Texto escrito por Karen Worcman, fundadora do Museu da Pessoa.

Depois de uma longa viagem desde a Cidade do México até Oaxaca, com uma passagem por um jardim botânico a céu aberto – um museu ancestral de cactos que possuem, em média, 200 e 300 anos – chegamos a Oaxaca, cidade ao sul do México. Histórica, bela e turística.
Pousamos em El Tule, a meia hora da cidade. Uma pequena cidade histórica, El Tule é conhecida por uma árvore, Tule, que tem mais de 2 mil anos. A árvore, que quase foi destruída por um rico fazendeiro que queria transformá-la em móveis e assoalhos, foi defendida pela comunidade local. Essa e outras informações estão descritas em uma placa que se apresenta para nós, reles mortais. Na mesma placa, a descrição acrescenta que a árvore estava lá antes da chegada dos espanhóis, antes da revolução e antes da igreja, que foi erigida ao fundo da praça.
Estivemos na cidade no Día de Los Muertos, a festa mais importante do México. Cada cidade celebra a data à sua maneira. Em comum, mexicanos vivem a experiência de visitar seus entes mortos no cemitério, decoram os túmulos e compartilham comidas, bebidas e histórias.



O cemitério é o principal palco da celebração que ainda conta com desfiles de catrinas, espetáculos, fanfarras e fantasias de caveiras em todas suas possibilidades. As mulheres são as mais belas usando vestidos esgarçados, maquiagens e véus de damas mortas.
No primeiro dia na cidade, visitamos o Pantheon, cemitério de El Tule. No segundo dia, fomos ao Pantheon Central, cemitério de Oaxaca. E a visita se transmutou em uma viagem imersiva pelas vidas, mortes e fés desse mundo mexicano, tão rico e inusitado.
Enquanto transitava pelas cidades, tive as reflexões que compartilho a seguir.
Dia 1 – Cemitério Pantheon, em El Tule
Uma árvore de 2 mil anos vê calmamente homens e mulheres passarem entre suas conquistas e revoluções. No fim da tarde, no cemitério, vida, morte e fé se misturam entre flores, velas e enfeites que piscam. Famílias se reúnem para decorar os túmulos, casas de seus entes queridos. Um grupo de jovens policiais se reúne em torno do túmulo de um colega. Trocam histórias. Cada túmulo é uma história, cada túmulo é uma instalação, cada túmulo é um altar. Cada pessoa tem o seu altar e os seus em volta. São conexões que perpetuam a vida celebrando a morte.
Sentada em um banco, em paz, escuto vozes de pessoas que organizam seus altares e que discutem o sagrado em meio ao cotidiano. Em espanhol, uma mulher diz para o namorado: “Olha só! A vela de minha mãe caiu e a de minha irmã se apagou! Esqueci os fósforos! Diós mio!”. E, assim, o entardecer se torna noite. Os mortos descansam e os vivos começam a beber e a dançar.
Dia 2 – Pantheon geral, em Oaxaca
Hoje é dia de comida. Os túmulos, com flores, se tornam mesas. Em sua volta, familiares comem, crianças e jovens olham seus celulares, garrafas de cerveja e mezcal são abertas. Músicos cantam músicas de nostalgia e despedida. Em cortejo, vão de família em família oferecer seus cantos.
Vejo um músico que se vai: todos riem. Ele cumprimenta com seu chapéu e diz: “Sorriam, porque a vida é breve”. E parte.



Mais adiante, uma senhora, sozinha, conversa longamente com seu túmulo. Fala para si mesma e para ele. O túmulo, mais simples, tem sua foto, sua vela e suas flores.
A multidão compartilha músicas, caminhadas e comidas. Muitas comidas. Do outro lado do cemitério, mais silencioso, alguns poucos grupos se sentam em torno dos seus. Uma jovem diz: “Acá és como la parte más apagada, porque allá hay mucha fiesta!”
Grupos de turistas buscam, em inglês, explicações para o evento. Ouço guias dizendo: “the meaning of this is…”, “what an amazing…”, “I remember…” e os deixo partir com suas explicações.
Uma voz anuncia: “Vamos sair dessa parte, porque há um abalo sísmico”. E me dou conta de que, entre árvores milenares, cemitérios e comidas, somos todos efêmeros.
Do lado de fora, uma grande feira de tortillas, gorditas, tacos e flores está repleta de cheiros e pessoas. Mais tarde, de volta a El Tule já tarde da noite, uma fanfarra toca no coreto da praça principal. Jovens fantasiados, maquiagens de caveiras, meninas com lindos brilhos no rosto e no corpo dançam. Enquanto pulam, alguns fogos se acendem e explodem no ar, e a dança continua. A música diminui aos poucos e, quando parece terminar, renasce na mesma batida. E todos voltam a pular. No entorno, mezcal, cerveja e bebida. Vida, muita vida, morte, muita morte, entrecruzam-se mais uma vez.
De longe, a árvore milenar vê passar a festa novamente.


