QUILOMBO NÚCLEO MONTE ZUMBA- PEDRA BONITA RJ
A história pessoal que conto não se resume a uma só pessoa. Mas muitas pessoas! Povos tradicionais que fizeram e, ainda, fazem esse país chamado BRASIL.
Nasci em 05 de Setembro de 1969. O meu saudoso pai, para não pagar multa, confirmou no cartóri...Continuar leitura
QUILOMBO NÚCLEO MONTE ZUMBA- PEDRA BONITA RJ
A história pessoal que conto não se resume a uma só pessoa. Mas muitas pessoas! Povos tradicionais que fizeram e, ainda, fazem esse país chamado BRASIL.
Nasci em 05 de Setembro de 1969. O meu saudoso pai, para não pagar multa, confirmou no cartório que eu nasci no dia 05/10/1969, um dia antes da data em que fizera o meu registro de nascimento.
Cresci em uma roça de plantas, frutas e hortaliças. Em menção ao "senhorio" da nobre família Montezuma, o nosso sítio, pelo documento da compra da "roça", se denominou "Montezumba". Fora negociado entre os próprios familiares, que eram descendentes dos indígenas locais e pretos escravizados. Dessa forma, o avô comprou a roça "Montezumba" por "1.000 réis", documento histórico, com selos de cartório e hoje sob a guarda do Registro de Documentos do Arquivo Nacional.
A pretensão do Parque Nacional da Tijuca alcançou parte do território da Pedra Bonita RJ, onde o nosso sítio está inserido. Poupou, no entanto, propriedades de nobres famílias como a família Reis, Roberto Marinho e Gávea Golf Clube, nossos confrontantes no território, hoje certificado como um QUILOMBO pela Fundação Cultural Palmares. Mas manteve na Unidade de Conservação o Sítio Monte Zumba, onde vive a minha família. E por essa legislação, ditada em "Planos de Manejo" pela administração do parque, junto à um "Conselho" de empresários, por conveniência ou indução, ignoraram todas as vivências humanas nesse território, taxando os nativos como "invasores" e agindo ora com truculência, ora com diplomas de preservação à comunidade da Pedra Bonita RJ. Faziam isso devido aos diferentes gestores, que tinham a indicação política ao cargo, com a interpretação administrativa de acordo com as vertentes políticas da época de gestão. E somente após a certificação de um quilombo pela Fundação Cultural Palmares, o órgão ambiental passou a atentar sobre suas administrações anteriores e a formular um novo caminho para a Pedra Bonita RJ, o terceiro ponto turístico mais visitado da Cidade do Rio de Janeiro.
A RESISTÊNCIA QUILOMBOLA não acontece somente nessa área da Cidade do Rio de Janeiro. Aliás, nessa "Cidade Grande" é pouco notada ou falada. No entanto, é nessa "Cidade Grande" que a especulação imobiliária e turística têm os seus fundamentos embasados na política, os quais os relativos empresários possuem, por obrigação financeira, uma grande influência nos órgãos públicos pertinentes.
A estrada que acessa a Pedra Bonita RJ, mapeada pelo "Google" como "Caminho da Pedra Bonita", foi construída em 1972. Feita junto à comunidade do Núcleo Monte Zumba, de cima para baixo, a estrada escondeu -se dos órgãos de preservação a sua construção. Porque antes dessa data, nenhum quilombola ou acervo histórico tinha a "vista" dos órgãos públicos essenciais. Mas após a estrada construída (1972) e chegada do esporte voo livre ao local (1974), agentes ambientais do antigo IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) começaram a subir, de forma confortável, pela estrada construída. E , da mesma forma que o esporte voo livre, foram recebidos pela minha família, com cafezinhos, água e muita história. Estranhamente, esse órgão ambiental deixou de funcionar durante uma semana, para que as árvores que separavam a propriedade do Gávea Golf Clube e do Sítio Monte Zumba fossem arrancadas pelos idealizadores da Rampa de Voo Livre da Pedra Bonita, a majestosa decolagem dos dias atuais, onde o esporte se encontra tombado como patrimônio turístico da cidade.
Dentro de todo esse contexto político sobre o nosso sítio de produções agrícolas, núcleo de um território quilombola, cresci acompanhando o começo do esporte e toda a pretensão e especulação de empresas e empresários sobre o território dos meus ancestrais, pulsando em meu sangue toda a luta e preservação de suas culturas. Mas a única forma de me superar, vencer a segregação, era me tornar um piloto de voo livre. Porque o "Modus Operandus" do parque era favorecer os empresários e nos exterminar, destruindo nossas culturas agrícolas e nos taxando como "invasores" diante da sociedade.
Parque significa "diversão". Até ao ano de 1978/1979, conseguíamos manter as porteiras do sítio fechadas durante a noite e ter um certo controle sobre o usufruto das atividades do esporte no território. Mas após esses anos, o pai fora atropelado, perdendo parte de uma das pernas. E em anos sucessivos, veio perdendo mais partes da perna, até morrer por completo. E a mãe, com os filhos pequenos, não conseguiu proteger o território. E as porteiras foram arrancadas e o esporte voo livre, junto à toda a turba de admiradores e afins, passaram a ter livre acesso ao que hoje chamamos de Rampa da Pedra Bonita RJ.
Durante o período de internações do papai, antecedendo o seu óbito, uma irmã morreu atropelada em São Conrado, dois irmãos morreram com meningite e um outro, autista, fora agredido em uma clínica até morrer. Porque o único serviço público que nos aparecia era o órgão de preservação IBDF. E à nossa companhia, fora os garotos , pioneiros do esporte voo livre, eram visitantes e hippies, que nos traziam o conhecimento de entorpecentes, lícitos e ilícitos mas que, também, nos controlavam com caronas , que necessitávamos para a frequência no colégio público e na compra de mantimentos industrializados, que não podíamos produzir em nosso sítio.
Após a ditadura militar, criaram um outro órgão ambiental chamado ICMBio - Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade. Este endossou os clubes de voo livre , vendo a importância do turismo para aquele local. Porém, ignorou a população local, modificando as trilhas "pé-de-moleque" para a fomentação da visitação turística e taxou toda a produção agrícola como "invasoras", reprimindo o sustento e a cultura da comunidade. Por outro lado, diante dessa logística administrativa, incentivava a presença de forasteiros, fazendo do território quilombola um "self service" de exploração comercial para todos os outros. Repressão aos nativos e fomentação comercial para os forasteiros! As sequelas, nos dias atuais, são a mudança do ecossistema ( animais se alimentando de lixo ) , degradação de vegetação histórica, plantadas e replantadas pelos antepassados e lixos inorgânicos por toda a vegetação. De forma que, mesmo com a certificação de um quilombo, há muito o que fazer para uma razoável retratação de valores.
Cresci piloto e cheguei a instrutor de voo livre. Com um curriculum de voo nacional e internacional. Oriundo de um quilombo e resistente nesse mesmo território, luto pela preservação do meio ambiente, onde toda a floresta foi feita pelos meus familiares. Porque antes era exploração carvoeira e cultivo de café. Na condição de escravizados , nossos antepassados trabalharam no replantio do Maciço da Tijuca. A aportaram no território da Pedra Bonita RJ, morando nas senzalas da fazenda abolicionista. E nesse território seguiram a vida, em primeira mão trabalhando nas carvoarias e na manutenção das camélias centenárias, flor de símbolo abolicionista, cultivada pela Princesa Isabel. O meu avô trabalhou nas carvoarias até ao ano de 1910. Após essa data, negociou com o irmão a posse da "Roça Montezumba" por "1.000 réis". Migrou para esse núcleo do território e firmou o Sítio Monte Zumba, onde se encontra registrado no antigo Ministério da Agricultura, pelo menos, "150.000m2" de produção agrícola. Assim começou a floresta dentro do território quilombola, hoje conhecido como "Setor C do Parque Nacional da Tijuca".
Em meu exercício como instrutor de voo livre, preservo a filosofia do esporte, mantendo na real Instrução o patrimônio turístico da cidade. Como povo originário, descendente de pretos escravizados e indígenas, preservo o ecossistema local, bens materiais e imateriais do meu povo, como a vegetação plantada pelos ancestrais, ervas e árvores medicinais, tais como pontos de religiosidade e outras benfeitorias que completam esse grande Santuário da Pedra Bonita RJ. Os dolos aqui mencionados se consumam na sabedoria do tempo, comungando à sabedoria e força ancestral. E a certificação e re-certificação pela Fundação Cultural Palmares conclui a tradicional RESISTÊNCIA do nosso povo.
A floresta têm mil olhos. E o sangue da nossa ancestralidade pulsa em todos os encarnados. Assim é o ciclo do UNIVERSO.Recolher