Texto escrito por Karen Worcman, fundadora do Museu da Pessoa.

Visitar uma casa-museu é como realizar uma pequena invasão: tem um pouco de voyeurismo. É como se pudéssemos, de repente, entrar sorrateiramente por uma janela para bisbilhotar a vida íntima de personagens que, até então, eram mitos sem corpos. O que se revela, para um de nós, sobre o mito, é uma percepção pessoal.
A casa-museu de Frida Kahlo, em Coyocan, México, é belíssima. O rosto de Frida, que está presente em todas feiras e mercados do México, ganha, de repente, uma humanidade. A cama – na qual passou grande parte do tempo após o acidente que marcou sua vida – tem um espelho instalado no teto para que ela pudesse pintar. Com respeito, olho para suas cinzas em uma prateleira ao lado. Passo pelo seu ateliê, pela sua coleção de roupas, pela bela cozinha e chego a um pequeno quarto onde dormiram Diego Rivera e Trotsky, quando chegaram ao exílio no México. Imagino esses dois homens encantados pela pequena Frida. O chapéu de Diego está, ainda, pendurado na parede. Penso: não é que a história tem cara, corpo e paixão? O que será que comiam enquanto conversavam no café da manhã?
A casa de Trotsky, a alguns metros de distância, tem um pátio rodeado por muros e guaritas de proteção. O jardim tem cactos enormes, plantados por ele.
Um painel, um pouco esmaecido, mostra fotografias de Trotsky cuidando, todos os dias, de suas galinhas e coelhos. O mesmo homem que liderou uma revolução que abalou o mundo viveu aqui, nesse jardim, entre muros, cuidando de plantas e animais.









Diferente da casa de Frida, onde tudo são cores, azuis, amarelas, vermelhas, onde o sol está em cada parte da casa, a casa de Trotsky é austera. O quarto onde dormia com sua esposa tem apenas uma cama singela. O banheiro tem uma porta de ferro. É blindado. No quarto onde dormia seu neto, Esteban Volkov, vemos, ainda, as marcas de tiro na parede de uma das tentativas de assassinato que Trotsky sofreu até ser, finalmente, morto por um agente secreto de Stalin.
A casa de Frida é azul. Os jardins são ensolarados, floridos e deslumbrantes. A casa de Frida tem um belo ateliê ensolarado, cheio de tintas e materiais de pintura. A casa de Trotsky tem um local de trabalho. Uma mesa para sua secretária e uma para ele com uma máquina de escrever, além de uma estante cheia de livros. Me perco vendo o que lia.
Mais adiante, em um barracão onde viviam seus seguranças, há um painel envelhecido com uma pequena árvore genealógica que apresenta o destino trágico da família Trotsky. Filhos assassinados, ex-mulher que morreu em um campo de trabalho, mãe de Esteban que cometeu suicídio por não conseguir reencontrar a família… Esteban morreu recentemente e Trotsky tem, até hoje, alguns poucos descendentes no México.
Penso em Frida e em Trotsky. Lembro das fotos em suas casas. Poetas, pintores, surrealistas e revolucionários. Sonhadores de outros mundos possíveis.
Quando Trotsky foi assassinado, em agosto de 1940, o mundo estava convulsionado pela guerra. O nazismo e a solução final – os seus campos de extermínio – ainda não tinham sido implantados. Na Rússia, Stalin já iniciara os grandes expurgos. Foram algumas décadas que resultaram em milhões de mortos.
Li que Trotsky e Frida tiveram um romance. Ainda que, em um mundo no qual grande parte daqueles sonhos se tornaram imensos pesadelos, houve lugar para o romance e para o encantamento. O jardim de Frida cheio de borboletas e o de Trotsky, cheio de plantas, mostram que sonhar é sempre possível.