Havia alcançado na sociedade uma posição de destaque como docente e pesquisador da importante universidade da América Latina, a USP. Quando a lembrança de minha infância me toca, associada a ela aos olhos de quem assim me conhecera, a ideia de que o sucesso por mim alcançado seria considerado...Continuar leitura
Havia alcançado na sociedade uma posição de destaque como docente e pesquisador da importante universidade da América Latina, a USP. Quando a lembrança de minha infância me toca, associada a ela aos olhos de quem assim me conhecera, a ideia de que o sucesso por mim alcançado seria considerado uma impossibilidade, uma incongruência, considerando minha origem social. Como biólogo e conhecedor de biologia floral e as diferentes síndromes de polinização, sempre me ocorre pensar em existir uma certa analogia entre as consequências do casualmente, pela progênie, ter nascido numa posição social sem os privilégios de uma elite e a dispersão de pólen por anemofilia, a mais aleatória, a mais caótica das síndromes, em que o vento transportando essas partículas de vida sem direção, ficam à deriva no ar, poucas delas alcançam seu objetivo pela baixa probabilidade de ter o privilégio, a oportunidade. de pousar no gineceu das flores, gerando assim um gigantesco desperdício de matéria vital e genes que poderiam trazer imensos benefícios evolutivos. Para esses grãos de pólen, não haveria saída diante de situações adversas que poderiam advir dessa dispersão casual, seria como uma semente lançada em terra precariamente pobre, estéril, sem água, as chances de sobrevivência seriam reduzidas, insignificantes, sem chance de chegar ao estado arvore. Metaforicamente a vida em sociedade, em uma civilização, qualquer que seja, milhares e milhares de seres humanos nascem ao sabor desse acaso, nascem na classe pobre. Baseado na experiência de minha infância, poderia me considerar ter sido um desafortunado, ser lançado a este mundo, e metaforicamente considerando, seria como o resultado de uma síndrome de dispersão anemófila, com reduzida oportunidade de alcançar o núcleo das gerações dos “bem nascidos” os afortunados da classe média-alta e alcançar algum sucesso na vida. A única diferença, entretanto, reside não ser o grão de pólen um ser senciente e sem consciência, sem possibilidade de reação resiliente ou ação renitente ante as adversidades que advém como consequência de assim ter sido expulso das anteras e tal como uma semente caída num lugar estéril, é vida que morre no embrião. A minha existência em minha família onde o foco da vida diária se limitava à luta pela sobrevivência, sem recursos sociais, econômicos, culturais; distintas das vantagens da sociedade organizada pela classe dominante, simplesmente nunca teve visibilidade, apenas era subserviente, existindo para servir, uma concepção raiz do pensamento escravagista, como dos europeus que considerava um negro ,um indio sem alma , sem posição na cadeia evolutiva darwiniana como Homo sapiens. Nascido de pais estrangeiros; imigrantes, vivendo numa cidade ainda provinciana, de cerca de 10 mil habitantes, com uma avenida principal, continuação da entrada da área urbana, ladeada apenas por 2 ruas importantes, todas as outras ainda com leito carroçável, de terra batida, sem esgoto. Morávamos numa casa simples, três quartos e um quintal que cobria um quarteirão e dava acesso à avenida principal quase em frente à Praça que abrigava a magnífica matriz. Nele criávamos aves, porcos, havia horta, além de várias plantas frutíferas que meu avô plantava, como figo-índia ou Opuncia Fícus-indica, uma cactácea e figo comum (Ficus carica), da família Moraceae, ameixas amarela e vermelha, mamão, jabuticaba, goiabeiras, cítricos, cana de açúcar, milho e uma oliveira que em alguns anos se tornara uma grande árvore e nos deu muito lucro com seus ramos na período da semana santa e dia de ramos. Havia no quintal, próximo à casa um rancho ou galpão que abrigava máquina picadeira de colmos de cana-de-açúcar e uma debulhadora de espigas de milho, ambas manuais, pois nossa égua de nome estrela passava o resto do dia após os serviços se alimentando desses produtos antes de passar a noite num pasto alugado. O quintal ou terreno da casa era enorme com extensão da rua da residência à avenida principal. Nele havia uma área apropriada de um galpão transformada em depósito de ferramentas, selas, arreamento e uma carroça e acessórios de conserto e manutenção da carroça e máquinas. Essa casa, meu pai conseguira graças à ajuda de meu avô paterno, que ao deixar Málaga na Espanha, por causa da guerra, abandonara a fazenda da qual tinha parceria com parentes e uma excelente casa no centro da Província de Coin e vieram como imigrantes para o Brasil, que orientados pelas autoridades brasileiras se tornaram meeiros de fazendeiros milionários da região, trabalhando exaustivamente de “sol a sol”, como eles diziam. Inicialmente, moravam em habitações precárias, sem conforto e apoio social nenhum, diferente a que estavam acostumados viver com a família na Espanha. Estavam sendo submetidos a uma forma de trabalho quase escravo, pois a partilha dos lucros não era justa, eram enganados, pois não dominavam o idioma para entender os acordos financeiros do fazendeiro. Num esforço extremo meu avô voltou à Málaga com alguma economia acumulada, vendeu sua parte das propriedades sua casa no centro da cidade em frente à catedral, fez partilha com irmãos, aceitando o preço possível. A viagem de navio levou cerca de dois meses para voltar. Retornando ao Brasil, ficou independente, comprou uma chácara de área muito grande, com duas boas casas e passou a viver com os filhos da produção de frutas e hortaliças e animais de corte. Meus pais tinham obrigação nas coletas das frutíferas e hortaliças assim como no preparo de melaço, queijos, além de cuidarem da criação e alimentação de porcos, galinhas e coleta de lenha para os fogões e fornos, porém, mãe, se incumbia de 90% destas tarefas, enquanto o pai raramente ajudava, nem mesmo nas vendas cuja carga dessa responsabilidade recaia sobre seu avô, que tinha que, de carroça, sozinho vender o que produziam de casa em casa. Ele justificava sua ausência pelas tentativas para resolver negócios, dos quais não se via nenhum sucesso. Pouco valorizava os esforços da esposa que garantia com seu trabalho, até cozinhar para todos, inclusive empregados. No momento da partilho dos lucros, o avô, na ausência do filho, entregava a justa importância a mãe e um dia, com gravidez adiantada de seu terceiro filho, mexendo o tacho de melaço e ao repassar o valor ao marido, ele se desagradou com o que recebera e que a importância deveria ser maior, o que em réplica a mãe corajosamente disse para ele se entender com o pai dele e que se desejasse receber maiores
valores deveria cumprir com sua obrigação de serviços na chácara e não deixar que ela assumisse tarefas pesadas para uma mulher, pois tinha também de cumprir os afazeres do lar. Ele sentindo-se ofendido, pois interpretando que estava sendo classificado como vagabundo e explorador da esposa e julgando como uma situação humilhante, em sua arrogância, o machismo, tomou a paleta lambuzada de melaço quente da mão dela e a agrediu covardemente, sofrendo interferência imediata do meu avô José que estava nas proximidades e repreendendo-o veementemente o chamou de covarde por agredir uma mulher indefesa e em estado avançado de gravidez. Com o tempo, os filhos do meu avô mudaram-se da chácara e meu pai
em companhia da esposa e já duas filhas e três filhos e com suas economias comprou uma casa no centro da cidade e passou a morar nela nas mesmas condições de construção de quando a adquiriu, somente transformando um dos quartos, que fazia frente à rua, num posto de leite ou leiteria para vendas em balcão e entregas também a domicílio a partir das 7 horas da manhã. No início não passávamos necessidade, mas vivíamos no limite da sobrevivência, mas muito bem alimentados, pois tudo que consumíamos era produzido ou criado em nosso quintal e chácara do velho avô. A casa não tinha forro ou laje de teto e durante chuvas fortes
leve chuvisco pela pressão da água sobre as frestas entre telhas em virtude de falhas de adaptação nos encaixes. Os pisos da sala e cozinha eram cobertos de “cimento vermelhão”, enquanto os quartos eram assoalhados com madeira de tábuas largas e longas em estado natural. Um dos enormes quartos fora dividido por uma parede que não chegava ao teto e uma lâmpada com pendente no centro a alguns centímetros acima da divisória iluminava os dois quartos para economia de energia. Nas proximidades da casa, no quintal, havia sido construída uma casinha de tijolos com porta, abrigando privada de fossa, com assento de concreto oval sobre uma caixa de madeira de lei imitando um vaso sanitário. O banheiro interno, sem chuveiro elétrico, a água era aquecida em serpentinas de canos de cobre, instaladas em fogão à lenha que persistiu até seus 12 anos de idade, como também as ruas foram pavimentadas e esgotos instalados quando então foi possível uma privada no sanitário interno Os filhos em número de seis, três mulheres, duas com mais de 15 anos e a delas a caçula, dormiam em quartos separados dos homens. As duas primeiras nasceram na chácara de meus avôs paternos, onde meu pai morou nos primeiros anos após o casamento e dividia os lucros com seu trabalho. Todos os nascimentos foram pelas mãos habilidosas de uma parteira, a minha avó, que na Espanha havia sido enfermeira. Meus avôs maternos, também imigrantes italianos tinham fazenda, com melhores recursos de vida uma vida abastada, mas meu pai, de temperamento intempestivo não o aceitava em casa, haviam entrado em conflito pela maneira como meu pai tratava minha mãe e impediu-a por 40 anos, de visitar o pai e de recebê-lo em casa. Nascidos com muita saúde, com exceção de dois irmãos, herança de um pai extremamente asmático e sofriam de uma alergia brônquica violenta e muitas vezes passávamos noites acordados de tanto sofrimento pelo barulho de chiados, tosse contínua e choro. No inverno as crises eram piores e sem ajuda médica apenas contávamos com um farmacêutico amigo da família, que a nosso pedido vinha na residência administrar uma injeção de adrenalina, único caminho na época capaz de aliviar a profunda falta de ar, e a tosse aliviada pelos remédios caseiros que minha mãe preparava. Remédios farmaceuticos, apenas quando furtivamente minha mãe tirava dinheiro da carteira de meu pai enquanto dormia profundamente depois que chegava meio embriagado toda noite e assim conseguia pagar pelos poucos remédios na farmácia Infecções de gargantas e gripes eram raras e parecia que éramos imunes a tantas outras doenças, inclusive às infantis, mas vivíamos num mundo de muitas dificuldades. Lembro-me que somente aos 22 dois anos fui acometido de sarampo, que me prostrou bastante. Outro drama eram as dores de dentes. Sem dentista na cidade e quando havia os itinerantes, não podíamos pagá-lo. As cáries alcançavam a polpa dentária e com noites de dores terríveis, sem mesmo um analgésico e sem um mínimo de compaixão de meu pai, que inclusive se zangava por acordá-lo com o choro, até o choro tinha que ser reprimido. Apenas minha mãe com seus chás de erva-cidreira e de folhas de batata para enxágües e compressas quentes, além de incansavelmente passar á noite nos animando e nos acariciando cantando em italiano ou rezando que nos aliviava e nos fazia sentir protegidos, mesmo com dores e delirando de febre. Fui entender quando adulto que a febre se reduzia por chá forte de folha de laranjeira porque, primeiro provocava sudorese intensa e com a passagem da forma líquida corporal para o estado de vapor, ocorre a absorção de energia calorífera e o corpo esfria, tal como acontece nas folhas das plantas em que a transpiração leva ao resfriamento das superfície das folhas e provoca embaixo das copas uma temperatura agradável, processo semelhante resfriava
a pele e a febre amenizava, ou desaparecia, segundo fui compreender porque esse chá aliviava e praticamente curava dores de garganta, quando ocorria com febre, foi ao me tornar pesquisador na Universidade trabalhando com uma essência de citros chamada citronelol (não citronela que é outra substância), um álcool diterpênico que é bactericida e antiviral. As dores de dentes eram muitas vezes tão intensas, em virtude da inflamação, que o rosto inchava demasiadamente. Tínhamos a disposição apenas um veterinário que em horas oportunas exercia alguma experiência em socorros odontológicos, mas não profissionais e sim paliativos ao atender-nos num consultório improvisado e muitas vezes levava à perda de dentes. Eram raríssimas, festas natalinas, encontros afetivos com parentes, passeios ou diversões em família a não ser com amigos da vizinhança, pobres também, em que inventávamos brincadeiras, jogos de peteca, fichas, de bolinhas de gude, carrinhos de rolimã, estilingues, jogos de dama, etc. que nós mesmos construímos, mas com os colegas da mesma idade pertencentes à elite da sociedade, não éramos ligados, com exceção em períodos escolares, modéstia a parte seus país dependiam de minha ajuda, de meu conhecimento e me respeitavam por isso, pois sabiam pelos meus amigos, seus filhos do meu desempenho nas aulas e me procuravam para auxiliar e tirar dúvidas de tarefas escolares, pois apesar de não possuidor de livros, nem pais com educação de ensino médio ou superior, creio que o rigor na exigência constante de meu pai na realização de nossas tarefas, forçosamente desenvolvi o meu melhor potencial de aprendizagem para buscar soluções eficientes, ser autônomo e assim com muita atenção aproveitava bem as aulas e a ajuda de minha irmã já professora primaria (do ensino fundamental 1), e por isso sempre me destacava em classe como aluno. Os pais daqueles colegas conscientes, por meio dos filhos de minha competência, me valorizavam, mas sempre mantendo certa distância discriminatória, pois estava sempre descalço e pelas minhas indumentárias pessoais pobres e vestina-me com simples roupas, a maioria confeccionadas pela minha própria mãe que se debruçava na máquina de costura até altas horas da noite. Em casa sem um verdadeiro ambiente de diálogos, e de nível cultural e sem respostas à dúvidas pessoais cotidianas, sentia-me perdido como um grão de areia isolado na imensidão de um deserto, sempre com medo de fracassar em alguma coisa, sozinho aprender tudo pela tentativa e erro, observando outros, aprendendo a me relacionar socialmente, aprender a crescer emocionalmente, lutando em meio de adaptações e contradições e incertezas entre a sociedade que me cercava e a nossa forma de viver, havia um linha de separação visivelmente clara. Aprendi que minha família representava uma sociedade diferente e estava prisioneiro de outro padrão de vida e regras diferentes, e tomei consciência de que para atravessar aquela fronteira não havia outra forma de aceitar os desafios do meu mundo, aprender com eles e libertar-me daqueles grilhões para a vida tal como ela deveria ser. Apesar de minha religiosidade na infância, diante da situação, estava duvidando da existência de Deus ou se existia estava conspirando contra nós. Parecia existir numa espécie de metáfora semelhante aquela criada por Platão, o Mito da Caverna, em que me sentia aprisionado e dentro de conceitos padrões de uma família ou sociedade existente somente na mente de meu pai, distorcida e destituída da essência do mundo real “lá fora”.Na ignorância dele usava inconscientemente grilhões, barreiras psicológicas que nos castravam quanto à autonomia, o de pensar diferente, de questionar e dialogar. Era uma luta constante para nos mantermos à tona e não nos sufocarmos naquele oceano de contradições e incompreensão. Mas, assim mesmo mantínhamos um espírito de resiliência e superação de dificuldades e adversidades que nos envolviam. Em parte essas dificuldades me ensinaram a me superar em tudo que buscava conquistar diante dos recursos materiais que me faltavam, carinho, palavras de motivação e então procurava aproveitar ao máximo meu conhecimento, minha inteligência e intimamente sabia que o conhecimento, uma formação educacional sólida seria o único caminho para a liberdade de ocupar meu espaço na sociedade, para o a qual era invisível, inexistente. Pelos meus atributos e virtudes como ser mais dedicado nos estudos, realização de atividades nos serviços de casa e pelas relações de alta consideração como aluno pelos professore, mais me convencia em pensar que meu estado social de pobreza era apenas um obstáculo a ser vencido, não um fracasso permanente. Evidentemente teria que, como sempre fazia para superar nossa situação sócio-econômica, iria seguir caminhos diferentes para conquistar os mesmos privilégios dos “bem nascidos” que alcançavam os mesmos como oportunidades facilitadas pela classe em que nasceram. Ouvia muito a respeito de que ninguém escolhia a família onde nascemos, mas indagava, quem e o que decidia por alguém não nascer em família socialmente privilegiada? Deus? Mas seria um Deus injusto. Seria o acaso? Se naquela idade pudesse viajar no tempo e alcançar o conhecimento do curso científico e universidade, saberia que tudo, o universo enfim surgiu de uma singularidade e as diferenças, diversidade e desigualdade existentes seriam produto de transformações sem uma inteligência manipulando por trás a evolução de tudo
que se transformava. Assim se explica na teoria clássica de Newton ou onde tudo é probabilístico como na teoria quântica, onde nada se pode prever, mas na ignorância de criança e sem explicações plausíveis, restava-me não perder tempo com essa preocupação com futuro do que poderia acontecer e pior nada poderia para mudá-lo ou impedir que certas coisas acontecessem. O importante seria o que tinha em mãos no presente e sem a preocupação do que pode acontecer, pois podemos ser surpreendidos, não controlar o futuro além de que não podemos mudar leis universais com simples planejamento. Teria que deixar cada momento acontecer e ver o que viria depois e decidir o que fazer e viver dentro da velha máxima católica, “tudo são desígnios de Deus”. As experiências adquiridas foram se somando desde o ensino fundamental, ensino médio científico até a universidade onde, sempre, pela minha origem, era desfavorecido pela ausência de recursos, status social da família, que me exilavam dos relacionamentos sociais e cotidianos com colegas e também pelas atividades de trabalho frequente que assumia a fim de garantir minha sobrevivência do dia a dia. Apesar de tudo, desde adolescência para a juventude colhendo os frutos das sementes dos sacrifícios que insólitos vividos e de nunca ter desistido de como pensava, diante dos obstáculos que me dificultavam para um dia ser alguém numa sociedade de privilégios e que me apartava dela, jamais considerei que circunstâncias como a condição social não seria a barreira para vencer, mas dependia de como escolheria o que fazer dos resultados dos desafios para alcançar meu espaço na sociedade. A esperança de dias diferentes e melhores habita, cabia exatamente em meus sonhos, preenchia os vazios de meu ser, sentimentos, com a mesma precisão e intensidade fluídica dos líquidos que se acomodam na diversidade dos espaços virgens das coisas que nos cercam Um dos fatores de resistirmos aquele intemperismo da vida, foi devido, que quase toda infância e juventude, pessoalmente, me encontrava sempre saudável, graças a uma genética boa e cuidados com a saúde por meios alternativos possíveis e como dizia minha mãe, tínhamos “uma saúde de ferro”, e essa saúde se tornava verdadeira quando, rotineiramente a partir dos 8 para nove anos de idade, todo dia era acordado por meu pai chiando e tossindo e dizendo com dificuldade, “acorda Toninho, seus irmãos estão passando mal com a bronquite” .e como sempre, na maioria dos dias, ficava incumbido de buscar o cavalo e saia de casa bem cedinho, sem café da manhã e descalço percorria a distância de uma casa vizinha Na rua onde morávamos e a seguir dobrava na esquina à esquerda e após um quarteirão, passava pela farmácia do Sr. João Correa à esquerda que praticamente era nosso médico, olhava a direita dessa farmácia na esquina a enorme propriedade de um dos meus quatro tios (José, Salvador Agostinho de meu tio João Gusman Gonzales o proprietário do lugar e por ser o mais velho tinha sido preparado na Espanha em certas habilidades como ser barbeiro e de maior nível educacional, se tornando um negociante de sucesso e angariou uma certa fortuna e diferente de meu pai estava muito rico. Lembro-me que nas férias me propus trabalhar para ele para receber uns trocados e então participei na madrugada a preparar a massa de pães e distribui-los pela cidade, engarrafar cachaça e vinho, entregar mercadorias com o cocheiro Lourenço nos sítios e depois de uma semana. Em pagamento pelo trabalho de uma semana recebi duas maças argentinas, uma já estragando. Levei á minha casa e comemos (era raro em casa, pois importadas e caras) e das oito sementes plantadas; duas germinaram e geraram duas macieiras, que, periodicamente no inverno floria e gerava frutos, muitos, mas pequenos, mirrados com polpa esfarinhenta, pois seu desenvolvimento não estava adaptada ao nosso clima ou seja geneticamente aclimatada . Este meu tio era tão abastado que adquiriria carros no Porto de Santos que eram importados do exterior. Naquele prédio desde às 5 horas havia grande atividade, inclusive dos grandes fornos para o preparo de pães, que notava-se pela chaminé liberando já muita fumaça, pois eram aquecidos à lenha. Meu tio pouco se importava com os irmãos, com a família (em número de 3 e uma irmã, não os ajudava, um espírito ganancioso e mesquinho). O prédio tomava um quarto do quarteirão, além de abrigar uma casa muito grande (8 filhos), oferecia serviços de entregas por carroças, um serviço muito eficiente de sorveteria, de bar, havia uma área especial de engarrafamento de aguardente, vinhos de gigantescos tonéis de madeira, além de possuir o primeiro posto de gasolina da cidade. Mantinha um empório subsidiário numa vila próxima denominada Santa Cruz, onde já com um pequeno caminhão supria o armazém. Hoje esse prédio é patrimônio da cidade e está sendo preservado. Depois desse momento de observação, atravessava a Avenida Severino Meireles, a principal da cidade e a cruzava para encurtar caminho em direção à Praça Zequinha de Abreu e passava em frente à catedral onde sempre havia uma neblina tênue em lenta movimentação, a relva e algumas árvores estavam orvalhadas pela sublimação da forte névoa que tudo tocava. Encorujava-me com o meu fino agasalho naquele frio persistente. Ainda eram tímidas as primeiras luzes da alvorada e as estrelas estavam partindo, assim como minhas chances de voltar aos meus cobertores, a não tão macia cama, cujo colchão era preenchido com palhas de milho descascado e o travesseiro de penas de aves, mas me aquecia e me permitia sonhar dias melhores, uma das minhas poucas alegrias. Uma vez em frente à majestosa catedral, sempre me encantava com a sinfonia dos pássaros empoleirados nas árvores da praça, como que saudando o esplendor daquela manhã. O mesmo sol de todos os dias, mas com olhares diferentes quanto à motivação e que novamente despertava no seu ritual diário, deixando de seu regaço a leste no horizonte para o seu crescente crepúsculo matutino em direção ao horizonte ocidental. Naquela contemplação, em pé, solitário na minha imaginação infantil, considerava-me privilegiado sentindo-me
preferencialmente escolhido naquele momento para apreciar, viver naqueles instantes aquele fenômeno físico, naquela janela do espaço-tempo em frente a um templo sagrado, não só pela arquitetura magnífica da igreja matriz que compunha aquele espetáculo, mas por estar possuído de uma força de fé, certo de que, naquela idade, ela produzia em minha alma uma esperança de crescer e um dia me tornar senhor de mim mesmo, ter autonomia e poder escolher meu futuro e uma vida melhor do que aquela de meus pais. Toda manhã detinha-me por alguns minutos frente a detalhes daquele céu, parte azul e parte bordado por nuvens como esteiras e linhas como que ejetadas pelo sol numa mescla de cores laranja-avermelhadas, como se forjadas no crisol dessa estrela refulgente e se alongavam e se espalhavam difusamente tingindo residências e plantas de rútilas luzes e ampliando a majestade da lindíssima matriz. Absorto, admirando o astro rei na marcha para sua apoteose matutina, sentia-me diante de um portal abrindo-se para o paraíso, onde meu pai não podia interferir ou impedir que fosse feliz, ser livre para sonhar. Os raios solares tocavam meu rosto carinhosamente estimulando o clamor sensorial de cada célula, de todo corpo para a vida. Admirava aqueles momentos de belíssimo céu e sentia os raios solares com seus dedos luminosos acariciando a pele do rosto, braços e pernas e das ondas cálidas e acariciantes provocadas pelas tênues luzes coadas pelas nuvens coloridas ambulantes, as mesmas que excitavam o botão floral a entreabrir-se para o amor, recebendo as carícias escorregadias das gotas de orvalho sublimadas das névoas da madrugada ao abraçar, no seu enlevo matinal, as pétalas frias. Eram múltiplas sensações que muito mais se exacerbavam quando aliadas à brisa da manhã em lufadas intermitentes, sopros suaves, de refrigério carinho, desvelava a cortina íntima de todo corpo e se exalta no êxtase da vida. E em pé naquela praça, o vento soprando delicado nos meus ouvidos, parecia ecos de meus sonhos em que ansiava alcançar dias melhores e um futuro de sucessos, mas ao mesmo tempo ecos da forma sufocante, dura e complicada em família que não motivava promessas para frente, eram ondas sonoras de ecos difusos e de significados contrastantes e então sentia-me como uma semente lançada na fronteira da mata verdejante e o deserto, na transição água-areia, entre a necessidade de germinar, crescer e se tornar autônoma como árvore, mas na transição se água-hálito quente e seco da areia, estaria isolada sem um vislumbre de possibilidade para emergir . Mas, a confiança em minhas potencialidades que estavam florescendo, indicava-me um propósito em minha vida, uma força interior me impelia para frente nos meus desejos, como um crisol candente da esperança que transformaria meus sonhos em conquistas em futuro não muito distante. Continuava, em frente à matriz, admirando o nascer, era um instante quase transcendental único para mim, um dos momentos em que o tempo parava e podia estabelecer um diálogo silencioso com algo que parecia me compreender e podia existir perante o universo que considerava só para mim, era a natureza silenciosa gritando alto em seu esplendor, pura e generosa que em sua manifestação percorria minha alma e despertava em mim uma sensação de esperança, de uma espécie de gesto mensageiro do universo, meu conselheiro, de que tudo é um eterno devir e que prometia para mim um futuro promissor. Foram instantes da minha vida que expunha uma certeza íntima na alma, como religioso que era naquela idade influenciado pelo catolicismo quase fanático que os avôs paternos, praticavam. Era um refúgio sagrado, como um escudo de luz, intocável pelas agruras da vida e buscava, e ressentia a constante “ausência” de um pai, em minha vida, não dialogava com filhos, nenhuma palavra de incentivo, que sem compaixão, empatia, carinho e sem consciência de que ainda éramos crianças e somente expressava seu comportamento de dominação machista e o estávamos respeitando não por amor, mas por medo, sempre vivíamos tensos diante de tantas exigências e nunca recebendo algum elogio ou carinho, não reconhecia o fruto de nosso trabalho e nem mesmo nos compensava com o conforto de roupas melhores, assistência à saúde e nos deixarmos viver a fase da infância como criança tal como conhecia para qualquer família normal. Quando em casa, ele criava um clima de infelicidade. Tudo ficava lento, pesado e sofrido.. As emoções que predominavam nele era uma mistura de ódio, ofensas e raiva da vida. Queria não estar ou existir em alguns momentos, mas estava, pois havia grilhões psicológicos de dominação e poucas expectativas de mudanças. Ele era não só de atitudes de tendências agressivas, como impedia troca de idéias ou sugestões, castrando qualquer iniciativa e impedindo a evolução de uma autonomia na forma de busca de nossa própria independência de viver e evoluir nossas capacidades cognitivas e emocionais dentro dos padrões dessa fase da vida. Era viver num limbo, nunca ter certeza de nada, o que seria o amanhã, o que seria? Não conseguia ser eu mesmo, era uma solidão diante dos problemas e com tantas pessoas em torno sem poder dividi-los com ninguém como se minha existência fosse única. Sempre a mercê de comandos convencionais e patriarcais, de submissão, engolia a seco., um dia, pensava, teria que cobrar pelas consequências pelo que ele fazia. Quando em casa ele criava um clima de infelicidade. Era preciso reagir, mas não sabia como para havia para uma criança de 8 anos, possibilidade nem física, nem de argumentos e aquela subserviência era uma tortura, sem poder esboçar reação sentia o peso de uma frase que depois de muitos anos conheceria: Gutta Sag(?): o silêncio perante a justiça ou as injustiças, representam cumplicidade com o opressor e sentia-me culpado, pois era impotente diante de um paredão monolítico de opressão Buscava uma saída, mas sabia que não havia nada mágico na vida e procurava me concentrar em novas construções de viver e amar o que procurava construir, mesmo que na imaginação, era meu conforto. Conhecendo o mundo do entorno de outras famílias, era uma situação de vida que não se encaixava como lógica em meu cérebro. Pelo menos no imaginário estava me preparando, me transformando interiormente para deixar aquele clima, aquele ambiente e um dia apenas conseguir sair definitivamente daquela casa e apenas me afastar da presença de meu pai, seria uma grande vitória. Os sonhos em busca de um futuro feliz e de conquistas eram o meio, uma alavanca, uma esperança para sobrevivermos numa família disfuncional. Na filosofia de meu pai, obediência e subserviência teriam precedência ao carinho, amor, ignorando as necessidades e atenção na fase da infância. Tratava-nos como um instrumento de trabalho e que havíamos nascido para suprir mão de obra. O único filho com privilégios, mais acolhido e de tratamento diferenciado tratava-se de meu irmão mais velho, o primogênito, que recebia mais atenção inclusive na compra de material escolar, roupas e calçados melhores, aliás, eu era o herdeiro dessas roupas e sapatos e livros não os trocava por mais edições mais novas. Descobri que tinha que a única maneira era buscar por excelência em planejar o melhor para meu futuro e tinha que me tornar o melhor em tudo que pudesse realizar, mesmo sem apoio ou recursos, para recuperar o tempo perdido. Nessas saídas pela madrugada, nesse encontro com a natureza, sentia a presença de uma força superior seus pequenos, mas significantes sinais, que despertavam, evocavam em mim, sentimentos de esperança de alcançar dias melhores e felizes e uma família com as condições sociais dos amigos e interpretava aquele momento, como uma aprendizagem e purificação do espírito, mas sabia, pela minha religiosidade, que aquele momento consistia apenas uma tênue janela de conforto oferecida pelo criador na visão de um corpo perecível, até um dia alcançarmos a plenitude incorpórea da estesia do eterno. Repentinamente, então, um forte o farfalhar das folhas misturado com o chiado do vento, parecia ouvir a voz severa de meu pai dizendo, “não demore”, um chamado da minha consciência à obrigação e responsabilidade assumidas ao sair de casa. Então rompendo aquele encantamento, retomei à minha rota e caminhei mais 8 quarteirões e alcançava o pasto alugado para encabrestar a Estrela , nossa égua e levá-la para ser atrelada à carroça e buscar, os latões de leite na Empresa Nestle. Todos nós trabalhávamos intensamente para manter a única fonte de renda da família funcionando, e percebi que só começou a dar lucro após meus 9 anos, elevando a renda familiar a um melhor patamar de condição de vida, inserindo-nos próximo ao conceito classe média e possibilitando uma qualidade de vida melhor. Na infância, o tempo para tarefas escolares era escasso e sem a ajuda dos pais pouco letrados e falavam um idioma misto de português com italiano e espanhol ou apenas italiano ou espanhol. As atividades em casa que começavam ao amanhecer ou como dizia minha mãe “ao romper da aurora” eram tão pesadas contínuas e exaustivas que a escola primária era o único “descanso” no qual meus pais
mostravam aquiescência, contanto que assumíssemos o compromisso com a organização dos materiais para as tarefas de campo como buscar o cavalo nos pastos para atrelar á carroça para transportar os latões de leite e prover nosso posto de distribuição (leiteria na época). Uma vez no pasto no pasto, atraía a égua com uma espiga e sal às mãos e a estrela uma vez encabrestada, retornava para atrelá-la à carroça e buscarmos o leite na Nestle e a seguir engarrafar e acondicionar os frascos em porta litros que com uma alça presa ao pescoço como um colete a prova de balas com alças suportes que cobriam o tórax e costas e saia a percorrendo as calçadas para a entrega de leite aos clientes, como mais uma obrigação matinal. A tarde era reservada para a Escola primária. Na volta tínhamos a incumbência do aproveitamento do leite residual na preparação manual de queijos das 18 horas às 22 horas. Todos nós trabalhávamos intensamente para manter a única fonte de renda da família funcionando, e percebi que só começou a dar lucro após quase um ano elevando a renda familiar a um melhor patamar de condição de vida, inserindo-nos no conceito classe média e possibilitando uma qualidade de vida melhor, mas meu pai ainda conservava aquele comportamento machista, frio e extremamente grosseiro no trato com as pessoas. Era como não tivéssemos um pai. Enquanto estávamos em aula, meu pai dormia toda tarde e à noite vestia seu terno, colocava o chapéu e com amigos se reuniam em bares e outros lugares e só retornava às 22 ou 23 horas. Em torno das 21 horas, fazíamos a tarefa escolar, a seguir as atividades de preparação o leite auxiliando minha mãe num processo demorado como usar soro coalho, sovar a massa coalhada, eliminar o soro espremendo a massa, deixar algumas horas, enformar a massa coalhada e aplicar prensas para eliminar o soro, deixar em repouso várias horas e após virar o queijo na forma, prensando novamente e deixando completar 24 horas. Ao terminar, após um banho antes de dormir, ajoelhava-me num tapete grosseiro olhando para um crucifixo de madeira, sem o crucificado e por mais de uma hora orando e como ainda criança e criado sob uma pressão religiosa por uma família extremamente apegada a santos e à Bíblia, que chegava ao fanatismo e acreditava nos dogmas da igreja e nas fantasias de milagres. Ajoelhado, orava e apelava para a padroeira Santa Rita de Cássia a Santa dos casos impossíveis, esperando que meu pai mudasse de comportamento e dedicasse mais tempo e carinho à família e principalmente o impedisse de toda noite ao retornar bêbado, destratasse minha mãe e proferisse palavrões ofensivos, humilhantes a uma mulher que cuidava de 6 filhos, toda casa, cozinhava, lavava toda roupa por horas em tanques, as passava com aqueles ferro a brasa de manejo difícil, alem de sua participação com a limpeza da leiteria e mesmo assim era dócil e carinhosa com todos. Imaginava que nesses momentos a Santa modificasse algo para melhor e rezava para que houvesse uma interferência de algum vizinho e o colocasse no seu devido lugar, mas com seu gênio irascível todos o temiam. Até na missa aos domingos me colocava não nos bancos comuns da comunidade católica que participava da missa como fieis, mas na lateral próxima esquerda à porta da entrada do templo e num altar atrás da imagem de
Cristo crucificado , pois ao me joelhar ninguém poderia ver meus sapatos furados na sola. E naquele refúgio sagrado, enquanto a missa estava em celebração, meu olhar se fixava na imagem de Santa Rita que ficava no centro do altar-mor. Porém, apesar de toda a fé em meus pedidos parecia que a situação piorava ano a ano e nada mudava. Toda aquela situação era incomprendida naquela idade quando comparava minha família com as famílias da classe média e média alta que conhecia, estava confuso com minha existência e os vãos apelos a uma ajuda sobrenatural. Muitas vezes duvidava da fé de meus avós, e não entendia não receber atenção de minha padroeira e principalmente de Deus por não atenderem aos meus apelos e pensava: como crer em alguém que não via e parecia estar se escondendo de mim. Mas, insistia em manter minha fé e como conforto recorria à Bíblia em busca de alguma resposta algum suporte espiritual, e deparei-me com uma mensagem, que me despertou para um conceito de Deus muito diferente daquele que a religião, meus avós pregavam e que me trouxe outra visão de como deveria operar um ser superior, que mudou meu conceito do que significava Deus na realidade em que vivíamos. Naquela passagem bíblica, Jesus respondia a um discípulo dizendo com minhas palavras de interpretação: “Poderão fazer o que faço e muito mais, pois dentro de vocês está o templo ou o reino de Deus”. Por templo ou reino interpretei como recursos e potencialidades que Deus nos outorga quando nascemos e a forma como vamos usá-los será a resposta para sucessos ou fracassos. Hoje leitor de Até Sartre, um ateu tem uma frase com quase o mesmo significado, ou seja: “A vida é feita de atos e conseqüências”. Na realidade pensava que existiam leis universais e na sua justiça, Deus não interferia em nada, tudo seriam conseqüências do que fazíamos (ou nessa vida ou em outra) e deduzia, pelo silêncio dos céus, que nada poderia sofrer interferência dos Santos ou Santas, pois eles tinham sido iluminados na Terra, realizaram muito pelos semelhantes baseados em preceitos cristãos e foram para outra dimensão e os problemas da Terra se resolveriam na Terra mesmo, por nós mesmos. Chegava à conclusão que tudo dependia de nós mesmos de como usar nossos atributos, principalmente quando não se tem pai “presente” que nos relega “ao Deus dará”, e nada viria de graça. Teríamos sempre que arregaçar as manguinhas, mas dentro do trabalho e conduta ética e honesta. E a partir daquele momento, sabia que só podia contar comigo mesmo e que de um lado podia agradecer tudo que apesar de um pai relapso, ele indiretamente, pelo comportamento alienada em relação à família, despertara em mim uma força indomável na busca de meus sonhos ser um lutador para superar obstáculos, desenvolver um espírito de constante vigilância com tudo que podia representar oportunidades na vida para vencer e nunca desistir, e sempre com as próprias potencialidades que existiam em nós, e não esquecer de olhar sempre para os céus, as estrelas, pois de lá tudo surgiu. Os anos que se seguiram não foram menos difíceis e mesmo antes de terminar o curso científico era bastante exaustivo, pois meu pai adquirira um enorme bar na avenida principal da cidade, o famoso Bar O Ponto, que funcionaria para o público até meia noite, mas depois das 9 horas as portas abririam apenas para jogos de baralho pela madrugada adentro, proibidos por lei, mas livre para nós, pois participavam da jogatina,, juiz, delegado, promotor, professores do curso médio, clássico e cientifico e outros e assim, ironicamente, a lei estava logo do nosso lado. Como estudante fui um dos cinco alunos formados no curso científico de professores exigentíssimos e de um grupo de 45. Era outono de 1961, quatro meses, quando após minha aprovação no vestibular da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro-SP (atual UNESP), portanto, como aluno recém ingresso no Curso de História Natural (hoje Ciências Biológicas), que abrangia na época paleontologia, Petrografia. Geologia e Mineralogia, o segundo mais velho de uma turma de 21 alunos cujas idades não passavam de 19 anos Nunca havia sido reprovado em curso nenhum, portanto minha chegada com discrepante idade em relação aos colegas no Fundamental 1, se devia a uma doença misteriosa que me acometera e até hoje não diagnosticada, que me paralisou por 2 anos e meio. Além de imobilizado sentia dores terríveis quando tocavam qualquer parte de meu corpo, não havia febre. Um médico jovem recém formado recém chegado dos Estados Unidos de uma família de fazendeiros local, aceitou o desafio em me atendendo em casa e recebendo como pagamento apenas fornecimento de leite para sua família, pois meu pai não tinha recursos financeiros suficientes para o tratamento e visitas do médico. Após quase dois anos conseguiu curar-me sem deixar sequelas, pois fui atleta em toda a juventude e com ótimo desempenho cognitivo. Quando retornei ao grupo escolar (hoje equivalente ao Fundamental1), estava com quase 10 anos. Era um dos mais velhos da classe. Sentávamos em dupla naquelas carteiras munidas de tinteiro. Meu amigo de carteira era da família Peron, filho de um dos inspetores da Empresa Nestle que recebia o leite da região para pasteurizar. O pai o obrigou ser seminarista e se tornar padre, morreria de Aids aos 50 anos. A escola era o
lugar que mais adorava, momentos mágicos onde realmente me sentia criança, respeitado como tal e onde recebia muita atenção e oportunidades de relacionamentos, socializações com uma diversidade de amigos desde os mais pobres aos mais abastados. Não saia da biblioteca, e adorava uma Professora de nome Maria Aparecida Marques que me encantava pelo amor e carinho com que se dedicava às aulas e aos alunos, e todo final de aula lia histórias de Santa Genoveva e outras muito fictícias, onde não havia sofrimentos, dor, discriminação, só alegria e empatia e compaixão, que alimentavam meus sonhos e me abriam esperanças de meus dias no futuro seriam assim Andava descalço o tempo todo, mas para frequentar escola usava o único par de sapatos que tinha para ocasiões especiais e ao chegar em casa tinha que tirá-los. Minha bolsa para materiais escolares era o famoso bornal que se carregava a tiracolo, confeccionado por minha mãe. .As aulas eram no único Grupo Escolar de nome Francisco Ribeiro Um prédio enorme, com muitas classes, localizadas num primeiro andar e o térreo eram salas para trabalhos lúdicos, salas de funcionário, inspetores, e de materiais para aulas de Trabalhos de mineralogia. Havia um pátio enorme para recreação durante o intervalo de aulas. Localizava-se em frente à uma Igreja, a do Rosário. Após uma semana de aulas numa classe de crianças de diversas classes sociais, sendo que as mais elevadas ocupam sempre as carteiras da frente e eram sempre as que recebiam maior atenção das professoras. Mesmo durante o recreio formavam grupos isolados, não tinham relação com crianças de classe mais pobres. Após alguns meses, uma desagradável surpresa. O Diretor da Escola, que não vou declinar seu nome, pois os descendentes (filhos, netos) ainda moram na cidade, simplesmente se dirigiu à classe e disse que por motivo de classes super lotadas, iria transferir uns 10 alunos para uma nova Escola que estava sendo criada pelo governo. Seria uma escola anexa ao Colégio Nelson Fernandes que contemplava o primário e ginasial (hoje ensino fundamental 1 e ensino fundamental 2), o Normal, o curso Clássico e o Cientifico (hoje, curso colegial) e se localizaria num casarão antigo improvisado com amplas salas três quarteirões distantes do Colégio. As aulas ficariam sob a responsabilidade de duas professoras antigas e três novas normalistas ainda como estagiárias até colarem grau. Com uma lista de nomes pré-escolhidos, foi citando cada um dos que seriam transferidos e por coincidência todos de classes sociais mais simples, mais pobres e, evidente meu nome constava da relação. Uma tristeza se abateu sobre todos, mas que foi temporária, pois uma vez instalados na nova Escola, a classe toda sentia que a mudança tinha acontecido para melhor, as professoras eram adoráveis, e tinham um modelo moderno de ensino que cativava toda sala, mais humana menos técnica e todos recebiam atenção e tratamento com equidade de condições. Depois de aproximadamente 4 meses, a fama da escola nova, como de excelência, difundiu-se pela cidade e a maioria dos pais daqueles alunos e alunas que foram privilegiadas para permanecerem na Escola Francisco ribeiro, foram transferidas para a Escola Anexa ao Colégio Nelson Fernandes, onde não tinham privilégios de lugares ou tratamento diferenciado, todos eram apenas alunos. Após 4 anos, terminado o primário, o ingresso no curso ginasial(hoje fundamental 2) não era simples matrícula, dependia de uma espécie de concurso denominado Exame de Admissão, em que não fui aprovado na primeira vez, apenas num próximo ano, pois não podia pagar aulas preparatórias particulares e então fui preparado posteriormente por uma irmã normalista e já me encontrava com 14 anos enquanto a faixa etária dos colegas era por volta de 10 anos. Meus livros eram de edições antigas, pois meu pai não comprava livros indicados pelos professores e certa vez a professora de francês ao solicitar a mim, a leitura de uma narrativa, ela ao acompanhar minha leitura disse que algumas palavras não eram as mesmas do livro dela e perguntou se estava criando palavras alterando o texto intencionalmente (pois adorava francês e ela sabia) e ao examinar meu livro, deparou-se com uma edição que havia sido usada por minha irmã há mais de oito anos. Ela me presenteou uma nova edição do livro ao me justificar o porquê do uso daquele livro. Após 3 anos meu pai financeiramente havia progredido graças á participação intensa de, todos os filhos trabalhando muito. Tempos melhores chegaram quanto a conforto residencial, casa toda com pisos novos em todos os cômodos, pintura, forro, e com todo conforto que uma casa pode oferecer. Além do sucesso da Leiteria ao bar, meu vendera grande parte de nosso imenso quintal e tinha adquirido casas e terrenos emprestando dinheiro a juros altos e muitas vezes ficando com as propriedades dos devedores, porém em relação à mudança de tratamento aos filhos e esposa não mudava, perseverava em ser um pai alienado com as necessidades básicas da família, pois parte das despesas da casa uma irmã que lecionava mantinha assim como material escolar roupas e remédios e com minha atividade de professor particular e escolas também supria em parte essas necessidades, enquanto ele adquiria propriedades e conservava poupança em banco e procurava na cidade ostentar suas conquistas, mas sem mostrar o custo negativo destas conquistas para a família. Terminado o ginasial (fundamental 2), aos 18 anos matriculei-me na mesma Escola escolhendo Curso científico, curso ensino intenso (enfrentávamos além da matemática, química, física e ciências havia Latin, francês, Inglês, literatura inglesa e francesa.alem da portuguesa, pois seria nosso passaporte para os exames vestibulares (não havia cursinhos), e ao mesmo tempo servia o exército na cidade pelo Tiro de Guerra. Da literatura científica, tirei algumas lições de motivação, pois apesar das dificuldades em família e financeira, estava disposto a lutar bravamente para alcançar meu espaço em uma profissão por meio da universidade. Quando discutíamos na literatura francesa alguns escritores (leitura em francês) a da história do guerreiro espanhol El Cid guardei a frase “ A vaincre sans peril, on triomphe sans gloire”( vencer sem perigo triunfa-sem glória”, não podia buscar zona de conforto, estávamos numa batalha pelo futuro, e a história de El Cid ampliou meu poder de resiliência. Também, enquanto no científico para acompanhar os colegas nas festas sociais precisa ter roupas e calçados para participar com amigos de locais de recreação, cinema e ajudar nas despesas da casa, dedicava-me à aulas particulares, em cursinhos e Escola de Comércio, em áreas como português, matemática, física, conseguindo acumular uma certa poupança com objetivo, em futuro próximo, de custear minha sobrevivência diária durante meus estudos numa universidade pública. E fui aprovado para cursar História Natural na UNESP de Rio Claro, era mais uma etapa do bem nascido”, o excluso da meritocracia. atingindo o impossível no entender da classe média alta. Na universidade m destaquei então
como aluno, estagiário e bolsista
e
logo após a formatura , convidado
pelo Diretor
da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto-USP, assumi
o cargo de docente e pesquisador no curso de
Ciências Biológicas e após minha aposentadoria a convite de outra universidade em Minas Gerais e por 5 anos fui gestor temporário e docente na mesma área. Recolher