P/1 – Seu Antônio, o senhor pode falar o seu nome completo?
R – Posso. Antônio Freire de Andrade
P/1 – O senhor nasceu onde?
R – Nasci aqui em Matões.
P/1 – Aqui no município?
R – Município de Caucaia.
P/1 – Qual é a data de nascimento do senhor?
R – A data do meu nascimento foi no dia cinco de fevereiro de 1945.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Adelino Freire de Andrade e Josefa Ribeiro de Andrade.
P/1 – Os pais do senhor eram daqui?
R – Eram daqui, filho nativo do lugar.
P/1 – O quê que eles faziam?
R – Plantavam. A vida aqui era agricultura, não existia outro ramo que senão agricultura. Era trabalhar na roça.
P/1 – E o quê que eles plantavam?
R – Plantavam mandioca, o milho, o feijão, a batata, o arroz, a cana, enfim.
P/1 – E os pais do senhor tiveram filhos além do senhor?
R – Tiveram.
P/1 – Quantos?
R – Esse daí é... Trabalhava na roça, de dia na agricultura e de noite era na criatura. Catorze filho a minha mãe teve.
P/1 –E todos os filhos viveram?
R – Não. É que nasceu mais ou menos 14 filho, mas só se criou 12 filho.
P/1 – Quantas mulheres e quantos homens?
R – Cinco mulher e oito... não, eu tô mentindo, não é assim, senão não dá 14. Foi cinco mulher e oito homem. Assim dá 12.
P/1 –Mas o senhor e todo mundo nasceu lá na casa de vocês?
R – Todo nasceram nesse mesmo local, aqui. Ou melhor, vocês passaram onde nós nascemos, bem vizinho onde nós nascemos. Na entrada de ir pra Dona Valda, na saída pra pegar a pista. Quem vai daqui pra lá é a entrada, saindo da pista, entrando naquele beco? Não tem uma mangueirona deste lado à direita que vai daqui pra lá? Pois aquela mangueira ficava no terreiro da cozinha dos meus pais, das nossas casa lá.
P/1 – O senhor lembra da casa, como que era?
R – Lembro. A casa, a casa era uma casa grande, porque tinha que ser grande pra modo de a família que era grande. Casa de palha, taipa. A taipa, porque sabe como é uma casa de madeira, de vara? Se começa a mexer, acha que é taipa. Só que não era desse jeito não, porque naquele tempo a coisa tava, hoje o mais pobre tem uma casa que nem essa minha, pelo menos rebocada. Naquele tempo era toda esburacada e coberta de palha.
P/1 – Quantos cômodos tinha na casa?
R – Tinha na faixa de, vou dizer, sala, quarto, corredor, sala de janta e cozinha. Nesse caso são cinco cômodos.
P/1 – E tinha um alpendre?
R – Não, não tinha alpendre. O sombrio que fazia era uma mangueira que fica em frente, assim, na frente é só sombrio que fazia, não tinha alpendre.
P/1 – E vocês tinham água lá?
R – Tinha água em abundância. Água boa, água carrada, a cacimba feita no chão. Como se diz, tirado com a cuinha, lá. Água delícia, beleza, a água tinha ela, como muita gente igual a água de coco, azulzinha.
P/1 – A água era boa, então?
R – Boa.
P/1 – E lá na casa de vocês, vocês dormiam em rede?
R – Dormia em rede.
P/1 – Cada qual com a sua rede?
R – Cada qual com a sua redinha. Umas mais ou menos e outras mais ruim. A minha, como eu era muito mijão e na rede aí, se acabava nos tanque o fundo, no meio da rede, era feito de saco, o meio da rede botado de saco. Aqueles que tinham mais condições, quando o véio tinha, quando meu pai tinha mais condições ele comprava uma lona que era listrada. Aí, era praquele pessoal mais pesado. Mas o meu era feito de saco, primeiro do saco de açúcar, que era feito de algodão, aí fazia meio de rede pras criançada.
P/1 – E quem é que fazia essas redes?
R – A minha mãe. O meio, quem botava era minha mãe.
P/1 – E a mãe do senhor, ela ficava ali cuidando de vocês, o quê que ela fazia?
R – Ela cuidava de nós todos e cuidando da casa, cuidando dos animais que pertencem à mulher, como galinha, peru, capote, esses animais assim, porco, cabra. E o véio, meu pai, era trabalhando na luta, cuidava dos animais, como jumento, cavalo. Ele era muito trocador, ele tinha muito animal. E trabalhando na luta pra sobreviver.
P/1 – O senhor pode dizer novamente o nome do pai do senhor?
R – Adelino Freire de Andrade.
P/1 – Ele tinha apelido?
R – Não, não conheci com apelido nenhum dele, não.
P/1 – Então, sempre chamavam ele de Adelino?
R – Adelino.
P/1 – E a mãe do senhor tinha apelido?
R – Não.
P/1 – Chamavam ela sempre pelo nome?
R – Josefa.
P/1 – Sempre Josefa?
R – Sempre Josefa. Não tinha outro apelido, apelido nenhum com ela não.
P/1 – E como era a infância do senhor lá?
R – Ai! A infância era uma delícia. Era um sofrimento gostoso porque não existia... a minha infância foi uma infância que hoje em dia é importante, numa entrevista dessa pra modo de algumas palavras dessa ser passada pro povo novo, que sabia como era a vida de primeira. Minha infância foi uma infância sofrida, gostosa, mas era sofrida. Eu não tinha o direito a sair pra brincar, minha infância era na luta, trabalhando de sol a sol, dia a dia. Eu com 18 ano, dia de domingo era que eu pedia pro meu pai pra sair, dar um passeio, olhar um futebol dos amigos lá, mas tinha aquela hora marcada pra mim chegar. Tinha hora marcada pra eu sair e tinha hora marcada pra eu chegar. E não chegasse, não.
P/1 – E se não chegasse?
R – Se não chegasse na hora ele tinha um puxão de orelha.
P/1 – Ah, é?
R – E feliz quando não apanhava.
P/1 – E como o seu pai batia em vocês, com o quê?
R – Batia com chicote brabo. Chicote de arreio cru. É porque de primeiro os pai tinha um moral bravo com os filho, que era pra modo de eles poder obedecer. Era a educação que os pai dava. Na minha época, era essa daí, era trabalho, cabo de enxada e se ele errasse, se ele não obedecesse aí, ele era peia. Chamava atenção, se ele obedecesse, ele espera e dava uma colher de chá. Se ele obedecesse na próxima vez ele deixava ir, ele não marcava nem a hora. Aí, já sabia qual era a hora, a gente já sabia, pelo menos eu, já sabia qual era a hora que podia chegar e eu tinha que chegar naquela hora exata.
P/1 – E o senhor chegava?
R – Chegava na hora exata, ou até antes. Quando era pra mim, que tivesse uma diversão, na casa dos parente, dos vizinho, pra mim ir eu tinha que sair escondido, mas se eu saísse escondido num passava duas hora lá nessa festa. As minhas irmã ia por mandado dele ia buscar.
P/1 – E que festas eram essas que tinham?
R – As festa eram os forró. Forró, o pé-de-serra, do barro batido, como se diz, puxado na base do fole de oito baixo, que era os instrumento que, baixo, violão e o zabumba e pandeiro, pronto.
P/1 – O senhor gostava dos forrós?
R – Gostava, gostava, eu gostava de um forró. Mas eu só tive liberdade de ir pro forró e curtir até a hora que eu quisesse depois de casado, não vou mentir. E tá aqui minha esposa viva e sã pra contar a história.
P/1 – Antes o senhor não podia ir?
R – Antes eu não podia ir. Não podia porque toda minha vida eu respeitei meu pai, como era de costume, todo mundo respeitava os pai até depois de casado. Mas depois de casado, quando casava um filho, os pai dizia: “Agora você é dono das suas venta, faça o que quiser”. Já sabe que é porque se dominava, dono da gente, se dominava. Mas era quando a gente, eu pelo menos, tive mais assim um prazer de ir pra uma festa e ficar à vontade de não marcar nem a hora de chegar. Só marcar: “Mulher, eu vou sair”, só marca a hora de sair, não marca a hora de chegar. Mas nunca que eu passei do limite porque eu sempre tive a minha responsabilidade. Foi uma educação que o meu pai me deu: ter a responsabilidade pela família, como eu tive.
P/1 – O senhor casou com quantos anos?
R – Com 23 anos de idade.
P/1 – Com 23? Mas antes de a gente falar do casamento do senhor...
R – Sim.
P/1 – Eu queria que o senhor dissesse um pouco, Seu Antônio, como que era o cotidiano do senhor. O senhor falou que não podia sair muito, tinha que pedir permissão pro pai.
R – Tinha que pedir permissão pro meu pai.
P/1 – E como que era o cotidiano do senhor? O senhor levantava que horas pra ir trabalhar?
R – Tinha que levantar às cinco e meia, no máximo era seis, com muito enfado, que tinha muito de vez que tivesse, que a gente novo é tudo naquela preguiçoso. Eu sempre fui preguiçoso, por isso que eu ainda sou meio (risos). Era seis hora e não se levantasse, não?
P/1 – E quem é que acordava vocês?
R – O meu pai, dá no punho da gebra: “Levanta, vamos trabalhar!”.
P/1 – E vocês tomavam café antes de ir trabalhar?
R – Tomava um cafezinho.
P/1 – O quê que vocês comiam?
R – Comia farinha, minha santa. Era uma farinha, feliz quando tinha a farinha pra comer, uma farinha com café. Aí, pegava uma, um doce. O doce era o doce que fazia rapadura que o meu pai sempre quando era final de moagem, ele tirava aquelas lata de querosene que existiam, que as casa era tudo iluminada na base da lamparina, o farol de lamparina, era o gás, gás natural, pra botar em lamparina.
P/1 – Era o querosene que vocês?
R – Era o querosene.
P/1 – Que vocês punham?
R – Aí secava. Quando secava a querosene ele guardava pra encher de doce, no fim das moagem, que era pra comer no inverno. Meu pai pegava aquele doce, jogava dentro duma coité, que naquela época não existia coisa de plástico, ou então uma lata, colocava e colocava a farinha dentro, a gente ia pro trabalho. Levava uma cabacinha d´água. Até quando dava nove hora e a gente ia comer aquele doce com farinha, bebia água. Quando era onze e meia pras doze hora, voltava pra casa pra pegar um quatro caroço de feijão, comia o feijão. Tempos, tempos já passava bem porque os terreno oferecia riqueza pros lavrador, lá era uns terrenos forte, dava tudo, o pouco que plantasse tinha uma boa colheita. No tempo da colheita todo mundo era rico, todo mundo, o mais pobre que tinha isso aí é bucho cheio. Mas teve uma época que acabou que sofria.
P/1 – Aí, vocês tiveram uma época que vocês...
R – Teve uma época de passar fome.
P/1 – Ah, sim?! E o senhor era pequeno? Quantos anos?
R – Não, nessa época de fome maior eu tinha oito ano, mais ou menos.
P/1 – E era assim, não ter nada pra comer?
R – Não tinha nada pra comer.
P/1 – E como vocês faziam?
R – Fazia, o meu pai trabalhava, ele sempre tinha a rocinha dele e fazia pra ele. A minha mãe pegava mandioca, fazia aquelas farinhazinha e guardava a farinhazinha pra eles. A melhor era pra ele, a mais ruim, a que saísse mais ruim era pra nós comer. Aí, nós escapava, ia pros mangue pegar caranguejo, aratu, pras lagoa.
P/1 – E vocês encontravam?
R – Encontrava.
P/1 – E vocês levavam pra casa?
R – Levava pra casa, nós ia pras lagoa pescar de anzol mesmo, de anzol e linha pegar cará, enchia de peixe.
P/1 – E o quê que sua mãe fazia? Como sua mãe fazia?
R – Quando chegava ela tratava aquele peixe, botava no fogo, botava leite do coco, fazia pirãozão, a gente comia. Aí, sabe que no outro dia era outra luta. Se passava uma pescaria pra modo de passar dois dias sem carecer ir pescar, ia pra luta, pra diária, pra enxada, pra luta do roçado ou sítio, como quer dizer, como quer que seja. Meu pai pescava, meu pai caçava, meu pai era agricultor, ele saía, ele não tirava naquela época, todo mundo podia andar armado com espingarda pra matar caça porque tinha caça à vontade. Hoje em dia, ninguém pode fazer mais, mas isso aí porque ninguém necessita matar um animal, como um passarinho mesmo, como era mais perseguido, era o jacu, a juriti, essas coisa assim. Um preá, um tucunaré, um tejo, um peba. Hoje em dia ninguém tem mais precisão disso aí. Voltar, novamente, lá pro passado, lá pros velho. Aqui, já to no novo, que a gente já tá na riqueza. Bom, aí então, meu pai pescava, ele caçava, ele possuía com a espingarda de lado. Quando ele saía do serviço ele já tinha o canto certo dele, ele sabia da dormida dos jacus, ia pra lá e quando chegava em casa seis hora, seis e meia, chegava com dois, três jacu no bornal.
P/1 – E você já acompanhou alguma vez uma caça?
R – Acompanhei muito.
P/1 –E você chegou a caçar?
R – Eu cacei na época quando eu fiquei num ponto que eu podia usar uma espingarda, nem isso aí, só pra sobrevivência, meu pai não aceitava andar com espingarda. Um rapaz, só usava a faca quando ele, só usava uma faca e não fosse pro serviço, uma foice, um machado, tudo bem, ele podia ir armado, mas antes ele não podia andar com uma faca, não, com 12 ano, 15 ano. Só andava com uma faca de 18 ano pra frente. Aí, de 18 ano em diante que meu pai liberou pra mim possuir uma espingarda, pra modo de eu sair e caçar mais. Mas antes eu ia com uma baladeirinha.
P/1 – Ah é!?
R – É.
P/1 – Tem alguma história que o senhor lembra de uma caça que o senhor fez?
R – Eu tenho algumas, muitas história... muita. Eu lembro dos passado, das caçada que eu fazia. Era interessante. Eu passava um dia de fome no mato, até meio-dia no mato, assim, de um pé de fruta que a gente chama angeuca, uma frutinha branca que dá muito, muito pássaro comendo aquela fruta. Aí a gente ficava ali de baixo. Com a baladeirinha, enquanto tivesse pedra era ali, abaixava ali, quando eu vinha pra casa era dez. No dia que tava pro caçador eu trazia dez passarinho, mais sabiá, uma, mais era sabiá ou um passarinho que a gente chama, um tal de rajada, que dá embaixo dos morro. A gente trazia um pássaro, mas no dia que tava pra caça, no dia que era da caça, não era o dia do caçador, era dia da caça, a gente passava um sufoco.
P/1 – Não trazia nada?
R – Não trazia nada. Atirava nos passarinho, eles saiam mangando da gente e no fim não trazia nada. Era assim, a gente passava essa dificulidade, tudo era dificulidade, mas era uma coisa doce, uma coisa gostosa, uma vida sadia porque nós tinha amor um pelo outro, todo mundo tinha amor um pelo outro. Um respeito, uma consideração, uma confiança que nós tinha no tempo da minha infância, todo mundo era irmão, como nós somos irmão, mas hoje é vários povo que se considera como irmão. Mas, nós se considerava todo mundo como irmão, era a união, eram todos, tinha união. Nós parecia uma família, vamos dizer, eu morando aqui com o meu, como eu morava na casa do meu pai, vi que tinha uma casa vizinha, agora a vizinhança. A vizinhança era de 100 metro pra frente, as casa, não era assim casinha, era só na mata. Aí, quando precisava ia lá, mandava o menino lá no vizinho e o vizinho sabia se a gente tava passando necessidade, ele ia, ia lá ajudar, ajudava. No que ele pudesse ajudar, ajudava...
P/1 – Vocês tinham vizinhos por perto?
R – Tinha vizinho. O vizinho, to dizendo que a vizinhança, o mais perto era de 100 metro. Quando era perto, era parede de meio, como se diz, era 100 metro duma casa pra outra, como era o vizinho mais perto da casa do meu pai, era com 100 metro de distância. E quem tava na casa do meu pai, não via a casa do vizinho. Era só a varedinha. Varedinha na mata. Não existia estrada, não existia esse descampinado assim, como existe, nós vê hoje, não. Aqui tudo era mata. Mata de caça essa aqui, a gente vivia, caçava aqui. Porque tudo era madeira grossa, madeira quase como... aqui, em frente aqui, tem um lugar aqui chamado por Caiacanga, tinha um morro, que ele lá tinha a mata virgem. Hoje em dia, já não tem a mata virgem porque a população cresceu muito e disciplinou a mata, mas na época era mata virgem porque ninguém tinha precisão de ir mexer lá na mata. Mata virgem, assim, ninguém precisava de tirar um pau lá. Hoje em dia, você anda lá, você o descampinado porque não, o pessoal não tem mais aquela consideração nem pela natureza.
P/1 – O senhor passou toda a sua infância lá, aqui em Matões?
R – Aqui em Matões, passei toda a infância aqui. Nasci aqui, passei todas a infância aqui.
P/1 – E além do trabalho duro, do cotidiano que o senhor tinha lá que ajudar o pai do senhor, o senhor ia com os irmãos também?
R – Isso, com meus irmão.
P/1 – O senhor era o quê? Qual era a posição do senhor? O senhor era o mais velho ou o mais novo?
R – Não. Eu era o mais novo.
P/1 – O senhor era o mais novo.
R – Eu era o caçula.
P/1 – O senhor era o caçula, era o último, então?
R – Era o último, isso.
P/1 – E os irmãos mais velhos do senhor, assim, a diferença de idade, alguns chegaram a casar?
R – Casaram.
P/1 – Foram saindo de casa?
R – Casaram, todos. Os mais velho casaram, como tá chegando o meu irmão mais velho, é esse aí, ele tá chegando aí. Esse é o meu irmão mais velho.
P/1 – Eles casaram, mas moravam lá perto de vocês?
R – Morava perto.
P/1 – Ah!
R – Era.
P/1 – Seu Antônio, além do forró, tinha mais outra coisa que acontecia que vocês se divertiam?
R – Além do futebol, tinha o forró, uma novena, o terço, que a gente fazia quando... esse mês que nós tamo terminando ele, mês de maio, o mês era todinho de festa de novena. Era novenas pra rei, hoje era o dia da coroação. Nós tinha aquela devoção toda, tinha coroação, era uma festa a noite todinha. Era. Depois da coroação, coroada Nossa Senhora, aí era festa.
P/1 – Era agora no mês de maio?
R – Mês de maio.
P/1 – Como que era essa festa? Era na casa de alguém ou era numa igreja?
R – Na igreja.
P/1 – Qual igreja que era?
R – Igreja de Pecém.
P/1 – De Pecém?
R – Pecém. A igreja que tinha por aqui era a igreja de Pecém.
P/1 – O senhor tava falando das novenas.
R – Isso.
P/1 – Que tinha aqui no mês de maio.
R – Mês de maio, que hoje era a coroação em Pecém, era na festa da igreja. Antes, aqui no Matões rezava as novena, mas a coroação era no Pecém. Ia todo mundo pra ceia, uma hora dessa tava todo mundo numa procissão lá na rua. Ruazinha agora só, na areia, que não existia. No Pecém, depois de eu casado foi que eu tive o passeio de ir pra essa cidade, vi passar a ter calçamento, casa de tijolo, casas boa. Lá, só quem tinha casa de tijolo, bom, na época de eu solteiro, era os rico, o resto tudo era casa de palha. Eu fui um que, rapazinho, rapaz, eu botava palha de palha de coqueiro pra população lá, mas junto com meu pai, nos animais que estavam pra lá. Tirava daqui dos coqueiro, apanhava debaixo dos coqueiro, levava pra lá pra Pecém de modo de virar e fazer as coberta das casa.
P/1 – Vocês que faziam a coberta das casas?
R – Não, nós fazia as nossa, mas todo mundo, todo mundo sabia fazer.
P/1 – Todo mundo sabia? E que tipo de palha que vocês usavam?
R – A palha de coqueiro.
P/1 – De coqueiro?
R – A palha de coqueiro. Pegava palha de coqueiro, dobrava, virava ela, tum tum tum tum, aí ela se tornava aquela esteira, faz formar aquela esteira. Aí, cobria a casa.
P/1 – E quem é que ensinou isso, foi o pai do senhor? De fazer?
R – De geração pra geração. Porque meu pai foi os pais que ensinaram meu pai e nós, foi ele que ensinou a nós. Hoje em dia eu não faço mais isso porque eu não tenho mais, não preciso de ninguém, preciso graças a Deus, mas eu fazia minhas casa tudo ali, tudo fui que cobri minhas casa. Era casa de palha, casa de taipa.
P/1 – E você chegou a construir uma casa?
R – Chegamos a construir a casinha de taipa nossa, todo mundo fazia, construía uma casa de taipa que é fácil.
P/1 – E como é que se constrói uma capa de taipa?
R – É com a forquilha de madeira. Aí, marca aquele quadro, coloca as forquilha, dependendo, começa as extensão, bota a cumeeira, bota a esteira, você bota as rabeira, bota os caibro, prega. Prega não, que naquela época não pregava, não, minha santa, era amarrada de cipó. Aí, eu falando no cipó, canga de boi, as coisa era amarrada com esse cipó. E era seguro, mais seguro de que no prego hoje. Era.
P/1 – Aí vocês colocavam barro?
R – Colocava barro nas parede, aí a barra, as parede, colocava os enchimento, colocava as vara amarrado com cipó e colocava o barro. Em cima era palha.
P/1 – A palha.
R – Mas embaixo, nas parede, era de barro. As porta de palha.
P/1 – E quanto tempo levava pra levantar uma casa de taipa, naquela época?
R – Aí era dependendo.
P/1 – Do tamanho?
R – Do tamanho da casa. E a atividade daquela pessoa. Sempre era ligeiro porque nunca ninguém viva só, ninguém nunca trabalhava só. Era aquela união como eu lhe falei, todo mundo tem união. Porque juntava aquele vizinhança, ajudava um o outro. Fulano tá precisando duma ajuda, corre todo mundo pra lá, se juntava a fazer. Fulano tá sem uma casa, a casa dele tá deteriorada, vamos se ajuntar e fazer a casa. Se todo mundo tava junto, dentro de uma semana, dois, três dia, já tava dentro daquela casa. Só que era tudo na base do barro. Se não tivesse aguando o aterro, o piso, como se diz, aí, a poeira quando passava a vassoura, a poeira tava aí.
P/1 – Tava lá também.
R – Levava.
P/1 – Agora, Seu Antônio, e o banheiro? Vocês iam pro mato, então?
R – Era mato. Não existia banheiro, só existia banheiro de palha nas cacimba, perto das cacimba pra tomar banho, mas banheiro mesmo pras necessidades era no mato. Gostoso.
P/1 – Ah! Era bom?
R – Era.
P/1 – (risos) E como vocês faziam pra se limpar, Seu Antônio?
R – Olha, na base da folha.
P/1 – Era uma folha específica ou era qualquer uma?
R – Não é não, tinha que ser uma folha boa, macia e tal. Que a gente caçava, sabia qual era a folha que era o suficiente, se fosse pegar uma folha de cansanção, porque aí pronto, passava o dia todinho correndo, se não queimado. (risos)
P/1 – Tem o nome da folha que vocês usavam?
R – A folha.
P/1 – Que folha que era essa, tem um nome?
R – Pau ferro.
P/1 – Pau ferro.
R – Pau ferro, mufumbo, essa daí era certa.
R –E não ser que não fosse um sabugo de milho. Não tem o milho, a espiga de milho.
P/1 – Sim.
R – Não tem o sabugo? Muita gente se prevenia era com cabaças e cabaças, cumbuca, porque tirava, abria aquela cabaça, fazia aquela cumbuca, ou então a bolsa de palha de carnaúba. Enchia aquela bolsa ou um pedaço velho de suvão, aí enchia de sabugo pras necessidade do inverno.
P/1 – Já deixava ali.
R – Aí, pronto. Porque ia. O mato tava molhado, aí pegava um sabuguinho enxuto de casa, era assim. Era gostoso (risos). Mas hoje a coisa tá boa demais.
P/1 – Seu Antônio, e quando ficava doente?
R – Aí quando ficava doente, minha santa. Antes de tudo era levantar o pensamento a Deus, pedir a benção a Deus pra ele se curar daquele, encontrar um remédio que combatesse com aquela doença. Ou então, Deus mostrasse um rezador, porque era na base do rezador. Não existia, no tempo da minha infância só tinha doutor para o rico porque não tinha aqui. Como era quando adoecia uma pessoa aqui, como era que ele ia pelo menos pra Caucaia? Não tinha como, porque não tinha transporte. Era só areia. Transporte daqui era jumento. Cavalo, jumento, burro, essas coisa assim.
P/1 – E quanto tempo de ir pra Caucaia? Quanto tempo pra chegar lá a pé?
R – Ave! Pra Caucaia era um sonho. Pra ir pra Caucaia, se ele não quisesse, se ele não possuísse um animal bom, que ele fosse...
P/1 – E voltasse.
R – De animal, porque os animais era tudo possante, aí, a gente passava era dois dia, dois dia de viagem. Ia um dia, saía daqui de madrugadinha, andava umas hora pra a noite tá em Caucaia. Lá, o pessoal, todo mundo conhecia todo mundo, era irmão, todo mundo tinha aquele amor um pelo outro, como eu tô dizendo, aquela consideração. Pegava aqueles animais daquela pessoa, não era como hoje, cidade. Tinha seus campestre onde botava seus animais dentro do cercado. Os tais animais passavam lá aquele dia, aí quando era no outro, fazia suas compras, aí colocava na sela. Ou então outro, vinha outro animal, se fosse uma pessoa de muitas categorias e possuísse um dinheiro, ele levava um animal desocupado pra trazer as compra. Ia dois, três companheiro naquela a cavalo. Aí de volta, ele vinha aquela carga de compra.
P/1 – E se ficasse doente tinha que ir pra Caucaia?
R – Se ficasse doente tinha que ir pra Caucaia. Pra ele ir pra Caucaia, doente ele não podia, se ele tivesse doente, acamado, que fosse preciso ir pra Caucaia, ele não podia ir num animal. Ele não podia ir de animal porque ele tava no morre-não-morre, como é que vai se segurar em cima dum animal? O que fazia? Muitas e muitas vezes a gente pegava e jogava aquele doente numa rede, colocava a rede, amarrava num pau como de primeiro, como que fosse assim pra sepultura, porque de primeiro era enterrado tudo na rede, na base da rede. Amarra aquela rede naquele pau, aí, ajuntava um bando de homem e levava até onde tivesse um carro. Pra onde tinha um carro. Era como lá, hoje em dia era da Fazenda Macedo, fica perto da Primavera. Aí, levava essa pessoa até lá. E antes ia uma pessoa na frente pra falar com o dono desse caminhão pra levar ele pra Caucaia. Se o caminhão tivesse aí, ele podia ir pra Caucaia levar e ninguém queria nada, porque todo mundo tinha um coração bom. Hoje em dia três quartos do povo tem um coração bom, mas de primeiro todo mundo tinha um coração bom, era sim. Mas era difícil acontecer isso aí porque tinha os remédios medicinais, não precisava, só se fosse um caso, era difícil uma doença que precise ir ao médico. Todo mundo era sadio. Quando aparecia uma doencinha assim, se cuidava em casa por causa do remédio medicinal, toda casa tinha sua horta medicinal.
P/1 – E o quê que vocês tinham de erva medicinal? Que o senhor lembra que era comum.
R – Ah! A erva medicinal? Aí, era, aí, era as planta.
P/1 – Isso, as plantas. Quais as plantas vocês tinham quando, se precisasse, se sentisse mal vocês podiam usar?
R – Aqueles mais velhos, as velhas, os velho sabia qual era, ele tá se sentindo assim e assim, faz chá de planta, folha de tal. Tinha a malva, a cidreira, tinha o capim-santo, tinha várias planta medicinais.
P/1 – O senhor tava falando que tinha até, tinham que ir pra uma rezadeira, se não se sentisse bem.
R – Se não sentisse bem, ele tinha que ir pra rezadeira, procurar, chamar. Quando ele não podia ir, mandava a rezadeira. Quando ele chegava lá na rezadeira, aí tá. Se fosse pra ela rezar e ele ficar bom, ela ou ele, como quer dizer, que tinha a rezadeira e o rezador, ele rezava, aí, ensinava o remédio caseiro, com a fé que a gente tinha em Deus e naquela reza aí, eles rezava e a mãe dava o chá pra aquela criança ou adulto mesmo, como quer que seja. Ele tá doente duma doença que não é possível, com um chá, ele ficar bom. “O que eu posso, rezador?” “Seu Fulano, dar ao ti e tal e tal” “Dê uma purga a ele de óleo de rícino com um café amargoso”. Dava uma purga de uma colher de óleo de rícino com café amargoso, era nove dias de resguardo a ele. Aí, era gostoso, eu comia arroz branco, era.
P/1 – Mas por que tinha que fazer isso?
R – Porque era...
P/1 – Era a cura?
R – Era a cura. Era a cura que existia aqui.
P/1 – Então, tinha esse habito de tomar um óleo...
R – O óleo.
P/1 – Pra ser um purgante, então?
R – Era doença que com o chá não resolvia. Era pra fazer, tipo limpeza, entendeu?
P/1 – Sim.
R – Ele dava aquela limpeza. Aí, eu curtia aquele resguardo e ficava bom.
P/1 – Agora, Seu Antônio, o senhor foi o mais novo da família do senhor.
R – Sim.
P/1 – O senhor não viu, obviamente, os partos dos irmãos do senhor.
R – Não.
P/1 – Mas quando era pra ter menino tinha as parteiras, então?
R – Tinha as parteira.
P/1 – Tinha alguma, assim, lá da comunidade do senhor, que o senhor lembra o nome?
R – Eu me lembro, pra modo de não mentir aqui, eu me lembro o nome de duas senhoras, cachimbeira, que a gente chamava, a parteira cachimbeira.
P/1 – Ah, é? Por que cachimbeira?
R – É por que todas elas fumavam cachimbo.
P/1 – Elas fumavam o cachimbo?
R – É, primeiro chegava e acendia o cachimbo, tem até uma música do Luiz Gonzaga, acendia o cachimbo ali. Então, aí ela acendia o cachimbo pra modo de dar aquelas palmadas de fumar aquela mulher todinha, com aqueles fumo com incenso. Era pra atividade dela.
P/1 – Fazia parte, então, fumar um cachimbo pra fazer o parto?
R – Fazer o parto, era. Muitas dela, ela fechava. Primeiro, a primeira senhora, o nome dela, ela se chamava Maria Gonçalves, a velha parteira daqui. Depois, Dona Firmina Freire, minha tia, era uma senhora parteira.
P/1 – Falecida já?
R – Falecida, isso há muito tempo. Isso aí foi do tempo da minha infância. Aí, quando veio vindo de lá pra cá, uma senhora que eu não tô lembrado como é o nome da senhora do Pecém que era uma cachimbeira. Depois, outra senhora por nome Elina, que era uma cachimbeira também. Essa aí, já foi do tempo mais...
P/1 – Mais recente?
R – Mais recente, é.
P/1 – Agora, toda parteira fumava, então?
R – Toda parteira fumava.
P/1 – O senhor chegou a fumar também?
R – Eu fumei muito.
P/1 – O senhor fumava ou mascava?
R – Óia, eu fumava cachimbo, eu mascava, tomava torrado, o rapé.
P/1 – Ah! O rapé também?
R – O rapé também, fiz tudo.
P/1 – Mas o senhor comprava esse tabaco ou o senhor plantava?
R – Comprava, eu comprava. E a gente plantava o pé de fumo, tinha o fumo, fazia o fumo caseiro.
P/1 – O pai do senhor também mascava e fumava?
R – Meu pai fumava e mascava. Minha mãe fumava e mascava. E era todo mundo, era difícil uma pessoa pra não mascar e fumar nessa época. Quando ele não fumava, quando ele não mascava mais, mas o cachimbo ele fumava. Era gostoso, na boca da noite, quando os velhos se sentava no claridão da lua, no terreiro, na areia limpa, aí, os velhos fumando cachimbo e a meninada brincando encostado, contando história. Uma chaleira de barro, que a gente chamava o nome de periquiteira que era de coar o café bem, ali encostado, de modo deles beberem o café naquelas tigela de quenga. Porque era tão rico que era difícil um que tivesse uma tigela que prestasse. Não tinha dinheiro, todo mundo era alcançado. Mas era gostoso, era bom.
P/1 – E, Seu Antônio, o senhor falou que lá no centro de Pecém tinha os ricos. Que tinha as casas. E quem eram os ricos?
R – O mais rico de dentro o Pecém se chamava Antônio Brasileiro.
P/1 – Ah é?! E ele fazia o que?
R – Eu não alcancei ele fazendo nada, porque ele não tinha precisão de fazer nada.
P/1 – Mas como que ele era rico? Ele tinha o quê, muita terra?
R – Ele tinha muita terra. Ele tinha muita terra, muita fazenda.
P/1 – Seu Antônio, o senhor tava falando lá da família do Antônio Brasileiro, que era uma família rica.
R – Era uma família rica.
P/1 – E eles eram ricos de quê?
R – Eles eram rico de terreno, fazendas de gado, barco de pesca. E vilas e mais vilas de casa. Era uma família rica. Inclusive aqui, vizinha a nós aqui, ao lado... eu esqueci o nome, ali vizinho à dona Valda, da dona Valda do Nascente, tem aquelas casa, aquele terreno ali era desse Antônio Brasileiro. Era.
P/1 – O senhor tem notícia dessa família?
R – Não. Ele, os dois que eu cheguei a ver, Deus já levou. Domingo Brasileiro, que era o irmão de Antônio Brasileiro, e o seu Antônio Brasileiro também já morreu. O seu Antônio Brasileiro foi quem nos deu a esperança pra muita gente aqui, e hoje em dia nós ver carro passar aqui, ter essa estrada aqui, porque não existia estrada. Ele possuía um jipe grande, um jipe possante, um jipe quatro porta. E ele chegava até nos Matões, no engenho dele, na fábrica que chamava fábrica de fazer rapadura. Dele, no sítio dele, desse terreno que aí. E ele tinha vontade, pra ele ir pro Pecém ele tinha que voltar, pegar a Primavera, voltar, pra vir pela Catuana pra ir pro Pecém, pra casa grande que ele tinha, que era a casa maior, melhor que tinha era a casa dele. Depois passou a ser do pai dum outro homem, depois eu falo do outro. Aí, ele tinha que dar essa volta tudinho. Voltar daqui pra ir pagar e ir lá no Pecém, pra levar peixe pra Fortaleza, tal, que ele tinha os barco de pesca aí. Barco, barco, eu dizia porque, na época, o barco era jangada de piúba, porque não existia esse barco motorizado. Com muito tempo foi que inventaram barco de casco, o bote de casco. Quando chegou o primeiro bote de casco dentro do Pecém, eu tinha 16 ano. Foi uma festa, mais todo mundo. Aí, na praia parecia uma procissão. Num tinha nem, num comparava, acho que numa procissão tinha até mais pouca gente pra ver esse barco, que ele num encalhava, mas ele ficava na praia, na costa, todo mundo via aquele barco. Aí, foi uma festa pra todo mundo.
P/1 – E como era esse barco?
R – O barco de casco, ele é de tábua.
P/1 – Era o barco de motor que o senhor tá falando?
R – Barco de motor, exatamente.
P/1 – Porque, até então, só tinha a jangada de piúba.
R – A jangada de piúba. E vida para o mar porque eles num tinha como passar de dois, três dia com nojo. Tem jangadas grandes, motorizada, esses barco grande aí. E nesse tempo aí, só quem botou esse barco pra ir, foi esse Antônio Brasileiro, que era rico.
P/1 – E o senhor foi lá ver esse barco aí?
R – Todo mundo tava na praia, até eu, na hora todo mundo corria. Que a gente tava sempre precisando de comprar peixe no Pecém. Ia só pra ver esse barco, porque ele ia pro mar e quando voltava, ele ficava, aí, eles atracavam ele lá na costa. E aí, todo mundo via. Aquilo lá era uma beleza. E o carro, minha santa? O carro quando apareceu aqui, esse carro do Antônio Brasileiro que vinha aqui, todo mundo ia pro Matões, aqui, no sítio, de dentro da, como é que se diz, da margem dos Matões, que era o sítio dele. Quando a gente sabia que o Antônio Brasileiro tava aí no jipe dele, a gente fugia do serviço, escondido dos pais e até meu velho, meu pai, ia olhar esse jipe. É. Porque ninguém conhecia o que era carro. Quando passou o primeiro carro aqui, que foi o jipe dele, batido por um senhor por nome José Paulino, e o Chaga Paulino, feita essa estrada aí, manual, pra subir, pra derrubar mais ou menos alto pra ele atravessar aqui pro Pecém. Aí, quando terminou a estrada, encurtando a história de Antônio Brasileiro, ele foi quem fez essa estrada, deu esperança pra essa estrada aqui hoje correr carro de todos os jeito. No dia que ele foi receber o serviço lá, pagar, nós chegamos, aonde, no último alto, aí foi pagar e ele disse... antes, no segundo alto daqui pra lá, tinha uma cruz, esse lado da estrada. Aí, ele foi e disse: “Olhe, menino, olha, Chaga Paulino, quando vocês voltarem daqui pra lá, daqui eu vou me embora pro Pecém”, já atravessou no jipe, “vou me embora pro Pecém, vou pagar vocês e pronto, muito obrigado e quando vocês voltarem, vocês olhem o que é a coisa que tem lá no pé daquela cruz, tem um pedaço de asfalto que eu trouxe da Primavera pra lá, que ali é um sinal que um dia vocês vão ver uma estrada asfaltada. Não aqui por essa volta, que fazia uma curva”, fazia uma volta grande, desviando do altão que tinha, “Vai ser atravessado pelo pé daquela cruz ali, uma estrada reta pro Pecém, pra correr todo tipo de carro. Eu acho que eu não vou ver não porque eu já tô muito velho, mas vocês vão ver”. No caso, até ele veio, ele chegou a ver.
P/1 – Ele chegou a ver?
R – Ele chegou a ver e foi feito. Com o tempo começou a entrar carro, veio, chegou a empiçarrarem até nos Matões. Quando chegou nos Matões aí, se uniram os prefeito, ele com os prefeito, juntaram e fizeram essa estrada aí.
P/1 – Seu Antônio, e daqui pra praia, pra ver o mar, é quanto tempo a pé? Daqui, não, de onde o senhor morava, lá no Matões.
R – Não, aqui no Matões já era perto, era pouco tempo, no máximo era 15 minuto. Porque todo mundo tinha perna boa na areia. Se fosse de coxa de animal era...
P/1 – Então, o senhor desde pequeno era acostumado com o mar?
R – Sou.
P/1 – O senhor via o mar?
R – Sou, sim.
P/1 – E o senhor chegava, o senhor contou que antes o seu pai pescava.
R – Meu pai pescava, só que ele não era pescador de jangada.
P/1 – Ele não ia pro mar, então?
R – Ele não ia pro mar pescar.
P/1 – Pro alto-mar?
R – Ele não ia pro mar pescar. E como eu, também, nunca fui pescador de mar. Fomos pescador no mar, assim, na costa, na beira-mar com tarrafa, porque fica aquele lá, como maçaió, boca de barra, essas coisa assim. Aí, na costa, em tempo de inverno, aí, tem o tempo da corridinha de peixe, a gente vai pegar peixe da costa, pegar peixe de tarrafa. Aí, era quando a gente era pescador da beira de mar e num fosse isso aí era nas lagoa. Como tinha muita lagoa, que pra toda lagoa que fosse tinha peixe.
P/1 – Era só peixe ou tinha camarão, por exemplo?
R – Tinha, tinha camarão, camarão sossego. Aqui só existia o camarão sossego, camarão grande, camarão lagarto, que chama, aqueles grande não existia. Aí, veio vindo pra muitos cantos aqui, depois já de eu casado, já velho, mas no tempo da minha infância era camarão sossego. Foi botado pelo um casal de velho que morava aqui no lugar. Aí, saíram de uma lagoa, saíram espalhando pras outras lagoa tudinho. Aí, ficou uma fartura. Na época, ninguém passou mais fome porque existia isso aí. Quando abusava do camarão, ia pros caranguejo, quando abusava dos caranguejo ia pros camarão, o cará, a traíra, que naquele tempo se chamava traíra, o jacundá, o cará-preto, a piaba, na água doce.
P/1 – Tinha fartura, então, com peixe?
R – Era fartura. Quando o inverno era bom as lagoa crescia, batia de barreira a barreira nos pés dos alto, porque toda lagoa ela tem que ter suas barragem, seus alto. Quando o verão batia, que era um verão muito puxado, ela ia secando, quando ela secava só quem dava fartura, só quem dava vencimento da fartura de peixe morto era os urubu. Porque não tinha quem desse vencimento da fartura.
P/1 – Que desse conta, então?
R – Era bom.
P/1 – Era bom, então?
R – Era, era boa.
P/1 – Agora, seu Antônio, voltando. Antes de o senhor casar, o senhor namorou muito?
R – Namorei pouco.
P/1 – Namorou pouco?
R – Namorei só pra casar, ué. Já viu gente feia namorar muito, minha santa?
P/1 – Mas o senhor não era feio não, porque eu vi a foto do senhor jovem.
R – Feio era quando eu nasci, naquela época eu já era horrível, e aí, pronto, aí fiquei imundo agora.
P/1 – (risos) Mas o senhor não foi namorador, então?
R – Não, nunca fui namorador, não.
P/1 – Então, o senhor se casou com a primeira namorada?
R –Olha, meu joelho, não vê meu joelho como é seco assim, isso aqui é os primeiro couro, eu não sei quantas vezes a gente alargou não. Porque, só de eu, de joelho, na areia quente, fazendo promessa pra arrumar uma namorada pra casar. E a primeira que eu arrumei, casei. (risos)
P/1 – (risos) Como o senhor conheceu a esposa do senhor?
R – A minha esposa eu conheci numa novena de Santo Antônio. Olha, que maravilha! Pense, como de primeiro o pessoal era uma coisa boa. Eu jantando peixe-preto, olha, pensa um bicho cheiroso. Jantando peixe-preto quando ela se apresentou-se, aí, lá teve lá na casa, era vizinha da minha irmã, na casa dela que nós fomos, tinha novena de Santo Antônio, mês de junho. Aí, ela chegou mais a irmã dela, eu digo: “Tô terminando”. Aí, ela disse: “Só quer, só presta é pra comer nas casa”, eu digo: “Não, é, tem que comer”, eu digo: “Tô terminando de jantar aqui, porque quando eu acabar daqui, vou namorar contigo e com ela”, ela disse: “Vai namorar com um bicho e não comigo”. Aí, aquela prosa e prosa vai, prosa vem, aí, quando saí aí, parece que foi na hora que os anjo disseram amém, ou seja, essa sua essa daí. Eu digo: “Oh, meu Deus, que fosse minha”. Aí, então, (risos) aí, eu comecei a, eu não sei se foi com a minha milonga que eu joguei pra ela ou se foi, ela se embebedou-se com a caatinga do peixe (risos) porque não existia, só existia aquele sabão Pavão pra gente lavar as mão, não existia. Rapaz, não existia perfume nele, não. Hoje em dia, se não sair bem cheiroso, com distância de 100 metro, derruba a mosca do cheiro, não vai não (risos). Aí, cheguei, encostado dela, não sei se foi com a minha milonga, se foi com a caatinga do peixe, se embriagou-se, no fim, nós comecemos a conversar e tal. Aí, ela disse: “Só que meu pai é brabo, você sabe que meu pai”, eu não gostava do pai dela não. Eu digo: “Eu não quero ele não, eu quero é você”.
P/1 – Ah! O pai do senhor não queria que o senhor casasse?
R – Não, o pai dela não aceitava.
P/1 – Ah, o pai dela, certo.
R – Não, não aceitava, rapaz. Lá fui eu alisar banco, como chamava, não. Alisar banco, tinha dia que tava sentado, há muito tempo namorando, muito tempo lá na casa dele. Eu digo: “Não, não quero ele não, eu quero é você”. Eu digo: “Só que ele sabe que eu sou trabalhador, eu quero é casar Maria, é sério”. Eu digo: “Eu quero é casar”. Eu com 21 ano, eu tinha, 21 ano, eu digo: “Eu quero é casar, não quero alisar banco, não”. Nessa época meu pai tinha deixado a minha mãe, minha mãe cegou. A minha mãe cegou, eu tinha 16 ano.
P/1 – Como que ela cegou?
R – Não sei, uma doença que deu que, como não existia doutor, o doutor que existia, era um velho que aplicava injeção no povo que morava no Pecém. Um velho, por nome Inácio, que todo mundo aqui, mais velho do meu tempo, a mais velha que ele conhece esse velho, que era o doutor daqui, era esse Inácio. Quando ele acertava na doença, tudo bem, quando não acertava ou matava ou cegava. Era assim, ou aleijava.
P/1 – Eita!
R – Era. Aí, a minha mãe não tinha dinheiro porque ela não trabalhava mais pra ganhar dinheiro, não existia trabalho pra mulher ganhar dinheiro, só criava. Comeu as cabra da mamãe tudinho, comeu os peru da mamãe todinho, as galinha tudinho, levando em conta das injeção que ele aplicava e no fim terminou com a minha mãe cega. A minha mãe não morreu de esmola porque nós trabalhamos muito, quando nós tinha um irmão, que era o mais velho do que esse que chegou aí, mais novo do que ele, mais velho do que eu, nós tomemos de conta da casa. Eu com 16 ano eu vim saber do peso duma carga, duma casa. A carga de um homem numa casa é uma responsabilidade, não é carregar ela no ombro, não. É responsabilidade, que isso aí, desde os 16 ano que eu tenho uma responsabilidade de cidadão, tomei de conta da minha casa, da minha mãe. Ela não morreu pobre, de pedindo esmola, porque os povo ajudava. Até um certo tempo. Mas quando nós pudemos assumir a responsabilidade, aí aguentemos até ela chegar ao ponto de ela se aposentar. Quando ela se aposentou-se, aí, foi uma maravilha porque ela ajudou até alguns filho que tomavam de conta dela como uma que tomou de conta dela. Aí, ela já viu uma vida aí, maravilha, ficou só ela então. Pois é, a nossa vida...
P/1 – E o pai do senhor, Seu Antônio? Ele foi morar com outra família, então?
R – Ah, o meu pai, ele teve outra família. Só um filho, só, com a outra família. Ele se juntou-se com outra mulher, aí, dessa outra mulher, com ela ele não teve... eu não sei, que não tinha condições de ter filho, aí ele abandonou, se ajuntou-se com outra e teve um filho. É, filho de rama teve só um só, mas aí, teve outro filho.
P/1 – Mas sempre em Matões, então?
R – É, aqui não. Essa segunda família dele já foi em Pecém,
P/1 – Em Pecém. Ele foi pra Pecém, então.
R – Foi pra Pecém. Daqui, ele foi pra Pecém. Mas aí, nessa época que ele foi pra Pecém, eu tinha meus dez ano.
P/1 – Seu Antônio, agora voltando, o senhor então, pediu a mão da sua esposa, hoje, assim, pro pai dela?
R – Sim.
P/1 – Como que o senhor conseguiu convencer o pai dela, então?
R – Não. O véio era até, ele me conhecia demais, que eu trabalhei muito mais ele. Ele sabia que eu era um homem trabalhador, um homem, não, um pedaço de homem, porque tudo eu fui pequeno, pouco. Aí, eu cheguei lá a primeira vez, quando nós vai chegando, na primeira vez que nós fomos se achegando, tinha uma volta do cercado que chegar no terreiro, ela disse: “Tu volta daqui”. Ela falou, daqui se o papai vê fora outra pessoa aí ele vem pra cá com o (inaudível). Eu digo: “Então vamos pra casa que eu vou-me embora”. Na terceira noite fui de meio em meio. Na quarta, quando foi na última noite de novena, eu digo: “Tu se arruma que eu vou te buscar lá na tua casa” “Você não tá doido”, eu digo: “Vou”. O primeiro hoje, ele no dia da última noite de novena, pra encurtar a história, eu namorei primeiro com o velho, pra depois eu levar ela. E ia acompanhar elas. É, porque tinha, por consideração, cheguei lá, eu me curvei a ele, e antes de ele saber, quando ele viu, o velho chega assim: “Tomou uma?”. Eu fico, assim, suspenso, quando eu disse. Eu era, só não tinha tamanho, mas eu era terrível.
P/1 – Ah é?! E o que que o senhor falou pra ele?
R – Eu digo: “Tio”, porque eu chamava ele de Tio Brás. O pai dela era Brás de Moraes Filho. Eu digo: “Tio Brás, o que me trouxe aqui, vou contar uma coisa aqui pro senhor. O senhor não fique com raiva de mim não, se o senhor vier bater em mim, não venha com aquela bengalona do senhor, não, uma coisa é uma corda, que dá até pra eu correr”, “O quê que tá acontecendo?”, eu digo: “Vim falar pro senhor, pedir permissão pro senhor pra mim namorar com a Maria. Eu fui atrás de namorar com ela, não vou mentir pro senhor, já vim duas noite da novena pra cá com ela até aqui no terreiro, no canto da cerca, ela não deixou, temendo a volta do senhor, pra ele não açoitar. Eu, o senhor não ia me açoitar não, mas ela, o senhor podia açoitar ela”. Aí, ele disse: “E desde quando começou isso?”, eu digo: “Estou lhe dizendo que foi quando começou a novena, da primeira noite de novena, ali da minha irmã Letícia. Aí, eu quero saber se é de acordo do senhor. Só quero, tio Brás, se for do seu acordo e da tia Raquel. Se não for, eu não sou, eu nunca fui de alisar banco de pai de família nenhum e agora, principalmente, porque eu tô pretendendo é me casar. Tô ficando velho, já tenho 21 ano, o meu pai não cuida mais da gente, nós não tem mais aquele amor um pelo outro que nós tinha antes, aquele diálogo um com outro, se ajuntava, aquela união não existe mais. E cada qual para o seu lado agora. E a minha mãe já tá cega, ela não tem condições de fazer as coisas nem pra ela e principalmente pra mim. E eu, por modo de não viver pedindo às minhas irmã eu tenho que ter por obrigação, arrumar uma moça, pra mim casar com ela. E a moça escolhida, do meu desejo, é a Maria. Queria saber se o senhor aceitar. Eu não vim só pra conversar, se o senhor quiser até acertar logo o casamento, de hoje, logo pode acertar. Eu só não tenho é casa, mas eu faço. O senhor sabe que sou um homem trabalhador, eu não tenho preguiça de trabalhar pra sobrevivência, não. Não sou homem de brincadeira”. Que eu não andava de brincadeira, nunca gostei de festejo, nunca gostei de festa, era difícil uma festa, como nós vive dizendo, antes eu era privado pelo meu pai e depois que eu assumi a responsabilidade duma casa eu sabia que se eu gastasse na época, cinco real, dois cruzeiro, na época era cruzeiro, dois cruzeiro já fazia falta pra dentro de casa. Eu, todo dia, pensei no dia de amanhã. Mesmo que não pertence a nós o dia de amanhã, mas quando, como ele não pode pertencer, pode pertencer. E eu era prevenido, como sou ainda hoje. O que eu puder, o tanto que eu puder me prevenir para o dia de amanhã eu me previno. Então, ele disse: “Vou falar com a mulher”. Ele quis dizer, ali era, era carne e unha. Era gostoso a união deles. Foi falar com ela, eu: “Virgi Maria!” Por Deus que a velha, Deus que perdoe os pecados dela. Por Deus que a velha não tava fumando cachimbo, senão o (risos). Estuvo alto lá, chamou lá a atenção e aí, essa daí era bestinha, é: “Não mãe, eu não quero namorar aquele doido”.
P/1 – A Maria não queria ficar com você?
R – A Maria, não, a Maria quis...
P/1 – Não queria casar com você?
R – Ela queria.
P/1 – Ela queria? Ah!
R – Conversei logo com ela, digo: “Eu só vou meter a cabeça na forca se eu souber que tem um anjo pra me acompanhar” (risos). Então, aí, quando ele saiu lá fora ele disse: “Nós vamos pensar nisso, vamos em frente. Se der certo”. Então, pronto, “Obrigado, meu tio” “Olhe, olhe”. Aí eu disse: “Você sabe com quem tá conversando, meu tio”. Aí, agora, aí, pronto, aí, rodeado de gente, num tinha, era vigiando, não saía. Eu não dava um passo nem de dois, de cinco metro assim, distante dela só mais eu não. Era. Aí, então nos começamos, eu com 21 ano de idade, nós namoramos, terminamos o mês de junho. No meio do verão pedi ela em casamento. Veio o mal-estar. Aí, primeiro, ele me deu essa liberdade, aí, eu digo: “Se ele não me expulsar, eu vou trabalhar, vou fazer uma casa”. Aí, fui logo atrás dum pedaço de chão. Ele tinha os terreno dele, mas os terreno dele eu não fui pedir a ele não. Fui pedir a um velho que acabou de me criar, também. Ele ajudava muito a comunidade esse pessoal era muito caridoso. Eu vivia muito lá.
P/1 – Qual era o nome desse velho?
R – Eliodoro. Eliodoro Freire.
P/1 – E o apelido dele?
R – Eu não conheci ele como, não tinha apelido. Só Eliodoro.
P/1 – Eliodoro?
R – Eliodoro. Então, aí, eu fui pedir: “Pai Eliodoro, dá pro senhor me arranjar uma morada na sua terra?”. Ele: “Tu vai casar?”, eu digo: “Tô pensando”. Aí eu contei a ele a história, disse: “Daqui pros morro e daqui pros Matões, aonde você quiser”. Bem, fui, digo: “Posso caçar o canto?” “Pode”. Aí, fui caçar. Eu gostava dos mato, foi dito e feito. Gostava dos mato que é onde a gente podia criar à vontade. Cacei logo um canto que aí, a gente tinha aquele, aquele hábito de, quando ia fazer uma morada, saía um dia de sexta-feira, de quinta pra sexta de madrugada, sexta-feira de madrugada, pra ir pra aquele local saber se o canto era conveniente de fazer uma casa. Era sadio ou não. Como saber se era sadio, se não? Se ele fosse sadio, ele corria aquele vento gostoso, aquele ventinho frio, frescal. E se ele fosse, corresse aquele vento quente, aquele abafado, ele fosse abafado, nem fizesse não que era um canto doentio. Tinha que ver ventão. Eu achei o local, aí eu fui e disse a ele onde era. Ele falou: “Faz sua casa”. Aí eu meti a trança. Eu digo: “Pois eu vou logo fazer, se o velho não der a menina em casamento, eu carrego ela”. Naquela época era meter a cabeça na forca, carregasse uma moça. Mas aí eu já sabia que eu casava porque ela foi na minha com o resto, pensava que eu estava nem aí, então, a gente. Então, quando foi no meio do verão, já com esse canto certo pra mim fazer a casa. Antes eu fiz um roçado, tipo assim, um roçado, como diz, que eu fazia a casa lá. Aí, ninguém queria fazer a casa, não. Fiz tipo um roçado na terra do velho. Mas separando o canto pra mim fazer a casa. Tirei umas madeira que precisasse pra fazer a casa. Quando eu fui fazer, no meio do verão eu fui pedir ela, a mão dela em casamento. E lá, e os velhos estavam amigo comigo, era tudo, era aquela confiança que eu, toda a vida eu tive respeito, eu respeitava o povo, sabia respeitar, como hoje sei, graças a Deus. Eu brinco porque eu sou brincalhão, gosto de prosar, gosto de dizer minhas leras, mas eu sou, eu fui adolescente, hoje em dia sou um velho de 90, de 69 ano, ah se eu fosse de 90 ano tava até feliz. Aí, mais o meu respeito nunca saiu de mim. Eu cheguei lá, um dia de sábado, o velho tava conversando lá na cozinha. Uma parte, não tava todos em casa, mas uma parte tava, tinham acabado de jantar e estavam lá conversando, já tinham tomado café dele, tava fumando o cachimbinho dele lá. Quando eu chego, eu digo: “Vou pedir a tua mão em casamento, vou pedir ao velho”, disse: “Tu tá doído?”, aí eu digo: “Não tô doido, não”. Aí digo: “Vamos”, ela disse: “Não, vou não”. Eu digo: “Pois vamos até ali”. E fomos até a sala do meio, na porta da sala de janta. De lá eu falei, pedi permissão a ele: “Tio, dê licença de eu chegar até aí, eu quero falar uma coisa pro senhor. Tem um assunto muito importante pra mim participar pro senhor e a tia, próximo de vocês dois. Espero ser bem arrecebido e ter uma boa resposta”. Aí, eles já ficaram na ativa, sabiam, mais ou menos o que era. Não tive muito, contei meu bê-á-bá pra ele lá e pedi a mão a ele, ele disse: “Aceito, aceito porque você é um homem trabalhador, filho dum homem trabalhador e é trabalhador. Só uma coisa que eu quero, que você respeite a minha filha e você tire ela, uma moça dum cidadão que nem eu, que eu sou um homem de respeito, gosto do respeito e ame a sua família”. Eu: “Tudo bem, no que for possível fazer, o que eu puder fazer e que for do meu alcance, Deus ajudando, eu faço”. Passei mais, ele disse: “Você quer pra quando?”, eu digo: “Fim do ano”. Ia fazer um ano, não fazia nem um ano que namorava. E tinha um irmão dela, mais velho do que ela, que tava namorando com uma prima deles aí, dela. Ele tinha pedido a mão dela em casamento, também. Aí, ele disse: “Por que esse avexame? Olha aí, a noção dos velho, pra que esse avexame? O que que tá acontecendo?”. Olha o que ele ia pensar? “Que que tá acontecendo que tá com esse avexame todo?”. Eu digo “Maria, cheguei! Cadê a Maria?” “Tá ali pra dentro”. Eu digo. “Maria, chega aqui”. Chegou, chegou. Ele disse: “Maria, tu quer casar com Antônio?”, ela disse: “Quero”. Eu digo: “Maria, agora eu quero que você me diga se eu faltei com respeito com você alguma vez. Seja sincera! Não esconda, não. Se eu faltei com respeito, porque eu acho que o seu pai tá pensando que eu tô apressado assim é porque eu faltei com respeito com você. Mas, eu lhe garanto, garanto que eu sou um homem de respeito e respeito o senhor.” Ele disse: “Eu vou aceitar porque você é um homem trabalhador e você vai honrar a palavra que você disse pra mim”. Eu digo: “O que tiver ao meu alcance”. Foi quando ele falou, ele disse: “Não vai ser possível, não vai ser possível.” Porque esse avexame quando ele perguntou, ele disse: “Não vai ser possível porque o Valdemar já vai casar e não pode sair dois da casa ao mesmo ano”, tinha essa superstição, o pessoal. “Ele vai casar esse ano, você casa no outro ano, pode ser?” Eu digo: “Pode. Ainda é melhor pra mim porque eu quero saber, eu quero é liberdade.” Aí passemos um ano noivo, com um ano nós casemos.
P/1 – Aí, o senhor já tinha construído a casa?
R – Aí já tinha construído a casa. Casinha de palha, cobertinha de palha, feitinha, feitinha. E onde até hoje eu tô, vivendo com a minha esposa. Já moremos por muitos canto, de casa, em barraco. Moremos primeiro na casa desse meu tio, depois fui passar pra casa dele, terra dele, do meu sogro. Ai, passemos lá, passei na terra do meu sogro onde findou sendo nosso terreno, foi quando a esposa dele faleceu e ele dividiu o terreno. Aí, esse terreno ficou pra nós, pra filha dele. Era pra ela e pra mim.
P/1 – Seu Antônio, a família da Dona Maria, então, eram tios mesmo do senhor? Eram família?
R – Não. Não era família, sabe por que que eu chamava tio? Porque quando no meu tempo, da minha criançada, que eu não era criança, na meia juventude, se chegasse um senhor, como chegou esse velho aí, ele nunca ele tinha sentado na sua casa, tivesse um filho: “Tome a bença desse homem que ele é seu tio.” Aí, a gente se habituava.
P/1 – O senhor tomava a bença também dos pais?
R – Tomava a bença como que fosse parente, que fosse meu tio, e considerava como um tio. Mas, que não era nada meu, que ele era duma família e ela era de outra família, independente da minha família. Que eu sou da família de Freire, ela é da família de Brás. A esposa dele era da família de Paulino e eu da família de Freire. Não tinha nada daí. Era só porque era consideração que tinha, os velho ensinava os filho a ter aquela consideração pelos mais velho. Hoje ninguém pode fazer porque hoje em dia os filho, é difícil um filho pra ter consideração até pelo próprio pai.
P/1 – E, seu Antônio, lá na casa do senhor, lá em Matões, a primeira casinha que vocês tiveram, o senhor também tinha um roçado, lá?
R – Tinha roçado.
P/1 – E que que o senhor plantava lá?
R – Eu plantava mandioca.
P/1 – Mandioca? E o que mais?
R – O milho, o feijão. A mamona, porque lá no quintal não dava batata porque a batata, a batata e a cana se plantava em baixio e lá não era baixio. Lá só dava pra plantar a roça, a mandioca, como se chama. E o milho, o feijão e a mamona.
P/1 – E o que vocês faziam com a mamona?
R – A mamona, tinha uma velha, tia dela aí, que ela fazia o óleo da mamona.
P/1 – Pra que servia o óleo da mamona?
R – Ele servia pra remédios medicinais. O óleo servia pra... nessa época, os engenho era puxado tudo a boi, a bolandeira, chamava. Aquele óleo era render pra os dono de fábrica, que chamava fábrica de cana. De casa de farinha pra botar nos roldete, no ouvido das bola de corta mandioca. E pra botar nos braço, nos mancais da roda de puxar. Era assim. Ah, ensebar o arreio, que de primeira não existia muita corda, era arreio de animal, de gado, sabe? Se não tinha esse sebo passava o óleo de mamona e amaciava também.
P/1 – E o senhor vendia, assim, aquilo que sobrava da produção do senhor? O senhor vendia o feijão, por exemplo, o milho? Ou não, era só pro consumo da família?
R – Não, era só pro consumo da família. Porque era assim, como eu tô lhe dizendo, se nós fizesse uma fartura que sobrasse bastante, nós armazenava. Por quê? Porque o vizinho, podia ele não ter tido aquela mesma safra que nós tivemos e lá na frente, ele faltar. Quando ele faltasse, nós não carecia nem de pedir, pela consideração que a gente tinha um ao outro, o amor que se tinha como, eu torno a repetir, que é o amor que tinha um pelo outro, a gente ia ajudar. A família ajudava aquele, acolá. Dividir. Tirar um pouco de feijão, um pouco de milho, um pouco de farinha, pra aquele, pra, um pouco de doce, praquele que não tivesse doce. Era assim.
P/1 – Mas o doce, vocês compravam ou vocês faziam?
R – O doce era feito das nossas cana que a gente plantava no baixio.
P/1 – Vocês tinham cana no baixio, então?
R – Tinha cana no baixio, se plantava. Ali, onde hoje é a Dona Valda, aquilo ali, vamos dizer que nós estamos, aqui na Dona Valda, não tem aquele baixio, assim? Ali nessa época, minha santa, você só via canavial, era um sítio de canavial ali. Pelo outro lado, lá em frente, tinha outra, outra baixa que era um canavial. O meu pai plantava numa baixa, também, que ele podia plantar cana que dava cana, era o canavial. E era assim.
P/1 – E vocês pegavam essa cana e levavam pro engenho?
R – Botava essa cana em costa de jumento e colocava lá no engenho que era...
P/1 – Mas esse engenho não era de vocês?
R – Não era nosso, porque nós não tinha condições. Nem todo mundo tinha condições. Aqueles que tinha mais condições, tinha um engenho.
P/1 – Ah! E vocês poderiam utilizar o engenho deles?
R – Não. Nós não utilizava, nós fazia o que? Vamos dizer. A senhora era a esposa de um dono do engenho. O seu esposo, ele pegava nossa cana, nós colocava a cana lá, ele moía, como que fosse dele, aí, tirava a terça parte do engenho, que era pra pagar os trabalhador dele e o outro eles devolvia pra nós. Era assim.
P/1 – Era tipo uma taxa, essa terça parte?
R – Exatamente. E a farinha, a farinhada era do mesmo jeito.
P/1 – Vocês pagavam então pra fazer a farinha?
R – Nós pagava uma certa parte com farinha porque nós não podia possuir uma casa de farinha. Nem todo mundo podia possuir uma casa de farinha.
P/1 – E, seu Antônio, o senhor teve filhos?
R – Cinco filho.
P/1 – Qual o nome deles?
R – O nome deles. O primeiro era Manuel; segundo, José; terceiro, Cristina; quarto, Antônio e quinto, Creuzinha.
P/1 – Todos tão vivos?
R – Não. Morreu três, morreu dois ainda criança e um já com 17 ano. O Manuel morreu com 17 ano. Os outros dois morreram de criancinha novinha ainda.
P/1 – Mas como que era essa morte das crianças, era uma doença?
R – Era, dava uma doença nas criança. Como eu tinha lhe falador no começo da entrevista, como era difícil se transferir, transmitir uma pessoa de um canto para o outro, transportar pra uma cidade onde tivesse um médico, não tinha. O médico que tinha aqui, era esse doutor, e esse doutor só matava gente grande porque os pequeno ele não dava jeito, ninguém botava na mão dele não. Aí, se não tivesse um rezador que desse jeito, nem remédios medicinais, aquele que nós tinha pra morrer daquela doença, ele morria. Muitas vez, muitas vez a gente ia, enfim, lutava, até que aquela criança sobrevivia. Mas muito deles quando nascia pra morrer, ele morria mesmo.
P/1 – E os partos foram feitos em casa?
R – Tudo em casa. Só desse, não saiu do meu, do meu tempo mesmo, que eu conheci, nunca saiu uma mulher pra maternidade de jeito nenhum, porque a dificulidade, pela dificulidade muitas mulher morria de parto porque era causo que as cachimbeira não dava jeito. Porque tem isso aí. Porque as cachimbeira não tinha sabedoria no modo de fazer todo tipo de parto. Aí, tinha uns parto, acho que elas achavam difícil aí, quando Deus determinava pra aquela mulher sair daquele jeito, muitas, gente, até gente da minha família, uma prima legitima dela aí, eu vi ela morrer de parto. Eu já era, já refeito, já. Aí vi morrer de parto. E muitas morriam. Mas muitas não, muitas dela tinha, como a minha mãe. A minha mãe, eu acho que o que trouxe a doença pra minha mãe cegar foi a coragem dela, a opinião, a força que ela tinha, o entusiasmo que ela tinha, que ela só teve uma filha, que ela hoje em dia mora vizinha minha aqui, que foi preciso levar uma cachimbeira, que foi essa Maria Gonçalves que eu falei. Mas os outros 13 filho que ela teve, todos eles, ela pegou, ela cortou o imbigo, tratou, botava na rede, quando ela acabava, se limpava, se ajeitava e ia pra rede dela, cumprir o resguardo na rede. Quando papai chegava do... papai saía pro serviço, muitas vezes ela chegou a contar que quando ele ia pro serviço ela já tava sentindo, mas não contava pra ele pra modo de ele não se preocupar. Quando ele chegava, o caburé já tava na rede lá e ela tava esperando por um pirão de galinha.
P/1 – E o que que se tomava depois que tinha menino?
R – Elas? Elas tomavam um, acho não sei o que que elas tomavam, não. Acho que tomava um óleo de rícino pra, pra.
P/1 – Mas o senhor falou que, um pirão que depois tomava, depois que tinha menino?
R – Ah! Sim! Ah, menino? Não, tinha um pirão gostoso. Um pirão, não era dos menino, não, era ela.
P/1 – Era ela que tomava?
R – Ela que tomava.
P/1 – Então, que que ela tomava?
R – Um pirão de galinha caipira. Aí, quando a mulher tava gestante, sabendo que tava chegando o tempo determinado: “Seu Fulano de tal, faça um chiqueiro pra modo de eu prender tantas galinha pra eu comer no meu resguardo”. Lado dela, meu não, que eu nunca tinha aqui. Então, aí, quando era naquele tempo determinado tinha ou vizinha, ou se tivesse uma filha já moça: “Fulana de tal, mata uma galinha daquela ali e bota no fogo”. Porque as menina quando era da idade dessa daí, com 12 ano, elas já se tornavam uma dona de casa, por causa do que elas respeitavam o conselho de mãe. As mãe ensinavam e elas obedeciam e faziam tudo que as mãe ensinava. Quando elas ficava na idade de 15 ano, as moça se tornava uma dona-de-casa. Já sabia fazer de tudo. Tinha mãe que caísse doente, elas sabia, tomava de conta da responsabilidade da casa todinha.
P/1 – E, Seu Antônio, a casa de vocês lá, aquela primeira, vocês tinham água de onde? Era cacimba?
R – Cacimba no chão.
P/1 – No chão?
R – Era, cacimba no mato, de areia, que falava, cacimba de areia. A cacimba ficava debaixo, ao lado dos galhos daquela mangueira, dita mangueira que eu lhe falei, que atrás quando ia pra Dona Valda, que tem aquela mangueira à direita de quem vai daqui pra lá. A cacimba era debaixo daquela mangueira.
P/1 – E, seu Antônio, depois o senhor morou nessa casa e depois o senhor morou em quais outras casas?
R – Depois de casado.
P/1 – Depois de casado, já com os meninos.
R – Sim. Já depois de casado com três filho nascido, fui morar num terreno dum tio da minha esposa. Depois eu fui. Foi quando que eu saí dessa casa do meu tio, da primeira casa que eu fiz, fui pra segunda, a casa no terreno do tio dela. Depois fui pro terreno do meu sogro que é onde que eu tô falando que por último ficou esse terreno, ficou pra nós, em Matões. Só saí do município de Matões, como eu nasci fora do município de Matões, mas só que a gente conhecia como Matões aqui, de baixa das Carnaúba, era São Gonçalo, mas passou a ser Matões.
P/1 – Mas por que vocês tiveram que mudar, então?
R – Porque era as condições, a gente atrás das melhora. No momento da terra do meu tio, a primeira casa que eu fiz, eu saí do terreno, disse por que eu saí? Porque, naquela época, foi quando começou os aposento, aposentaram os velho. Os velho vinha uma entrevista, ser entrevistado em casa, quem tinha morador não podia se aposentar. Não podia se aposentar por causa do morador. Esse foi o...
P/1 – Motivo?
R – O motivo de eu sair do terreno do meu tio. Aí fui pra terra do tio dela, que ele já era aposentado.
P/1 – E essa, o senhor ficou quanto tempo lá?
R – Lá, eu passei pouco tempo, no terreno do tio dela passei pouco tempo. Fui logo, aí o velho, o pai dela aí, ele me aconselhou: “Você era pra tá morando na minha terra, vocês têm a terra de vocês, já que a sua mulher tem, você tem, é seu. Vamos morar lá”.
P/1 – Aí, o senhor foi pra lá, então?
R – Aí, nós mudamos pra lá, onde nós passemos, até muitos anos, tá com seis ano que nós saímos de lá de nosso local.
P/1 – E lá vocês tiveram que construir outra casa?
R – Lá nós tivemos que construir a casa, que é essa dita casinha que tá nessa foto ali.
P/1 – Agora, por que vocês saíram de lá?
R – Eu saí de lá por causa do motivo da perca da minha filha. Aquela, diz, da Cristina.
P/1 – O quê que aconteceu, Seu Antônio?
R – O que aconteceu é uma, não gosto nem muito de falar a respeito disso aí, mas pelo respeito e a consideração vou falar só aqui um pouco. Ela apanhou uma doença, nasceu um caroço maligno nela, aí ela... Eu lutei com ela dois mês, foi somente dois mês.
P/1 – E ela já era casada?
R – Já era casada.
P/1 – A Cristina. Ela já tinha filhos?
R – Tinha filho, era casada. Tinha esses filho aqui, esses menino aí era dela.
P/1 – Qual é o nome dos netos do senhor?
R – Os neto. Primeiro, Natália que é essa casada aqui, que tem aqui; segundo, Edvânia; terceiro, Edson, esse aí; quarto Naiara, essa bacurinha que tem aí. Pois é. Quando ela faleceu eu fiquei meio lelé, num tinha como eu ficar lá porque ela era tudo pra mim. Ela era minha filha, ela era minha mãe, era minha conselheira. Ela era quem tomava de tudo conta. Quando eu era necessitado ela fazia comida, ela fazia. Aí, eu não suportei lá e vim embora pra casa de minha irmã, me acolheu aqui.
P/1 – Esse terreno de quem é? Esse terreno que o senhor, tá?
R – Esse terreno aqui é meu.
P/1 – É do senhor?
R – É meu, ele era do meu irmão. Desse velho que chegou aqui. Aí, ele foi e me deu esse pedaço de chão pra morar aqui. Aí, eu construí essa barraca aqui.
P/1 – Isso foi seis anos atrás?
R – Seis anos atrás.
P/1 – Então, o senhor saiu de lá. O senhor tinha roçado lá?
R – Não. Lá eu não tinha mais roçado, lá eu vivia de horta.
P/1 – O senhor vivia de horta. E o senhor vendia ou só consumia?
R – Eu vendia, a horta eu vendia.
P/1 – O senhor vendia o quê?
R – Eu vendia o cheiro verde, o chamado o coentro, cebola. Cheguei a plantar pimentão, tomate, alface.
P/1 – O senhor vendia onde?
R – Antes eu comecei a vender na porta, como se diz. Na horta, vendia os canteiros, o cabra vinha, tirava, levava e ia vender. Depois, ficou, aí aumentei a verdura, o cabra não tava dando conta, eu fui, passei a vender no mercado de São Sebastião, Fortaleza.
P/1 – O senhor ia diretamente lá?
R – Isso, ia diretamente lá.
P/1 – O senhor oferecia o produto do senhor?
R – Era.
P/1 – E o senhor vivia com a venda destas, desses produtos do senhor?
R – Eu vivia... Óia, durante a minha vida todinha, quando eu vivi desse produto, do cheiro verde, foi a vida melhor que eu passei. Era. Passei. Eu levava minha vida, uma vida feliz porque a hora que eu precisava de comprar uma coisa eu tinha meu dinheirinho guardado lá. Porque, antes quando eu vivia da agricultura, dava assim, porque a gente, era do que vivia. Mas a agricultura caiu de uma certa forma que ninguém plantava nem mais pra comer porque não tinha, não tinha condições. Como hoje não tem condições. Se planta uma macaxeira, porque a macaxeira, a gente pega qualquer, a gente cozinha na panela e come ali. A farinha, ninguém mais tem condições de fazer farinha porque não tem mais trabalhador. Não tem mais quem sobreviva daquilo ali porque ele não tem venda pra aquela, não tem renda pra farinha, não tem renda pra rapadura, não tem venda pra batata, pra nada. Aí, o único que veio socorrer os agricultor foi a horta, com muita gente, todo mundo não, mas muita gente viveu e tá muitos vivendo aí, vivendo da horta. Como eu passei 20 ano trabalhando na horta.
P/1 – O senhor usou algum tipo de produto contra praga?
R – Usei.
P/1 – O que que o senhor usava?
R – Usava um remédio por nome Caltrin. Somente esse daí.
P/1 – Isso era pra quê? Pra combater as pragas?
R – Pra combater as pragas, combater a lêndea do coentro, combater que o cachorro-d’água. O cachorro-d’água é um besourinho que molhou o chão, aí eles vêm por debaixo do chão e comia a semente do coentro. E a gente usava pra modo de, se eles provasse ali, ele morria.
P/1 – E o senhor chegou a receber alguma bolsa-família?
R – Não.
P/1 – Algum benefício do Governo?
R – Não. Nunca tive isso aí de receber.
P/1 – E, seu Antônio, como surgiu a ideia de resgatar a história do povo de vocês como comunidade indígena?
R – Bom, isso aí é uma longa história.
P/1 – Conte-nos.
R – É uma longa história do Movimento Indígena, porque antes aqui, existia o índio, há uns anos, a mil anos atrás. E vem rolando essa história de geração pra geração. De meus avós contava pros meu pai, meus pais veio trazendo essas história. E veio chegando a nós. E veio o massacre pra cima dos índio, os índio tiveram que sair, como, por exemplo, uns mil anos atrás tiveram que sair daqui. Os que escaparam na guerra, porque houve uma guerra contra eles. Os que puderam se escapar foram embora daqui. E aí, não existia, aí ficou, mas ficou gente com sangue indígena. E por isso, quem ficou, quem é filho nativo daqui, se considera como indígena.
P/1 – Mas o senhor, no tempo do pai do senhor, da mãe do senhor já tinha as histórias, assim?
R – Tinha.
P/1 – Que historias que o senhor lembra que?
R – A história de falar nos índio como aqui. Eles contavam que os pai dele, meus avô contavam que ainda chegaram a alcançar, como é que se diz, resto de cabana de índio. As cabana de índio nas mata. Resto de prato de índio, prato de barro de dois, três dedo de grossura. Resto de panela de índio, resto de alguidar, resto de pote de índio. Era assim. Eu, eu, depois de casado, já velho, já uns 15 ano atrás, mais ou menos, vou dizer já que foi de 15 ano pra cá, eu cheguei a arrancar uma botija de índio, ali era uma botija de índio. Fui com um sobrinho meu e um amigo meu, dois sobrinho. Tudo amigo meu, nós trabalhando, nós cheguemos a arrancar numa baixa que existe ainda, aqui à direita. Aí, ali, só podia ser coisa de índio porque os branco não tinha isso não. Nós, cavando um buraco, achamos um fundo, aí, encontremos esse. E o dono da terra que mora aí hoje, esse dono dessa terra ainda tem isso aí guardado, com certeza, ele tem ainda guardado. Não desfazia de jeito nenhum. E aí, vem rolando essa história porque os índio era, eles tinha um poder, eles tinha um dom dado por Deus, eles tinha, ele deixava a educação da natureza pro povo. Era a educação que não existia leitura pra ninguém porque o índio nunca estudou, a sabedoria dele foi dada pela ordem da natureza. Eles curavam, eles viviam a vida, segundo me falavam, e vem embolando essa história. E como tava com o terreno parado, com muito tempo. Quem arrancou essa história, através de um padre, foi o Júnior. Por isso é que eu digo que o Júnior, ele só não é a raiz porque a raiz da história foi os índio que já se foram, mas ele é o tronco e é o galho e as folha desse nosso Movimento Indígena.
P/1 – E o Júnior é o filho da Dona Valdenice?
R – É. Valdenice, é.
P/1 – Da dona Valda?
R – É Dona Valda, é.
P/1 – Certo.
R – Aquela figura.
P/1 – E com as obras aqui do Pecém houve algum impacto aqui nessa região pra vocês?
R – Sim. Houve um pouco de impacto porque... sabe que o Governo é Governo, ele tem, abaixo de Deus, o Governo tem o poder. Naquele local onde eles querem colocar uma indústria, pelo direito e o poder dele e a humanidade que ele tem pelo povo, ele acha melhor tirar o povo daquele local. Por quê? Porque ele vai construir uma indústria aqui, se nós, se uma família mora pelo poente, ele não se dá com o cheiro daquilo que ocorre dentro daquela indústria ou uma encanação qualquer. Aí, quer dizer que ele acha que pode prejudicar a família, ele acha melhor tirar e botar aquelas pessoas num canto, que ele vê que ele pode tá livre daquilo ali, eu acho que é isso aí. Mas por isso tem muita gente que, na primeira vez que foi desapropriada, a primeira desapropriação, morreu gente, morreu senhora, senhor de idade, com pena de deixar seu terreno local, natal, que é onde nasceu, criou-se, onde viveu a vida maravilhosa e sair. Por aquilo ali causou aquele desgosto, com aquela doença de ir, aí, morreu no local. Antes de ser transferido pro outro lugar, morreu.
P/1 – O senhor foi afetado, a família do senhor foi afetada com as obras?
R – Não. Eu não vou mentir porque eu gosto da razão. Eu não fui afetado, por que que eu não fui? Agora eu podia ser. No momento agora eu podia ser, porque lá onde eu tô falando, onde tem aí nesse retrato aí, onde tem essa barraca aí, é dentro dum terreno onde ele vai ser desapropriado. Já foi desapropriado também na rabeira do terreno. E ali pra sair, como o Governo não quer que ninguém passe dificulidade, passe doença, ele vai ser desapropriado. Eu não fui afetado por isso aí. Antes quem me tirou daqui foi aquela perca da minha filha, que eu vim pra cá. Aqui, no momento, ninguém tá pensando de acontecer isso daí. Pode acontecer, mas ninguém tá pensando de que pode acontecer isso agora, aqui.
P/1 – E o senhor deixou a casa do senhor vazia? Aquela, que o senhor fez?
R – Deixei.
P/1 – O senhor abandonou a casa, então?
R – Abandonei a casa.
P/1 – O senhor não chegou a vender ou?
R – Depois. Depois, com o tempo, quando eu me equilibrei, muita gente me aconselhando que eu voltasse pra lá, que lá era minha vida, eu digo: “Já foi. Lá onde já foi minha vida hoje não é mais, não tem quem me bote pra lá”, só se for Deus, que com Deus ninguém brinca. Aí se ele achar que o meu bem, que o resto da minha vida seja lá, ele pode me colocar lá, qualquer hora, qualquer instante. Mas eu achei por bem eu vender pra um parente meu, um amigo de longe. Um parente, assim, longe, mais um amigo de muita confiança, de muita consideração, modo que eu vendi pra ele bem baratinho, pra gente, só pra modo dele também vir, ele tava necessitando. E a coisa boa quando a gente ajuda uma pessoa pra ser ajudado. Se hoje eu não tô precisando, amanhã eu posso precisar, eu tenho que lhe ajudar pra amanhã. Você diz: Ele me ajudou, aí vou ajudar ele”. É assim. Aí, eu não tava precisando de lá e eu vendi, e acho que não tenho mais volta pra lá não. E agora, principalmente, que eu não tenho mais vontade de ir pra lá porque o Governo tá tomando de conta de tudo lá.
P/1 – E, hoje, o que que o senhor vive, seu Antônio? O senhor ainda planta?
R – Eu planto esses pauzinho de roça aqui, bem pouquinho. Você olha isso aqui, eu planto pouquinho. É só esse pedacinho de chão aqui porque, pra não deixar o mato invadir. Mas, graças a Deus e o Governo, eu não sou contra o Governo, não. Graças a Deus e o Governo, hoje em dia eu como às custa do Governo. Aí, foi uma coisa que eu trabalhei, suei pra modo de eu chegar até esse direito que eu tenho hoje.
P/1 – O senhor é aposentado?
R – Aposentado. Graças a Deus, sou aposentado. Aposentado eu e minha esposa. Meu filho é deficiente, ele é beneficiado. Aí, só pra trás, não tenho mais coragem de trabalhar, já tô velho.
P/1 – Qual a rotina do senhor, hoje?
R – É, agora.
P/1 – Como é o dia do senhor hoje?
R – Meu dia é um...
P/1 – O senhor acorda cedo?
R – Acordo cedo.
P/1 – Aí, o que que o senhor faz? A primeira coisa depois que acorda?
R – Eu só não respondo em cima das brincadeira porque eu não posso lhe responder isso aí.
P/1 – Tá certo. (risos)
R – Você sabe o que a gente faz, assim que acorda (risos), mas eu não vou responder ainda não.
P/1 – Mas depois de tudo isso o senhor levanta?
R – Isso.
P/1 – Vai tomar café.
R – Eu levanto, vou fazer o café. Vou encher as vasilha, vou puxar água, vou...
P/1 – Vocês têm água de poço aqui?
R – Água de poço aqui. Tem a bomba aí. Aí vou acordar meus filho de, quando é de escola que precisa ir de manhã, sair pra atividade deles dos estudo, dos estudo deles. Vou acordar eles, cada um, porque sabe que pessoal novo são dorminhoco. Não se preocupa. É a preocupação que não tem, graças a Deus. Depois que eu faço o café, tomo o café, vou ajeitar minha esposa, vou tomar de conta dela. Quando acabar vou levantar meu filho que ele só sai da cama se eu levar ele pra cá, pra ajeitar ele lá, lavar o rostinho dele, dar o comprimido dele e dar o café dele, a merenda dele. Aí, vou trabalhar a rotina dentro de casa. Aqui eu e mais essa menina, eu faço tudo, não vou mentir.
P/1 – O senhor arruma a casa, então?
R – Eu arrumo a casa.
P/1 – Cuida aqui da...?
R – Aqui, não tenho quase tempo de cuidar disso aqui. Não dá pra vir, eu acho tão bom trabalhar dentro de casa. É todo tempo na sombra, todo tempo espiando pra mulher. Aí, pro modo de, aí, faço tudo aqui mais a menina. Eu ajudo elas aqui. Dou graças a Deus, ter esse povo pra cuidar.
P/1 – E os netos e as netas vão à escola, então?
R – É. Elas estudam. Essa ali estuda no Pecém, a mais velha, a Edvânia; o Edson estuda no Paulo Ferreira.
P/1 – Como que eles vão pra escola? Eles vão a pé ou vão de ônibus?
R – Eles vão a pé até na pista ali, naquela pista ali. Aí, ali pega ônibus. Aí, eles se desloca pro Pecém e pros Matões.
P/1 – Seu Antônio, só pra gente registrar, quando eu tava perguntando pro senhor, da identidade do senhor que é assinada. O senhor falou que não frequentou a escola, que não tinha como ir pra escola naquela época.
R – Não tinha.
P/1 – E o senhor contou uma história pra mim, eu queria que o senhor dissesse porque que o senhor aprendeu a escrever o nome.
R – Bom, é aquela história que eu comecei. Eu tinha o maior desejo de que quando eu fosse me casar, eu ia ter aquele privilégio, aquele prazer de assinar meu nome, que eu não sabia nem como era, só conhecia, eu só sabia que meu nome era Antônio, mas não sabia o resto de que era nem sabia fazer. Então, aí, eu falei pra uma prima dessas da minha esposa aí, eu digo: “Olha, Mazé, eu tô com vontade de me casar, eu vou trabalhar pra me casar”, eu já namorando com ela, “Vou me casar e eu não sei fazer nem meu nome, tu não quer me ensinar?” E ela ensinava umas criança à noite. Aí, ela disse: “Vem pra cá que eu te ensino a fazer teu nome. Se tu quer aprender a ler eu te dou um cartilha aqui, o negócio”. Eu digo: “Eu sou agradecido, até pra modo de aprender alguma coisa aqui”. Então eu fui lá, foi onde eu aprendi a fazer meu nome, ela me ensinou fazer meu nome, e pronto. Fiquei, digo: “Isso aqui é o suficiente, o que eu queria é esse e pronto”. Porque se eu não assinava meu nome, pra mim eu não ganhava a mulher bem direitinho. (risos). Aí, não deixava ela no seguro (risos). Só no dedo, isso aqui, o dedo, pode ser de qualquer um, isso aqui, a assinatura dele aí, ninguém, tira.
P/1 – Tá certo. E seu Antônio, eu não perguntei pro senhor, mas vocês fizeram uma festa no casamento? Vocês casaram na igreja?
R – Olhe, casemos na igreja, casemos no civil, casemos no cartório. Pros pobre não existia, não fazia festa. Porque apesar de a família dela, nós não tem condições, a família tanto pelo um lado como pelo outro não tinha condições de fazer uma festa porque as casa não competia fazer uma festa. E as condições também, quem muito podia fazer, porque era quem criava, era matar um porco, um peru grande e gordo, fazia aquela festa, só festa de come e bebe. Mas festa dançante, não tinha.
P/1 – Mas vocês fizeram essa festa de comer?
R – Fez a festa de comer, foi bom demais.
P/1 – E que que vocês mataram? Vocês mataram um porco?
R – Um porco velho. Meu sogro matou um porco, peru, galinha e tal, aí foi bom demais. Mas meu sentindo não era nem comer o peru, não. Meu sentido era carregar a mulher logo pra casa (risos).
P/1 – Tá certo. Seu Antônio, o senhor gosta de morar aqui?
R – Eu gosto. A gente tem que gostar duma coisa que a gente vê que tem, como a gente tem aquele prazer de gostar. Tem porque aqui é tranquilo, é um lugar que a gente pode dormir ainda de porta aberta. Aqui não tem invasão de marginal, não tem ladrão, não existe essas coisa. O que aparecia de primeiro aqui, atrás de vadiar as casa era galinha... era raposa, mas hoje em dia nem isso, nem hoje tem mais porque o pessoal, a gente é tudo cheio de estrada. Quando a raposa vai atravessando uma estrada dessa aí o carro pega, mata e pronto, não tem mais isso. Mas é tranquilo aqui, sadio, um lugar sadio. É bom. Eu gosto.
P/1 – E seu Antônio, no geral, quais as transformações que o senhor observou aqui na região com as obras do porto, com todo, com Pecém?
R – Como assim?
P/1 – O senhor viu grandes transformações depois da construção do porto?
R – Bom, aí, foi uma grande transformação.
P/1 – Quais transformações?
R – As transformação da...
P/1 – Senhor Antônio, eu tinha perguntado pro senhor das transformações aqui com as obras do Pecém. O senhor estava comentando, ia começar a falar.
R – Sim.
P/1 – E quais são essas transformações?
R – Foi uma grande transformação porque acabou-se uma certa parte da dificulidade de trabalho, para o povo que, como eu mencionei aqui uns minuto aqui atrás, que vivia todo mundo de roça. Hoje em dia ninguém pode mais viver de agricultura, porque não tem mais valor, a agricultura. Aí, todo mundo ia viver como? Deus mandou esse governo com essa sabedoria dele pra fazer esse porto aí, pra dar emprego pro povo. Muita gente que tem capacidade de se empregar, até gente que não sabe, não tem leitura se empregou-se, e ainda tem como arrumar um emprego. Só que não é um emprego, como se diz, um emprego bom, porque quem não tem leitura não pode pegar um bom emprego. Mas quem tem uma leitura pega um bom emprego, empregou muita gente aqui. E outra coisa, as facilidade, até mesmo de hospital, de farmácia, que aqui ninguém sabia nem onde era que podia comprar um remédio, se fosse no Pecém, tinha somente uma farmácia, como se diz, chama quitanga, bem pouquinho. Hoje em dia o Pecém cresceu, evoluiu muito porque tem suas farmácia, tem seus hospital. Já tem até agencia de banco. E aí, tudo, por quê? Porque cresceu. Se eles continuasse como era, pequeno, o Pecém era pequeno, uma arapuca, como se chama, aí nada disso podia ter de vantagem. E eu acho uma grande vantagem. Pra mim, que eu não trabalho, eu me sinto feliz porque tem gente da minha família que ele não é aposentado, ele tem sua família pra dar conta e o ramo de roça, de agricultura não dá mais. Aí, todo mundo parte pra esse emprego. E cresceu a sabedoria no lugar.
P/1 – Que tipo de sabedoria?
R – A sabedoria através de, vamos dizer, pessoa que não tem noção pra um bom emprego, não tem noção pra conversar com ninguém a respeito de um emprego, eu não sei também porque eu nunca fui empregado, mas muita gente já traz alguma história, já vai passando o que surge dentro do porto de Pecém. Aquilo ali vai crescendo, aquela mente da gente, o que pode acontecer de melhor lá na frente. E é o que eu espero, que seja cada vez melhor pra todo mundo. E foi uma mudança porque antes ninguém esperava isso daí.
P/1 – E, seu Antônio, como que o senhor imagina o futuro dessa região?
R – Esse futuro dessa região aqui, pelo uma parte, pra quem não tem nada e quem não sabe de nada é um sofrimento. Pra quem não tem capacidade é um sofrimento, não vou negar. Mas pra quem tem capacidade é um mar de rosa, porque tem tudo, o emprego tá na porta; a sabedoria, as bondade, a beleza, a riqueza tá na porta. Dependendo da noção do estudo da pessoa e a capacidade da pessoa. E a pessoa que busca aquilo ali, porque se eu vou dizer que se eu sou um jovem, eu tenho estudo, um bom estudo e eu não busco aquela beleza, aquela bondade lá na frente, eu caço, eu corro por outro lado da marginalização aí, quer dizer que eu perco tudo que eu tenho de bom na minha vida. Eu não vou, eu não tenho sorte de ver, aquela, a bondade que vai ficar aí na frente. Porque a tendência de quem é marginal é cadeia e cemitério, o futuro dele é isso daí. E aí, quem busca uma luta de sobrevivência, de melhoria de vida pra ele, pra filhos e neto que aparecer aí, quer dizer que ele alcança. Ele faz buscar, aproveitar seus bons estudo numa coisa que vale a pena, ele vai alcançar o que de bom vem aqui na frente. Agora nós tamo no primeiro pilar ainda da bondade, pelo um lado uma bondade e por outro, como se não tiver umas autoridade também, tem uma dificulidade pra vida de cada um que ficar aqui nos arrebalde. Que fica, até pra próximo dentro da cidade. Porque sabe que onde corre dinheiro, corre a ganância. E onde corre a ganância, corre a miséria. E é assim.
P/1 – Seu Antônio, quais os sonhos do senhor hoje?
R – O meu sonho é terminar o resto da minha vida mais feliz do que é o que eu vivo. Em primeiro lugar, ver a minha esposa e o meu filho com saúde, lutando com a casinha dela. E meus neto ter um bom, serem uns bons estudioso, eles terem umas boa memória pra eles terem um bom estudo, pra eles ganhar um bom emprego, que eu não tenho nada pra deixar pra eles. Senão, pedir a Deus pra Deus dar isso aí pra eles, pra quando eu partir desse mundo, pra eles dizer: “Isso aqui não foi meu avô que me deu, mas ele me liberou pra mim procurar isso aí. Eu tenho isso aqui porque ele me deu essa liberdade de eu estudar pra hoje eu ser o que sou nesse emprego, pra eu sobreviver e ajudar quem necessitar”. Aí, quer dizer que isso aí, se eu ainda tiver vivo é uma felicidade pra mim. E aonde eu tiver, eu tô vendo, eu chego bem pertinho deles, dou um assovio: “Tô aqui meninos”. Aí, eles sabem que eu tô vendo eles com a maior felicidade. E aí, é o de bom que eu vou alcançar, é isso aí. E todos os meus parentes e amigo, ficar todo mundo feliz. Eu não tenho mais como a felicidade maior que pode ocorrer pra mim, que eu tô lhe pedindo depois disso aí, aqui na face da Terra é ver minha esposa com saúde. E meu povo, tô dizendo com bom estudo, pra ele ter a capacidade de pegar um bom emprego. E meus parente e meus amigo, também, que o que eu quero de bom pra mim, eu não quero só pra mim, eu quero pra todo mundo que busca aquilo dali. Agora, aquele que não busca, fazer o quê? Ninguém pode obrigar ninguém, ser ninguém. Porque aquele que não quer, se você tá me dando uma coisa boa e eu quero um ruim, eu não posso, você não pode me obrigar. E assim, seja cada um. Mas o que eu espero é isso aí, porque eu, dá todas eles pra terra, como se diz. Graças a Deus, (inaudível) quer dizer que a tendência é só cair no chão e morrer. Mas eu quero gozar muito a felicidade ainda. É, quando a minha esposa vocês vão ver, vou ficar mais doce, você disse que eu não tô velho ainda, ainda quando fica caducando, ainda vou ali, que tem um forró aqui em frente aqui, de oito em oito dia eu tô lá.
P/1 – Ah! O senhor vai pro forró?
R – Não, não vou não. Eu quero ir, não.
P/1 – Ah! O senhor quer ir ainda.
R – Eu não vou porque ela tá doente, mas eu quero ir.
P/1 – Ah! Tá certo.
R – Porque eu não vou deixar ela doente.
P/1 – Tá certo. Seu Antônio, o que que a Dona Maria teve?
R – A Dona Maria teve AVC. Três vez.
P/1 – Faz tempo?
R – Faz tempo, agora vai fazer um ano que ela teve esse, tá dentro de uns dois ano, do terceiro. Tá com mais de ano do terceiro. O primeiro foi bem brandinho, o segundo foi mais pesado e ela... o terceiro aí foi pesado que eu, eu não vou. Graças a Deus ela se levanta de um banco desse aí, que ela não se levantava da cama. Quem levantava ela da cama era eu. Levava ela pro banheiro, pra higiene de todo e, graças a Deus, ela já anda. Não tem resistência é nessa mão aí, suficiência nessa mão direita. E a perna, ainda é, mas...
P/1 – Ela tá melhor.
R – Tá melhor, graças a Deus. Mas é aquela coisa, a gente tem que ficar contente com aquilo que Deus faz com a gente. Ninguém vai dizer que Deus manda coisa ruim pra gente, não. Mas ele mostra que a gente passa uma dificulidade, que é pra gente saber que existe Deus. Porque a gente sem sofrer, se ninguém sofrer no mundo, ninguém sabe qual é a dificulidade da sobrevivência, não. Nem ele vai. Muitos deles que não sofrem nada, não se lembra nem que existe Deus. É. Mas a gente passando por certos tipos de coisa, eu proso e tudo, tenho esse meu jeito assim, brincalhão, mas é porque é pra ser assim mesmo. Porque não adianta por eu ver ela desse jeito aí, e passar o que eu passo, aqui que só Deus e a família que sabe o que eu passo na minha luta, aqui. Aí, é eu e Deus e a minha família. Mas, aí, por eu passar isso aí, eu vou tá nos canto chorando, eu vou tá com uma cara do tamanho dum surrão, vou não lhe dar atenção, não brincar com você, não ter aquele dialogo com ninguém? A gente tem que se animar porque Deus é aquilo ali. É um doido de juízo. Aí dá uma saúde pra ele, pra modo de sobreviver, aguentar. Eu não tenho prazer porque ninguém pode ter prazer de tá lutando com uma pessoa assim, mas tô com prazer porque Deus me dá essa força pra mim resistir o ato, como eu venho resistindo. Que eu tenho, eu tô dentro dos seis ano de sofrimento. Antes, eu passei dois ano que eu não tinha esse momento de alegria, desse sorriso pra ninguém, essa brincadeira com ninguém. Eu achava que eu a minha tendência era ficar louco, pelo motivo que eu lhe falei. Mas maior do que Deus não tem ninguém aí, através de Deus, a força que Deus me deu, da força que os meus amigo me deram, me deram muito conselho. E a coisa melhor do mundo quando a gente ouve um conselho para o bem, que ele dá ouvido pra aquilo ali. Aí, ele sabe que ali é um anjo que Deus tá enviando naquela pessoa, pra modo de ele alimentar aquela pessoa dum modo que ele não perdeu a bola, porque quando o sujeito tem, ninguém queira passar o que eu passei aqui seis anos atrás, porque se ele for mais fraco do que eu ele perde a bola.
P/1 – Mas já passou, seu Antônio?
R – Passou. Passou a dor, mas é aquele velho ditado: “Passou a dor, mas o gemido é o mesmo”. Só que é uma dor controlada. Não é aquela coisa. Eu tenho que sorrir, eu tenho que brincar, eu tenho que fazer de conta que vivo numa vida feliz, pra modo de Deus ver. Ele é uma pessoa que merece uma bença e ele vai me dar essa bença que eu desejo, a bença que eu desejo, que eu lhe falei, torno a repetir, a minha bença maior que eu espero na minha vida: saúde pra mim, pra minha esposa e bença com bom estudo pros meus neto. E a paz pra todos meus irmão, meus amigo e os parente que luta pela sobrevivência. Dele um dia, ele chegue a esse ponto de chegar a minha idade, porque do jeito que tá a coisa no mundo, o perigo, é feliz aquele que tem a sorte de chegar a minha idade de 60 ano, 69 ano que nem eu. Porque não existe mais a tranquilidade que existiu antes. Sem eu merecer, sou capaz de eu sair daqui, andar uns 100 metro e ser atacado. Porque a coisa tá muito civilizada no mundo através da bondade e da ruindade. Porque hoje em dia você não sabe quem é quem. Você me encontra no caminho, você não sabe se eu com o sorriso, de uma pessoa bem trajada, dizer: “Aquilo é um grande cidadão”, como no caso eu posso ser um grande pedaço de mau caminho. Que Deus me livre e me defenda. Tô dizendo assim, no caso como tem muita gente, que a gente encontra no mundo quantas vezes você pensa que é um anjo e no fim é um demônio. Aí, e é assim. É, mas a nossa vida é assim é nós devemos pedir a Deus pra nós atravessar essa ladeira que nos tamo subindo, nós ainda tamo subindo a ladeira. Mas vamos pedir pra nós chegar no topo dessa ladeira. E nós vamos chegar, com fé em Deus. Porque aquele que tem fé em Deus, Deus dá força pra ele não desistir.
P/1 – Tá certo, Seu Antônio. O que o senhor sentiu contando a história do senhor?
R – Olha, eu me senti um, ter esse privilégio, isso foi uma satisfação, um prazer tão imenso. Você não queira sonhar, mas só tem Deus pra saber o que eu tô sentindo dentro do meu coração aqui, de paz, amor. Uma felicidade de mais uns amigos que eu não esperançava de acolher pra mim, pro meu coração, como são vocês. Eu considero como uns grande amigo pelo jeito de vocês acolher a gente, abraçar a gente, tratar a gente. Aquele amor que eu sinto que vocês tem por cada um e tão tendo por mim, eu fico grato. Eu fico grato por essa presença de vocês.
P/1 – Nós que agradecemos, seu Antônio.
R – Só Deus sabe o que eu sinto. Eu fico duma maneira que eu acho que se eu, sei lá, Deus tá vendo. Eu tô feliz.
P/1 – Nós é que agradecemos. E em nome do Museu da Pessoa, a gente agradece também o senhor e a família do senhor por nos receber aqui.
R – Agora, um pedido eu faço aqui, enquanto vai ao ar. Esse pedido que eu tô fazendo aqui, quem for trabalhar nesse Museu, por favor, se ausente do meu retrato, porque aí, ele não vai querer (risos) tá mais trabalhando nesse Museu de jeito nenhum quando olhar, meu amigo.
P/1 – (risos) Tá certo. Obrigada, seu Antônio.
R – Obrigado! Eu agradeço a vocês e termino com um abraço em cada um de vocês de coração e mando um abraço pro dono desse Museu, o nosso Governador que ele, depois de Deus, é o nosso protetor, é quem dá o nosso meio pra nós viver, o emprego pra vós mercês, um emprego pra todo mundo, e o dinheiro pra mim (risos)
P/1 – Tá certo, obrigada! (risos)
R – Obrigado! Um abraço pra vocês. Deus abençoe.
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