Museu Clube da Esquina
Depoimento de Fernando Rocha Brant
Entrevistado por Carla Vidal, Soraya Moura, Pablo Downey, Adriana Angélica e Fernando Bouco
Belo Horizonte, 22/04/2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº MCE_HV010
Transcrito por André de Carvalho Calvanese
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – A gente tem uma pergunta, que é pra todo mundo, a sua identificação. O seu nome, data de nascimento e local.
R – Bom, Fernando Rocha Brant. [Nasci em] nove de outubro de 1946, [em] Caldas, Minas Gerais.
P/1 – A equipe de pesquisa preparou um roteiro extenso. E a gente ontem teve a graça de ler a sua... Seu artigo. Tem uma frase aqui que eu acho que simboliza um pouco o roteiro que a gente fica tentando elaborar, então eu só vou deixar registrado, pode ser o roteiro pra essa nossa conversa.
“Tudo começa com um fio de água. Logo são dois e três. Água corrente, riacho, ribeirão, rio, cachoeira...” Como começa esse fio de água chamado Fernando Brant? Os pais, os avós...?
R – Bom, os pais, quer dizer... Até tem uma história... Então eu vou começar assim, antes de quando eles se conheceram, que são coisas que eu estou escrevendo... Uma coisa... E aí eu lembrei desse fato, que me foi contado por uma avô de uma amigo meu. O meu pai... Minha mãe é de Pitangui, Minas Gerais; meu pai, de Diamantina, veio pra Belo Horizonte, estudou aqui, e foi ser promotor lá em Pitangui.
Lá em Pitangui tinha aquele negócio do footing, os rapazes... As moças andando em volta, os rapazes na beirada, olhando. Ele gostou da minha mãe, só que ela já era quase noiva e ele era tímido pra danar, então ficava aquele negócio assim, olhando.
Um dia, esse seu Joaquim, que era amigo dele, o empurrou pra cima dela e aí tudo começou. Acabaram casando, vieram pra Belo Horizonte, onde nasceu meu primeiro irmão, meu irmão mais velho, Roberto. E daí ele começou a carreira dele no negócio de...
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Depoimento de Fernando Rocha Brant
Entrevistado por Carla Vidal, Soraya Moura, Pablo Downey, Adriana Angélica e Fernando Bouco
Belo Horizonte, 22/04/2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº MCE_HV010
Transcrito por André de Carvalho Calvanese
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – A gente tem uma pergunta, que é pra todo mundo, a sua identificação. O seu nome, data de nascimento e local.
R – Bom, Fernando Rocha Brant. [Nasci em] nove de outubro de 1946, [em] Caldas, Minas Gerais.
P/1 – A equipe de pesquisa preparou um roteiro extenso. E a gente ontem teve a graça de ler a sua... Seu artigo. Tem uma frase aqui que eu acho que simboliza um pouco o roteiro que a gente fica tentando elaborar, então eu só vou deixar registrado, pode ser o roteiro pra essa nossa conversa.
“Tudo começa com um fio de água. Logo são dois e três. Água corrente, riacho, ribeirão, rio, cachoeira...” Como começa esse fio de água chamado Fernando Brant? Os pais, os avós...?
R – Bom, os pais, quer dizer... Até tem uma história... Então eu vou começar assim, antes de quando eles se conheceram, que são coisas que eu estou escrevendo... Uma coisa... E aí eu lembrei desse fato, que me foi contado por uma avô de uma amigo meu. O meu pai... Minha mãe é de Pitangui, Minas Gerais; meu pai, de Diamantina, veio pra Belo Horizonte, estudou aqui, e foi ser promotor lá em Pitangui.
Lá em Pitangui tinha aquele negócio do footing, os rapazes... As moças andando em volta, os rapazes na beirada, olhando. Ele gostou da minha mãe, só que ela já era quase noiva e ele era tímido pra danar, então ficava aquele negócio assim, olhando.
Um dia, esse seu Joaquim, que era amigo dele, o empurrou pra cima dela e aí tudo começou. Acabaram casando, vieram pra Belo Horizonte, onde nasceu meu primeiro irmão, meu irmão mais velho, Roberto. E daí ele começou a carreira dele no negócio de juiz. Ele fez um concurso, se tornou juiz e começou a viajar por Minas Gerais, porque de dois em dois anos eles mudavam de cidade. Dois, três anos. Tanto que lá em casa, teve gente que nasceu... Somos dez irmãos e tem gente de Belo Horizonte, depois Pitangui, Uberaba, Caldas, depois Pitangui outra vez, aí Diamantina, [em] que ele ficou um tempo, depois voltou pra Belo Horizonte.
Eu nasci em Caldas [no] dia 09 de outubro de 46, e segundo minha mãe, nesse dia a terra tremeu. (risos) Porque ali é uma terra meio... Geologicamente tem uma confusão no negócio de atômico, de não sei o quê... De urânio, sei lá. Só sei que a minha mãe falava isso, que a terra tremeu.
Eu fiquei em Caldas até antes de eu fazer cinco anos, porque eu lembro que fiz o meu quinto aniversário já em Diamantina. Eu lembro por causa de uma coisa interessante que aconteceu: no dia do meu aniversário, que eu fiz cinco anos… Lá em casa não tinha geladeira, não [se] usava essa coisa, mas choveu pedra. A minha mãe foi lá no quintal, deixou uma bacia, pegou aquelas pedras de gelo e pôs nos refrigerantes. (risos)
P/1 – Genial!
R – [Pra] Caldas eu nunca mais voltei. Só fui voltar o ano passado, em 2003, apesar de sempre combinar com os primos que ia lá. Acabei não indo, mas no ano passado eu fui lá. E é bom que a cidade… Apesar de eu ter umas lembranças muito nebulosas que eu tinha, era muito pequenininha. Tinha uma igreja de um lado, uma igreja do outro, uma praça. Eu lembrava alguma coisa, mas na realidade bateu, porque...
Mas meus avós, né? Bom, de parte do meu pai era o Pedro Ferreira Brant, de Diamantina, família Brant de lá, casado com a Etelvina Pimenta. Essa eu não conheci, porque morreu [quando] meu pai era novo ainda. Esse meu avô veio a se casar outra vez, com uma pessoa que a gente chama de tia - Tia Idalina, que está viva até hoje, aos 95 anos, mas... Vieram pra Belo Horizonte e vieram morar num... Que coisa engraçada, numa rua chamada Gonçalves Dias, 54.
O meu avô, com essa segunda mulher - primeiro com a mulher dele; depois, alguns anos mais tarde, com a segunda... Mais tarde esse lugar, esse lote… Essa casa foi vendida, porque era… Ali se construiu o Cabaré Mineiro, que foi uma casa de espetáculos muito importante aqui num determinado momento em Belo Horizonte. E hoje voltou a ser... Hoje tem um prédio que tem o nome da minha avó, Etelvina Pimenta Brant. E o gozado é que lá nesse prédio mora o Robertinho Brant, que é o meu sobrinho, mora o meu irmão Pedro, e agora mora minha filha que casou recentemente.
P/1 – De onde vem o Brant?
R – O Brant é... Pelo que pesquisas, árvore genealógica [dizem], a gente descobriu que o Brant vem do Duque de Brabant, na Bélgica. Você tem um livro do Antônio Houaiss sobre a história da cerveja, que começa assim: “No século XIII, o Duque de Brabant, o monarca da cerveja...” Ele era considerado o monarca da cerveja. Esse Duque de Brabant teve um amor plebeu e aí nasceu um menino; deram o nome dele de João de Brant. Quer dizer, não pegou o nome real, do sangue azul, mas parece até. Eu já vi história que ele cuidou bem dele, protegeu, deu terras. E a família desse João de Brant depois acabou indo pra Espanha, Portugal. De Portugal, um tempo depois, não sei quanto... Eu sei que tem a árvore genealógica, ela fala, mas ele... Vieram parar no Brasil.
P/1 – Então às vezes não é nem sangue azul que corre, é cevada? Mas...
R – Eu costumo falar até que são sete séculos de... É que a Bélgica tem muito disso. Os conventos lá, em vez de fazer vinho, faziam cerveja. Até hoje tem aquelas cervejas trapistas, que são ótimas.
P/1 – O ofício mesmo vem com os monges.
R – Exatamente, os monges faziam cerveja e chocolate também.
P/1 – Ora, elabora e se diverte um pouco, não dá pra sofrer tanto..
R – Exatamente.
R – Na parte da minha mãe tem... O pai dela chamava Lacerdino Lacerda Rocha e era casado com a Lucia Alves da Silva Lacerda. Quando eu o conheci, ele já era gerente do Banco de Pitangui, mas ele foi muito viajante, vendendo coisas. Teve muito empregados, tem umas histórias engraçadíssimas e coisas estranhas que ele contava e as minhas tias contam também.
Umas três vezes que ele estava assim, pondo a família em dificuldade, sem emprego, viajava, mas estava difícil… Aparecia uma pessoa pra ele, dava o número do bicho, aí jogava. Ele ganhou acho que três vezes. Na terceira vez: “Não, agora você não vai precisar mais.” (risos)
A minha avó era aquele negócio... Vó... Quer dizer, eu tenho uma memória muito boa dela. Era uma família com sete irmãos, irmãos da minha mãe. Desses sete irmãos, deu de neto quase cinquenta ou mais, porque a mais velha teve quinze, lá em casa teve dez, outras tiveram... Tiveram, então, um... Aquela coisa bem família mineira daquele tempo, farta, abundante. O meu pai tem muitos primos também, mas é menos.
P/1 – E você teve quantos irmãos?
R – Eu, na realidade, tive... A minha família tem dez, mas eu tive dez irmãos, porque a caçula morreu com cinco meses de idade; [se] chamava Claudia Maria, era a caçula mesmo. Ela teve essas viroses que dão sem ter nada, deve ter pego uma gripe mais danada lá e... Mas ela foi. Os outros todos estão vivos e moram aqui, o que é uma coisa interessante. A gente é muito unido e essa coisa de família e morar todo mundo junto é um negócio que... Os laços ficam muito profundos. Que mais?
P/1 – É bem mineiro mesmo.
R – Bem mineiro. A mesma coisa na relação de amizade que a gente tem. Tem muito a ver com... Os amigos que a gente faz aqui são amigos há muitos anos, que a gente está sempre encontrando. Essa combinação dos amigos e da família é uma coisa que explica muito o que a gente é.
P/1 – A identidade do povo, né?
R – Sim.
P/1 – Que tipo de garoto você foi na sua infância?
R – Eu fui um garoto... Quer dizer, se eu não... Moleque mesmo, bagunceiro não era não, mas... Tanto que esse negócio de aula, eu sempre gostava de uma coisa. Eu ia à escola, prestava atenção, porque prestando atenção já... Quando ia fazer a prova [era] só estudar no dia, mas eu lembrava tudo, então tudo bem.
Na realidade, na época eu vivia na rua; gostava muito de jogar bola, futebol, pelada. Desde Diamantina e depois, quando eu cheguei em Belo Horizonte, muito o negócio de... Eu sempre morei em casa que tinha muita fruta, então eu vivia trepado nas árvores, buscando fruta. Ou então mesmo na rua de Belo Horizonte, que era arborizada de uma maneira diferente; nas avenidas do contorno, Afonso Pena, a gente tinha mania de... Às vezes ficava lá, horas em cima das árvores, conversando...
A gente jogava futebol, que é pelada, e um outro jogo que é muito comum em Belo Horizonte. A gente acha que deve ter alguma coisa da origem do negócio dos ingleses que vieram pra Nova Lima, porque é um... Chama bente-altas, que é um jogo com uma bolinha de meia; tem duas casinhas, uma de cada lado e tem o que eles chamam de par. Quem está no comando do jogo, fica com o pé na pá e o outro fica lá. Os dois adversários jogam a bola pra tentar acertar, quebrar a casinha. Se quebrar a casinha, troca a posição; se o cara chuta a bola pra longe, enquanto o outro vai buscar, cada troca de posição é um ponto.
Muito tempo depois eu fui ver que críquete é mais ou menos isso, o jogo inglês. [Em] alguns lugares do Brasil joga-se isso, mas com o taco; a gente jogava com o pé.
P/1 – Joguei muito isso na rua, com taco.
R – A gente jogava com chute, né? É que é aquele negócio de brasileiro, o negócio é chutar.
P/1 – Além da diversidade do sotaque, das frutas, tem as brincadeiras...
R – Tem as brincadeiras.
P/1 – E na sua casa, como era o ambiente com seus pais, com seus irmãos?
R – Era ótimo, porque, exatamente... Sempre tinha um novo lá, toda hora tinha um novo lá. E esse negócio de existirem muitos filhos, pai e mãe não tem nem muito tempo pra ficar... Quer dizer, tem que deixar a coisa rolar, porque não... Então a gente cresceu muito [com] amigos, os irmãos, e vivia na rua também.
A cidade era muito mais tranquila, você podia ficar na rua. [Em] época de férias, por exemplo, eu só aparecia pra comer, pra tomar banho, pra dormir. Durante o ano, ia pra escola e... bom... A gente se ajudava.
A gente sempre teve uma convivência muito boa, porque a minha mãe era uma pessoa - ainda está viva - que agregava muito. E o meu pai era juiz, trabalhava muito; ele trabalhava no fórum, mas também trabalhava no escritório. Tinha aqueles almoços e jantares, porque antigamente almoço e jantar [era com] todo mundo sentado na mesa, mas era uma coisa muito boa, muito democrática o tempo todo. Eu lembro até que muito tempo depois, a gente... [Em] 64 eu devia ter... Eu tinha quinze anos, ia fazer dezesseis, quando começou o abuso dos militares... O meu pai, que era um juiz, gostava do PSD, e tal... Aí começou, discutia na mesa. O meu irmão trazia notícias estudantis, de absurdos e o meu pai também começava a achar um absurdo. Então, todas as coisas de política, as coisas comuns do dia-a-dia, a gente conversava. Era uma coisa muito pacífica, muito boa.
P/1 – Saudável.
R – Saudável, muito saudável.
P/1 – E a música na sua casa, como ela acontecia?
R – É, o meu pai gostava de música, mais assim... Na época ouvia muito rádio, e rádio que tocava música boa da pré-bossa nova, então de Tito Madi, de Elizete Cardoso, Agostinho dos Santos. Então eu acompanhava essas coisas, lia jornais também e... E disco, a primeira vitrola que chegou lá em casa, foi o meu irmão que comprou, o mais velho; aí já vem trazendo os discos de música americana e também do começo da bossa nova, então...
Foi aos pouquinhos, foi chegando, primeiro através do rádio. Se bem que desde pequeno, lá em Diamantina, ouvia muito a Rádio Nacional, porque a Rádio Nacional era a TV Globo da época, então todo mundo ouvia. Os cantores todos participavam dos programas; ali tinha as novelas dos adultos e tinha a da gente, Jerônimo, herói do Sertão, que era um faroeste brasileiro. Tinha os programas de auditório que cantavam ngela Maria, Emilinha Borba, Marlene, Cauby Peixoto.
Desde pequeno, o negócio de música estava... Porque eu acho que na vida todo mundo... Quer dizer, é difícil a música não entrar na vida da gente, tanto que a música, de uma certa maneira, essa que a gente vai ouvindo, é trilha sonora da vida da gente. Às vezes eu lembro, por exemplo, de Diamantina, tem uma posição que eu... Se eu estivesse no quintal do lugar que eu morei lá, eu lembro de uma música, que era assim:
“...Era de madrugada, raiando o dia
Quando em minha casa bateu Maria...”
Era um samba que tocava na Rádio Nacional. Eu vejo assim: veio na memória a imagem desse lugar, a música vem junto.
“Eu vi você olhando a empregada de casa...
Cozinhando...”
Nessa casa tinha um quintal enorme, tão grande que minha mãe mandou cercar metade, porque não dava conta de cuidar de tudo; [precisou] isolar, porque era fruta demais.
P/1 – E Diamantina, a cidade, como ela era? Como que você via a cidade?
R – É, eu cheguei lá… Eu fiz cinco, seis, sete, oito, nove anos lá, até nove anos e meio, quase dez anos. É um lugar onde eu fiz um monte de amizade, vivia na rua, brincando em enxurrada quando chovia, jogando bola. Morava em frente à praça de esportes, então nadava. E... muita bolinha de gude, finca, essas coisas que menino usava na época. Meninos e meninas, porque as minhas irmãs participavam disso também.
P/1 – O que é a finca?
R – Finca é um... Tem que ser em terra, de preferência não pode ser muito dura... A terra meio molhada, pra não ser muito dura. A finca é um negócio de ferro, um negócio desse tamanho assim; você faz uma casa do seu lado, outra do outro, então cada um joga até errar, até não conseguir fincar. Toda vez que você finca, você vai fazendo a lista, pra ligar pra você rodar. E quem voltar primeiro pro seu lugar, ganha. Tem várias coisas engraçadas, porque você vai indo, aí o outro vem e em vez de ele fazer o dele, ele te dá uma fechada pra você rolar e não conseguir andar pra frente, e aí vai, então... É uma brincadeira assim, que a gente... [É] na terra, são alguns brinquedos que hoje [são] dificílimos de [fazer] porque só tem asfalto.
P/2 – Eu sou a segunda pessoa que fala. Eu não conhecia esse jogo, bem divertidão, é quase que um xadrez rural.
R – Rural... (risos)
P/1 – Você fica até os nove anos em Diamantina e...
R – Até quase dez anos, porque eu vim pra cá em junho; eu ia fazer dez em outubro.
P/1 – Aí você já faz o ensino que hoje equivale ao...
R – Eu estava no terceiro ano, de primário. Eu estudei lá até… Isso aí, vim aqui pro grupo Barão de Rio Branco, aí fiz o [primário]... Completei, depois eu fui pra fazer o ginasial em outro, no colégio Arnaldo.
P/2 – E essa mudança de Diamantina pra BH foi muito marcante? Como é que foi?
R – No começo foi, tem até uma música com o Sirlam, que eu conto... Tem duas músicas que eu conto essa história, contando da viagem, porque eu vim... Eu lembro que eu vim cantando Recuerdos de Ypacarai; uma tristeza danada, porque é uma música muito triste. Eu vinha cantando. Saía de Diamantina, era estrada de terra, tipo seis horas da manhã; só chegamos aqui cinco horas da tarde.. Nessa letra eu até falo...
“Sabe o que já perdeu de vez...”
“Não sabe o que vai encontrar
Mas já sabe o que perdeu de vez.”
Então [era] aquela melancolia, aquela tristeza.
Mas cheguei aqui, tinha um monte de primos; fui recebido na rodoviária, já foi...
E nessa época, a gente foi morar num lugar que [era] perto de casa de tio, aí a gente [se] enturmou logo. E aí tinha o bonde, eu fiquei amigo dos motorneiros, tanto que eles paravam em casa pra eu subir, pra descer, não parava em ponto.
Quando eu vim pra cá, Belo Horizonte, em alguns lugares, era um pouco mesmo como cidade do interior mesmo, então se tinha... Na esquina se tinha o sapateiro, o barbeiro, o açougueiro e o bar. E a gente jogava bola no meio da rua, então... A cidade era tão tranquila que a gente ia a pé pro grupo [escolar] , _____ de cara...
P/1 – Esse grupo era...
P/3 – Você falou em açougueiro e bar, a cerveja chegou. (risos)
R – Foi a senha.
(PAUSA)
P/2 – Como se chamam as músicas e o que elas retratam no momento que você vem de Diamantina pra Belo Horizonte?
R – A primeira é Viagem às origens, que eu conto essa coisa de eu vir cantando Recuerdos de Ypacarai, uma tristeza. E a outra eu conto... Está me falhando, [estou] esquecendo o nome dela, mas... Porque aí é exatamente eu conversando com o motorista:
“Liga o motor, motorista
Está na hora de ir...”
Na realidade, as duas se completam um pouco. Eu contei essa coisa do mineiro de estar... Eu estava completamente integrado ali na cidade de Diamantina, tinha os meus amigos todos. É uma coisa horrorosa, você tem que ir embora, você vai pra outro lugar, quer dizer, tem que ir porque eu conto... O meu pai nomeado, ia pra capital. Eu vim, mas vim bem chateado, bem triste. Mas quando eu cheguei aqui, logo me acostumei e fiz amizade, foi continuando a travessia.
P/3 – Depois que vocês chegaram e instalaram aqui em Belo Horizonte, como era a casa que vocês vieram pra morar?
R – Pois é... Em primeiro lugar, os primeiros dois, três anos a gente morou numa casa de uma tia do meu pai, mas era uma casa meio... Ela era um quintal enorme, mas a casa mesmo era meio... Bem pequenininha, porque na frente dela tinha um salão de beleza, aí tinha só um portão que a gente entrava e a casa. Era bom que a gente fosse pro quintal, porque se ficasse todo mundo o tempo todo dentro da casa era meio complicado.
A gente morou até dezembro de 59. A gente chegou aqui em junho de 56, porque o meu pai, nesse meio tempo, pegou um empréstimo na Previdência - tinha isso na previdência estadual, funcionário poderia fazer empréstimo imobiliário - e comprou uma casa, pra a gente mudar pra lá. Só que quando ele foi reformar, ele viu que não dava pra reformar, tinha que fazer outra, então derrubou essa aí. E a dificuldade financeira na época era... Na realidade, o Brasil, nesse tempo, era um Brasil muito mais pobre. As pessoas... Não tinha essa diferença que tem hoje, de cara. O que seria a classe média era sim, mas era contadinho mesmo: tinha que ter conta na padaria, conta no açougue, pra quando chegar no fim do mês, quando receber, ir distribuindo. No resto do mês o dinheiro não rodava, era uma coisa muito difícil.
Essa casa demorou muito pra construir porque ela só teve um pedreiro; um pedreiro sozinho construiu ela porque era a maneira, porque ele só podia pagar um, então demorou três anos pra ficar pronta. Essa aí já foi maior, depois mais tarde cresceu um andar, porque os meninos crescendo, já estava... A vida íntima dos meus pais estava ficando um problema. Hoje eu acho isso, na época eu não sabia por causa de que não...
Eles fizeram um segundo andar, quiseram o escritório dele, o quarto, porque aquilo era uma... Porque a minha casa, além dos irmãos, a gente sempre chamava, os primos todos iam pra lá. Tinha primo que ficava o dia inteiro lá em casa, estudava em casa, ia à noite, de manhã, almoçava, jantava, quer dizer, era uma bagunça danada. Quando eu entrei nesse negócio de música, além dos primos, começou a vir o pessoal do ____ : ficava o Ronaldo Bastos, Naná Vasconcelos, todo mundo vinha e dormia lá. Minha mãe chegava lá, estava aquele monte de gente dormindo.
P/1 – E ela levava na boa?
R – Na boa. O pessoal vinha, depois ia almoçar... É aquele negócio, quem tem dez, come quinze.
P/1 – É só saber repartir direito.
R – Repartir, é.
P/1 – E a escola, como era? Era pública?
R – Escola pública. Eu ia fazer no colégio estadual o ginásio, mas aí tinha o negócio do... Eu perdi. Eu fui fazer um exame - não era exame, era uma espécie de vestibular, porque na realidade tinha pouca vaga, mas eu não passei. Eu não passei sabe em quê? Português.
P/1 – Não acredito.
R – Meu pai foi pedir revisão, não acreditou, mas é que eles tiravam meio ponto por vírgula ou acento. Quer dizer, quarta série de grupo, não dominava... Então era assim: cada acento que eu colocasse errado ou não colocasse, era meio ponto. Só aí foi uns oito ou nove com vírgula, tudo deu cinco; não dava pra passar porque tinha gente que tinha tirado mais.
Por isso eu fui fazer no colégio particular, que é o Colégio Arnaldo de... Um colégio de padre, que... Hoje eu vejo como uma experiência boa. Em termos dos colegas era ótimo; tinha bons professores, mas era um regime muito autoritário, era um colégio que tinha uns padres alemães. A gente chamava: “Tudo nazista.” Ao mesmo tempo tinham uns professores civis, que eram muito bons.
Era um negócio muito rígido, aquele negócio assim de dizer... De ter castigo depois da aula, coisa assim, mas ao mesmo tempo... Eles também não aguentavam muito aquela meninada não, porque acabava... Eles queriam ser mais autoritários do que conseguiam. E era um colégio que tinha tinha campo de futebol, piscina, tinha lugares... Jogava-se finca, bola de gude, porque era tudo de terra em volta das salas de aula. Hoje está tudo cimentado.
P/1 – A sua família era religiosa?
R – Religiosa sim, mas não era radical, às vezes... Meu pai e minha mãe eram católicos, os dois. E até... Nesse caso, até… No Colégio Arnaldo era obrigado a fazer toda sexta-feira… [Na] primeira sexta-feira do mês tinha a missa e a comunhão. Tinha uma história que com nove primeiras sextas-feiras se ganhava indulgência plenária, isso aí é história da igreja. Como eu passei quatro anos lá, eu falei: “Bom, agora eu posso pecar à vontade, eu estou garantido.” Nem é que eu tenha feito isso, mas... Estou quatro vezes de indulgência plenária, está bom demais.
P/1 – Pô, pra geração toda!
R – Pra geração, pra família.
P/3 – _______ seus pais.
R – É. (risos)
P/3 – Como era o bairro dessa casa feita por um pedreiro só?
R – Ele era tranquilo. Hoje é...
P/3 – Que bairro que é?
R – Serra com Funcionários. A outra casa era três quarteirões acima.
Enquanto a gente morava lá passava bonde. Jogava bola na Avenida do Contorno, que era uma ladeira enorme, mas... Essa outra é um pouco pra baixo, na fronteira de Funcionários e Serra. Era ao lado de uma padaria também, Padaria São José. Do lado da padaria tinha o Preto´s Bar. (risos) Essa padaria era boa, porque quando vinha de festa, antes de chegar em casa, entrava por trás, pegava o pão com o padeiro quentinho, retirava do forno, passava manteiga e derretia.
Era tranquilo. A gente jogava bola lá, porque hoje, você passa lá e fala: “Bom, como é que jogava bola aqui?” Não é possível pelo movimento que tem hoje. Mas a gente jogava bola, tinha muitos amigos. O colégio estadual que eu vou mais pra frente, quando eu vou fazer clássico... Por exemplo, tinha o ponto de ônibus Getúlio Vargas ali e a minha casa tinha um murinho assim, que era perfeito pra sentar, então toda manhã estava aquele monte de cara do Colégio Arnaldo, moços e moças esperando ônibus, porque o ponto é na frente. Hoje tem que ter grade, né? (risos)
P/1 – É, cada vez mais. Na sua casa, vocês tinham... Os seus pais, por esse perfil até moderno pra época, vocês tinham hábito da leitura? Como era?
R – Tinha muito, porque o meu pai mesmo tinha biblioteca enorme. Depois, o meu irmão mais velho... Também é uma coisa que influencia. O Roberto é um cara que está sempre preocupado no negócio de cultura, e a tendência da gente é ir acompanhando. Essa coisa de livro lá sempre teve muito.
P/1 – Desses livros, o que que te começou a despertar, mexeu com você?
R – Eu lia muito as coisas. Primeiro que eu lia jornal, eu lia desde muito tempo também, porque é uma coisa que... Por exemplo, eu lembro que bem pequeno eu lia o Última Hora - aliás, o jornal aqui de Minas publicava os cronistas: prêmio da Última Hora, que é o Stanislaw Ponte Preta, Antônio Maria, Nelson Rodrigues... Armando Nogueira no futebol, que escrevia maravilhosamente bem, escreve ainda. E livros: primeiro teve os de colégio, mas... Depois Machado de Assis. Quando dava aqueles negócios de Coelho Neto, aquele negócio era mais complicado... Zé de Alencar não era muito...
P/1 – A revista O Cruzeiro já existia?
R – A revista existia, mas eu não estava nem pensando.
P/1 – Mas você não lia?
R – Lia, porque eu... Outro dia até estava lendo, esse ano está fazendo cinquenta anos do lançamento da Luluzinha, da história. Eu lembro que a primeira Luluzinha que saiu eu comprei em Diamantina. Desci da minha casa, fui exatamente pra comprar O Cruzeiro, porque O Cruzeiro era no Brasil inteiro, chegou a ter na época setecentos mil, oitocentos mil de tiragem. Isso era um absurdo pro Brasil, naquela época.
Eu lembro de ter ido lá comprar, eu ia toda semana lá buscar O Cruzeiro e via as revistinhas lá, Luluzinha e ia... Então já tinha O Cruzeiro.
P/1 – E você era leitor.
R – É.
P/1 – Você estudou nessa escola, depois você vai pra essa outra escola pública pra fazer o que é hoje...
R – Clássico.
P/1 – Clássico?
R – É, porque o Colégio Arnaldo, então, só tinha científico, não tinha clássico, e isso interessava pra quem fosse fazer Engenharia, Medicina, essas coisas. Outra profissão aí está danada, porque... E apesar de ser... Gozado, eu sou um cara que mexe mais com cultura, mas eu sempre gostei de matemática. Eu só fiz matemática no ginásio, mas até pouco tempo atrás... Ainda assim filho pergunta uma coisa e lembro de coisas daquela época, porque tive bons professores de matemática.
O colégio estadual, que eu mudei, na realidade era um... O colégio era maravilhoso, ainda não tinha esse negócio de cursinho, e tanto no científico como no clássico, o pessoal fazia o terceiro ano e ia direto pra faculdade, passava; era um alto nível mesmo. Os professores lá eram catedráticos, tinha que fazer concurso, tanto que eu tive professor de português que tinha acabado de ser reitor da universidade, quer dizer, o nível dos professores era fantástico.
No clássico então você tinha português, inglês, francês, espanhol, história, geografia, filosofia, latim. Latim foi uma das que eu mais aprendi por causa de um professor, que por acaso era de Diamantina, chamado Altimiras. Em vez de ele ficar só na declinação, conjugação, aquele negócio de latim que era meio complicado, ele aplicava mesmo é pro português. Ele mandava você fazer versão e retroversão. Ele dava um texto em português pra você tentar transformar pra latim, mas ele fazia também o contrário. E o mais importante: ele ia ao quadro, punha uma palavra em latim e... Por exemplo, o verbo fero, fers, tuli, latum, ferre. Falava assim: “Pega o fero”, que é o primeiro, “o que deu...” Ele falava assim: “Significa isso, o que é isso em português?” Aí todo mundo, na sala... A gente, pra cada palavra latina, descobria cinquenta em português, porque na realidade era o centro da palavra e você punha prefixos e sufixos, então com uma palavra em latim, a gente estava aprendendo cinquenta em português.
Sei que o nível da coisa lá era uma coisa fantástica. E quando eu mudei pra lá, até tem um... Eu fui pra lá pro colégio estadual em 63, e eu acho que fomos... 63, 64, 65 foram acho que básicos pra minha formação. Porque eu cheguei lá, estava acostumado com o Colégio Arnaldo, um monte de agito legal, os colegas, mas lá se discutia futebol, pessoal negócio de fumar, sei o quê... Aquelas amenidades. Eu chego no estadual, vou... acaba a aula... primeiro a matéria lá que era dada era um negócio de um nível muito maior do que eu tinha. E depois, os colegas... eu sentava... ia nos intervalos, via na conversas dos caras... aí os caras, falava...já estavam falando em 63, 64, Fellini, Orson Welles, João Cabral [de Melo Neto], Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, [Federico] Garcia Lorca...
(PAUSA)
R – O nível no colégio estadual, na sala de aula, dos professores era muito grande, e aí eu fui ver que os alunos também eram. Então [era] música clássica, cinema, literatura brasileira mais moderna, literatura americana, tudo. A conversa deles era isso. Pra ficar na turma, eu tinha que chegar em casa e ir atrás das coisas, então eu comecei a ler desbragadamente. O que eu não tinha em casa, eu ia [buscar] em biblioteca pública, que tem na Praça da Liberdade; eu era ali freguês diário, pegava um livro por dia, ia lá, voltava… E cinema, comecei a ver e ver de outra maneira. comecei a entrar pra cineclube.
Foi, na realidade, a época que mudou minha vida, que me deu um caminho. Num mesmo ano eu conheci Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoa, Garcia Lorca e outros... Guimarães Rosa, Graciliano Ramos. O negócio foi... No colégio Arnaldo eu não sabia disso, não.
P/1 – Você que apresentou o Lorca pro Márcio, não foi?
R – Foi. É porque aí eu apaixonei, e aí... Sabia de cor um monte de coisa.
P/1 – Romanceiro agitado.
R – É, romanceiro agitando. (risos)
P/1 – Bodas de…
R – Bodas de ‘Sangre’.
P/1 – Aí deu um chacoalhão?
R – Deu um chacoalhão e aí que eu vi o que eu ia ser.
As aulas eram ótimas. Eu fiz o primeiro e o segundo ano lá; quando chegou o terceiro eu fiquei sabendo que na universidade estavam criando um colégio universitário. Fiquei sabendo que era muito bom, aí eu fiquei assim, pô... Resolvi com alguns colegas fazer concurso pra fazer o terceiro lá, só que tem que... Passei e fiquei em dúvida se eu ia pra lá ou não porque a aula só ia começar em abril - ainda estava em construção o raio do colégio, tanto que eu frequentei... O primeiro mês do colégio estadual, eu ainda frequentei. Eu ia nas duas últimas aulas, principalmente pra ver os colegas e pra ver se eu ia sair ou não. Nesse terceiro ano, eu só ia nas duas últimas aulas, que coincidentemente eram de português, dadas pelo Afonso Romano Santana, ele era professor.
Mas quando o colégio universitário abriu, eu resolvi ir pra lá. E na época em Belo Horizonte era considerado uma loucura você sair do lugar que eu morava, na Serra, pra ir à Pampulha. A Pampulha era um lugar que o pessoal ia pra passar um fim de semana, era pra pessoal... Tinha sítio, não era um lugar... Tanto que as universidades... A universidade só tinha lá a reitoria; a gente foi pioneiro ali, quase.
Era um negócio danado, porque ao mesmo tempo que eu estava no negócio de cultura, já estava um pouquinho na boemia, então frequentava o [Edifício] Maletta, dormia metade... Eu tinha que estar na Pampulha às sete horas e tinha que pegar um ônibus lá na cidade, um ônibus da reitoria até seis e meia, no máximo. Mas o negócio era tão bom, que eu nunca perdi. Na realidade, às vezes ficava lá o dia inteiro; esse colégio também foi uma experiência completamente maravilhosa, porque era em departamento.
Eu era das Ciências Sociais, [era] bem assim: Departamento de Português, eram oito professores que ficavam ali o dia inteiro, cada um dava um tipo de coisa. Filosofia, cada um... Eram vários. Geografia, História, Latim, então era um ambiente que... Pô, era melhor ainda que o colégio estadual, porque era um avanço, era uma maneira completamente nova. E só professor recém-formado em Letras, essas coisas, tinham um entusiasmo danado, tanto que eu fui fazer... Quando eu fui sair de lá no fim do ano, o pessoal de Geografia queria que eu fizesse Geografia, o pessoal de História queria que eu fizesse História, o de Português que eu fizesse Português e assim por diante. Mas aí, como eu tinha ficado muito amigo deles - uns até frequentavam comigo o Maletta - eles depois falavam: “Na universidade não vai ser tão bom assim, não. Isso aqui é bom, mas lá vai ser um choque.”
Acabei fazendo Direito porque me tomava menos tempo, eu já estava interessado em outras coisas. Faculdade de Letras, Filosofia, essas coisas, ainda estava muito no começo, não era como é hoje. Jornalismo não era importante. Na realidade, a pessoa... 90% das pessoas faziam Direito ou Medicina ou Engenharia. E na faculdade de Direito, realmente, o pessoal... Eu fui conhecer gente assim: o pessoal de literatura, de jornalismo, de teatro, de música, todo mundo estava fazendo Direito. Tinha duas horas de aula e depois lá embaixo que aconteciam as coisas.
P/1 – E você escolheu um pouco por influência do seu pai?
R – Do meu pai, é. “Vou fazer uma universidade, mas eu não vou ser advogado”, então... Aprendi muito, porque nessa época eu já estava trabalhando no Juizado de Menores, que foi uma experiência interessante. Foi o primeiro emprego que eu arrumei, nomeado no Estado; fui ser escrivão... Escrevente.
Trabalhei num monte de coisa, tinha umas experiências de vida... Porque menor infrator era uma coisa que acontecia pouco na época, tinha mais menor abandonado, mas o trato com problemas de famílias humildes e coisas assim.
Foi uma coisa que… Aprendi tanta coisa na vida ali. Lá eu conheci, no juizado, por exemplo, um personagem que está em várias músicas que eu fiz com o Bituca, que é o seu Francisco. Era um preto velho, grandão, que fazia o café lá. A gente era muito amigo, antes de servir os outros ele me chamava lá pra tomar café primeiro. Depois ele... No fim da tarde, quando ficava tranquilo, a gente sentava num banco e ele ficava contando as histórias dele, e aí eu aprendi muita coisa. Ele é um cara [que] me serviu de exemplo pra um monte de coisa, uma dessas pessoas simples, mas que tem uma sabedoria danada. Ele tinha vindo de Ouro Fino, que é uma cidade do sul de Minas, pra cá, mas era um pessoaço.
Eu ia falar uma coisa que esqueci. Voltando pra esse negócio do colégio estadual, por exemplo, [no] Colégio Universidade, uma das minhas professoras... Agora está saindo um livro com umas crônicas minhas pela Record, saiu já, parece, esses dias, e a apresentação é de uma dessas minhas professoras, _______. Eu encontrei com ela, falou assim: “Tem esse negócio aqui...” “Eu quero fazer apresentação, aí é demais.”
P/1 – No Estado, você divide a semana com o Santana? Foi longe, o garoto.
R – É. (Risos)
P/1 – E o Maletta, como você foi parar lá? Quem te levou para o mau caminho?
R – Os colegas do Estadual, uns inclusive amigos do Marcinho. Eu fiquei conhecendo o Marcinho um pouco foi por causa disso - quer dizer, foi com o Bituca, mas o...
Eu conheci primeiro no colégio Estadual; são o Cervo Siqueira e o Zé Fernando de Almeida e Silva, esses começaram a me levar pro Maletta. Tanto que eu fui conhecer o Milton... Tem duas histórias, quer dizer... O Marcinho conta no livro dele uma coisa que realmente aconteceu e foi anterior, mas foi muito rápido, tanto que na época eu não percebi muito. A gente estava pegando o ônibus, Getúlio Vargas; esse Cervo morava dois pontos antes de mim. Passei pela roleta e eles estavam lá; conversamos, mas desceram logo depois, dois, três minutos depois. O Milton é que fala, depois me falou o Bituca, que falou: “Eu vou ser amigo desse cara aí.” Pouco tempo depois, na porta do Maletta, o Zé Fernando me apresentou mesmo. Foi uma apresentação que a gente entrou no bar, sentou na mesa e começou a conversar. Depois fomos em outro na Praça Raul Soares e passamos a noite inteira assim, conversando, rindo pra danar e ficamos amigos. Quer dizer, são... As duas versões estão certas, elas se completam.
P/1 – E o Marcinho, você conheceu por causa do Sérvulo?
R – Não, mas quando eu fiquei amigo do Bituca ele já introduziu o Marcinho. O Marcinho eu conhecia meio de vista, porque eu não… Mas o Sérvulo era amigo dele - aliás, o Zé Fernando também era. A cidade era pequena, as pessoas frequentavam mais ou menos os mesmos lugares, então era inevitável que um dia a gente [se] encontrasse.
P/1 – Desse encontro, no livro o Márcio diz que o Bituca falou assim: “Conheci um cara ontem e aquele nosso pacto vai ter que ser rompido.” Qual é a sua versão pra essa história?
R – Na verdade, ficamos amigos em 65. [Em] 66, ele [se] mudou pra São Paulo pra participar de um festival lá, defendendo a música do Baden Powell. Acabou ficando por lá, achando que ia tentar a profissão ali, porque aqui não estava dando.
A Elis gravou a Canção do sal e o que acontecia era o seguinte: a gente se encontrava no máximo de quinze em quinze dias; ou a gente ia pra lá ou ele vinha pra cá, sempre num ônibus - Cometa, Útil, sei lá. (risos) Saía [na] sexta-feira à noite, voltava domingo à noite. Ele mostrava as músicas que tinha feito com o Marcinho, as músicas que ele tinha feito. Antes de ele me mostrar Travessia, ele já tinha feito Morro velho, Pai Grande... ___ Essas músicas, você mesmo tem que fazer essas... “Tinha que ser você mesmo pra fazer essas letras”.
Um dia, lá por 67, porque... Não sei exatamente quando, porque a gente deve ter feito a letra lá pra junho, mas ele deve ter me mostrado antes, lá pra março, abril. Mostrou a música - mostrou sim, achei bonita - e falou assim: “Eu queria que você fizesse letra pra ela.” “Mas eu não mexo com isso, não sei, nunca fiz.” Ele falou o seguinte: “Eu acho que essa música não é nem pra mim, nem pro Márcio. Tem um jeito seu.”
P/1 – E de onde ele... Das conversas?
R – É, eu acho das conversas. E ele sempre… Ele faz muito isso até hoje. De vez em quando tem uma música: “Essa música é pra tal.”
P/2 – Mas você já escrevia, já...?
R – Não, escrevia essas... Escrevia, mas jornal de colégio, conversava. Lá no Colégio Universitário tinha um... A gente tinha um jornal [em] que a gente fazia mil coisas. Escrever eu escrevia, mas não… Sem profissão, só exercitando.
P/3 – Como é que você conheceu o Milton Nascimento? Como foi esse episódio na sua vida? Como foi esse encontro?
R – O encontro mesmo... Quer dizer, a gente teve primeiro o encontro do ônibus, que foi muito... E tem outro. Na realidade, a primeira vez que eu o vi mesmo... Qual é o anterior, eu não sei...
O show Opinião veio pra Belo Horizonte. Na época, não estava a Bethânia nem a Nara, mas veio o Zé Keti e o João do Vale. E o violonista que acompanhava o Roberto Nascimento não ia poder vir, então o pessoal daqui... Eles entraram em contato, o pessoal indicou o Bituca pra fazer o violão do Opinião. Só que bem que no dia que ele... No dia, o tal do Roberto Nascimento pôde vir, então pra compensar o trabalho que tinha dado pra ele, eles deram um espaço e ele apresentou duas ou três músicas.
Eu estava no teatro Francisco Nunes, eu lembro: “Pô, mas está uma claque danada, que claque.” Porque eu nunca o tinha visto. Ele cantou, ficou bonita pra danar, mas aí veio abaixo a metade do teatro pra frente, porque eram todos amigos dele. Estava o Marcinho, o Sérvulo, as irmãs do Sérvulo, as irmãs do Marcinho.
Então teve esse fato, eu o vi como um compositor lá. Depois teve esse encontro rápido no ônibus e aí o Zé Fernando me apresentou pro Horta, no Maletta. Nós entramos lá pro fundo. Tinha um bar que era o pessoal de música; no Maletta tinha um bar do pessoal do cinema, outro de literatura... O pessoal se frequentava, mas cada pessoal, cada área tinha um bar preferido.
Tinha um bar lá no fundão que não existe mais hoje, chamado Oxalá, que era de um pessoal de Teófilo Otoni. Quem frequentava hoje é o atual Ministro dos Direitos Humanos, o Nilmário Miranda e outros. Lá eles podiam tocar violão e... Ainda me mostrou umas músicas lá, então foi nesse Oxalá que a gente começou. Mas aí ele falou: “Não, aqui está muita bagunça, vamos pra outro lugar.” Nós fomos pra um botequim meu lá na Praça Ramos Soares, porque aí deu pra a gente... Sentamos na calçada, eu, ele e o Zé Fernando, e conversamos. Aí a gente riu que... Sabe aquele negócio? Encontramos... Tinha tudo a ver. [No] dia seguinte, ele já me ligou: “Amanhã tem uma festa na casa da filha do dono da Brahma, você vai?” “Vamos embora.” Eu já enturmei e fui…
Eu estou lembrando um fato. Você falou um negócio de religião, meus pais, não sei que tal... Uma vez ele foi lá em casa... Eu achava engraçado, porque ele ficou lá e perguntou: “Cadê o Fernando, está?” “Não, foi pra missa.” Domingo, [às] seis horas da tarde, eu falei assim: “Que missa, que nada.” Foi direto para um bar que tiver perto da Praça da Liberdade... Aí que tá… Chegou direto, estava eu lá. (risos). Quer dizer, eu já tinha as indulgências plenárias, então… (risos)
P/1 – Tava liberado!
Mas aí ele pega então e... Primeiro é a história do ‘Fio de água’, que são dois... E ele te dá, fala: “Essa música é sua.” Qual foi a sua reação?
R – Primeiro eu falei: “Não, não tem nada a ver.” Ele insistiu, mas aí… Eu resolvi escrever. E é um negócio, ele tinha me dado um tema que ele achava assim: é como se fosse um caixeiro viajante, que passava de... Ficava um tempo na cidade, criava ambiente lá, acabava namorando, mas quando o negócio ficava meio assim, ele ia embora e mudava de praça, tinha que mudar de praça. É aquele negócio, tinha que deixar um amor em cada cidade. Tanto que a música, antes daquela introdução...Ele cantando:
“Quem quer comprar meu sonho... Tã, tã, tã...”
Originalmente [se] chamaria Vendedor de sonhos, aí na hora de fazer eu virei... Achei que não era bem aquilo e tive aquela ideia de alguém que vai embora e o outro fica, fica desesperado e... Mas depois... “Pô, mas a vida continua.” Quer dizer, então já não cabia o Vendedor de sonhos, aí eu achei o negócio da Travessia. E o Vendedor de sonhos a gente foi fazer vinte anos depois.
P/1 – Quando estava pensando na letra, você imaginava assim: “Puxa, isso daqui pode...?”
R – Nada. Primeiro que mesmo ele... Ele era profissional... Também estavs passando… Ele era conhecido pela gente, todo mundo que via achava o máximo. E o pessoal de música do Rio, de São Paulo principalmente, porque ele estava morando lá... Estava acontecendo: ele tinha gravado A canção do sal, estava aparecendo em alguns programas, apareceu no Fino da Bossa. Mas não tinha nada, na verdade eu estava fazendo para um amigo meu. E ainda custei, até contra... Eu custei a mostrar o papel, não sei o quê... Isso eu não lembro exatamente, mas eu devo ter custado, devo ter custado mesmo. (risos) E a gente acertou inclusive essa...
Quando eu mostrei mesmo, ele foi, pegou o violão pra tocar, ver se estava tudo certo. Foi na casa do meu pai, no escritório, e eu lembro que ele tomou um vinho de Caldas. E aí... tudo bem.
É um negócio muito de destino. Esse negócio do Marcinho falar… É lógico, ele só tinha uma música, quer dizer, eu faço com o cara.
A maneira que essa música foi escrita também é engraçada, não sei se você sabe. É porque ele estava pensando, o Milton - eu estou falando Milton, o nome do Bituca. Eu nunca falei Milton, mas... (risos) Ele tinha uma música com o Marcinho, que chamava Hoje é dia de El Rey, a gente adorava, era uma suíte. E aí ele inscreveu num festival da Record. Ele já tinha até escolhido, vai ser o Tamba Trio e Elis Regina. “Nossa!” E todo mundo: “Pô, arraso, hein?”
O Agostinho o procurou pra inscrever no festival do Rio. Ele não se interessou. O que o Agostinho fez? Pediu: “Eu vou gravar um disco e queria que você gravasse umas músicas pra mim.” Ele gravou as três, Travessia, Morro velho e Maria, minha fé, o Agostinho dos Santos inscreveu. E aconteceu um negócio louco, porque Hoje é dia de El Rey não foi selecionada e as três dele entraram no Festival Internacional da Canção. É uma coisa que não acontecia, cada compositor só podia entrar com uma, mas eles acharam que era um negócio tão assim que ele entrou com as três. Aí mudou pro Rio e a vida dele em uma semana mudou. Começou a ter mil solicitações e conheceu todo mundo.
P/1 – E a sua vida?
R – A minha, pois é... Eu lembro que quando foi ter o festival, eu fui pra lá. De repente, na quinta-feira, ela classificou pra final. Quando eu estou lá um dia, chega um carro: meu pai, minha mãe, meus irmãos... (risos) Vizinho, não sei o quê. Eu não estava nem... Eu não tinha absorvido muita coisa, não. Chegaram lá e o... Veio no sábado, aí tirou o segundo lugar. Foi aquele sucesso.
Depois nós fomos pra um... Comemorar, todo mundo, a minha família com o Bituca, o Marcinho. Eu ainda estava meio assim, eu não tinha assimilado muito isso, um negócio de... Porque era uma coisa tão... Eu tinha uma música tão…. De repente eu comecei a conhecer todo mundo por causa dessa música. Porque os caras que eu gostava aqui, ficavam ouvindo rádio, comprando o disco. De repente, os caras viravam amigos da gente.
Foi uma experiência louca, muito de destino isso, tanto que é o seguinte: a segunda música que fui fazer, logo depois do festival, eu já... Eu tinha essa responsabilidade, porque ele ia gravar um disco. Eu falei: “Nossa, e agora? Essa eu sei que vai ser gravada.” É Outubro, a segunda música que a gente fez junto. E que de uma certa maneira, na época, “eu vou melhorar, vou contar aquela história melhor, da ‘Travessia’, que eu não sei se está bem contada.” Não tem nada a ver, mas aí... Quer dizer, essa segunda era uma coisa mais profissional, mas a primeira não, foi uma coisa que eu fiz para o meu amigo.
P/1 – Impressionante.
(PAUSA)
P/1 – O Milton Nascimento, pra gente… O festival não é um divisor de águas na carreira dele...
R – É, [o festival] o pôs em contato com o país e o mundo, tanto que ele assinou um contrato com uma gravadora americana antes de assinar no Brasil. O disco que ele fez aqui foi de uma gravadora pequena, Codil, mas durante o festival ele assinou com a EMI Records.
P/1 – Aí ele vai cuidar dessa carreira.
R –É.
P/1 – E você volta pra BH?
R – Volto pra BH.
P/1 – Como autor de uma canção vencedora. E como sua vida vai tomando um rumo aqui? Você volta pra uma vida normal ou você já começa a pensar...?
R – É, começa a interferir, mas eu continuei fazendo faculdade. O gozado é o seguinte: tem um professor, um jurista fantástico que faleceu recentemente, chama Caio Mário da Silva Pereira, e ele dava aula pra... Eu estava então no segundo ou terceiro ano. Ele dava aula de uma matéria muito... Os estudantes achavam que era uma chatura, que é difícil pra danar, que é um negócio chamado Obrigações Solidárias, Direito Civil, tal... Ele não fazia chamada, o pessoal não gostava da matéria, mas tem o seguinte: o cara era tão brilhante dando aula que eu não perdia nenhuma; as outras mesmo, você assinava lá e ia embora.
Uns dez dias depois do festival tinha prova final. Eu estou fazendo a prova dele, ele virou assim: “O que é mais difícil, isso ou fazer música?” Pô, o cara... né? Por que não era... O Festival da Canção do Rio de Janeiro, eu achei que… Pô, é um negócio tão... Um cara... Engraçado.
Mas eu continuei trabalhando no juizado até um tempo. Eu ia sempre ao Rio, comecei a conhecer as pessoas, até que em 69 eu achei que podia tentar mudar pro Rio. Pedi licença sem vencimento aqui no Estado, estudei dois anos, o que podia, depois renovei, nunca mais voltei, e fui pro Rio pra tentar morar lá.
Cheguei no Rio, comecei a frequentar... Estou lá, andando com o pessoal, e aí um pai de dois amigos nossos, o Pedro Ivo Guimarães, pai de dois músicos, o Cláudio Ferreira e o… Cláudio e Paulo Guimarães, aí me arrumou um emprego na editora da revista O Cruzeiro, porque ele devia lá um favor... Ele falou: “Se você for no Cruzeiro, [vá] depois na Manchete, todos os dois me devem favor.” Um negócio de importação de papel, que ele como advogado resolveu pra eles. E aí fui lá, fui admitido na editora da revista O Cruzeiro.
Nesse tempo, o Milton tinha casado, estava morando com a mulher dele, mas eu acho que não tinha separado ainda. E eu estava morando com o Naná Vasconcelos e o Novelli no Posto Seis, em Copacabana. No primeiro dia de trabalho, acordo cinco horas da manhã, mais ou menos, cinco e meia... Tomei banho, [me]~aprontei, desci na esquina, tomei uma média com café com pão, manteiga. Peguei o ônibus no final e… Andamos mais de uma hora até chegar na... Desci na Central do Brasil. Na Central do Brasil, eu tinha que atravessar um túnel pra dar na Rua do Livramento, onde é que era O Cruzeiro. E eu atravessei. Na época, eu até vi: “Pô, mas tinha até delegacia na porta do túnel.” E eu fui saber... Eu fiz esse trajeto algumas vezes, não foram muitas, mas depois fui saber que era o maior perigo, que o pessoal assaltava. Lá, na época, era um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro.
Bom, atravessei, fui lá; me apresentei, comecei a trabalhar. Ao contrário do que acontecia em Belo Horizonte, eu não pude voltar pra casa pra almoçar, porque tinha que almoçar lá mesmo. Almocei lá, fiquei até seis horas. Acabou, desci, atravessei o túnel, fui à Central, peguei o ônibus... Aquele ônibus lotado e demora, demora, demora.
Cheguei no apartamento tipo oito e meia. Os dois estão se aprontando pra sair, o Novelli e o Naná. Eles me chamaram, eu falei: “Não, não dá, eu estou morto. Tenho que tomar banho porque amanhã tenho que acordar cedo.”
Essa coisa eu fiz segunda, terça, quarta. Quando chegou na quinta de manhã, eu falei: “Esse negócio...” Eu ia ter que arrumar transferência de faculdade, porque eu ia estudar à noite. Eu falei: “Eu vou ficar trabalhando o dia inteiro e estudar a noite. O que eu vim fazer aqui? É melhor eu ir pra Belo Horizonte, que aí vem de vez em quando, vem pra...”
Fui almoçar com o Pedro Ivo, que tinha me arrumado o emprego. Eu falei com ele: “Pedro Ivo, está acontecendo isso. O que você acha de eu pedir uma transferência pra sucursal de Belo Horizonte?” “Não, faz isso mesmo. Diz que você não conseguiu transferência da faculdade.” Eu à tarde fui lá, conversei com o superintendente, falei: “Olha, está acontecendo isso. Eu conversei com o Pedro Ivo, e queria ver se não tem jeito de...” Com três dias de trabalho, quatro dias de trabalho pedir transferência. Podia passar pra Sucursal de Belo Horizonte. Aí eu vi que o pistolão era fortíssimo, o meu né, devia favor mesmo. Ele falou: “O chefe da sucursal vem aqui amanhã, então você vem, a gente conversa junto.” “Então já posso ir embora?” (risos) Já fui. E quinta feira foi uma beleza, não fui sexta de manhã, só fui à tarde.
P/1 – Encontrou Naná e Novelli e já...
R – É, quinta-feira já foi boa. Cheguei, me apresentaram o Eugênio Silva, que era o chefe da sucursal aqui, ficou tudo certo. Eu me apresentava aqui, mas ainda demorei uma semana no Rio, pra vir aqui. Muito tempo depois eu fiquei sabendo - olha que coisa engraçada - que o Eugênio Silva... Nessa vinda pro Cruzeiro, o pessoal do Cruzeiro conhecia a minha pessoa. “Pô, nossa, foi umi um luxo de lugar que eu trabalhei.” E o Eugênio... O Cruzeiro estava já em decadência, então eles estavam querendo... Eles tinham falado pra ele pra cortar metade do pessoal da Sucursal. E aí ele fala: “Não. Primeiro porque a sucursal dava lucro, o pessoal trabalhava muito e ela rendia mais do que gastava.” Ele chegou lá pra resolver, e ele tinha falado: “Se for pra mandar embora então sou eu, o primeiro da lista sou eu.” Ele vai pra resolver um negócio: eles estão querendo mandar cinquenta pessoas embora; ao invés disso, você aceita mais um lá. Foi bom quando ele voltou lá no sábado e o pessoal todo apavorado. Aqui na sucursal, eles me contaram depois o que que deu a conversa no Rio. “Ah, vem mais um, em vez de ir embora...”
P/1 – Você deu sorte...
R – Dei sorte. E caí num lugar, que Nossa Senhora...
P/1 – O que você... Qual era o seu trabalho, era escrever mesmo?
R – Não, na editora eu ia fazer orelha de livro, o que eles me deram lá de cara pra fazer. Mas não dava tempo de fazer nada, porque... Aqui eu fui ser repórter mesmo. E repórter numa coisa... Primeiro eu comecei fazendo coisas em Belo Horizonte e fiz algumas viagens pra interior. Conheci muitos lugares de Minas Gerais que eu fiz, com a vantagem que [era] revista semanal, ilustrada - quer dizer, nem toda semana. Você faz uma vez, você tinha tempo de ir, ficar olhando o lugar, perceber, aí voltava, escrevia com calma. Não era muito trabalhoso. Outra coisa, eu aqui só ia à tarde, porque eu falei que eu estudava de manhã, e era verdade.
P/1 – Dava pra curtir à noite.
R – É. (Risos)
P/1 – Foi no Cruzeiro que você conheceu o Juvenal Pereira?
R – O Juvenal Pereira foi estagiário lá e a gente fez umas matérias. Gozado, ontem eu passei por um lugar, voltando, que a gente foi em Ouro Preto; o Saramenha é um lugar onde a gente fez uma reportagem linda pra revista Cigarra, que pertencia também. Com o Living Theatre, do Julian Beck; o pessoal estava fazendo um trabalho em Ouro Preto, ele fez uma matéria de várias páginas com eles, depois foram presos, aquele negócio de repressão. Falavam que eles estavam com maconha - deviam estar mesmo, mas nem por isso tem que expulsar os caras daqui.
Mas eu lembrei do Juvenal por causa disso. O Juvenal trabalhou lá e a gente fez várias matérias, inclusive aquela... Ele com o Luiz Alfredo, que era o fotógrafo oficial, fez aquela viagem com a gente pra Diamantina, que tem as fotos com a gente com o Juscelino Kubitschek.
P/1 – Essas viagens pelo Cruzeiro, elas lhe propiciaram conhecer um outro lado da sua terra...?
R – É, porque muito... Eu já conhecia alguma coisa, mas fui conhecendo mais.
P/1 – Como elas contribuíram, essas viagens? O que você absorveu nesse...
R – Por exemplo... Uma matéria que eu fiz sobre o fim da estrada de ferro Bahia – Minas, que era uma estrada de ferro que ligava Araçuari, no norte de Minas, no Vale do Jequitinhonha, a Caravelas e Ponta de Areia, na Bahia. O governo do Castelo Branco, do Juarez Távora, eles acabaram com um monte de ferrovias. Acabaram com essa, falaram que iam construir uma estrada de rodagem pra substituir, mas construíram nada, demorou anos... Aí a gente foi em várias cidades, tanto no norte de Minas, como no sul da Bahia, percorrendo o que que tinha restado dessas cidades. [Em] algumas você só chegava a pé ou a cavalo, porque não tinha nada e outras... Elas viviam em função da estrada de ferro. Tiraram as estradas de ferro, que levava não só pessoas, mas as mercadorias, as trocas, o comércio.
Acabei indo em Ponta de Areia, que era a estação final, porque era a cidade do... Era só uma praça com as casas dos ferroviários e as oficinas, pra consertar as locomotivas. Eu fiz a matéria lá. Um tempo depois, o Bituca me deu ama música. “Bom, isso aí é isso.” Aí eu fiz a fiz a música Ponta de Areia. Depois, a gente fez o... Um segundo balé que a gente fez com o grupo Corpo, O último trem, que conta a história do fim de uma estrada de ferro. Quer dizer, só isso aí já deu. ..
P/1 – A belíssima Ponte de areia só... só isso! A história de você estar trabalhando no Cruzeiro e voltar à BH: como vai rolando os amigos, o Clube? Você tem uma contribuição em toda essa trajetória, como isso acontece?
R – É, porque o Bituca começa a vir mais pra cá. A gente [se] encontrava sempre, na minha casa ou na casa dos Borges. Eu estou trabalhando no Cruzeiro no final de 69, aí eu começo a frequentar um bar [que se] chama Saloon, comecei a ir pra lá. Aí fui levando: Bituca, Marcinho, Marilton... E ele era perto do Suplemento Literário de Minas Gerais. O pessoal do Suplemento também, César Santana, Jean ____ Gouveia, Adão Ventura, um monte de gente... Luiz Vilela, então o Saloon começou a ser o encontro do pessoal de música e de literatura. Algumas reuniões do disco Clube da Esquina foram feitas lá, à tarde - essas [foram] à tarde pra não ter confusão.
P/1 – E a política, ela entra na sua vida também, Fernando?
R – Ela está o tempo todo, porque... Eu tinha dezesseis, quinze anos [quando] começou... Teve o golpe e isso me atingiu muito. Depois, eu fui estudar na faculdade.
Até 67 estava manso, era a ditadura mais branda. Estava muita perseguição, mas não estava um negócio assim violento demais. Em 68, com aquele negócio de morte do Edson Luiz, começam as passeatas, e a gente participava das passeatas aqui. Na realidade, às vezes eu participava do ______, ficava parecendo até que eu era de algum grupo político, eu não era. Na realidade, eu ia como estudante, mas como eu mexo com negócio de música, às vezes eu estava lá, os meus amigos todos iam, eu ia também.
Participei dessas passeatas até que veio o AI-5, em dezembro. E o AI-5 da universidade, que é o 477, foi um negócio horroroso. Tanto que, no caso do AI-5 e do 477, aconteceu o seguinte: eles impediram que a juventude tivesse maneiras de... No caso do AI-5 é todo mundo, mas na universidade... Não podia nada mais dentro da faculdade.
O que aconteceu com muitos caras que eu assisti, que eram meus contemporâneos... A solução deles era ou recuar, parar com aquilo, ou então avançar, que foi o que alguns fizeram e não deu coisa boa. Essa percepção eu estou sempre tendo, lendo, acompanhando. Desde 64, logo aqueles... Aqueles negócios do Carlos Heitor Cony e o Máximo Moreira Alves... O Correio da Manhã era leitura o tempo todo. Então a coisa da política, sempre... Eu sempre estava lendo jornal, pra saber [sobre] política, acompanhando mesmo. A política sempre teve, mas eu nunca fui, pertenci a nada. Na realidade, era só um cidadão... E isso entrava, como todas as coisas da vida: amizade, amor, infância e política, entrava nas letras de música também.
P/1 – Estava latente.
R – É.
P/1 – Você citou um pouco antes o casamento do Milton.
R – É.
P/1 – Esse casamento também resultou numa belíssima canção, Sentinela...
R – Não, Sentinela...
P/1 – Não... O Márcio cita um pouco...Não que resultou, mas o Márcio disse que...
R – Talvez a música, quando ele fez... A música, mas o casamento da música com a letra não tem nada a ver.
P/1 – De quando é?
R – Eu acho que é 69.
P/1 – Como veio? O Márcio diz, na verdade, não que... Mas que o sintoma do Milton e o que as pessoas sentiram em relação a ele... O casamento durou um mês, né?
R – É, foi uma farsa, foi um negócio muito ruim. O gozado é que a minha mulher disse pra ele: “Não casa, não. Isso vai ser uma fria.” E até hoje é...
P/1 – Você já estava casado?
R – Não, estava namorando.
P/1 – Foi você que ficou namorando um tempão? Com quem era?
R – Hein?
P/1 – Quem que era?
R – Leisi.
P/1 – Leisi.
R – Namorei, não sei se foi um tempão, 65 a 72.
P/1 – Só? (risos) Você casou em 72?
R – É. Mas aí então, no outro casamento… Porque ele custou a saber que, na realidade... Ele achou que era por culpa dele. Na realidade, depois descobriu que não era disso, não.
P/1 – O Márcio diz que a música, a letra, refletiu um pouco esse momento. Como é que foi essa composição?
R – É bem complicado. Quando ele me mostrou a música, eu falei que ia fazer uma letra do seu Francisco, que ele conhecia, esse que eu te falei do Juizado. Só que tem que... Na hora de fazer, eu fiz uma outra coisa. É como se fosse o seu Francisco, uma pessoa como ele dizendo. Eu imaginei uma cena que o cara morre e aí você fica meio assim… O cara falou: “Não, prefiro ficar junto. Precisa juntar as suas forças, amar sua amiga...” Aquele negócio assim, que na realidade foi um ponto de partida; eu fui pra outras coisas completamente diferentes, então não... Tanto que alguém já escreveu que tinha sido pro Édson Luiz e não tem nada a ver.
O engraçado dessa música é que ele mostrava... Mostrava pro meu pai o Sentinela e eu acho que o Beco do Mota e o meu pai dizia - e ele não conhecia Diamantina - “você precisa conhecer Diamantina. Essa música tem muito a ver com o clima de Diamantina.” A gente acabou indo lá várias vezes, uma delas aquela que a gente encontrou o Juscelino. Quer dizer, então... Ele, o Bituca me perguntou: “Isso não ia ser sobre o seu Chico, pô?” E acabou não sendo, apesar de muitos anos depois, quando seu Francisco morreu, eu vi uma cena que era mais ou menos aquela que eu tinha imaginado.
P/1 – No fim ele se encontrou, né?
R – É.
P/1 – E essas viagens a Diamantina também foram frutífera. Como era o clima entre vocês? Tem produções também lindíssimas.
R – É, porque a gente ia lá primeiro mostrando a cidade acolhedora, hospitaleira. Você chega, o pessoal te trata de um jeito danado... Aí aquele monte de menino a fim de fazer música, então tocava-se muito, cantava-se, compunha-se e bebia-se.
P/4 – Fernando, Conversa no bar: em que contexto ela foi criada? Porque me parece uma síntese de algum momento, passando pro bonde, da PanAir, da descoberta do... Ela teve algum contexto especial?
R – Ela tem um pouco do Saloon, por exemplo, que eu estava falando. Exatamente a conversa que a gente tinha lá, a gente discutia tudo, de literatura, política… Ali a vida é... A gente entrava ali [às] cinco horas da tarde, saía [às] onze da noite, então tem muito a ver isso. Aí eu estou falando umas coisas da infância, mas entram outras coisas… E tem uma coisa interessante, porque são dois nomes: Saudade dos aviões da PanAir e o subtítulo Conversando no bar. A Elis Regina, quando foi gravar, ela ligou... “Olha, mandei só Conversando no bar, se mandar Saudade dos aviões da PanAir, não passa.” Ela se orgulhava, porque ela que tinha conseguido passar sem problema por causa disso.
PanAir lembrava exatamente o tempo da PanAir, é o tempo antes da ditadura. E foram os militares mesmo que acabaram que acabaram com a PanAir. Eles acabaram de uma maneira violentíssima. Pararam, não deixaram... Chegaram no aeroporto, falaram: “Não, não pode sair mais.” E passaram tudo pra Varig, quer dizer, militar gaúcho... Uma história mal contada pra danar.
Eu estava lembrando de coisas anteriores sim, mas ao mesmo tempo essa coisa da Conversa do bar e essa coisa de... Tem uma mesa, depois tem outras, depois tem o mundo que... O Milton parece que fez as duas músicas no mesmo dia, Ponta de areia e Conversando no bar. E as letras, apesar de serem completamente diferentes do tipo de música... Eu também mandei pra ele no mesmo dia as duas letras.
Tem uma coisa engraçada sobre essa música. Ponta de areia, como era uma reportagem, era quase uma coisa assim, eu de cara achei que era boa. E Conversando no bar eu mandei, mas eu acho que eu estava tirando coisas tão bem dentro de mim, que eu não sabia... E também com o gravador que eu usava, que era ruim demais; você ficava ouvindo muitas vezes, cada vez piorava mais a música, porque a fita ia gastando. Mas quando ele cantou pra mim eu falei: “Pô, é isso mesmo.” E ele falou: “Não, de cara você não gostou muito não.” “Não é isso não...” (risos)
P/1 – Que engraçado.
(PAUSA)
P/1 – Falar de música seria delicioso, mas são tantas, e todas de grande impacto na música popular... A gente vai centrar um pouco mais na história do Clube.
Depois, em 69, que é o Clube da Esquina, de fato. Aí tem Milagre dos Peixes, e você está envolvido até as tampas com tudo isso. Como foi esse momento, como foi esse processo de construção dessas obras? Como você se viu participando disso?
R - Bom, eu... Até o Clube da Esquina... Eu participei muito, porque tinha reuniões aqui. Eu só não participei dos ensaios que eles fizeram em Mar Azul; trabalhava e não dava pra ir. Mas eu acompanhei, a gente estava junto. E é uma coisa muito natural.
A entrada do Lobo, por exemplo, é uma coisa engraçada, como ele entrou, porque ele era uns quatro anos mais novo que a gente, eu não sei exatamente quando. E nessa época você tem... Se tem vinte [e] o outro tem quinze, dá uma diferença danada. De repente, ele apareceu. Ele circulava pela casa, pelos lugares lá, ele estava lá mas não... Até que um dia ele mostrou uma música pro Bituca, que é o Clube da Esquina, e o Marcinho fez a letra. Depois, um dia, no meio de uma macarronada na casa da Dona... Enquanto a Laidi fazia uma macarronada, o Lô mostrou uma música de Lennon e McCartney pra mim e pro Marcinho, e queria que nós dois fizéssemos. Então, a maneira que a gente fez... A gente: “Pô, vamos lá.” Sentamos nós dois lá, acabamos e fomos comer o macarrão. E deu tudo certo.
P/1 – Vocês dividiram a letra?
R – Dividimos a letra, era mais fácil porque a gente conversou o que seria. Porque ele falou: “Porque eu gosto muito dos Beatles, mas eles nunca vão saber de mim.” É um negócio bem de menino mesmo, e essa sacada é legal. A maneira mais fácil pra fazer... Porque fazer assim um pedaço, outro, outro, ficava difícil. A gente dividiu, mas a gente olhou, assinou tudo. O conjunto era dos dois.
P/1 – Bateu de primeira?
R – Bateu de primeira. Quando o Bituca resolveu fazer o disco com o Lô já era uma coisa, estava lançando um rapazinho que ninguém conhecia; segundo que ainda era álbum duplo, até conseguiu isso da gravadora. Foi interessante, porque foi um compositor novo. Quer dizer, além do Bituca, que impressionava a gente [com] as músicas dele, sempre surpreenderam… E até hoje. Eu fiz umas duas agora pro disco dele, do Pietá...
P/1 – Pietá.
R – Ele me mostrou a música: “Porra, então está começando tudo outra vez.” É uma riqueza, uma coisa surpreendente. Além do Bituca aparecia aquele sangue novo, aquela maneira diferente de compor, então foi uma coisa ótima. Como houve muita relação também com os músicos, o pessoal ficou ensaiando muito. Aí é que o Beto entrou através do Lô; os que já estavam [eram o] Robertinho Silva, Vagner, Luiz Alves... Quer dizer, eu participei o tempo todo. E quando você está fazendo é uma coisa muito espontânea, você está fazendo, não está sabendo o que... A gente gostava de estar fazendo aquilo e estava dando o recado da gente, eu acho que é isso. E a soma dos vários recados eu acho que faz a coisa ser grande. É um fio só - dois fios. Um Amazonas também nasce assim. Tem uma música minha com o Otavinho que fala isso.
P/1 – Tudo começa pequeno, tudo pode vir a ser grande.
R – Exatamente.
P/1 – O Amazonas obras também nascem assim.
R – Tem uma música minha e do Tavinho que chama Dois rios, que é desse espetáculo que eu falo..
P/1 – Você fecha no fim, não é?
R – É.
P/1 – E aí você foi também tendo, descobrindo outros parceiros.
R – É, primeiro é o Nelson ngelo, o Tavinho Moura… O Tavinho Moura também já deve ter muito tempo, deve ser de... É mais ou menos essa época, eu já estava fazendo música pro Tavinho Moura. Depois Wagner Tiso, tem música... Wagner Tiso, Novelli. Foi isso aí.
P/1 – E a contribuição desse encontro? Hoje a gente está falando sobre isso... Como você avalia toda essa experiência?
R – Eu acho que foi uma coisa feita com... Foi uma coisa criativa e ao mesmo tempo foi feita com muita alegria e muito companheirismo. A gente estava querendo fazer uma coisa bonita.
Nesse tempo, na realidade… Até o Edu Lobo escreveu outro dia sobre um disco deles. Tem um monte de compositor, mas você não está preocupando em vender; você quer fazer uma coisa boa pra você e pras pessoas que gostam de música também. A preocupação da gente era essa, era fazer uma coisa legal.
P/1 – E você foi tirando muitos temas também da natureza...
R – É.
P/1 – Canoa, canoa. Uma canção belíssima. Isso tudo ainda estava envolvido com o seu trabalho? Era fruto do trabalho...
R – Trabalho de leitura, de informação. O negócio de Canoa, canoa é um negócio dos Ianomâmi - Ianomâmi não, Avá-canoeiros. O Tavinho me contou essa história e eu fui procurar saber mais. O negócio deles é viver na canoa, a casa deles é a canoa.
P/1 – Mas a melodia, parece que ela foi feita... É muito impressionante.
R – Quando veio, eu falei: “Não, isso só pode ser... Está batendo o remo”.
P/4 – O ritmo da canoa...
R – É impressionante. É um negócio, eu acho que eu consigo, o Marcinho consegue, o Murilo... Várias pessoas. Letrista é um negócio engraçado, porque quando a gente vai fazer a letra... Normalmente, se você ouve a música, você fica querendo saber o que aquela música quer dizer, o processo primeiro é esse. Até descobrir o que a gente chama o mote; quando descobriu, aí a gente faz fácil.
Antigamente, às vezes tinha dificuldade, às vezes ficava muito tempo sem fazer, porque ficava muito dependendo da provocação do parceiro mandar música. A gente, quando ia pegar uma música, demorava, aí me achava burro pra danar. Mas quando você acha qual é [a] da música... O som da música tem muito a ver pra você achar as palavras pra caber ali. É um processo mesmo de parceria, é um negócio interessante.
P/1 – E cada um tem um...
R – Um jeito.
P/1 – Um jeito. Novelli tem um jeito, Márcio tem um jeito, o Lô tem outro e...
R – E o Toninho tem outro. É engraçado porque eles fazem música mineira, mas você vê esse... O Clube da Esquina, cada um tem um tipo de música e harmonia completamente diferente. O Toninho é um, o Tavinho é outro, o Beto é outro, o Milton é outro, o Vagner é outro, mas ao mesmo tempo tem uma identidade, eu acho que tem. Ela é meio fluida, mas tem essa... São obras diferentes, adversas.
P/1 – Você compôs música, fez temas musicais pra cinema, pra balé. Como foram essas experiências? A gente tem uma série de citações aqui. O Jango, Veja essa canção, O menino maluquinho, a experiência com o...
R – Tostão.
P/1 – Tostão, que é grandiosa. A experiência do nosso amigo que está aqui à nossa espera, do... Piriá, dos Irmãos Piriá.
R – Irmãos Piriá, é que eu fiz o roteiro.
P/1 – De coisas leves, mais “amadoras” - não querendo diminuir - como é esse seu trabalho? Como você faz esse processo, porque aí não é só uma letra, né?
R – Eu gosto muito. Tanto que o Maria, Maria, por exemplo, que é o que lançou O Corpo no Brasil e no mundo, e O último trem. É legal, [você] cria uma história e desenvolve - atualmente, cada vez mais, porque é uma maneira boa de fazer canções. Há quatro anos, eu fiz com o Tavinho Fogueira do divino, que é um musical. A gente fez em um mês; eu escrevi um negócio e ele foi pondo a música. Algumas vezes ele tinha uma música, então na hora de escrever eu já fazia a letra ali. Em um mês, nós fizemos assim 22 músicas. Pô, porque aí é lógico, você tendo... É bom, te dá uma vontade de fazer. Você faz canções também, mas dentro de um contexto mais geral.
Eu e Tavinho, por exemplo, vamos fazer... Pro fim do ano já tem uma encomenda de fazer uma ópera popular, chama Ó deus, salve o oratório. Já estou bolando as histórias pra gente fazer. Porque isso é uma maneira de... Eu gosto de fazer. Receber uma música e fazer uma canção é ótimo, mas pra me provocar mais… É bom ter essas grandes encomendas, porque... É bom demais. (risos)
P/1 – É um trem de bom.
R –Trem de bom.
P/1 – Uma pergunta? Puxa vida...
P/4 – Deixa eu aproveitar. Uma curiosidade: você não toca nenhum instrumento, é o homem das palavras?
R – É.
P/4 – Como foi essa experiência de...?
R – Eu canto. Eu tenho um show com o Tavinho Moura, gravamos um disco chamado Consideração dos poetas e eu tenho achado ótimo, porque na realidade... Músico não, porque eu já conheci... A minha aptidão já era outra. Eu tenho um ouvido bom pra ouvir música e conseguir fazer as letras, mas... Eu só conheci a música excepcional - quer dizer, eu vou entrar num negócio desse? Acho que é melhor eu ficar no meu campo, que eu acho que domino melhor.
Algumas vezes eu tinha cantado... A minha referência é o Bituca; pra o cara ser parceiro de um cara que canta daquele jeito, é um negócio meio danado. Até que um determinado momento, que a gente se encontrava em minha casa, do Tavinho e ficava cantando, eu cheguei à conclusão: “Cantar é um direito humano.” Você tem o direito de cantar, você não precisa ser um cantor. E a gente começou a mostrar canção do jeito que ela é feita, quer dizer, violão e voz, só.
Eu e o Tavinho, a gente faz isso desde 90, já tem mais de... Tem dez ou doze anos que a gente faz. Fez um disco, a gente vai fazer outro. E tem alguns lugares... Por exemplo, Brasília vai todo ano. A gente não tem um empresário pra arrumar um monte de show, mas a gente está querendo arrumar; não muitos, a gente quer fazer uma coisa que seja agradável. Cantar é legal, é bom.
P/1 – Essa primeira vez que você cantou, foi... Os meninos te levaram a fazer...
R – Não, não. O Bituca já tinha feito algumas sacanagens comigo. Por exemplo, lá no Rio, lá no começo, 67 mesmo... Depois do festival, 68... Lá no teatro Princesa Isabel, me chamou pro palco pra a gente começar a cantar junto Travessia. No meio ele largou, parou de cantar e eu tive que seguir. Várias vezes já fez isso. Quer dizer, já fiquei meio assim...
P/4 – Agora vai, né?
R – Agora esse negócio que eu faço com o Tavinho... Agora estamos fazendo eu, Tavinho, uma sobrinha minha, Mariana Brant, que canta lindo. Então a gente faz três vozes, violão só... Aí são aquelas músicas bem... Eu acho umas músicas bonitas, tão bom de… Mas é isso, que eu acho que cantar é bom e um direito de todos.
P/1 – Você se emociona com as suas composições?
R – Às vezes, quando eu faço... Quando eu recebo. Quando você acaba de fazer - hoje não, mas antigamente acontecia mais isso, eu ficava: “Será que está bom, [será que] não está?” Só quando a pessoa grava e eu ouço... Mesmo assim, arrepio sim. Mas pra ter um julgamento mesmo, tem que dar um tempo, pra ficar uma distância. Normalmente, quando eu vejo as músicas com o Milton - com todos eles, quando vejo gravada, aí é outra coisa, arrepia sim.
P/1 – Tem alguma que tenha...?
R – Não sei, aí é um monte... (risos)
P/1 – E o cinema? Vamos falar um pouco mais do cinema. A gente passou esse geral dos filmes pros quais você trabalhou.
R – Cinema... Uma das coisas, nessa época de 63, 64, 65, aí junto com a literatura entrou o cinema. E aí eu fui ver os filmes italianos, franceses, filmes americanos e discutia. Na época do Estadual, eu fiz parte de um Cineclube Santo Antônio. Meus colegas do Estadual tinham esse Cineclube, aí eu participei lá [por] um tempão. Esse Cineclube foi expulso pelo padre do Santo Antônio, porque ia passar um... Acho que Deus criou a mulher, um filme da Brigitte Bardot, e aí mandou todo mundo embora. Na mesma rua, o pessoal conseguiu um outro lugar, [a] União Israelita, funcionou mais um tempo lá. E depois eu fui pro CEC, que é o mais... Centro de Estudos Cinematográficos, que é tem uma história enorme, aí que eu fui conhecendo mais o pessoal que mexia com cinema aqui. Essa coisa de cinema e música, sempre teve... Sempre fui apaixonado, tanto que eu adoro musicais.
P/1 – E como foi fazer o trabalho, por exemplo, do Tostão?
R – Tostão foi bom. Eu até lembrei da história... Uma das músicas do Tostão chama O homem da Sucursal. Sei que [foi] o seguinte: quando eu resolvi esse negócio no Rio e vinha atravessando o túnel, eu já estava com essa... O Bituca já tinha feito as músicas, eu tinha quer fazer as letras pro filme do Tostão. Eu já vinha atravessando... Tanto que no filme do Tostão, a música chama O homem da Sucursal.
“Sai do trabalho
E volta para casa e... Não lembro de canseira maior” (risos)
P/1 – Um gostinho de alegria, né? Você se livrou de uma boa, hein?
P/4 – Mas ele faz uma música dessa força com quatro dias, parece que são anos...
R – É... (risos) Não, mas aquilo ia pesar, aquilo não ia dar certo. Eu percebi logo que não ia dar certo.
P/1 – É uma loucura, isso. Bom, aí a gente tem... é tão vasto conversar com ele que a gente fica... Eu estou aqui selecionando um pouco, em função dessa nossa problemática do horário.
R – Se precisar depois faz mais.
P/1 – E a gente vai voltar, com certeza. E agora um pouco das outras atividades. A questão da UBC e da revista Pauta, como é esse trabalho?
R – O negócio de direito autoral é outra coisa que eu acho que... Como eu sempre me preocupei com política, cidadania, essas coisas, então... O direito autoral é a base pra gente viver, os autores. Eu comecei a mexer nisso há muito tempo, porque eu percebi que a maioria dos autores, dos compositores, dos cantores, dos músicos, eles reclamam a esmo, sem saber exatamente como é a coisa, e muitas vezes é argumento pra quem não quer pagar, pra quem não quer respeitar os direitos. Com isso, eu fui entrando nisso. Tanto que quando começou o governo... Quando fizeram o Ministério da Cultura [em] 85, que o Tancredo morreu, aí entrou o Sarney, aí... Tinha o Conselho Nacional do Direito Autoral, que era só… Tinha gente das gravadoras, das editoras e juristas, e autor não entrava lá. Aí houve uma mudança total, ficou a maioria autor. Então fomos pra lá eu, o Gonzaguinha, a Joyce, o Capinam, o Maurício Tapajós... Foi gente de literatura, de teatro, Zé Louzeiro... Ali eu já comecei a entrar mais no negócio.
Depois eu fui pra uma sociedade, AMAR [Associação de Músicos Arranjadores e Regentes], porque teve um problema lá de... Porque o governo militar queria estabelecer à força uma coisa que pra nós era uma coisa maravilhosa, que era obrigar... Quer dizer, uma coisa que a gente sempre lutou, que rádio e televisão pagassem um percentual de faturamento para direito autoral, que é o que acontece no mundo inteiro. O tal do Rubens Ludwig assinou e depois ia fazer a regulamentação. Nesse meio tempo, as rádios e televisão foram na sociedade, com os caras lá... Devem ter feito algum acordo, aí eles desistiram. E com isso o pessoal foi todo pra uma nova sociedade, Nova Mar. Com isso, foi... Ao lado de política e de fazer, eu fui mexendo com esse negócio de direito autoral. E acabei agora na UBC, sou diretor; eu, o Ronaldo Bastos e mais outros... Tem o Abel Silva, o Edmundo Souto, pra defender isso. Aí tem que ir em Brasília conversar com ministro do Supremo [Tribunal Federal], temos feito coisas aí de...
Hoje eu posso dizer que eu entendo muito disso e eu consigo transmitir, escrever de uma maneira simples, pra todo mundo entender. Eu tenho feito isso. Participo da UBC, tem a revista lá e tudo. Converso com as pessoas, mas procurando não ser chato, e desde que não atrapalhe demais a minha vida também... Também tem que ser um... Primeiro que eu não gosto de conversar só sobre isso, eu gosto de conversar sobre cultura em geral; é o que eu gosto, amizade, amor, essas coisas que são boas. Mas tem um pedacinho lá que eu acho que é importante e que as pessoas que fazem isso são importantes, porque estão defendendo uma coisa que é de todos. Eu acho que é um trabalho pra coletividade dos autores, e que nem sempre... A maioria das pessoas realmente, infelizmente não se preocupa. Acha que é chato, que é difícil e sai reclamando, em vez de tentar criar condições da coisa andar direito.
P/1 – Pra se preservar, inclusive.
R – É.
P/1 – E a sua família, Fernando? Sua esposa, os filhos...?
R – Maravilha. É o que há. Porque eu já vim de família... Sou ligadíssimo à minha família e aí você continuar essa coisa... Você casa, tem filhos. Eu tenho duas filhas e agora eu crio um menino, desde um tempo. Quando nasceram minhas meninas, o pessoal [perguntou]: “E aí, o que é?” Eu falei: “Isso aí é uma experiência intransferível”, porque não dá pra você passar, falar o que que é isso, é um negócio louco. Eu acho que a partir do momento que filho nasce, você fica... É uma coisa tão dentro de você que você não pode nem imaginar não ter aquilo mais. Você morre, mas aquilo é uma coisa muito forte. E você vai acompanhando.
[Com] o tipo de trabalho meu, [em] que eu ficava muito em casa, porque já estava mexendo mais com o negócio de música mesmo, aí eu acompanhei muito o crescimento. Essa troca, eu recebi. Eu acho que dei muito, tenho dado ainda, mas o que eu recebi, pelo amor de Deus, eu melhorei cada vez mais. Na realidade, essa coisa de pai pra filho é uma coisa maravilhosa. Então é... E é bom, sou casado há 31 anos, vai fazer 32, tranquilo.
P/1 – Suas filhas têm...?
R – Uma casou agora, dia oito, Ana Luiza. Arrumou um cara ótimo, aí já tem outro filho, netos, e tem a Isabel - uma tem 27, outra tem 25. E esse menino, Diógenes, é uma história bonita, porque... Tinha uma moça que trabalhava lá em casa, a Tita, que é amiga da gente até hoje. E aí estava precisando de uma pessoa pra ajudar, porque a casa era grande - negócio de limpeza, então ela falou: “Tem uma moça que está com um menino de três meses, tem problema?” “Lógico que não.” Então foi pra lá morar lá, porque ela era mãe solteira.
Esse menino chegou na minha casa com três meses de idade, aí ficou lá... aí me chamava de pai, a Leide de mãe, e as meninas... A gente foi convivendo ali e era uma coisa maravilhosa, até que quando ele tinha três anos, três anos e meio, a mãe dele resolveu casar na terra dela, Pains.
O que eu vou fazer? Foi uma choradeira, coisa horrível. Fui pra lá; estava aquele baixo astral lá em casa e eu falei: “Olha, o negócio é o seguinte: o negócio é manter contato.” Pains, vamos pegar o carro, vamos lá visitar, conhecer a família dela. Foi o que a gente fez. Acabamos sendo padrinhos de casamento dela, padrinhos da filha que ela teve desse primeiro casamento.
Ele estudava lá, mas nas férias ele vinha pra cá. Ele vinha [em] janeiro e julho. É uma coisa boa, mas aí estava começando a dar dois problemas: primeiro que na hora que ele ia embora ele chorava que era uma desgraça, pra levar era danado. E começou assim, aqui ele tinha um... [Era] muito inteligente, e no começo é... Televisão, vídeocassete, depois joguinhos, computador... Ele começou a ter um acesso a uma coisa aqui que... Aqui enriquecia e lá, nesse sentido, não. [No] segundo ano de grupo, ele virou pra mim e falou assim: “Olha, tio...” - já estava me chamando de tio - “eu queria que quando eu acabasse o grupo, eu queria vir pra cá.” Eu falei: “Olha, tudo bem, se você quiser... Você fala com a sua mãe, se sua mãe quiser, tudo bem.” Ele sempre falava isso, falava com ela, estava indo.
Quando ele completou o quarto ano, eu o estava levando; no meio do caminho ele falou: “Tio, eu estou querendo vir pra cá.” “Agora você fala com a sua mãe, fala com ela pra me ligar. ” Ela não estava, estava trabalhando na hora, aí me telefona com... Reunimos a família lá... Porque todo mundo tinha que assumir. Ela telefonou, “tudo bem”. Então vamos fazer legalmente, vamos fazer judicialmente pra ser uma coisa....
Primeiro fomos procurar colégio logo aqui, o buscamos ele. Fizemos os documentos na cidade, depois entramos aqui na justiça pra fazer guarda legal, judicial. Está indo e é uma maravilha. Eles sempre se trataram como irmãos, os três, e é um negócio que... Um acréscimo, é uma maravilha de pessoa, que só... Mas é bom demais. (risos)
P/1 – Que delícia.
P/? – Eu queria... Dentro desse contexto de família, eu queria voltar um pouco pra falar sobre a Leisi. Como é que você a conheceu e como tem sido essa... Como foi a influência dela na sua posição musical nos primeiros anos, porque acho que ficou...
R – É, porque eu a conhecia quando eu trabalhava no Juizado de Menores, nessa época. Eu a conheci mais ou menos no mesmo ano, na mesma época que eu conheci o Milton. Tanto que esse show do Milton que eu fui assistir, ela estava... A gente estava junto, o Opinião.
A gente foi... Foi um negócio que foi acontecendo. A gente é tão companheiro, tão amigo... Sustentação total. É uma parceria que... A da música deu certo; a da vida, demais. Sou um cara de sorte.
P/1 – Muita sorte, abençoado. E essa moçada nova que está na música, o que você acha desses...? Principalmente dessa turma que está saindo aqui de Belo Horizonte?
R – Está saindo muita gente boa. Hoje tem muito mais gente fazendo do que na nossa época, e na realidade muita gente fazendo coisa boa. [Gente] que está tendo uma dificuldade enorme de divulgação, de gravação... Que consegue gravar o disco, mas tem que fazer independente, distribuição complicada. Tanto que a gente está querendo unir, criar alguma coisa aqui pra isso, pra ser um guarda-chuva pra essas pessoas, pra esse pessoal novo aqui.
Eu tenho ouvido coisas maravilhosas de um pessoal aí. A música brasileira, a música mineira está muito viva; tem muita gente fazendo coisa boa, mas que infelizmente no rádio, na televisão, nas gravadoras, eles são poucos.
P/1 – É bom demais pra eles.
R – É.
P/1 – E essa iniciativa do Márcio, Fernando de criar o Museu do Clube da Esquina, o que você acha dessa...?
R – Achei uma coisa maravilhosa. Primeiro, ele até mandou um texto, que é o sonho que ele teve, que queria que todo mundo... Eu achei o sonho e as palavras dele maravilhosas. Realmente é interessante e uma coisa que está agregando muito à gente.
Pelo que ele tem me contado, as coisas... Eu tenho tido menos tempo pra entrar nas coisas mesmo, mas eu estou acompanhando, estou me informando. Fico ouvindo assim, de várias pessoas de vários meios: “Pô, mas que coisa boa.” Que na realidade, Belo Horizonte está abraçando essa coisa do museu. E eu acho que o museu conta uma história importante de uma geração da cidade aqui, que pode ajudar a alimentar novas gerações que estão surgindo. Eu acho... Tem que dar certo.
P/1 – Já está dando. Eu vou sugerir, pra gente não passar despercebido, que a gente faça assim: se ele puder falar de algumas músicas, e aí a gente tem aquele roteiro todo. Você fala uma, conta alguma coisinha... Ou se você quiser falar dos...
R – Bem melhor vocês me lembrarem, eu acho que...
P/1 – A gente não deixa passar despercebido, porque infelizmente a gente... É o mesmo caso do Márcio, que tem tanta coisa. Vamos pegar o Clube, principalmente. Canoa, canoa ele já contou e...
P/4 – Conversando no bar também.
P/1 – E ele quase não tem nenhuma...Tem muitas... Difícil...
R – Tem uma música que está no Clube da Esquina, Algo vai nascer, tem história...
P/1 – Pode ser...
R – É porque é engraçado. Primeiro porque eu falo de uma coisa que não tinha ainda, eu estava imaginando... “Memória tanto espera...” Quer dizer...
“Teu corpo crescendo, eu salto do chão
Eu já vejo meu corpo descer...”
Quer dizer exatamente, pô... É um encontro futuro de um filho que eu não tinha ainda.
P/1 – É tão linda essa música.
R – E teve um negócio engraçado, que aí rolou um caso de censura. Foi censurado, porque falava assim:
“Brasil é o país do futuro
Meus filhos, meus netos, o futuro está aqui.”
Tinha outros pedaços. Falavam que não podia, que era censurado porque... Na realidade, porque ‘Brasil é o país do futuro’ era o slogan da campanha do governo Médici, um deles. Tinha o ‘Ame-o ou deixe-o’ e tinha ‘O Brasil é o país do futuro’. Tudo bem, vou mudar. Só que eu mudei falando a mesma coisa, eu acho que piorando, e aí passou. Eu falei assim:
“Queria falar de uma terra com praias no norte e vinhos no sul...
A praia era suja, e o vinho vermelho, vermelho, secou...
Acabo a festa, guardo a voz e violão
Ou saio por aí, raspando as cores para o mofo aparecer...”
Exatamente era o milagre brasileiro. Eles estavam colorindo tudo, mas se raspasse debaixo, era mofo. E isso passou.
P/1 – As respostas vinham com o tempo...
R – É.
P/1 – E Saídas e bandeiras?
R – Saídas e bandeiras é coisa bem de política. “O que você faria pra sair dessa maré?”
É isso, essa aí é uma... Quer dizer que cada um... Que são três, né? Um é uma saída política, outra saída amorosa e a outra é de juntar as forças de todo mundo, pra tentar sair. Eu não estou lembrando a letra toda assim não, porque eu... Mas é isso.
P/? – Canções e momentos, o ofício de compor...
R – De compor e de cantar. Na realidade, eu fiz muito pensando no Milton, quem canta... Quer dizer, eu falei que todo mundo pode cantar, mas no caso dele... É essa experiência de acompanhar tanto ele fazendo shows no Brasil e no mundo. E é exatamente... É o mistério da voz, dele e de outros cantores, é mais ou menos isso. Tem momentos que o cara... Pelas conversas que eu tive já tive com ele, com outros, o negócio vem de dentro, vem de dentro da alma, e aí o povo entende direitinho.
P/1 – Você sempre teve grandes amigos que...
R – É, grandes...
P/1 – Realmente uma pessoa feliz. O que você achou de conversar com a gente nessa rapidez?
R – Adorei. Tudo bem, se... Essa rapidez, se quiser, precisar de conversar mais, eu converso, numa boa.
P/1 – Você gostou de bater esse papo?
R – Gostei muito.
P/1 – O Fernando tem uma pergunta pra todo mundo.
P/4 – Na verdade, é uma intimação pra você, é bem específico. Todo mundo que senta aí canta um pedacinho de uma música e quem pede geralmente sou eu. Então eu queria que você cantasse ‘Travessia’, um pedacinho.
R – (risos) É que eu estou meio rouco.
P/? – Esse não vai pra disco não, esse vai pra memória.
R – Um pedacinho (canta):
“Quando você foi embora
Fez-se noite em meu viver.
Forte eu sou, mas não tem jeito
Hoje eu tenho que chorar.
Minha casa não é minha
E nem é meu este lugar.
Estou só
E não resisto
Muito tenho pra falar...”
A bebida de ontem, a cervejarada que eu tomei ontem, está...
P/ –... “Solto a voz...”
R – Então (canta):
“Solto a voz nas estradas
Já não quero parar.
Meu caminho é de pedra
Como posso sonhar?
Sonho feito de brisa
Vento vem terminar.
Vou fechar o meu pranto
Vou querer me matar.
Vou seguindo...”
O mais baixo está pior, porque a do...
P/1 – Mas você dá um bom cantor, hein? Passou no teste.
(Palmas)
R – Obrigado. Mas com a voz um pouquinho melhor, porque... Eu não sei se o Marcinho contou a maratona que a gente teve ontem - ‘mara-toma’, né?
P/1 – Contou. E também tem história a música Coração de estudante, né?
R – Mas Coração de estudante não é minha, não.
P/1 – Não é sua? Você não participou?
R – Não. É o Wagner Tiso e a letra do Milton.
P/1 – A letra do Milton, eu achei que ele tinha... Você não...?
R – Mas muita gente pergunta isso, é.
P/1 – Não fez socorro...
R – Costa, não.
P/1 – ...nessa música não?
R – Não. (Risos)
P/1 – Fernando, muito obrigado. Foi um prazer enorme.
R – Obrigado vocês, foi jóia.
P/1 – E eu acho que a gente vai voltar a sentar contigo.
R – Tudo bem, está jóia.
P/1 – Obrigado.
R – Prazer, obrigadão.
Recolher