Museu da Memória e Tolerância | México

Texto escrito por Karen Worcman, fundadora do Museu da Pessoa.

Pensei em começar meus relatos no Canadá e nos EUA. Tudo estava organizado. Mas fomos visitar o Museu da Memória e da Tolerância na Cidade do México. Foi um choque de sincronicidade, pensamentos e emoções. Foi quando percebi: “Sim, chegamos à América Latina”!

O Museu da Memória e da Tolerância foi fundado na cidade do México em 2010. Confesso que pouco sabia de sua motivação e atuação. Fica no coração do Centro da Cidade do México. Milhões de pessoas passam pelas calçadas onde as catedrais espanholas se misturam às pessoas, a ambulantes, a comidas de rua.

Quando chegamos, Siegfried nos esperava para fazer o percurso do Museu. Ele nos convidou para começar pela exposição temporária sobre os Diários de Anne Frank – um livro que fez parte da minha vida desde os 10 anos de idade. Fizemos uma visita pela casa cenográfica, que representa onde viveu Anne Frank em Amsterdam até ser levada com toda família para o campo de concentração em 1944. Durante a visita, um guia, muito jovem, interpretava a linha do tempo e explicava os objetos dispostos nas mesas, como, por exemplo, os jogos de xadrez dispostos na mesa da cozinha. Mas ele não apenas explicava. Interpretava os sentimentos. Conhecia as frases do diário de cor. E perguntava, sempre: “Como você se sentiria passando dos seus 13 aos 15 anos sem poder se mexer durante o dia, esperando um dia poder retomar sua vida?”.

Em seguida, Siegfried nos levou à exposição permanente, cuja temática são os genocídios. Começamos pelo holocausto. Imersos pela museografia, entramos nos barracões de Auschwitz, nos vagões de transporte, nos depoimentos dos sobreviventes. Algo que é sempre impactante, apesar de eu ter vivido e ouvido tantas e tantas vezes essas histórias. Além da questão judaica, a exposição apresentava a política de esterilização promovida pelos nazistas, a perseguição aos homossexuais e a queima dos livros. 

A exposição do holocausto desembocava em outras exposições que falam sobre o genocídio armênio, sobre os indígenas da Guatemala, Camboja, Ruanda, Darfur e, finalmente, sobre a ex-Iugoslávia. Nesse momento, uma guia, também muito jovem, explicava o conceito de genocídio, pontuando os aspectos de cada um. 

Me detive em Ruanda. Ela explicou como o governo colonial belga criou castas, denominando os 15% da população – os tutsis – como uma casta superior. Quando o conflito eclodiu, em 1994, hutus massacraram, violaram e assassinaram 70% da população tutsis. Cerca de 1,5 milhão de pessoas foram assassinadas em 3 meses. A ONU, mencionou a guia, se retirou logo antes do massacre.

Após nos levar a um quadro de fotografias, algumas apagadas, algumas pontuadas com cores, ela sinalizou que, em cada um desses eventos, houve aqueles que participaram ativamente dos genocídios, aqueles – a maioria – que ficaram indiferentes e, finalmente, aqueles que, de alguma maneira, resistiram e buscaram fazer algo. Então, ela pergunta: “O que cada um de nós poderia ter feito?”.

Na última parte da visita, a guia convidava o público – a maioria jovens estudantes – para uma sala de conversa. Fez uma enquete e perguntou: “Quantas pessoas morrem de fome no mundo por hora?”. Perguntou a seguir: “Quantas crianças no mundo jamais foram à escola?”. Em seguida, apresentou questões sobre a sociedade contemporânea mexicana, sobre a discriminações aos homossexuais, aos idosos, aos indígenas, aos mais pobres. Questões similares às que vivemos no Brasil. Mais uma vez, a jovem guia perguntou: “O que cada um de nós escolhe fazer?”. E citou uma frase de Viktor Frankl, que afirma que “a busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida…”. Na sequência, a guia nos convidou a ficar uns minutos em silêncio em uma sala de reflexão na qual a luz do dia, ao alto, iluminava uma bela escultura que caia do teto. 

Fiquei impactada pela visita. Todos ficaram. O que mais me interessa é a narrativa do percurso no qual a memória dos genocídios leva a reflexões que cada um pode ter sobre sua própria vida.

Penso no Museu da Pessoa. Penso em como buscamos fazer da memória uma fonte de conexão entre pessoas, povos e culturas para promoção da paz. Vejo como, de formas tão distintas, temos a mesma busca.

Penso no atual conflito em Israel. Penso em como estamos vivendo isso, longe da guerra, nas mídias sociais. Penso no quanto a simplificação do conflito leva pessoas a se identificarem com um ou outro lado. Penso em como é fácil tomar partido e esquecer que há, por trás disso, um caminho mais difícil, que é o de assumir a humanidade do outro e, ainda que mais complexo: atuar para que não se valide a violência e a dor. 

A visita me lembrou o que me levou a fundar o Museu da Pessoa. Me lembrou de como, após ter ouvido tantos e tantos relatos de judeus imigrantes, compreendi que as histórias diziam respeito a todos humanos. Dali, percebi o que de poderoso havia em aprendermos a nos escutarmos uns aos outros. O quanto poderia ser poderoso revisitar as narrativas da História e perceber o micro, a pessoa, as escolhas de cada um. 

A História não se repete, mas se copia. Ao sair do Museu, caminhamos. No Centro Histórico, uma das mais belas catedrais que já vi repousava exatamente sobre as ruínas do Templo maior, símbolo do Império Asteca – ruínas descobertas quando iniciou-se a construção de um metrô na cidade.

As histórias não se repetem. Cada uma é uma. Mas se copiam. Seguem padrões. E aí, me volta a frase da jovem guia: “O que cada pessoa pode fazer? O que você pode fazer?”. Os estudantes ficaram em silêncio. Eu fiquei em silêncio. 

Outra pergunta dela também segue ecoando em minha mente: “Podemos mudar a vida das pessoas?”. Não sei. Após uma vida dedicada à construção de um Museu em busca dessa resposta, preciso confessar que não sei. Preciso confessar o quanto é fácil desumanizar o outro em um conflito, entregando-se a preconceitos. 

Sinceramente, não sei. Sei que a História não se repete, mas sei também que ela se copia. Sei, por fim, que a escolha, ao final, é de cada um de nós.

Nota: O Museu da Memória e Tolerância recebe mais de 150 mil estudantes por mês. Segundo o site institucional, tem como missão difundir a importância da tolerância, da não violência e dos Direitos Humanos. Criar consciência através da memória histórica, particularmente a partir dos genocídios e outros crimes. Alertar sobre os perigos da indiferença, da discriminaço e da violência para criar responsabilidade, respeito e consciência em cada indivíduo para estimular uma ação social.