Brasília.
R – Brasília. Foi no mesmo mês que a gente e...
P/1 - Agora, também, foi um momento, esse da privatização, no início, nos primórdios da privatização em que o mercado se abre em um momento em que a tecnologia, também, começa a dar saltos muito grandes e as prestadoras de serviço precisam correr atrás de um serviço de maior qualidade.
R - É, é, isso... O que a tecnologia... A comprovação disso é que a tecnologia começou a... A tecnologia sempre, no começo, você demorar uma geração de central telefônica, você passar para de uma central manual para uma central automática foram vinte anos. De uma automática para uma digital, dez. E aí, nesse momento, a gente estava começando a mudar a derivada da curva de tecnologia. Os primeiros celulares que nós vimos, eles eram, na verdade… O projeto da CTBC celular era um projeto para ter telefone veicular. Quando nós fizemos o projeto tinha duas células aqui em Uberlândia, uma em Uberaba e uma em Franca. A potência disso era você ter um telefone que andava em uma mala. E os mais, os mais modernos eram os Motorola desse tamanho assim que a gente podia... Já era transportável. Custava... Nós fomos ver isso nos Estados Unidos, o Zé Mauro, o Luiz, o pessoal, custava mil... Dois mil e duzentos dólares. Hoje custa duzentos reais e é desse tamanhinho, não é? E vai ficar menor, e já tem televisão embutida, já faz e-mail, então você imagina? Então, isso era um desafio. Fazer isso e preparar para a privatização era o desafio. E um desafio de capital porque você podia, por outro lado, não tinha muito recurso, quer dizer, a gente estava financeiramente muito melhor, não tinha dívida de curto prazo mais, já estava ok. Mas, o Grupo tinha que... Aí, não é só a CTBC. Aí, nós começamos a discutir qual que era o modelo que o Grupo ia crescer. Aí chegou o Zé Mauro e para fazer esse planejamento junto com o Mário e a gente se reunia todo dia. Essa foi uma cultura interessante, de empresa-rede, no comitê da Algar. E começamos a ver como é que seria isso nas telecomunicações no Brasil e aí criamos a Lightel. Pegamos a CTBC, a CTBC celular, a Engeset, a Engeredes e esse modelo, ele vem... A gente vem, como brinca o Geraldo, a gente vem dando tapa nessa roda. Quer dizer, não dá para crescer na CTBC. Espera aí, mas Engeset sabe fazer rede, a CTBC sabe fazer rede. Vamos pegar o pessoal de rede aqui, fazer um spin off aqui e aí criar a Engeset, além dela prestar serviço para a CTBC, ela vai prestar para o resto do Brasil. E assim, nós fomos criando um modelo de crescimento aproveitando esse tipo de oportunidade que a gente estava vendo no mercado. Para que? Para poder estar competindo quando o mercado se abrisse. Criamos um estudo e tudo isso baseado nas competências da CTBC. O poder de crescimento agora do Grupo é baseado nisso, tanto é que lá atrás, nós fizemos, arrumamos parceria e tal. Fizemos um projeto junto, o pessoal da CTBC participou ativamente disso e ganhamos o Rio de Janeiro. Então não acontecem por acaso essas coisas, acontecem porque...
P/1 - Eu acho que, talvez, a gênese disso tudo esteja uma coisa que você disse que é muito interessante, mesmo na época do monopólio, a concorrência... A CTBC tinha concorrente.
R - Isso aí. Isso é um componente importantíssimo. Componente estratégico importantíssimo no nosso comportamento, no nosso jeito de fazer as coisas. Nós sempre tivemos essa questão de estar preocupado, que nós nunca estivemos sossegados. E esse desassossego leva a gente a ser mais empreendedor. Essa realidade hoje é diferente, não é?
P/1 - Nós vamos continuar no pós-privatização, mas eu queria ressaltar uma coisa, que é uma característica da companhia o fato de estar muito inserida nas comunidades onde opera, desde de 1954. Ao mesmo tempo, a companhia passa a ter uma certa preocupação com as comunidades, não apenas no serviço que presta, mas também em alguma devolução de coisas... Como é que isso nasceu?
R - Isso nasceu do cara que, para mim, é um dos meus gurus, graças a Deus... Deus é pródigo comigo nisso, na minha história eu tive grandes gurus; o Mário, o Sr. Alexandrino e um deles chama Oscar Motomura, para mim é a maior cabeça estratégica que esse país tem. E nós fizemos alguns curso de... um EBA, na verdade, com o Oscar. A maioria dos executivos da CTBC, hoje da Algar, e lá nós refletimos muito essa questão de que uma empresa não basta ser boa, ela deve fazer o bem. E se você começa a pensar e a estudar história de empresas que começaram a pensar nisso mais cedo, lá na década de 1950, de 1960, indústrias, você vê como é que essas indústrias são reconhecidas pela sociedade. E aí chega na CTBC a idéia de fazer marketing e comunicação. Vem a Maria Teresa, vem o SEI, aquela equipezinha que a gente criou e começamos a ver, “Puxa vida, gente, essa comunidade dá tanto para a gente, nós prestamos um serviço, nós temos que dar alguma coisa em troca. E o que é que nós podemos dar em troca?” O que nós podemos dar em troca é alguma coisa ligada com o nosso serviço. Vamos criar essa questão de ajudar a criança do futuro a entender, a compreender isso porque essa revolução vai ser muito forte. Então, a gente começou a discutir alguns projetos, eu, pessoalmente, comecei a discutir alguns projetos junto com o Oscar e aí começou a surgir uma porção de idéias. “Não, vamos apoiar o esporte, vamos apoiar danças, vamos apoiar educação. Tem um negócio aqui de fazer um museu de não sei o que e tal.” E foi uma briga com esses meninos aí. Eu falei: “Eu quero educação de Primeiro Grau.” “Ah, tem Universidade. Vamos trazer a Universidade para cá porque a Universidade é legal e tem mais charme.” Eu falei: “Eu quero educação de Primeiro Grau e menino pobre.” A gente não tem recurso para fazer tudo. E aí... E acho que esse negócio de educação por causa da minha formação, não é, como professor por causa da história do meu avô que eu contei lá no começo e tal. E aí começamos, não é? E aí começamos esse projeto. Por que? Porque ele tem... Na verdade, a gente começou isso meio até quieto. Agora é que a gente está prendendo marketing. Até por causa do monopólio, a gente faz as coisas e não canta. Igual o negócio do ovo lá do avestruz. É, mas... E o que é que a gente fez? Não adianta, não adiantava só a gente dar recurso para a escola. Nós tínhamos que, de alguma forma, estar influenciando no processo educativo e criando essas pessoas para o futuro. E aí começamos a ir todo ano desenvolver com elas um trabalho ligado de alguma forma à tecnologia e de alguma forma elas poderiam também estar... Essas escolas, muitas delas, tive em algumas em Iturama, no Prata, elas não tinham a mínima noção, dessas crianças, do que era um telefone celular, da importância que era um telefone público. Então, a gente começou a dar um pouco de recurso que a gente tinha, vindo de um Projeto de Qualidade. Tudo o que a gente ganhava no Projeto de Qualidade a gente doava para as escolas, para pintar a escola, para dar papel para a escola. Uma parceria com um jornal que era quem dava o jornal para as crianças estudarem e depois elas levavam o jornal para casa para os pais terem o hábito de ler. E aí discutindo também de novo com o Oscar esse projeto e ele falou: “Não, espera aí, vamos atacar, vamos multiplicar isso.” Eu não tinha entendido esse negócio de multiplicar até que nós tivemos uma oportunidade de começar a treinar professor e aí a coisa ficou boa porque aí você está treinando quem está modificando. Então, nós desenvolvemos um curso junto com a Unicamp e com a Universidade de Franca para dar pós-graduação para os professores de Primeiro Grau. Formamos um tanto deles, uns cento e tantos deles. Depois, foi para Uberaba. Aí, eu perdi um pouco o contato porque eu saí de lá, mas a idéia era que isso se transformasse em um multiplicador. Um professor bem treinado vai ensinar muito melhor e acompanhar o desenvolvimento dessas escolas. O meu desejo era acompanhar isso e aí começar mostrar esse projeto para o Ministério da Educação. “Olha, nós fizemos, treinamos duzentos e cinquenta professores, fizemos um trabalho de pesquisa, acompanhamos uma escola normal e uma escola treinada pelos professores e a gente queria que isso aqui servisse de modelo.” E aí tinha uma idéia até de pedir um pouco de imposto de telecomunicações, especificamente da CTBC que paga para o Governo e não sabe para onde ele vai, pudesse ser redirecionado para que a gente pudesse enfatizar isso e fazer a segunda parte do projeto que aí era um projeto que pegava essa crianças e levava para a Fundação Alexandrino Garcia, que é a escola que vai deixar essas crianças profissionais. Isso aí está desenhado. Mas, aí eu saí do projeto. Mas a idéia era essa. A idéia era que a empresa fosse reconhecida, bem, igual o Sr. Alexandrino falava; “Faça as coisas, deixa que os outros falem.” E está lá na genética de novo. (risos) Que ela fosse reconhecida por isso, por estar envolvida na comunidade, por ser reconhecida na comunidade como uma empresa que faz o bem. E a gente focou em educação de Primeiro Grau. Agora, a empresa está maior então está focando em outras coisas. Na época, a gente viu que fazia parte dessa questão de educação também a questão ecológica. Tinha uma pessoa aí muito querida, faz tempo que eu não a vejo, a Bia, que desenvolveu todo um trabalho com a questão de conscientização ecológica, a gente fez o telefone verde e... Para que? Para mostrar que, puxa vida, nós não podemos agredir essa mãe natureza que está aí ou senão nós vamos ter consequências fortes. Esse projeto foi levado, foi integrado também com o projeto da escola, foi levado para as crianças. Aí, vem aquela questão de Uberaba, dos meninos lá da música, né? E aí vai tomando corpo. E aí, graças a Deus, as pessoas são criativas e... Mas, a gente acha que isso é fundamental e hoje, através da CTBC, o Grupo tem mais consciência disso. Já existem outras empresas que também pegaram carona nisso como a Engeset, outras empresas que também já estão preocupadas com essa questão de estarem inseridas em um processo de educação.
P/1 - Vamos falar um pouco da sua pessoa física, quer dizer, o diretor que concedeu isso, mas também o Nelson que vai nessas viagens encontrar essas crianças, ver essas escolas. Como é que é a sensação de ver o resultado daquilo que nasceu lá atrás e que tem o seu dedinho lá?
R - É, eu acho que isso é... A gente tem que fazer alguma coisa... Nós somos privilegiados, não é? Nós somos uma geração privilegiada. Eu acho que eu sou de uma geração que, desde os meus avós, eu pude ser educado, e a hora que eu olho isso, e vejo que eu posso fazer alguma coisa, que uma idéia minha pode ter contribuído para diferenciar o futuro de uma pessoa é uma coisa que me emociona muito porque nós estamos em um país que tem um apartheid social e a gente vê. A hora que eu levo as minhas crianças para o Rio de Janeiro, para visitar a avó no Rio de Janeiro, eu fujo de pobre. Eu que sou um cara católico praticante, eu fujo de pobre porque eu tenho medo de pobre, eu não sei se ele vai ser um... Se ele vai me assaltar ou não. Então, é um apartheid social, é uma desigualdade tremenda. A hora que eu ia conversar com essas crianças falava: “Puxa vida, uma idéia que eu posso ter ajudado.” Porque ninguém tem idéia nenhuma sozinho, que eu posso mudar o comportamento completamente de uma crianças dessa porque elas foram melhor educadas. Puxa vida, é uma coisa que me emociona. E é um legado, eu queria fazer muito mais. (choro) Porque uma atitude nossa, uma atitude da empresa, um pouquinho de dinheiro pode mudar o futuro de uma pessoa, cara. Pode dar para ela a possibilidade de gostar de estudar. Você imagina o que é isso? Possibilidade de saber ler melhor e compreender melhor o que está lendo. Esse curso de... Esse curso de... Desculpa aí, mas eu sou meio emoção mesmo. (risos) Esse curso de treinamento de professor, ele foca isso. Ele foca exatamente na pessoa saber ler melhor. Quem sabe ler melhor sabe aprender melhor. Por causa de uma atitude minúscula você pode mudar o futuro de duzentas crianças. Se uma acertar, já valeu a pena. Você já mudou a história de uma pessoa. Isso é uma coisa que me deixa profundamente, profundamente gratificado. E eu fazia tempo que não falava para jovem. Fui convidado para falar para jovem segunda-feira agora, para jovens que estavam escolhendo a profissão. E eles foram lá crentes que eu ia mostrar para eles o que era Engenharia, o que é que era... Como é que escolhia a profissão. Eu fui lá e falei: “Corre atrás do seu sonho, faz aquilo que você gosta. Não confunda gostar do que faz do fazer o que gosta. Fazer o que gosta é tomar chopp, é jogar futebol na praia. Mas, gostar do que faz é para a vida inteira e aí você vai ser bom.” E aí eu achei legal porque aí você vê os jovens preocupados com esse negócio. Pô, vai ser feliz, cara! E você fazendo esse negócio você pode ser feliz, você... ajudando uma criança e aí está diminuindo esse apartheid. Eu acho que a gente como cristão tem que estar fazendo muito mais isso. Pena que eu não estou mais ligado nisso. (risos) Mas o pessoal está tocando e eu acho que a gente tinha que, na verdade, nos preocupar um pouco mais dentro do Grupo Algar, nós, e tentar multiplicar isso mais. Nós estamos em uma fase agora um pouco complicada, mas a idéia é retomar isso mais forte. Deixa, a CTBC já cresce com a perna dela, já está andando nisso, mas é pegar idéias como essa e implantar mais forte em operações como a Tess, em Campinas, que tem uma área espetacular para trabalhar com gente carente porque tem a Universidade da Unicamp lá, tem um centro de pesquisa lá, tem tudo para fazer um negócio desse. É um sonho que eu vou fazer.
P/1 - Vamos interromper um segundo para trocar de fita rápido.
P/1 - Do ponto de vista institucional para a Companhia e para o Grupo, esse trabalho, essa ação comunitária tão intensiva e ostensiva que ela vem praticando?
R - Na verdade, eu não colocaria com esses adjetivos que você colocou não. (risos) Eu acho que devia ser mais intensiva e extensiva também. Eu acho que isso é... O futuro do Grupo tem que ser por aí, tá? O Grupo, inclusive, nós, da administração estratégica do Grupo, pensamos em estarmos envolvidos com educação. O futuro do Grupo passa por estar trabalhando com educação, porque hoje, a questão da convergência, a hora em que você vê telefonia celular colocando com e-mail, com televisão dentro, tal, que o modelo humano está mostrando que o homem não vai ter mais tempo para lazer e tal, isso tudo precisa de uma adequação, de uma orientação adequada de educação, de educação estratégica. Não estou falando de educação primária mais. Então, eu acho que passa por isso. O nosso ser reconhecido pela sociedade como uma empresa cidadã, voltando aqui no dia a dia hoje, a gente está hoje tendo algumas vantagens por isso, eu acho, tá? Mas, isso, daqui a pouco, não vai ser nada mais do que uma obrigação. Nós não podemos deixar, como você falou, para o Estado tarefas que o Estado nunca vai fazer. O Estado é mal gestor. O Estado ele mal... O Estado moderno hoje ele vai ter que fazer parcerias com as empresas, ela vai ter que de uma maneira indireta repassar impostos para as empresas administrarem questões como educação, questões como desenvolvimento ambiental. Ele vai ficar muito mais restrito a talvez estar preocupado com uma legislação mais coerente, mais moderna, com Poder Legislativo, com Poder Judiciário mais eficiente e o Poder Executivo eu acho que isso vai restringir, tem que se restringir a questões meramente de segurança, nem de transporte, hoje o transporte está terceirizado, é de segurança e de saúde coletiva. O resto... O resto ele não consegue acompanhar. Se ele já conseguir acompanhar saúde e segurança está muito bom, porque a derivada da curva de tecnologia e de aprendizado, ela está nas empresas. Então, é... Se hoje a gente está sendo mais avançado nisso nós temos que avançar muito mais. Quem avançar... As empresas que avançarem nisso, além de serem reconhecidas, além de estarem fazendo todo esse trabalho de reinvenção do Brasil, de inventar um Brasil diferente, elas também vão beber água limpa. Elas estão criando um customer, um usuário diferenciado no futuro. Então, isso é meio que um motocontínuo, sabe? É retroalimentado essa questão. Então, hoje sim, nós estamos recebendo o benefício disso, de sermos reconhecidos, mas também nós estamos plantando uma semente para retroalimentar para a gente ter um cliente lá na frente, que a gente está hoje trabalhando ele, para além de reconhecer também estar preparado para usar aquilo que nós vamos fornecer para ele.
P/1 - Perfeito. Você, quer dizer, estaria correto o argumento de que só uma empresa que tem o conhecimento e a aprendizagem como função e não como projeto seria capaz de encarar ou de enxergar isso?
R - Só uma empresa com esses atributos que vai estar no futuro. O resto não vai estar, vai ficar pelo caminho. É... Uma empresa com esses atributos, ela consegue colocar diferenciais para os seus clientes, porque são valores percebidos, não são valores somente inseridos dentro do produto. É, é... Eu estava estudando agora no MD algumas empresas de sucesso e as empresas é... É sintomático isso. As empresas que são reconhecidas como empresas, principalmente na Europa, empresas que não agridem, que protegem a água, que protegem... Tem uma empresa que faz detergente que além de ser biodegradável é digestivo. Essa empresa consegue colocar seus produtos 25, 30% mais caros do que as outras. Então, você imagina que aí também tem um retorno. Na verdade, nós estamos em uma sociedade capitalista. Nós queremos ter lucro, senão você não consegue reinvestir e fazer essas coisas. Então, o consumidor paga mais por isso, o valor que ele percebe é maior, tá?
P/1 - Perfeito. No caso da CTBC, você supõe que esse caminho já esteja cimentado?
R - Eu acho que esse caminho está bem alicerçado na CTBC. Eu tenho visto pessoas... Eu não estou acompanhando mais no dia a dia isso, mas eu estou vendo agora, acabei de conversar com o pessoal, com a menina que foi acompanhar os meninos da música lá em uma apresentação fora. Esses meninos estão indo para Portugal. Então está crescendo, já estão se internacionalizando. É uma coisa que estava muito local aqui. Eu acho que está pavimentado. Precisa é asfaltar. (risos) Precisa é...
P/1 - Você está lamentando tanto ter saído. Como é que foi essa sua saída? Por que é que você...
R - Eu estou lamentando ter saído pela questão da... Por essa questão, não é? Mas, a gente tem que ter outros desafios. Eu fui convidado a sair da CTBC para ir participar na Algar Telecom que eu já participava porque desde o tempo do Mário, eu toda manhã eu ia na comitê da Algar, como superintendente da CTBC. Então, eu tinha meio que dois... Chapéus ou chapéis?
P/1 - Chapéus.
R - Chapéu, não é? (risos) Um na CTBC como superintendente e outra na estratégia, na holding. E isso é... Não tem jeito de conviver com isso. Então agora na Algar mexendo só com a parte de estratégia e também olhando as operações, eu estou ligado na CTBC. Na verdade, o que eu estou lamentando é não estar mais no dia a dia do projeto, mas a vida é feita de decisões. E toda vez que você toma uma decisão, que você muda alguma coisa, você ganha em muitas e perde em outras.
P/1 - Quer dizer, da diretoria de operações, você foi à superintendência. Esse foi o caminho?
R - Eu fui à superintendência. Fiquei sete anos, sete, oito anos como superintendente da empresa e aí era uma questão que eu me preocupava, uma questão que me preocupava muito porque dentro de um modelo de empresa-rede que nós criamos, ele preconiza e nós não temos feito isso, mas ele preconiza – não temos feito por incompetência nossa – ele preconiza uma rotatividade. Uma pessoa não pode estar em um lugar com mais de quatro, cinco anos porque senão vira a cara. Você começa a exercer um tipo de liderança que não é positiva para a empresa. Eu já estava lá há oito anos. Eu já falava algumas vezes para o pessoal da CTBC: “Olha, está na hora de sair daqui, está na hora de refazer isso?” E apareceu o momento de fazer isso quando eu fui convidado para ir trabalhar com o Zé Mauro, na Lightel, na área de desenvolvimento de negócios, na área de parceria internacional e a gente estava em um trading de crescimento fora da CTBC muito grande, com participações na Tess, com participações na ATL, com Engeredes sendo lançado e tal, então eu fui olhar isso e novos negócios. E com saída do Gunnar e a ida do Zé Mauro para a ser o senhor do Grupo, o vice-presidente executivo, aí eu fiquei responsável pela operação da área de telecomunicações e pela reestruturação disso. Novos negócios, novas parcerias e a reestruturação da Algar que é mais na frente um pouco.
P/1 - E como é que é o seu trabalho? O que você... Como é que é a sua ação?
R - É uma coisa diferente, assim, na CTBC eu tinha cem problemas para resolver por mês. Só que são problemas do dia a dia, da reclamação do cliente, da expansão, da desmotivação de uma área ou do investimento em um novo produto, do lançamento do não sei o que. E na Algar eu tenho cinco, só que não dá para resolver. Os cinco da Algar, eu demoro um ano para resolver cada um. (risos) A coisa na Algar é uma coisa de uma visão muito mais de longo prazo. Então, o meu dia na Algar é 60% do meu tempo, 70% do meu tempo eu estou conversando com parceiros novos ou estou conversando com parceiros existentes. Eu estou fazendo MNA, eu estou fazendo a média prevision, eu estou olhando, desenhando esse futuro, quem que faz sentido ser parceiro com a gente, com que produto que faz sentido e tal. E os outros 20%, a gente olha a operação, acompanha a operação. E a nossa filosofia, a filosofia da holding é ser uma holding que não está na operação, que não está com o dedo na operação, mas que está com o nariz na operação. Você está cheirando, se tiver alguma coisa que cheire diferente do que você espera, você reorienta... Nós estamos indo todo mês na operação, para uma reunião de uma hora com o superintendente, ver a parte de mercado e tal. Mas só para conhecer, acompanhar e não influenciar diretamente. Mas participamos, a estratégia é a holding que dá as... A nossa equipe, eu, o Zé Mauro, o pessoalzinho que orienta estrategicamente as empresas. Então, é um trabalho muito diferente, mas profundamente gratificante porque nós estamos plantando isso. Fazendo a estratégia, nós estamos garantindo o futuro dessas empresas. Se eu era apaixonado pela operação, hoje eu sou apaixonado pelo pensamento estratégico.
P/1 - Nesses seus contatos, nessas suas conversas, nessa sua interlocução, como é que a CTBC é percebida, reconhecida pelos interlocutores, especialmente os futuros e potenciais parceiros?
R - A CTBC, na verdade, muitas vezes ela é confundida com o Grupo e continua sendo até hoje. O mercado conhece muito mais a CTBC do que o próprio Grupo. É por que? Porque a CTBC durante esses anos todos, ela foi o Grupo, não é? Agora que o Grupo começou a ter ATL, Banda B, Tess e outras participações minoritárias, que também são parte desse modelo estratégico de crescimento. Mas a maioria das vezes para os parceiros nacionais, a CTBC é o Grupo. E para os internacionais, eles não conhecem nem Brasil e aí tem que mostrar tudo. E todo modelo de crescimento nosso, ele parte das competências dos talentos da CTBC. Eles é que estão hoje na Engerede, na Engeset e é em cima deles que nós estamos crescendo nos projetos nossos de crescimento.
P/1 - Eu fiz essa pergunta porque ao fim, ao cabo, esse Grupo é um Grupo internalizado em um pedaço do interior do Brasil que até dez anos atrás era o fim do mundo. E ao mesmo tempo, é um Grupo que está up to date, que está com toda tecnologia, que tem toda a competência e o conhecimento que surpreende as pessoas. Para fechar essa fatura é o único Grupo de telefonia no Brasil que tem história.
R - É, nós éramos a única empresa privada do Brasil, hoje nós somos a mais antiga. (risos)
P/1 - Então.
R - Mas agora nós temos um modelo de crescimento claro. Dentro dessa estratégia que nós montamos na Algar Telecom, que eu ajudei a montar na Algar Telecom, nós estamos saindo da nossa área. Hoje, nós já temos 40% da Banda B no estado de São Paulo, nós estamos indo com os nossos cabos ópticos para o sul. Vamos estar esse ano ainda em Porto Alegre, no Rio de Janeiro, quer dizer, nós temos um modelo de crescimento sustentável. Nós temos problemas a resolver. Nós não vamos fazer isso sozinhos. Nós temos a consciência de que vai ter uma grande, um grande movimento aí de sociedades e isso aqui, estrategicamente, é coisa para gente grande, mas nós queremos ser e vamos ser um dos cinco que vão ficar. Vamos participar, em um dos cinco nós vamos ficar. Eu acho que hoje o governo já reconhece através até de algumas atitudes que o empresário... Esse modelo lá atrás, a gente discutiu muito que esse modelo era um modelo que o governo estava só querendo vender ar, vender dinheiro e fazer o máximo de dinheiro possível – o que eu não acho errado se ele usar bem usado – mas que isso não ia deixar espaço para o empresário nacional desenvolver. Só sobrou no Brasil o Grupo Algar e a TCO. Então o governo hoje já pensa um pouco nisso. Nós não temos nada contra o capital, o dinheiro não tem carimbo. Mas, quando nós estávamos preparando a seis, sete anos atrás, nós quisemos comprar uma empresa pequenininha nos Estados Unidos e a legislação do FCC americano não permitia que a gente comprasse mais de 25% da empresa. Então, agora eu acho que vai passar por uma fase também de ajuste nisso, mas esses (magics?) que nós estamos vendo, essas aquisições, essa consolidação do mercado de telecomunicações brasileiro, o modelo de crescimento nosso na Algar preconiza a gente sair daqui e ir para essas áreas, Minas Gerais, São Paulo, para o Sul prestando serviço e também parcerias que levam a gente a ser um dos que vão ficar.
P/1 - Quer dizer, esse...
R - Esse é o meu dia a dia. (risos) Trinta e oito horas por dia, eu penso, como, falo e trabalho isso.
P/1 - Mas esse, quer dizer, esse é o desenho do futuro. Esse é o desenho de crescimento sustentado e de ampliação de serviços.
R - Isso, isso, isso.
P/1 - Embora, o modelo de privatização, esse que gerou toda...
R - Esse é privado. Esse modelo é privado...
P/1 - Esteja agora sendo repensado. Já foi feito, mas descobriu-se que hoje fez algumas coisas que não eram necessárias.
R - Tem mais licenças dadas aí. Tem mais... Eu acho que isso... é sinal de inteligência repensar as coisas que a gente fez.
P/1 - Perfeito. Como é que é... O que aguarda para o novo associado, o que essa empresa oferece para ele, quer dizer, uma pessoa que chegando agora no Grupo, o que ela vai encontrar? Ela vai encontrar o quê? O que você diria para ela?
R - Diria que eu queria estar no lugar dela. Começando tudo de novo, porque agora a gente já tem a experiência de ter feito os erros do passado e cometemos muitos erros. E temos um mercado brasileiro que está hoje com provedores de tecnologia updated, quer dizer, o que acontece lá fora acontece aqui instantaneamente e com um mercado que seguramente está explodindo em serviço. O Brasil vai crescer a taxas de 5, 6% ao ano, e tem tudo para crescer. E qualquer coisa que aconteça de 5, 6% de crescimento de renda vai botar milhões e milhões de pessoas no mercado de consumo. E que esse mercado de consumo basicamente tem que ter telecomunicações e serviços de telecomunicações por trás. Porque de novo, se você cresce 6% no PIB, você cresce sete, oito em comunicação. Então, vai ter dinheiro dentro desse mercado, vai ter gente ávida por prestação de serviços, vai ter um desenvolvimento tecnológico, essa questão de convergência de Internet. A Internet democratizou a informação. Democratizou muita coisa ruim mas muita coisa boa. A nova geração desses meninos dessas escolas aí nasceram com o ícone de Internet na cabeça e o profissional que está chegando por isso vai ter oportunidade, no Grupo Algar, de ter a liberdade de crescer, vai ter oportunidade de estar em um Grupo que tem valores morais e valores éticos fortes como um pilar importantíssimo do modelo de crescimento. Um Grupo que investe em educação fora e dentro do Grupo das pessoas. Eu queria ser neto de mim mesmo.
P/1 - (risos)
R – Eu queria estar trabalhando na outra geração aqui no Grupo Algar.
P/1 - Novamente a educação por pedra de toque, não é?
R - (risos) Está lá na genética.
P/1 - Novamente a educação como um motor, como um granu salis dessa história. Me diga uma coisa, como é que estamos preparados para esse, no caso, da telefonia fixa, dessa desregulamentação que está próxima?
R - A gente já vem desde o começo na CTBC investindo muito dinheiro para a gente cumprir o que a gente chama de meta de universalização. Que são as metas que a gente tem que cumprir, em número de telefones, em qualidade, em prazo de atendimento para que no final de 2001, primeiro de janeiro de 2002, a CTBC, possa ela requerer e ir para a telefonia fixa em qualquer lado. As outras empresas também estão fazendo isso, as Telefônicas da vida, a Telemar, Tele Centro Sul, qual que é o resultado disso? Todo mundo vai poder ir para a área de todo mundo. E nós já escolhemos para que área que nós queremos ir, já temos o que nós queremos fazer e quanto de dinheiro que nós precisamos. Não temos dinheiro ainda, mas estamos atrás dele, então, eu acho que vai só virar a chave que a gente vai ter, vai estar nesse mercado. O ano que vem é um ano... O final deste ano e o ano que vem vai ser um ano muito forte na preparação disso, porque não adianta esperar chegar lá. Dia primeiro de janeiro de 2002, nós já temos que estar lá. A Engeredes está muito focada dentro nisso. É uma espinha dorsal que gente vai aproveitar e tem parceiros fortes internacionais chegando aí para nos ajudar a fazer isso.
P/1 - Com certeza. O seu dia a dia que você já disse, agora e os seus sonhos? Sem lhe pedir exercício de futurologia, evidentemente...
R - Sonho como pessoa, ou como Algar?
P/1 - Como Algar e como pessoa. São dois níveis de sonhos.
R - Meu sonho como Algar é uma coisa que eu venho... e eu sou uma pessoa muito feliz por isso. Eu consigo... eu consegui desde o começo a ter pessoas, há grandes gurus que me orientaram, que me ajudaram e que me ensinaram muito. Eu tive chefes muito bons que me deixaram, e continuo tendo, que me deixaram fazer o que eu queria, então eu consigo realizar os sonhos. Eu consigo ir plantando isso aí e vendo o fruto crescer. Então, eu queria... Na Algar, eu queria continuar fazendo isso e continuar essa mudança da operação, para pensar estrategicamente, eu quero ver isso realizado, quer dizer, eu quero ver esse projeto que a gente chama de “peixe vivo” implementado, ir lá olhar o cliente, medir a satisfação do cliente. Então, eu tenho isso como realização, de estar trabalhando um pouco... Ver isso que eu estou pensando agora junto com os nossos colegas lá, ver isso implementado. Esse é um projeto de dez anos. Eu quero ajudar a Algar pensar nesse movimento e a realizar esse movimento da área de tecnologia para a área de educação. Isso a gente vem discutindo, a gente tem um programa que se chama Algar 2002, 2100, que pensa daqui a cem anos e eu quero me dedicar a isso e quero estar presente nisso. E quero também, a começar a pensar no meu phase out da Algar, mais daqui uns dez anos, talvez, sei lá. E poder estar lecionando, talvez, para esses novos associados que estão entrando aqui na Algar. Podendo estar em uma outra área não executiva, mas em uma área de consultoria e tal. Isso como profissional. E como pessoa, eu quero quando parar de trabalhar poder ter algum tipo de recurso para eu poder montar uma escola para pegar essas crianças aí que a CTBC está fazendo e dar uma profissão para elas e trabalhar mais fortemente na questão de formação de crianças. Uma ação profissional de crianças. Pegar todos esses cursos que eu fiz na minha vida, que são muitos, e pretendo fazer muito mais. Acho que o aprender cada dia é estar estudando é uma coisa espetacular. Passar essa, se é que a gente conseguiu, alguma capacidade gerencial, poder ensinar essas criança a administrar recursos. Esse é um sonho. É um projeto de vida.
P/1 - Esse gene da educação está definitivamente inoculado.
R - Graças à Deus, graças à Deus.
P/1 - O que você achou de ter dado essa entrevista?
R - Eu achei legal, eu achei legal. Eu achei que você conduziu uns pontos... Puxou uns pontos importantes. Pensei que fosse até para o outro lado, estava mais e um lado de contar histórias da CTBC e tal. Você foi muito mais fundo que isso.
P/1 - Ah, você contou história.
R - Contei, também. Também, contei. Eu falo muito, então... Graças à Deus, como eu faço o que eu gosto, não é? Então eu acabo falando muito.
P/1 - Está ótimo.
R - Está bom?
P/1 -Muito obrigado.
R - Obrigado você.
P/1 - Saiba que você deu uma grande contribuição para o nosso trabalho porque tem muito conteúdo, muita verdade nessas coisas que você contou.
R - Fico muito satisfeito e conte comigo.
P1 - A gente espera que esse seja apenas o primeiro contato porque como o nosso programa tem um horizonte de 2004, a gente certamente gostaria de ver mais vezes.
R - Use e abuse.
P/1 - Enfim, comece agora um relacionamento que seja...
P/2 - E com a consultoria do Nelson vai ser decisiva para nós.
P/1 - Ah, sim, queremos te ouvir... Vai chegar uma hora que vamos querer te ouvir fora de microfone...
R - Use e abuse.
P/1 - Porque a gente... O Museu da Pessoa considera que esse projeto não é nosso e nem é da CTBC. Desde o início, a gente já deixou isso bastante claro, a gente quer devolver para essas comunidades um pouco dessa história, um pouco dessa relação, dessa memória...
R - Fazendo isso, você está plantando.
P/1 - Exatamente.
R - Joinha.
P/1 - Muito obrigado.
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