Correios – 350 Anos Aproximando Pessoas
Entrevistado por Isla Nakano
Depoimento de Jonathan Luke Hannay
São Paulo, 11 /06/ 2013.
Realização Museu da Pessoa
HCV_012_Jonathan Luke Hannay
Transcrito por Cristiana Sousa
P/1 – Bom, senhor Celio, primeiro eu queria agradecer pelo senhor ter tirado um pouquinho do teu tempo para vir dar sua entrevista para a gente. Para começar e deixar registrado, eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, onde o senhor nasceu e quando o senhor nasceu.
R – Meu nome é Celio Batista, nasci no bairro de Santana, São Paulo, SP, no dia 05 de julho de 1942.
P/1 – E, senhor Celio, como era o nome dos seus pais?
R – O meu pai era Eupídio Batista e minha mãe Ana Soares Batista. Éramos em oito irmãos, eu fui o terceiro homem, depois tem mais duas irmãs mais novas do que eu e três mais velhas. Eu fiquei no meio e tive uma infância normal. Naquela época, a gente não tinha muita coisa, mas era muito bom, a gente dava valor para tudo o que a gente tinha. Não é que nem hoje que a meninada tem tudo e acha que não tem nada. Até que comecei a trabalhar, cedo, com 14 anos já trabalhava registrado [com carteira de trabalho assinada] como office-boy. Comecei a conhecer a cidade. Trabalhei na Santos e Santos Publicidade, depois na Droga Raia e dali eu fui para o Correio. Tinha um vizinho meu, sogro da minha irmã, que na época era eventual do diretor. O diretor era o senhor Jair Alvarenga e o eventual era o senhor José Maria Ramos. Eu conversava muito com ele, porque era vizinho, eu era molecão ainda, ele perguntou se eu queria trabalhar no Correio. Eu falei: “Ah, eu gostaria se o senhor conseguir pra mim”. Ele falou: “Olha, então você vai lá e fala comigo, me procura lá no gabinete”. Como eu trabalhava de office-boy, eu tava passando pelo Correio, falei: “Deixe-me falar com ele. Não custa nada”. Eu fui lá, perguntei sobre seu José, me indicaram, me mandaram entrar lá na diretoria. Cheguei lá, me apresentei, falei: “Olha, senhor José, e aquele emprego que o senhor falou do Correio?”. Ele falou: “Não, vem aqui comigo”. Pegou meus dados, tudo assim, normalmente, aquela época eu acho que eram bem mais fáceis as coisas. Pegou meus dados e falou: “Depois eu te aviso”. Aí me chamaram lá no Correio pra fazer uma provinha. Fiz uma provinha, nem lembro como foi a provinha, tanto tampo. Depois me deram um papel, me mandaram passar no ambulatório médico, fazer os exames médicos. Fiz os exames médicos. Me chamaram no outro dia, falaram: “Olha, pode começar a trabalhar”. Eu comecei como, naquele tempo se falava estafeta, mensageiro, que entregava telegrama. Hoje o carteiro faz tudo: entrega telegrama, carta. Mas naquela época era separado. O mensageiro, a maioria de nós era menor de idade, entregava telegrama; carta era só com o carteiro. A gente só entregava telegrama. Tinha até uma seção já pra isso, a dos mensageiros. A diretoria não era nem Brasília, não existia, a diretoria era no Rio de Janeiro. Mandaram meus documentos para o Rio de Janeiro e era o Juscelino Kubitschek, presidente na época, que assinava para todo mundo que era empregado. Vários de nós começaram juntos e ele [JK] assinou nós a nossa admissão e as ordens de pagamento. Os meus primeiros meses de trabalho eu recebi de uma só vez, foi uma alegria receber seis meses acumulados. Nossa, eu nunca tinha visto tanto dinheiro na época. A gente era menor [de idade], o pai da gente ou um maior de idade, um irmão, tinha que ir junto pra gente poder receber, era no Correio mesmo, não recebia em banco. Eles davam uma folha de pagamento, você ia à tesouraria e eles te pagavam. Quando eu recebi todo aquele dinheiro para mim foi uma alegria. Fiquei mais ou menos um ano e pouco trabalhando na rua, entregando telegrama. Depois consegui, me passaram pra trabalhar interno, aí eu fui pra oficina gráfica do Correio, ficava na Barra Funda. Aqueles impressos do Correio eram feitos pelo próprio Correio, hoje é diferente, mas era o Correio mesmo que fazia tudo. Os próprios funcionários eram do Correio. Eu trabalhei até como impressor depois, aprendi impressora, trabalhar nas máquinas. E eu gostava muito de lá, porque lá em frente, lá na Barra Funda, tinha uma escola de radiotelegrafia, que me chamou atenção, porque eu trabalhava no Correio, sabia que o Correio usava aquilo. E eu fui lá, fiz a inscrição e comecei a aprender. Certa vez, eu vim receber o salário ali na Avenida São João, que a tesouraria era ali, no fim do mês fui lá receber e tinha um barzinho no terceiro andar, onde tinha a sala de aparelhos. Eu fui lá tomar um café e estava o chefe do tráfego telegráfico, seu Hélio Barretos, na época, ele me viu com o fone na mão, eu ia pra escola, a gente usava fone pra aprender a telegrafia. Ele perguntou: “Você trabalha com isso?”. Falei: “Não. Não trabalho, mas tô fazendo curso, tô aprendendo” “Você tá aonde?”. Falei: “Tô na oficina gráfica lá na Barra Funda”. Ele falou: “Eu tô precisando de telegrafista aqui, você não quer vir pra cá? Porque assim você desenvolve mais”. Eu falei: “Ah, eu gostaria. Eu tô fazendo mais por causa disso, minha intenção é essa”. Ele falou: “Então qual é sua matrícula?”. Pegou uma caneta, pegou um papel lá no barzinho mesmo, marcou minha matrícula, meu nome, falou: “Tudo bem. Pode aguardar”. Dois dias depois veio uma circular na oficina gráfica me convocando para começar no terceiro andar ali na São João. Ali era a sala de aparelhos, o terceiro andar todinho. Me apresentei e comecei a trabalhar já como no setor de rádio. Porque tinha o setor de rádio e tinha o Baudot, que era um aparelho antigo também, que tinha cinco teclas, e o teletipo, a ala de teletipos. Eu fiquei no setor de rádio, onde tem o Morse. Fiquei direto ali. E aquilo foi se desenvolvendo conforme foi crescendo o Correio. Em 75 [1975], passou pra empresa, eu era funcionário federal, então nós fomos chamados pra uma opção: se queria continuar na empresa, que aí passou à Empresa do Correios. Antes era departamento, Departamento de Correios e Telégrafos, era DCT. Depois passou à empresa e perguntaram se eu queria continuar, ou se eu queria aposentar por tempo de serviço, ou escolher outro ministério, como Recebedoria, Polícia Federal. E como nessa época eu já trabalhava simultâneo com o Correio, porque eu fazia só seis horas no Correio, por intermédio do Correio, como eu trabalhava na sala de aparelhos e a Folha tava precisando de um operador, eu me apresentei lá e comecei a trabalhar na Folha. Com um tempo na Folha eu passei a noticiarista. Em 72 [1972] consegui até um registro de jornalista profissional trabalhando na Folha, e no Correio simultâneo. Como telegrafista na Folha fazendo seis horas. E foi passando o tempo. Eu optei pela empresa, porque se eu fosse pra outro ministério, eu achava que iam me mandar para o interior, como a Polícia Federal, Recebedoria, e eu não poderia trabalhar na Folha, porque não teria como, porque o Correio era ali perto da Folha, dava pra eu fazer os dois. Eu fazia cinco horas no jornal, porque de jornalista são cinco horas, e o Correio eu fazia seis, porque era comunicação, então dava pra conciliar os dois. Eu fui levando. Optei pela empresa em 75 [1975], eu passei a ter registro normal em carteira. Porque como departamento era federal, você tinha sua identidade própria, tudo, não era da previdência. Eu passei a pertencer à previdência, comecei a ter fundo de garantia, o Correio cresceu como empresa. Eu peguei a época dos militares, eles deram um bom impulso na empresa. O Correio melhorou. Era muito bom no meu tempo, eu achava até melhor, mas depois como empresa o Correio cresceu muito, e nós fomos acompanhando. Principalmente a parte que eu trabalhava, eu comecei a trabalhar com Morse, com rádio, com teletipo, depois veio o telex. O telex quando veio era um assombro, você já batia, já saía direto. Porque como telegrafia, você tinha linha direta, linha física. Com o telex você discava que nem o telefone. Você com uma coisinha só, você falava com o Brasil inteiro. Para nós foi uma maravilha, foi crescendo. Depois do telex veio o computador, veio o fax e fomos acompanhando. No tempo a gente era operador de tele impressora, depois passamos a operador de telecomunicação. E fiquei até o fim como operador de telecomunicação. Aposentei-me como operador de telecomunicação. E essa trajetória todinha eu acompanhei no Correio. E o Correio me proporcionou tudo isso, inclusive os empregos de fora foram por intermédio do Correio. Depois de departamento com o regime CLT começaram a entrar várias moças de 18 anos para cima que passaram pelo meu setor e era eu que as ensinava, a minha esposa foi uma delas, acabamos namorando e acabamos casando. Ela trabalhando no Correio, eu também. Ela ficou 14 anos ainda trabalhando junto comigo. Quando nasceu o meu terceiro filho, o caçula, em 82 [1982], ela pediu demissão. Ficava ruim, porque tinha as duas mocinhas, então meninas, e mais o menino, e ela precisava acompanhar na escola. E eu com dois empregos, não dava. Então ela pediu demissão e fomos tocando. Meus filhos cresceram, minhas duas filhas fizeram faculdade, uma é jornalista, a outra também fez Comunicação, hoje ela trabalha no Banco Votorantim, é gerente lá no Banco Votorantim. E a outra formou jornalista, foi passear na Austrália, gostou tanto que quando voltou, falou: “Pai, eu vou morar na Austrália”. Eu pensei que fosse brincadeira dela, falei: “Ah, tudo bem”. Não acreditava. Um dia ela chegou com a papelada, falou: “Pai, você assina pra mim aí? Eu preciso de um apoio pra ir pra lá, porque não sei o quê”. Aí que eu acreditei. Ela foi, ficou lá, acabou conhecendo um rapaz lá, casou, mora lá hoje, há 12 anos. Tem um menininho agora, que tem um ano. Ele é piloto numa companhia lá. Já vieram passear várias vezes aqui, eu já fui lá também. E esse meu filho também, fez 30 anos, tá muito bem, graças a Deus, trabalha, tem um bom emprego, já casou, faz dois anos que casou. E eles têm a vida independente deles. E nós, eu e minha esposa, voltamos à independência dos dois de novo. Moramos no mesmo lugar que comprei quando casamos, faz 41 anos. E essa foi toda a trajetória minha no Correio e outra empresa também. E o Correio foi muito bom. Em 62 [1962], eu fui designado para ir pra Águas de São Pedro, porque naquele tempo tinha telegrafia nesse lugar, quando entrava de férias tinha que ter alguém pra substituir, porque não era qualquer um que conhecia o setor de telegrafia. Então São Paulo tinha que mandar alguém pra esses lugares. Eu fui pra Águas de São Pedro, porque ele tinha férias vencidas, tudo. Quando eu cheguei lá, eu tinha 20 anos, o senhor que trabalhava lá, ele era o chefe da agência e ele que atendia, ele era o telegrafista e tudo. Naquele tempo a gente chamava o agente do Correios. Cheguei lá, o inventário tava pronto. Eu falei: “Olha, mas eu vim aqui pra trabalhar como telegrafista”. Ele falou: “É, mas você vai me substituir, eu sou o chefe, você vai pegar a agência”. Eu peguei, conferi tudo, assinei o inventário, e já tava lá mesmo, recebi a agência, com 20 anos de idade. Fiquei tomando conta do Correio com 20 anos. Até acabar todo o tempo dele, ele voltar e eu passar de novo a agência pra ele e vir embora pra São Paulo. Mas foi muito bom. Foi um tempo bom. Eu fiquei conhecendo todo mundo, porque naquele tempo não tinha entrega lá, o pessoal ia ao Correio buscar, eu distribuía nos escaninhos as correspondências com os nomes do pessoal, de juiz, delegado, eles iam ao Correio pegar e ficaram me conhecendo. Eu comecei a fazer parte da sociedade da cidade. Era o juiz, o prefeito, o agente do Correio, que era eu na época, quando tinha festa na prefeitura, posse de prefeito, colação de rainha, para tudo eu era convidado, vinha um convite especial e oficial para o agente do Correio. Eu que tinha que me apresentar. Com 20 anos eu fazia tudo isso. Eu tinha uma rapaziada lá que me conhecia no Correio, falou: “Você joga bola?”. Falei: “Jogo. Jogo no time do Correio lá, tudo”. O Correio tinha uma seleção, a gente jogava até fora. Ele falou: “Você não quer jogar no nosso time?”. Fui lá. Eles tinham um estádio lá e tudo. Comecei a jogar no time da cidade. Comecei a fazer parte também da cidade. Ia lá, tinha um rapaz que jogava comigo lá, filho do juiz, quando ele acabava o jogo ele falava: “Você não vai tomar banho aqui no vestiário, não. Você vai tomar lá em casa”. Tinha uma casa bonita, eu tomava banho lá na casa dele depois do jogo. E fiquei um tempo lá jogando na cidade. Eles até sentiram quando eu vim embora: “Não, você fica morando aqui”. Convidaram-me até pra ser político, você acredita? Porque o filho do prefeito falou pra mim: “Fica aí comigo”. Porque ele já era maior também. Falou: “A gente faz uma chapa aí, você se candidata a vereador. Todo mundo te conhece. No Correio todo mundo vai lá”. E todo mundo conhecia mesmo, porque eles tinham que pegar correspondência lá e ficavam me conhecendo mesmo. Até o doutor da cidade ia lá, quando eu precisava de atestado, ele me dava, tudo. E ele: “Não, fica aí, se candidata, você ganha fácil, porque a moçada gosta de você”. Eu falei: “Não, mas não... A minha não é ser político”. 20 anos de idade, nem pensava em nada disso. Acabei me despedindo deles e vim embora. Passou um tempo, eu tava trabalhando, passando telegrama, passei um telegrama, eu mesmo tava transmitindo um telegrama pra lá: “Ao prefeito Sebastião Possato”. É o menino o que tava me convidando. Ele chegou a prefeito lá. Depois não sei se ele foi mais pra frente, pra deputado, ou não. Não tive mais contato com ele. Eu se estivesse lá com ele, também estaria seguindo a carreira política. Naquela época não era o meu foco. Foi bom, que depois eu vim, entrei na Folha, consegui registro de jornalista, foi muito bom, fiquei 25 anos na Folha, simultâneo com o Correio. Era bom também, eu gostava muito do jornal também. Gostava dos dois: do Correio e do jornal. Porque o jornal me abriu muitas portas também. Jornalista não ganha muito, mas você tem porta aberta em todo lugar, você chega, fala, o pessoal te recebia muito bem. Eu fazia Fórmula 1 quando tinha aqui em Interlagos para reforçar a equipe de esporte. O editor de esporte ficou muito amigo meu, o Cecílio Favoretto, ele me colocava na equipe todo final de campeonato, Fórmula 1, essas coisas, eu ia trabalhar. Quando tinha Fórmula 1, sete horas da manhã eu já tava lá em Interlagos. Ele falava: “Olha, você vai cedo, porque você já vai vendo como tá o trânsito, já vai anotando, vê que horas abrem os portões, se tava muita folia, como tava a bagunça. Tudo isso”. Depois ia chegando a turma, os outros repórteres, porque cada um faz uma parte. Tem gente que pensa que o jornalista vai lá e escreve tudo. Não. Cada um tem uma parte, tem um que fazia a pista tal, outro fazia a pista tal, outro fazia box. Tinha até uma jornalista que escrevia sobre moda, como as moças estavam se vestindo. E depois junta tudo, forma a página que sai de esporte. E eu aprendi muita coisa. Foi muito bom. E isso tudo por causa do Correio. Inclusive, a mulher que eu casei também foi pelo Correio. Ela me conheceu lá e estamos juntos até hoje.
P/1 – Bom, seu Celio, muito bacana. Eu vou querer saber vários detalhes dessa história, mas antes eu só queria voltar um pouquinho para a gente entender um pouco mais como o senhor foi crescendo, como os seus valores foram se construindo, para a gente entender também o que o senhor agrega na história dos Correios. Se o senhor pudesse me contar um pouco, falar um pouco dos seus pais, como era a sua casa na infância.
R – Minha infância foi muito boa. Eu morava ali em Santa Terezinha, perto do bairro de Santana. Naquela época nem asfalto tinha nas ruas. E eu cresci ali até os 12 anos, depois fui morar lá em Tucuruvi. E a gente pagava aluguel. Nós éramos oito, meu pai trabalhava, minha mãe costurava em casa, minha mãe fazia gravatas. Ela ia à Rua José Paulino, pegava nas fábricas que tinham, levava pra casa e costurava. Conforme fui crescendo, quando já tava maiorzinho, de vez em quando eu mesmo, ela fazia e eu que levava às vezes. Eu, o outro meu irmão, levávamos as costuras dela, trazíamos as outras, e assim ela ajudava o meu pai. O meu pai, eu não cheguei a ver assim quando ele trabalhou, ele era militar, assim, naquele tempo não era PM [Polícia Militar], era Força Pública, depois ele passou para o Corpo de Bombeiro, ele ficou certo tempo de bombeiro. Aí como um compadre dele tinha muita influência no Correio, não sei como era, o levou e arrumou pra ele ir trabalhar no Correio. Depois que ele saiu do Corpo de Bombeiro, foi trabalhar lá. Ele ficou quase uns 15 anos no Correio.
P/1 – Olha!
R – Ele trabalhava na agência de Santana. Naquele tempo eles falavam “condutor de mala”, que passava o trenzinho ali, punha as malas no trem e mandava lá para outra agência, a do Tremembé, levava as malas do Correio. Depois, quando eu entrei no Correio, meu pai ainda tava no Correio quando eu entrei. Mudei dali 12 anos, com 14 eu comecei no Centro, trabalhei uns tempinhos em duas empresinhas, depois fui para o Correio, como eu falei, o senhor José Maria me levou para o Correio. E meu pai faleceu novo. Depois que eu tava no Correio, entrei com 15 anos, quando eu tinha 17 anos meu pai faleceu. Teve infarto. Naquela época não era que nem hoje, que faz safena, faz tudo. Naquele tempo tinha infarto, morria. Ele morreu com 49 anos. Minhas irmãs já eram maiores, eu já tava com 17 anos, fomos trabalhando, fomos tocando a vida. E minha mãe ficou junto com a gente, foi direto. Minha mãe faleceu com 84 anos. E ela era muito ativa, vaidosa, daquelas senhoras que só andavam de salto alto, cabelo arrumado. Eu fui o último a sair de casa, apesar de ter mais irmãs, duas mais novas, elas se casaram primeiro que eu. Eu casei com 30 anos. Eu fiquei com a minha mãe todo esse tempo. Depois que todos eles se casaram é que eu me casei, com 30 anos. E minha mãe foi morar com a minha irmã, que morava no Alto de Santana, uma casa maior, ficou um tempo lá, ia sempre a casa. Minha infância foi assim, com os meus pais e meus irmãos, depois cada um foi casando. Eu conheci essa moça no Correio, a Nivalda, que hoje é minha esposa, namoramos e casamos.
P/1 – Seu Celio, durante o tempo do seu pai trabalhando nos Correios, o senhor chegou a ir à agência com ele algumas vezes?
R – Cheguei.
P/1 – Conta como era a agência na época.
R – Eu ia à agencia ali de Santana, na Rua Alfredo Pujol, antes de eu trabalhar no Correio, antes de eu começar a trabalhar assim, na cidade, que eu era pequeno, de vez em quando eu ia lá, entrava lá com o meu pai, via o pessoal lá trabalhando, os carteiros lá separando as cartas. Era uma agência comprida, com os guichês na frente e no fundo o pessoal que trabalhava lá dentro. Eu só ia lá e ficava lá com o meu pai, esperava-o, ele trabalhava também meio dia. Naquele tempo todo mundo trabalhava meio dia, antes de empresa. Passaram a trabalhar mais depois. Todo mundo fazia seis horas. Ele trabalhava de manhã, eu ficava esperando-o, só pra ir embora com ele, depois a gente ia almoçar. Eu morava ali na Conselheiro Saraiva, e da Alfredo Pujol eram dez minutos a pé. Então eu ia lá pra vir junto com o meu pai, sempre de manhã. E era bom porque de vez em quando ele... Quando eu tava lá com ele, ele atravessava a rua, tinha um bar em frente que eles tomavam um café: “Ah, vamos lá tomar um café”. Chegava lá, eu gostava de comer uma coxinha que tinha lá. “Quer coxinha?” “Quero.” Aí ficava comendo, eu ia lá só pra isso, comer a coxinha e pra vir embora junto com ele. Foi essa vivência que eu tive com o meu pai. Ele sempre foi chegado, amigo da gente e tudo. Minhas irmãs também já eram moças, eu tinha três irmãs mais velhas que eu. Ah, e uma delas trabalhou também no Correio, aposentou no Correio. Só que ela aposentou bem antes de mim. Ela optou, ficou um tempo, ela foi chefe da Luz, ela chefiou vários locais no Correio, a Eunice Batista. Ela era muito conhecida. O pessoal mais antigo, até hoje tem gente que trabalha lá que a conhece. Ela ficou todo esse tempo também no Correio. Hoje ela tá com quase 80 anos, 70 e pouco. Vou fazer 71 o mês que vem, e ela é mais velha que eu, mas ela tá bem assim. Hoje ela só passeia, tem amigas dela ainda do Correio que viajam junto com ela, de vez em quando programam viagens. Foi essa irmã que trabalhou no Correio, meu pai e a minha esposa.
P/1 – E, seu Celio, essa casa cheia de irmãos assim, o que vocês brincavam? O que vocês gostavam de fazer quando vocês eram pequenos?
R – Os carrinhos da gente, a gente mesmo fazia. Naquele tempo ninguém podia comprar, era difícil, a gente mesmo inventava os carrinhos. Colocava aquelas latas de óleo, cortava, fazia a carroceria, pegava salto de sapato velho de mulher, punha, fazia o motor, tampinha de cerveja a gente fazia as rodinhas e colocava. Eu e meus irmãos... Tinha um irmão mais velho, era uma diferença de dois anos, depois o outro mais velho quatro anos. Esse meu irmão, como ele foi o primeiro homem, meu pai teve três mulheres, depois veio ele como homem. E meu pai como era bombeiro, aquele negócio mais machista, não sei o quê, ele pegava o meu irmão, começava a fazer ginástica com ele e ele ficou forte. Aí pôs ele no Tietê quando ele ficou mais rapazola, no Clube Regatas Tietê. E ele começou a praticar ginástica, fazia aquela ginástica olímpica, meu pai acompanhava, ia lá. E ele depois se formou, virou um atleta mesmo na época. No quarentenário de São Paulo, ele foi campeão em São Paulo, ganhou várias medalhas. Teve uma época que ele tava cotado pra ir para as Olimpíadas, na época, em Roma, que a Olimpíada ia ser em Roma. Mas ele com 36 faleceu, esse meu irmão. Deu câncer no pâncreas, foi uma coisa assim... E ele serviu o exército, casou, teve os filhos, os filhos dele todos moços, teve um até que puxou a ele, bem forte assim, um rapaz com um corpo bem forte. E ele esteve com a gente pouco tempo. Com 36 anos é um moleque. Perto de mim hoje é moleque, 36 anos. E o outro meu irmão, que nem eu, trabalhou normal, trabalhou em escritório e tudo. Ele faleceu há dois anos também, hoje ele estaria com 73 anos. Quando a gente era novo, essas brincadeiras de jogar bola, jogava muita bola na rua, sempre gostei de bola quando era pequeno. Esse meu irmão do meio já não gostava de bola, ele gostava de ficar com estilingue, caçando passarinho. E esse outro que foi atleta, mais ele seguia o atletismo. Depois ele casou também. Quando ele serviu o exército, tem até uns casos gozados, ele não gostava disso, não gostava de comida, meu pai falou: “Quando você servir o exército, você vai ver”. Quando ele tava servindo o exército, tinham umas moças que levavam comida pra ele. Meu pai ficava louco da vida, porque ele tinha que comer a comida de lá do quartel. E como ele era boa pinta, atleta, tinha moça que levava comida pra ele lá no quartel e ele não tava nem aí, ele gostava. Então a briga lá em casa do meu pai com ele era isso. Falava: “Não, você tem que servir o exército, tem que comer tudo aquela comida de lá”. Quando ele soube que levavam comida pra ele, ficou doido. E ele gostava muito de baile. De vez em quando meu pai pegava no pé dele, aquele negócio todo, porque ele vinha tarde. E aquela coisa de família. E as minhas irmãs era com namorados, porque às vezes namorado tinha que levar em casa. Meu pai falava: “Tem que vir aqui. Não vai namorar em lugar nenhum”. Então meus cunhados, depois que casavam, falavam: “Não, era dureza aquele tempo, chegar lá e enfrentar”. Naquele tempo... Hoje tá tudo mudado. Mas aquele tempo era difícil. Eu via as minhas irmãs, coitadas, passavam um “dois” lá com o meu pai.
P/1 – Seu Celio, o que o senhor queria ser quando ao crescer? O senhor lembra?
R – Eu lembro. Eu queria ser médico. Eu sempre falava. Eu gostaria de ser médico, só que não tive condições de estudar, na época tinha que trabalhar. Mas hoje eu acho muito bonita a profissão de médico.
P/1 – E o senhor se lembra do carteiro que entregava correspondência na tua casa?
R – Lembro. Lembro-me do Elias, muito falador, brincalhão. Eu lembro que quando estive em Águas de São Pedro eu conhecia todo mundo e quando era fim de ano eu vinha embora, aí no Natal todo mundo mandava cartão de Natal, naquele tempo o pessoal mandava, hoje acabou um pouco. Todo dia tinha carta lá em casa. Ele chegava lá, brincava: “Opa, tô trabalhando só pra você, não sei o quê. Só carta aqui na sua casa”. Conheci vários carteiros. Conheci o senhor João, que veio lá da Bahia, ele trabalhava na agência ali também, morava ali perto. Todo dia de manhã ele passava cantando. Quando ele ia pra agência, bem cedinho, ele passava cantando aquelas músicas do nordeste ali na rua e eu lembrava bem dele. Eu lembro até de uma música que ele cantava. Ele não gostava do Jânio Quadros como presidente, então ele vinha cantando: “Jânio Quadros vem aí, quem chora tem que rir com tanta palhaçada”. Mas ele vinha cantando alto pra todo mundo ouvir na rua. Eu morava num sobrado, meu quarto era em cima, de frente pra rua, de manhã eu já acordava com esse carteiro cantando, passando. E era amigo do meu pai também. A gente conhecia todo esse pessoal. E no Correio mesmo eu tive muitos amigos, o Correio era ali na Praça do Correio, hoje é só uma agência central lá, mas era tudo ali, não existia o Jaguaré, não tinha. E os caminhões saíam todos dali do lado, daquela rua que fica do lado. E a frente do Correio é normal. Hoje modificou um pouco, mas ainda continua. Então tinham os carteiros, a gente conhecia os carteiros e vários outros funcionários jogavam no nosso time, porque o nosso time do Correio não era só o pessoal ali da chefia do tráfego, a gente pegava outros, porque era uma seleção. Tinha carteiros, tinha até uns carteiros fortes lá, uns camaradas, e tinha uns que iam pra torcer. Naquele tempo o pessoal era unido. A gente jogava por aí, nessas vilas, nesses lugares, ia bastante gente, o campo ficava cheio de funcionários, iam assistir. E a gente se sentia até mais protegido. Porque eu sempre fui franzino. Eu jogava futebol, você ia jogar nesses lugares e de vez em quando você entrava duro e os caras também entravam duro, aí os carteiros, aquela turma mais forte lá falava: “Toma cuidado com o menino, porque não sei o quê”. Então já jogava mais confiante. Nós chegamos a ir jogar no Rio de Janeiro. Naquele tempo íamos de trem, era o trem da Central do Brasil. Ficávamos lá cinco dias, no Rio, e eles abonavam o dia pra nós. Pra mim, molecão, viajando, meu pai tinha que assinar. Eu ia fazer 17 anos, foi antes do meu pai falecer. Como eu fui convocado a ir para o Rio, chamaram meu pai lá no Correio lá pra assinar, autorizando, porque eu era menor ali. Ficamos num hotel, o pessoal, eu não podia sair do hotel depois das dez horas, porque eu era menor, e os responsáveis lá não deixavam. Eles me deixavam só andar na porta do hotel assim e de dia eu ia passear em Copacabana, aqueles lugares todos, mas eu tinha que voltar logo para o hotel. Sempre tinha alguém de olho também, mas naquela época, no Rio de Janeiro, quando eu tinha 17 anos, você podia dormir na praia que não tinha os problemas que têm hoje, a violência. Naquele tempo não tinha. Naquele tempo, quando nós íamos fazer um jogo lá, ia até diretor e presidente dos Correios, a presidência era do Rio, não tinha Brasília ainda, era o Coronel Simas Kelly. Ele e a mulher foram ao jogo, a mulher dele que deu o pontapé inicial num dos jogos de lá. Até eles brincavam, o Almir Feitosa, o dirigente do clube, do time, chamou o presidente da empresa e a mulher, que estavam lá, eu já tava vestido pra entrar no campo quando ele falou: “Celio, vem aqui”. Falou: “Ô doutor, vem aqui. Esse aqui é o Celio. Conta pra ele sua história. Você saiu de São Paulo com três reais e eu ouvi dizer que você já gastou dois. Onde você gastou esses dois?”. Eu falei: “Eu chupei sorvete ali”. Brincando com o presidente da empresa, na época tinha mais convivência, o que hoje é difícil. Hoje você nem vê o presidente da empresa, a não ser quando ele vem fazer uma visita.
P/1 – Senhor Celio, eu vou fazer mais umas perguntas sobre o teu tempo dos Correios, mas antes eu queria perguntar como foi um pouquinho da tua trajetória escolar. O senhor lembra do seu primeiro dia de aula? Como era nessa cola?
R – Membro. Tem até hoje, é o Salesiano, lá em Santa Terezinha. Hoje tá grande, virou uma faculdade. Mas na época a gente chamava ali de Chácara dos Padres. Era um galpão grande e ali ele fazia o jardim de infância. Minha mãe me colocou lá no jardim de infância. Hoje é muito conhecido o Bar do Luís lá em Santana, eu morava ali, atravessava e já estava na Chácara dos Padres. Na primeira vez meu irmão que me levou, era o jardim da infância, tinha o trilho do trem, tinha o trenzinho da Cantareira que passava ali, eu levava o lanche todo embrulhadinho no guardanapo. Eram os padres que ensinavam lá. No primeiro dia de aula, chegou a hora do lanche, eu comi o lanche e depois não sabia o que fazer com o guardanapo. Como tinha um tempinho na hora do lanche eu saí de lá da escola, entrei pela linha do trem, atravessei e fui sozinho pra minha casa. Quando minha mãe me viu: “Você...”. Falei: “Vim trazer o guardanapo”. Ela falou: “O que é isso? Você veio sozinho?”. Porque pra ir, meu irmão que me levou. “Ah, mas eu sei o caminho” – eu falei. Que eu era pequeno. “Eu sei o caminho.” “Não é que você sabe o caminho, mas é perigoso por causa do trem.” Chamou o meu irmão: “Leva ele correndo de volta pra lá”. Meu irmão me pegou pela mão: “Vamos lá. Você veio embora só pra trazer isso?”. Me deu uma bronca e me levou lá pra escolinha de novo. E eu fiz jardim de infância com os padres, hoje é uma coisa linda o Salesiano em Santa Terezinha. De lá eu fui para o Grupo Escolar Frontino Guimarães. Ainda existe ali, fica onde tem o Supermercado Pastorinho, ali no Alto de Santana. Eu entrei lá no primeiro ano, eu lembro que aí eu já ia sozinho. A gente ia numa turminha que estudava ali, o pessoal estudava que estudava lá. Eu estudava de manhã, entrava cedinho naquela época. Eu lembro até de um uma professora quando eu tava no primeiro ano, dona Dulce, de manhã estava meio fresquinho, aquele tempo de São Paulo da garoa, o pessoal todo encapotado, ela falou: “Podem tirar as blusas. Não tem esse negócio de ficar com blusa dentro de sala, não. Vocês têm que ser mais esportistas”. Então a gente, pra mostrar para professora, ficava só de camiseta e passava frio. Mas só a primeira [professora], depois veio a do segundo ano, a professora dona Lúcia, me lembro do nome dela. Na terceira série foi a dona Nair, Nair Rolim. No quarto foi a Nair Lobo, uma loira alta, cabelo escorrido assim, bem loiro. Naquele tempo a gente fazia admissão para o ginásio, essa admissão era uma prova, um exame mesmo para entrar no ginásio, você não entrava direto quando saía. Que nem hoje, eles fazem a oitava. Aquele tempo não, você fazia a admissão, depois ginasial, depois você ia para o científico, que seriam três anos, ou então aquele que era feito para quem quer ser professora e de lá você ia pra faculdade. Hoje é curso médio, superior. Naquele tempo não. E eu lembro que fiz essa trajetória escolar toda. E andei fazendo uns cursinhos assim. Naquele tempo tinha muito cursinho, uns cursinhos básicos por fora, inclusive um de português, para melhorar o português na época. O meu medo naquela época era matemática (risos), eu achava tão difícil. Depois acabei gostando, também tinha até aula de religião. Na época em que estudei no Prudente de Morais, já era colégio, tinham aqueles cadernos de desenho grandes, aqueles desenhos geométricos, eu gostava de tudo isso. Eu me lembro de uma passagem no primeiro ano de ginasial, o professor de desenho era exigente, ele queria todo o material, régua, tudo direitinho pra a pessoa fazer o desenho. E eu às vezes eu esquecia a régua, fazia mesmo sem, mas eu procurava caprichar. Um coleguinha meu do lado um dia também esqueceu, justamente quando eu fiz sem, o professor não viu, mas quando ele viu prontinho, ele não falou nada, deu a nota. Passou um dia, o do lado lá também esqueceu a régua e fez, só que o professor passou, olhou e falou assim: “Que porcaria é essa?” “É que eu esqueci a régua” “Como esqueceu a régua? Você vai fazer sem régua?”. Ele pega e me entrega: “É, mas ele também fez sem régua”. Aí o professor olhou, falou assim: “É, mas o dele tá perfeito e o seu não” (risos). Eu falei: “Ainda bem, né?”. Ele falou assim pra mim: “Mas não esquece mais a régua”. São coisinhas que a gente se lembra da época de ginásio. Era muito gostoso.
P/1 – Senhor Celio, o senhor começou a trabalhar como office-boy. O senhor lembra o que senhor fez com o seu primeiro salário?
R – Eu dava tudo em casa. Eu dava para o meu pai. Porque a gente recebia e naquela época chegava em casa e dava. Ele dava uns troquinhos pra gente e o dinheiro da condução, porque a gente pagava ônibus. Todo dia ele dava o dinheirinho do bonde. Eu pegava bonde ali em Santana quando comecei a trabalhar. Aquele bonde saía de Santana, ia pela Voluntários, atravessava a Santa Efigênia, o final era no Largo de São Bento, depois pegava a Florêncio de Abreu, descia e voltava pra Santana. Eu cheguei a trabalhar várias vezes de bonde, era mais barato. E também era gostoso andar de bonde. Meu pai dava esse dinheirinho pra gente. Quando precisava comprar um sapato era ele que ia com a gente lá para escolher o sapato. Quando eu trabalhava no Correio, a gente andava muito quando entregava telegrama, usava aqueles sapatos de solas de pneu que duravam mais. Era meio pesadão, mas era o que suportava, porque tinha que entregar o telegrama. Chovendo, não chovendo, tinha que entregar. De tarde, você tinha que entregar os recibos lá que o pessoal assinou, que você entregou. Então eu fazia o Bairro de Santana. Eu pegava o bonde, descia no começo da Voluntários da Pátria, e começava entregar os telegramas. E ia até terminar.
P/1 – Seu Celio, o senhor se lembra, pode nos contar alguma história de telegrama que tenha entregado?
R – Tinha gente que quando fazia aniversário recebia vários telegramas, ou casamento, era uma alegria. Mas tinha também os de pêsames, o pessoal ficava meio triste. Então de casamento era bom, de felicitações. Eu acompanhava várias festinhas, às vezes até no dia seguinte. Tinha dia de domingo que a gente trabalhava, ia de manhã, e naquele tempo o as festas eram todas nas casas. Hoje são nos clubes, salão. Tinha aqueles barris de chope, E o pessoal no dia seguinte continuava a festa de manhã, porque sobrava barril de Chopp, bolo, sanduíche. Então eu ia de manhã levar o telegrama e o pessoal sempre oferecia um guaraná. Então. Eu lembro também que fui entregar um telegrama um domingo na casa do governador, era o Ademar de Barros, morava em Higienópolis. Quando eu cheguei na frente da casa, uma casa grande, era a casa dele mesmo, tinha o palácio lá nos Campos Elíseos, mas de domingo ele estava na casa dele, e o telegrama era o endereço da casa dele. Tinha até um guarda que ficava na entrada. Eu cheguei, falei: “Olha, telegrama para o doutor Ademar de Barros”. O guarda falou: “Ele tá aí. Entrega pessoalmente lá para ele. Pode entrar lá”. A casa era grande, entrei, a dona Leonor Mendes de Barros, que era a mulher dele, também tava lá. Ela me atendeu e falou: “Você tá trabalhando hoje?”. Eu falei: “É. Tem que trabalhar”. Ela: “Dá aqui os telegramas”. Pegou os telegramas e falou assim: “Vem cá”. Levou-me numa sala que tinha tanta coisa, pra gente que não tava acostumado a ver tanta coisa assim de comer, e me ofereceu tudo. Daí todo mundo gostava de ir lá. Quando eu contei o pessoal de domingo ficava: “Quem vai fazer Higienópolis?”. Todo mundo queria fazer pra poder ir lá à casa do governador. E era muito bom. A gente ia à casa de pessoas conhecidas, mas sempre era gostoso. Tinha aquelas pessoas mais chatas, que também são mais ranzinzas, isso em todo lugar, até hoje. Mas a maioria tratava a gente muito bem, porque a gente era menor [menor de idade]. Hoje é o carteiro que entrega, mas naquele tempo erámos todos meninos. A seção de expedição de telegrama tinha ninguém maior [de idade]. E era gostoso. Como office-boy também foi bom porque conheci a cidade de São Paulo inteirinha, não tinha rua que não conhecia, qualquer “bequinho”. Até hoje. Minha esposa às vezes quer ir a algum lugar: “Ah, vou até...” “Ah, vamos lá que eu sei” “Mas você sabe todo lugar?”. Eu falei: “Claro. Fui office-boy, se eu não souber...”. Andava a cidade inteirinha.
P/1 – Senhor Celio, agora um pouquinho... Quando o senhor saiu da gráfica, o senhor contou a história da sua entrada na São João, como era? Fala um pouquinho como era naquela época, as mudanças que o senhor acompanhou.
R – Quando eu cheguei, a sala de aparelhos tinha a chefia do tráfego, a chefia ficava na sala que era comprida e grande, o terceiro andar todinho daquele prédio. Então vinha o setor de rádio, eram umas mesas compridas, o setor de rádio tinha a parte de transmissão, a parte de recepção e a mesinha do dirigente, eles falavam diligência no rádio, tinha o dirigente, ele que dava as linhas lá, tudo. Depois vinha um quadro grande de Morse, também de dedinhos, de plugue, e o manipulador que você transmitia por sinais, mas aquele sinal seco, tá tátátá tá tatá tatá, transmitia pra outro lugar. Depois tinha outra mesa, que era o setor de Baudot. Eram uns aparelhinhos assim compridinhos que tinham cinco teclas. E com aquelas cinco teclas você escrevia tudo. Não tava escrito nada na tecla, mas você sabia que aqui é A, bater essas duas dava B, era uma combinação. Hoje quem vê isso vai falar: “Isso é coisa pra super-homem”. Porque, hoje, do jeito que a meninada tem tudo mastigado... Depois vinha o teletipo das urbanas, as urbanas que eram as agências, era direto, esse teletipo falava com Santana, com a Liberdade, cada bairro tinha sua linha física, que era direta. Mas ali já eram umas teclinhas também, parecia uma máquina de escrever, Então por ali você ia batendo, saía lá, só que não saía escrito em linguagem clara como se escreve hoje, saíam letras. No começo saía em sinais, depois, mais avançado, começou a sair escrito, mas não saía no papel normal, saía numa fitinha “gomada”. Ela era gomada porque tinha um aparelhinho, uma roldana, que com água passava por cima aquela goma que tava embaixo, a pessoa ia puxando com uma tesourinha, tinha o modelo do papel do telegrama, ia colando. Por exemplo, o texto vinha primeiro, ele punha, cortava e ia colando no papel o texto. Depois o endereço, a parte do endereço, e o preâmbulo. Acabava aquele telegrama e entrava outro, era todo esse trabalhão, precisava de três, quatro pessoas pra receber um telegrama. Depois pegava tudo aquilo, tinha um que ia dobrando o telegrama, porque fechava e ficava só a parte do endereço assim, o recibo para destacar. Depois ia pra expedição. A expedição separava por bairros, tinha lá o divisor, ele separava Santana, Liberdade, Brás. Separava e já punha nas caixinhas: Brás, Santana. O mensageiro de manhã chegava lá, por exemplo, ia fazer Santana, ele pegava aquele lá de Santana, ia até uma mesinha lá, dava lá para o que ficava na mesa e ele taxava os telegramas, tinha um papel que ele punha os números dos telegramas. Não saía a olho a, porque senão falavam que o mensageiro podia jogar fora, falar que entregou, estava tudo registrado ali. Dava a saída, o mensageiro saía para entregar, ele tarde ele tinha que trazer aqueles recibos pra conferir. Caso não fosse entregue por algum motivo, a pessoa mudou, ou não tinha ninguém em casa, ninguém atendeu, ele tinha que anotar atrás o porquê não foi entregue. Depois dava outra saída pra ver o que houve, porque não foi entregue. Acontecia muito isso. Às vezes chegava e a casa tava vazia. Alguém mandava lá de longe, não sabia que a pessoa mudou, chegava lá, você batia, batia, aí batia na vizinha, a vizinha falava: “Não. Não mora ninguém aí. Já mudou”. Você tinha que anotar atrás e devolver o telegrama lá. Acontecia muito isso. Era tudo anotadinho. Era um trabalhão, várias pessoas fazendo, mas não tinha outro jeito, naquela época não tinha condições, não tinha os aparelhos que tem hoje. Tinha muito para o Rio de Janeiro, que nem São Paulo. Rio para São Paulo, São Paulo para o Rio, eram passados muitos telegramas. Tinha vários aparelhos que também transmitiam e recebiam, mas recebiam tudo, na colinha também. Ficava o colante de um lado e o que transmitia do outro.
P/1 – Seu Celio, teve algum que o senhor tenha transmitido ou alguma mensagem que tenha te marcado?
R – Ah, teve. Eu não lembro, mas teve muita mensagem. Tinha telegrama que na época dos militares era censurado, então você não podia mandar. Quando você via que o negócio tava meio assim, tinha que passar pra chefia. Aí eles que viam lá se era para mandar ou não.
P/1 – E como funcionava isso? Vocês eram instruídos a não passar?
R – A gente era instruído a não passar. Se pegasse esse telegrama, você tinha que entregar na mesa para o chefe e ele que resolvia se aquele texto era pra passar ou não passar. Porque às vezes a pessoa tinha alguma coisa contra, aquelas coisas, sempre tem, como tinha na época. Tinham telegramas de brincadeiras... Tiveram casos de mandar telegrama de rádio por sinal, às vezes o telegrafista tá recebendo aqui, a pessoa põe “pa-ra-béns, fe-li-ci-da-des” ficava “titiri ti ti”, aí já completava, não ficava esperando o sinal, então às vezes saía coisa errada. O delegado uma vez foi lá reclamar, ele falou: “Pô, eu já recebi telegrama de tudo quanto é jeito, mas com esse texto aqui, não. ‘Deter fulano de tal, não sei o quê, característica: cicatriz não sei o quê, tem uma cicatriz na região de Uberlândia’”.
P/1 – (risos).
R – Ele falou: “Eu já prendi vários camaradas com cicatriz em tudo quanto é lugar, mas nessa região aqui ainda não” (risos).
P/1 – (risos).
R – Aí foram ver quem recebeu aqui, foram checar lá na cópia, era na região umbilical. Às vezes o cara tá aqui com o fone, tatá tatá tatá, aí quando deu o “U”, ainda “região”, “região u”, ele pôs Uberlândia, região de Uberlândia. E não era região de Uberlândia, era região umbilical. Tinha umas coisas assim que no fim você dava risada. Até o delegado foi lá reclamar, mas ele deu risada, achou gozado. O delegado foi levar uma chamada lá: “Pô, você viu o que você fez?”. Eu mesmo uma vez cheguei lá, o rapaz estava colando, e ele falou: “Faz pra mim?” “Não, pode deixar que eu faço aí pra você”. Teve uma época que tava faltando modelos de telegrama, o modelo quando vinha, vinha escrito: texto, endereço. Você punha tudo direitinho. Aí você tinha que por que por mais ou menos, era uma época de crise de papel. Eu comecei a colar, colei, e pus lá. Por uma distração, eu estava pegando outros papéis, como não tinha frente nem verso escrito, no modelo vinha escrito e você não tinha como errar.... Então como ele era em branco, eu já tinha colado um telegrama de um lado, mas como eu o deixei virado, veio outro telegrama, peguei aquele lá, pus e cobri, colei telegrama do outro lado achando que do outro lado não tinha nada, colei dois telegramas num só (risos), um telegrama diferente do outro de cada lado num modelo só de papel. O chefe me chamou: “Celio, vem aqui” “O que foi?” “O que é isso aqui? Você colou um telegrama num verso, e outro no outro”. Minha saída foi olhar, falar: “Olha, seu Alcides, é o seguinte, o papel que tem lá, que vocês estão dando pra nós, não tem frente nem verso, então aconteceu”. Eu falei: “Colei de um lado e colei do outro”. Ele falou: “É, mas vê se não faz mais isso”. Não precisava fazer nada por escrito, não. Ficava só na bronca. “É, toma mais atenção, olha aí. Agora vai lá, tira uma cópia desse outro telegrama, dos dois, cola separado e rasga esses outros”. Deram risada quando viram, porque dois telegramas, de um lado, do outro. Mas acontecia.
P/1 – E, senhor Celio, o senhor falou do aparelho de Baudot. Fala um pouquinho pra gente como funcionava.
R – O Baudot era um aparelho francês. Até pelo nome você vê. Ele era um metal, parecia uma caixinha de metal, e depois embaixo tinha umas teclas de madeira em marrom, cinco teclas mesmo, uma, duas, três, quatro, cinco. E dentro você punha um rolo dessa fita gomada, ela passava, e passava num lugar, conforme você batia davam as letras ali, iam saindo a combinação. Ali tinha que conhecer, porque era combinação de tecla. Era que nem a telegrafia, o A, se você bater em tecla seca, em lugar que faz barulho, por exemplo, toc toc, é um fraco e um forte, é ti tá. No som de rádio, porque tem o som de rádio e tem o som seco, o de rádio era melhor pra ouvir, porque o rádio faz ti tá, ti tá, no ouvido; e esse seco na batida, você tem que bater um fraco e um forte, é pá pá, pá pá, pá pá, esse é o A. Então cada letra é uma batida. O B é um forte e três fracos: tá tátátá, tá, tátátá. E no rádio é: pã pãpãpã, pã pãpãpã, são três segundos, uma diferença do ponto para o traço. Você educa o ouvido, é que nem música, a pessoa tem os sinais da música, a telegrafia é a mesma coisa. Eu sabia o abecedário inteirinho. Porque pra você receber um telegrama você tem que saber o abecedário todinho, inclusive letras, números, algarismos. Aí já é mais difícil, necessita de curso mesmo. Naquela época, a maioria que trabalhava ali na sala de aparelhos fazia bico, trabalhava na aviação, porque os aviões usavam telegrafistas, e a maioria era do Correio. A Cruzeiro do Sul, a Varig, todas essas companhias usavam telegrafistas do Correio, eles faziam bico, trabalhavam no Correio e lá. Quando tinha que viajar pra fora, eles pagavam um colega pra fazer pra ele lá, cobrir. E aquele tempo a chefia autorizava, tinha uma permuta, você só preenchia e fazia por escrito. Fazia: tal dia fulano irá cobrir o horário de tal, tal, por fulano de tal. Era tudo assinado direitinho. Um avião, por exemplo, levava o piloto, o copiloto, o comandante, o navegador e o telegrafista. Na aviação não tinha os aparelhos. Os primeiros foram aparelhos muito grandes, pesados, pra transmitir som. Então tinha que ser telegrafia, que era um aparelho pequeno de rádio mesmo. Era o telegrafista que dava os sinais do avião pra torre e recebia da torre, e passava para o comandante. Eu mesmo fiz uma prova lá na Cruzeiro do Sul, antes de ir para Folha, eles me chamaram, mas coincidiu deles eles me chamarem junto com a Folha, como tinha que estar no aeroporto todo dia de manhã, era mais difícil, a Folha era perto, eu falei com um colega meu, Maciel, ele tava precisando de outro emprego, falei: “Maciel, você quer ir trabalhar na Cruzeiro do Sul?” “Oxe, eu vou sim, mas tem que fazer prova”. Eu falei: “Eu já fiz, eles estão me chamando, você não quer ir no meu lugar? Eu falo com eles que eu não posso ir, mas eu vou indicar você” “Ah, então me indica”. Eu liguei pra eles, falei: “Olha, é o seguinte, eu não vou poder cumprir, não dá pra ir, porque...” – aleguei outros motivos – “Mas tem um colega meu que faz a mesma coisa, trabalha igual, muito bom operador”. E eles estavam precisando: “Ah, então manda ele pra cá”. Ele foi pra lá, trabalhou até falecer. E vários que trabalhavam no Correio voavam, eram telegrafistas de bordo. Teve um até um , fui ao enterro dele, o avião caiu aqui em Santa Catarina, o Guaraci. Quando foi o enterro, eu fui lá no enterro dele, tava todo o pessoal da aviação lá, os pilotos. Ele trabalhava comigo lá, só que ele teve essa infelicidade do avião cair aqui em Santa Catarina. E ele trabalhava lá e era funcionário do Correio.
P/1 – Seu Celio, a gente tá com o tempinho quase acabando, mas eu queria te fazer umas perguntinhas finais.
R – Tá bem.
P/1 – Queria te perguntar: nesses seus anos, nessa tua história com os Correios, o que o senhor considera que foram os divisores de água? O que mudou mesmo que acha que foi um divisor de água na história da empresa?
R – Da empresa?
P/1 – É.
R – Ah, mudou quase tudo. Naquele tempo o Correio era telegrama, carta, selos. Tanto é que o pessoal naquele tempo não tinha condições de telefonar, então usavam os Correios para tudo. Era tudo na base de telegrama e carta. Tanto é que no final dos anos o Correio chegava a ficar superlotado de fila por causa de selos. A solução, eu lembro uns tempos atrás, o Correio punha peruas volantes na época de fim de ano, uma em frente o Mappin, outra na Praça Antônio Prado, outra lá em cima na outra praça, peruas do Correio com funcionários vendendo selos pra evitar fila na agência central. Era fila enorme, saía até pra rua lá, de tanta carta e telegrama. Até pediam pra gente, eu mesmo, pra quem quisesse fazer hora extra no fim de ano, quem pudesse ficar depois do horário, ficar na perua volante. Ficavam sempre dois, três, numa perua volante vendendo selo, fazendo coisas do Correio, serviço do Correio mesmo. Porque a agência não comportava. O Correio vivia só na base só de telegrama e carta. Hoje não, hoje o Correio virou banco, cresceu. O Correio, se você quiser mandar um carro lá pra Manaus, hoje você manda pelo Correio (risos). Impressionante a transformação. Começou quando virou empresa mesmo. Porque quando era departamento, o Correio era pra servir o público. Quando o Correio foi formado, a intenção era servir o público, tanto é que o preço era baratíssimo. O telegrama era baratinho, carta ou selo era um centavo, coisa assim, mais pra servir o público. Era um departamento pra servir o público, tanto é que era Departamento de Correios e Telégrafos. O Governo que mantinha uma parte. Aí fizeram a transformação pra empresa. De lá pra cá houve um avanço. O Coronel Botto foi presodente, aqui em São Paulo ficou o Coronel Olinto Oyama, o Coronel Laranjeira ficou na parte de postal, era tudo coronel. Até na portaria era um tenente, todos eles comandavam. Mas houve avanço, porque eles melhoraram muito a empresa. O Correio se transformou, começou a fazer vários outros serviços, foram implantando outros serviços, tanto que cresceu que não comportou mais ali na agência central, fizeram o prédio do Jaguaré, a Construtora João Fortes. Eu lembro quando eles estavam construindo Jaguaré, foi a primeira vez que nós ganhamos uma porção de coisa no Correio, porque o João Fortes chegou no fim de ano e deu presente pra tudo quanto era filho de funcionário. Meus filhos eram pequenos, era boneca, era carrinho... A turma falou: “O Correio tá dando”. Depois que eu fiquei sabendo, não foi o Correio, foi a construtora que estava fazendo o Correio. Aí fizeram esse prédio enorme do Jaguaré, que hoje já tá pequeno (risos). R – Na época foi um monstro aquilo lá.
P/1 – Seu Celio, pensando como um operador de telecomunicações, quais foram as principais mudanças tecnológicas que alteraram a rotina, o curso da profissão?
R – Olha, foi um avanço muito grande a comunicação. Começou mesmo com o tambor dos índios, era aquela fumaça e tambor. Depois passou o Morse, o código Morse. Esse eu peguei, não peguei o tambor, mas o código Morse eu peguei. Do Morse, que era esse sinal seco, passou para o rádio, quando começou a transmissão de rádio, dava pra se transmitir telegrafia por rádio. Veio o primeiro teletipo, o Baudot, que foi uma transformação. Agora, a transformação maior desses foi o telex, na época foi um assombro quando vi aquelas máquinas de telex. Antes era máquina de escrever, a gente recebia os telegramas de rádio em máquina de escrever mesmo, aquela máquina durona. Depois quando veio o telex, a tecla até mais leve, você transmitia pra qualquer lado, tinha um telefoninho do lado. Você ia passar pra Recife, você discava o número de Recife, da agência lá, você mandava o telegrama direto, coisa que não acontecia. Os outros aparelhos não tinham, era linha física, só de um lado para o outro. Do telex, veio o computador. Tá certo que os primeiros computadores eram enormes. E foi indo, como tá hoje, foi uma transformação pra nós... Eu mesmo fiquei surpreso. No começo a gente tinha até medo de fazer no computador. Falava: “Pô, esse negócio aí”. Hoje não, a gente vai se habituando, tudo. Se você pegar um funcionário novo hoje, mostrar um telex pra ele, ele não vai saber o que é um telex. Ele não vê a dificuldade que houve nos aparelhos antigos. Aquele tempo você tinha que saber trabalhar naquilo. Hoje no computador a meninada nasce sabendo. Você põe uma criancinha no computador e ela faz melhor do que a gente. Mas naqueles aparelhos antigos não, você tinha que ser profissional, você tinha que saber, você tinha que fazer o curso ou então ficar aprendendo ali com alguém pra você trabalhar, senão você não conseguia. Era difícil.
P/1 – E, seu Celio, se o senhor pudesse contar pra gente assim, não sei, talvez tenha reparado alguns casos, algumas situações em que no caso o telegrama, que é essa transmissão que o senhor fazia, tenha sido fundamental na vida, no cotidiano das pessoas assim.
R – Olha, lembro sim. A gente passava muito texto de, teve um caso de morte. Uma vez eu tava saindo, indo embora, a gente saía 11 horas, fechava lá quase meia-noite, eu já tava indo embora pra casa. Tinha uma família lá embaixo, já tinha fechado, o Correio fechava acho que oito horas, os guichês de telegrama. Porque tinha que taxar o telegrama pra depois subir pra nós, pra transmitir. A pessoa tinha que pagar lá embaixo, depois subia. Aí eu cheguei, tinha uma família lá chorando, falaram: “Ah, o Correio já tá fechado e nós não temos como avisar a pessoa. O Correio tá fechado, como faz?”. Eu pensei, falei: “Olha, só tem um jeito”. Eu falei: “Sobe um de vocês comigo, eu vou passar o telegrama, aí fica sem pagar. Não vai taxar, não tem como”. Eu falei: “Eu já tava fechando, mas eu volto lá” “Ah, você faz isso pra nós?”. Falei: “Faço. Dê no que der. Mesmo que eu for punido, não tem problema, vamos lá”. Fui lá em cima, liguei o aparelho para o lado que eles queriam, não sei lembro a cidade. Aí passei comunicando o falecimento e avisando que era urgente. Eu passei, mas o Correio lá também não tinha quem entregasse. “O que deve fazer?” Eu falei: “Fazer o seguinte, liga pra delegacia de lá, porque sempre tem plantão, o delegado pode pedir pra alguém levar esse telegrama”. E acontecia isso. Ligamos, o delegado falou: “Tudo bem, manda o telegrama, a gente vai dar um jeito de mandar alguém da polícia entregar”. E foi entregue. Eles queriam até me pagar, agradecer. Eu falei: “Não, porque não foi taxado. Não tem nada” “Ah, e fica sem pagar?”. Eu falei: “Fica. Não em problema. O Correio não vai fechar por causa de um telegrama” (risos). Esse negócio de delegacia a gente tava acostumado a fazer, mas com telegrama pago. Às vezes não tinha como o Correio entregar lá, mandava pra delegacia e o delegado pedia pra alguém entregar o telegrama. Não tinha mensageiro, então eles entregavam. Esse é um dos casos.
P/1 – Seu Celio, agora eu queria perguntar para o senhor, como o senhor usa os Correios hoje?
R – Olha, hoje eu uso quando eu mando algum cartão (risos). Vou lá, mando um cartão de Natal. Ou então vou ao banco, porque hoje ele faz serviço de banco. Às vezes tenho que fazer alguma coisa, passo perto de um Correio, preciso retirar alguma coisa, tenho o cartão do banco. Eu uso o Correio assim hoje. Se bem que eu visito lá, de vez em quando eu vou lá ver os colegas que ainda estão lá e que trabalharam comigo há pouco tempo.
P/1 – E como trabalhar tanto tempo com telegrama, com transmissões, marcou a tua trajetória pessoal, marcou a tua vida?
R – Ah, marcou em tudo. Tudo que veio em minha vida foi decorrente disso, de Correio, de telegramas. Sempre trabalhei com comunicação. O próprio jornal, eu fui trabalhar no jornal justamente por causa disso, pra trabalhar com telex. Era coisa nova e só no Correio que tinha. Os operadores, pra trabalhar fora, eram do Correio. Não era só o jornal, todos os só utilizavam operadores nossos que saíam dali. Porque quando implantaram o telex ninguém sabia mexer naquilo, então tinham que buscar no Correio. O Correio que fornecia radiotelegrafista pra viação, operador de telex para os bancos, para as empresas. Depois foram ensinando e foram aprendendo. As próprias empresas foram formando seus operadores. Eu quando fui à Folha, foi pra isso. Eu dei sorte, porque cheguei lá, tinha um setor noticiarista que precisava atender correspondente, eu comecei a fazer isso e veio a lei de que quem era noticiarista há dois anos na função podia requerer registro profissional. Na época do Médici, Presidente Médici, eu peguei, juntei as papeladas direitinho, entrei pelo Sindicato dos Jornalistas, o sindicato mandou para o Ministério do Trabalho, seis meses depois me chamaram lá no Ministério do Trabalho pra levar a carteira e fizeram o meu registro de jornalista profissional. Tanto é que no meu documento aqui, esse que o Correio me deu quando passou à empresa, consta: “Registrado como jornalista profissional em 1972,...”.
P/1 – Seu Celio, eu queria que o senhor falasse um pouquinho o que o senhor acha dessa ideia de o projeto resgatar a história desses 350 anos através da experiência vivida das pessoas.
R – Eu acho isso muito bom. É uma coisa de incentivar, inclusive, o pessoal novo, que daqui uns anos também poderão estar nessa história que o Correio continua. E o pessoal mais antigo também consta na história, isso é uma satisfação pra nós. Eu mesmo vim aqui com a maior satisfação. Falei: “Não, é pra colaborar...”. Achei bonito isso. Achei muito bacana. Eu acho que devia fazer mesmo.
P/1 – E agora, senhor Celio, eu queria que o senhor falasse como foi contar tua história, lembrar as coisas de lá atrás.
R – Ah, foi muito bom. Você lembrar, voltar todo esse tempo, é bom você ter um passado. Você tem que relembrar o passado, procurar... Nem tudo a gente vai lembrar, mas pelo menos aquilo que lembra traz à tona novamente. É muito bom. Eu gostei. Adorei. Foi muito bom.
P/1 – Então muito obrigado pela sua entrevista e parabéns pela sua trajetória. Tem mais alguma coisa que o senhor queira falar?
R – Não. Eu só agradeço também a vocês e espero que vocês continuem com esse projeto. E quando precisar, o que eu puder colaborar, estarei à disposição.
P/1 – Muito obrigado, senhor Celio.
R – De nada.
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