Amanda e seus botões I Um encontro inusitado

Texto escrito por Karen Worcman, fundadora do Museu da Pessoa.

Era um dia quente, como praticamente todos os dias no Panamá. Havíamos combinado de encontrar Amanda para conhecer seu museu e para que ela nos contasse um pouco da rede de museus do Panamá. Preciso confessar que o Panamá é uma cidade que reúne (sempre a meus olhos) o que acho de mais complicado nas Américas: o contraste entre a extrema riqueza e a extrema pobreza. 

Uma parte central da cidade, cheia de arranha-céus espelhados surge no horizonte assim que você se aproxima. Alguns shoppings estampam outdoors de marcas de alto luxo entre suas poucas calçadas, disputadas pelos poucos pedestres com os carros que se amontoam nas ruas e estacionam em qualquer lugar. 

Sua parte mais bela, o Casco Viejo (centro histórico), encanta pelas construções espanholas, lindos cafés, praças e lojas refinadas, que em poucos instantes, sem saber bem como, se transformam em ruas cheias de lixo, esgoto e casas precárias (históricas) nas quais convivem famílias, lixo, polícia (muita polícia) e os carros. 

A brisa que sopra quase constantemente é maravilhosa. A beleza do céu, a amplitude do céu e do mar são impactantes. As mais de 180 instituições financeiras que se instalaram na cidade ocupam os prédios monumentos, enquanto bairros muito pobres restam espremidos entre mangues que cheiram a esgoto e shoppings reluzentes. 

Marcamos de encontrar Amanda em seu museu às vésperas do Natal. Fomos com “La Gordita”, nosso carro de camping. O GPS nos levou para umas ruas atrás de condomínios de prédio, e de repente, começamos a entrar em um bairro residencial. O lugar parecia um oásis. Um bairro residencial, casas avarandadas, sol e crianças na rua com casas de jardins abertos. 

Paramos o carro e tivemos alguma dificuldade em descobrir onde estava o museu. Algumas crianças apontaram para uma casa a poucos metros de distância. O museu de Amanda fica na parte superior da casa de seus pais. Tocamos a campainha e um senhor italiano com um olhar quente nos estendeu a mão: – Entrem, entrem. Amanda está esperando. 

Amanda é presidente da Red de Museos y Centros de Visitantes de Panamá, uma organização não governamental, sem fins lucrativos, dedicada desde 2008 à promoção, profissionalização e cooperação entre seus membros. Ela diz que “os panamenhos acreditam que o Panamá não tem museus ou que ninguém vai a museus. Mas não é assim. Vamos falar de museus, de cultura e de teatro”.

Amanda, filha de pai italiano e mãe panamenha, cresceu parte na Itália e parte no Panamá. Muito elegante, gestos delicados, roupa ligeiramente ajustada em um corpo fino e ágil. A ideia do museu veio de sua mãe, professora universitária. Ela conta que “uma tia que passou pelas guerras na Itália não jogava nada fora. Guardava tudo em caixinhas para qualquer necessidade futura. Quando morreu, havia muitas e muitas caixinhas com botões, fitas e tudo mais. Então minha mãe disse: ‘vamos fazer um museu’. Pensamos que ela não estava bem da cabeça, mas depois fomos entendendo que era uma ideia interessante e fomos fazendo. Entre os botões e a cabeça científica de minha mãe, fomos descobrindo como contar as histórias do mundo pelos botões”.

Amanda conta essa história sentada em um banquinho. Ao fundo, um painel e alguns livros introduzem o museu. Subimos mais uma escada, e Amanda, delicadamente, nos mostra vitrines de botões organizados por tipo. Cada botão foi pesquisado. Data, procedência, função. Botões de uniformes do exército, botões com temas amorosos, botões esculpidos em madrepérolas, botões jóias (que mostravam o status social de quem os usava). Descobrimos que os botões não nascem por sua função, mas pelo que representam. 

Ela aponta, em cada vitrine, um botão específico. Alguns de linha, outros de louça, outros de jade, ouro ou prata. Uma vitrine na parede cheia de botões de plástico de todos os tipos, cores e tamanhos, nos revela a situação atual dos botões produzidos, em série, na China. Sentimos uma certa tristeza em ver como os botões perderam sua artesania. Mas Amanda pontua que “estes são os botões mais democráticos. Estão em todas as roupas, são de todos os preços, tamanhos e cores”. Pergunto se todas as histórias são da Europa, se não havia botões nas culturas indígenas do Panamá. Ela me responde que os botões são uma invenção das roupas ocidentais.

Amanda nos mostra também botões gigantes, para garantir o tato de quem não pode enxergar. Com carinho também conta dos quebra-cabeças de botões que construíram para estimular as crianças. Conta que já trabalhou com grupos de escola, mas que uma certa burocracia dificulta o trabalho. Hoje o museu recebe crianças que vêm com suas famílias ou de forma aleatória. “Ontem um menino tocou minha porta e me perguntou o que tinha aqui. Mostrei alguns botões e suas histórias. Me perguntou se poderia voltar com amigos. Disse que volta amanhã. Quem sabe voltará?”, um leve sorriso surge em seu rosto. 

“Assim seguiremos. De pouquinho a pouquinho vamos conquistando o público. Cada coisa por vez. Para cada pessoa que vem, faço um percurso diferente. Depende do interesse, do que a pessoa faz. Escuto primeiro e aí construo o percurso. Em cada um há um interesse. Os botões servem a todos”. Olho fascinada para aquela mulher elegante. Amanda sabe perfeitamente o que está fazendo. Sabe do valor da história, da memória, da educação. Sabe narrar o mundo pelos botões. 

Seu pai abre a porta e faz um gesto: “vamos comer!”. Sentamos à mesa, eu, Marcelo, Amanda e seus pais. Um macarrão italiano com um molho preparado em casa, uma pequena salada acompanhada de um vinho branco que o seu pai diz estar testando com um amigo. Sua mãe, professora universitária, cientista, nascida no Panamá, nos fala em italiano. Seu pai, italiano, segue em espanhol. 

Saímos de sua casa com um sentimento de delicadeza e beleza. Nunca havia imaginado o mundo narrado pelos botões. Olho de cima e, ao longe, os prédios espelhados da cidade do Panamá adquirem novo colorido. Afinal, em todo lugar, há um tesouro por descobrir. Uma história para contar. E um museu para narrar.