Projeto Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Guilherme Peirão Leal
Entrevistado por Carla Vidal São Paulo, 03 de agosto de 2005
Código: ABEVD_HV14
Transcrito por Anabela Almeida Costa e Santos
Revisado por Marina Tunes...Continuar leitura
Projeto Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Guilherme Peirão Leal
Entrevistado por Carla Vidal São Paulo, 03 de agosto de 2005
Código: ABEVD_HV14
Transcrito por Anabela Almeida Costa e Santos
Revisado por Marina Tunes
P/1- Guilherme, boa tarde. A gente costuma pedir para que as pessoas se apresentem, dizendo nome, data e local de nascimento.
R- Eu sou Guilherme. Guilherme Peirão Leal ou Guilherme da Natura. [risos] Eu nasci em 22 de fevereiro de 1950, estou com 55 anos, em Santos, São Paulo. E depois vim, logo em seguida, aos 9 anos, vim pra São Paulo.
P/1 - E você lembra da sua infância em Santos?
R- Eu tenho algumas memórias, algumas boas memórias. A primeira delas era dos bons tempos, quando você ia pro primeiro ano da escola primária, pegando bonde com seu irmão que tinha 2 anos a mais, quer dizer, um de 7 e outro de 9. Bons tempos esses que as crianças de 7, 9 anos podiam andar e se utilizar do transporte público pra ir pra escola. Eu me lembro, sim, de alguns momentos muito gostosos das escolas que eu estudei em Santos, das amizades e do jeito provinciano e gostoso que era Santos naquela, naquela época. É... Me deixou boas lembranças lá de Santos. É uma pena que eu tive que vir quando eu tinha ganhado a minha bicicleta. Que eu era o quarto de uma família de quatro irmãos, era o mais novo, o caçula. E quando eu ia começar a aproveitar um pouco mais Santos, eu vim pra São Paulo.
P/1- Sacanagem.
R- Sacanagem.
P/1- Melhor lugar do mundo pra andar de bicicleta.
R- Pois é. Eu nunca tive uma bicicleta. Fui comprar minha primeira bicicleta aos 26 anos de idade, sei lá, qualquer coisa assim. Porque perdi a chance.
P/1- Deve ter dado anos de análise, não?
R- É.
P/1- E por que que vocês saíram de Santos?
R- Saímos porque, pela causa mais comum das pessoas deixarem Santos que é a questão da educação, da qualidade da educação e das oportunidades profissionais. Como nós éramos quatro...quatro filhos, quatro jovens: meu irmão mais velho era, sei lá, oito anos mais velho que eu, coisa assim; então tínhamos uma escadinha. E meu pai, que era funcionário público, trabalhava na alfândega de Santos, e minha mãe, acharam que vir pra São Paulo nos daria, a nós quatro, melhores oportunidades educacionais e profissionais. E por isso decidiram vir pra São Paulo. Passamos a morar aqui em São Paulo, desde aquela época, 1959. E meu pai continuou a residir em Santos até morrer, que ele continuou a trabalhar lá. E eu continuei a frequentar um pouco Santos, tal, depois nos fins de semana. Mas essa foi a razão. E cá estamos.
P/1- E uma vez aqui na capital, vocês foram viver onde?
R- Nós fomos viver na Avenida Angélica, esquina ali, Higienópolis, esquina com a Veiga Filho. O que também é interessante, porque quando eu vim, 1959, a Angélica, a Avenida Angélica era de paralelepípedo, passava bonde e todos os caminhões - porque não tinham as marginais naquela época - que vinham do Rio de Janeiro, com direção ao Sul, eles cruzavam. O caminho deles, a marginal deles, era a Avenida Angélica. Então foi uma coisa gozada, que eu vi várias facetas, quer dizer, eu conheci uma outra São Paulo. Em 1959, realmente, São Paulo era totalmente outra cidade. São Paulo se reinventou, se destruiu e se reconstruiu inúmeras vezes, ao longo dessa... Só pra falar do meu período de vida em São Paulo, de 1959, 1960 pra cá, quer dizer, 45 anos ela se destruiu e se reconstruiu inúmeras vezes, né?
P/1- E você chegou a conhecer o Observatório da Praça Buenos Aires?
R- Eu frequentava ali a praça Buenos Aires, era ali... Bom, eu estudei no Colégio Rio Branco, que era ali na... que é até hoje na Avenida Higienópolis, perto do Pacaembu. Então, ali era o meu pedaço. Era o meu, eu andava, eu explorava toda aquela região ali a pé. E depois, descendo também ali pro Largo do Arouche. Podia-se andar, né? Praça da República, Barão de Itapetininga, Sete de Abril, também. Quer dizer, toda aquela região ali era... andava-se. Eu colecionei selos uma época e eu ia fazer o meu suprimento nas lojas filatélicas da Barão de Itapetininga. Então era divertido, era uma cidade interessante.
P/1- E como que era o seu ambiente familiar, Guilherme? Tua mãe... teu pai você diz que ficou meio...
R- Meu pai ficou em Santos. Meu pai era um funcionário público tido como... Como todo funcionário público, com dificuldades econômicas. Quer dizer, era uma classe média, mas tido e havido como uma pessoa de honestidade, limpa. E ele ficou morando em Santos, quer dizer, eles foram casados por muitos anos, até o fim da vida, até ele morrer. Só que ele ficou, durante um tempo, morando em Santos. Trabalhava dois, três, trabalhava os cinco dias por semana lá, mas subia duas, três vezes por semana pra São Paulo. E os outros dias ficava em Santos.
P/1- Então, você teve uma presença feminina bastante marcante, porque a mãe e quatro irmãos, como é que foi isso?
R- Não, acho que até que... A minha mãe foi uma pessoa muito marcante na minha vida. Era uma pessoa que teve uma vida cheia de desafios, pra dizer o mínimo, e que nunca perdeu um encantamento com a vida, que é uma coisa que eu trago como muito forte, como maior herança dela. Agora, o ambiente, eu não diria que era tão feminino não, porque nós éramos quatro homens em casa. Então, era muito masculino o ambiente, e minha mãe penava lá, quer dizer, pra... Ela era o toque feminino, mas desbalanceado, eu diria. Quer dizer, faltava mais elemento feminino na minha casa, né? E é gozado que naquela época também, as próprias escolas, eu me lembro que as classes não eram mistas, as classes eram garotos e garotas separados, etc. Então era... acho que faltou o feminino. O feminino entrou pra valer na minha vida quando eu entrei na venda direta.
P/1- _________ o feminino.
R- O feminino. Aí entrou em dose ________.
P/1- Mas, antes da gente falar da venda direta, vamos recuperar um pouquinho aí a persona. Que tipo de jovem você foi nessa São Paulo? Quer dizer, você teve uma juventude em anos um pouco agitados, mas muito mais tranquilos do que hoje em termos de sociabilidade, de vivência de rua. Como que foi essa juventude?
R- Eu tive um envolvimento muito forte quando eu vim, com a escola mesmo, com os companheiros de escola, alguns dos quais são meus amigos até hoje. Gente que eu conheci em 1960 ou 1961. E eu comecei a...eu gostava muito de jogar futebol, futebol de salão. Então, comecei a desenvolver um grupo de amigos. Tinha um grupo grande de amigos. Basicamente, criados em função do relacionamento escolar e do esporte, do futebol. E foi uma adolescência, uma juventude normal, de uma família de classe média-média, em São Paulo. Quer dizer, que tempos eram aqueles, né? 1964, né, eu tinha 14 anos. Tinha irmãos que tinham um razoável engajamento político. A gente discutia política em casa. A política estava presente. Vivemos a época da… Meu pai é um cara que tinha uma visão mais conservadora, era mais lacerdista, essas coisas assim, tal. Me lembro... é gozado, uma memória antiga ainda do tempo de Santos, que eu me lembro de grande consternação foi ... Assim, consternação, um impacto, não que ninguém fosse getulista, mas...O suicídio de Getúlio em 1954, quando eu tinha 4 anos, foi uma coisa que me marcou, também. Eu me lembrei, falei de 1964, me lembrei de 1954.
P/1- E você lembra?
R- Lembro. Lembro exatamente onde eu estava: na frente da minha casa, que tinha um chão de que a gente chamava de caquinho, de caco de (cerveja?), e que estava... Porque tinha até uma história gozada, meu pai tinha um uísque muito especial, que ele guardava há muitos anos e que ele ia abrir quando o Getúlio caísse. Aí o Getúlio se matou, ele não pode abrir porque obviamente não se podia lembrar a morte.
P/1- _______ ver o Getúlio morto?
R- Não, mas aí ele não pôde abrir, ele foi demorar mais 30 anos pra abrir esse negócio. Então, mas eu me lembro fortemente, eu me lembro claramente de quando foi recebida a notícia, que eu tinha 4 anos e... E que foi muito impactante, eu me lembro da consternação geral do país. Em 1964, eu me lembro da nossa... eu e meus irmãos, quer dizer, indignados, contrários ao golpe, à Revolução de 1964. Meu pai mais neutro, minha mãe não dava muito palpite em política, não gostava muito de se envolver. Mas vivemos então aquele momento inicial. Movimento Estudantil fez parte da minha época. Eu não estive profundamente ligado ao Movimento Estudantil. Eu estava um pouco mais... eu era um pouco mais novo, em 1968 eu tinha... eu fiz 18, eu tinha entrado na faculdade, famoso ano de 1968, né? Mas vivi, como um observador próximo, todo aquele período. Até porque os meus irmãos, um pouco mais velhos, tinham envolvimentos maiores. Eu tinha irmão que fazia Psicologia na época lá daquela famosa guerra da Maria Antônia, lá do Direito, o CCC, o Comando de Caça aos Comunistas e o pessoal da Filosofia da Maria Antonia. Então, isso tudo fez parte. Discutia Manifesto Comunista. Tinha 17 anos, então, tudo isso fez parte. Eu acho que foi uma geração, a minha, que tinha... Tinha esperança de mudar o mundo, né? Um pouco arrogante, pretensiosa, achando que ia consertar tudo muito rapidamente. Não era verdade, veio uma grande ressaca. Mas, eu acho que veio... eu acho que caiu nessa sequência dos anos 1970 depois e pra frente depois, eu acho que caiu, caíram as utopias. E eu acho que esse é o problema do mundo. As utopias, no sentido de sonho, está entendendo? Não modelos, não estamos discutindo o... Eu acho que é uma pena a queda do comunismo, não como modelo, modelo claramente é fracassado. Mas a esperança de construir um mundo diferente. Nós passamos por uma década de, 1980 principalmente, horrorosa, em termos, yuppies absolutamente... Individualismo exacerbado, e cada um…”o bom é ganhar dinheiro, o resto que se dane, o outro que se dane.” Eu acho que isso vem mudando nos últimos 10, 15 anos e que se está construindo uma nova esperança aí. Mas ainda tem um... ainda sinto falta daquela mobilização que existia na minha geração, que tem uma responsabilidade enorme por não termos conseguido muitas coisas. Mas tinha uma esperança, né, de mudar, tinha uma mobilização pela mudança.
P/1- Deixaram de ler Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe?
R- É, exatamente.
P/1- E a universidade: você entrou em 1968, você foi fazer Administração, como é que foi isso?
R- Não; foi assim, quer ver? Eu fui... primeiro eu estava no terceiro colegial em 1967 e como quase todo mundo, 90% dos meus colegas iam fazer ou Medicina ou Engenharia, alguns poucos iam fazer Direito. E eu, nessa história, eu comecei, até a fazer um cursinho pra Engenharia, tal. Consegui uma bolsa, que foi a minha sorte, porque no meio do caminho, eu percebi que eu não queria fazer Engenharia. Falei: "Por que eu vou fazer Engenharia? Não quero fazer Engenharia." Mas, se eu estivesse dependendo, se o cursinho tivesse sido pago, de fato pelo meu pai, eu não ia ter coragem de parar, porque os recursos estavam muito escassos naquela época. Como eu tinha ganhado a bolsa, eu falei: "Eu ganhei a bolsa, eu tenho direito de decidir se eu quero ou não quero." E decidi não fazer. Aí, depois, logo em seguida, no segundo semestre de 1967, eu acabei me encantando pela ideia de fazer Psicologia. Tinha umas pessoas conhecidas... meu irmão mais velho, um dos meus irmãos estava se aproximando dessa temática, se não me engano, tinha entrado em Psicologia. Então, eu me encantei. Falei: "Vou fazer Psicologia." Mas, aí, eu também falei: "Não, é fogo de palha, também estou entusiasmado e não vou fazer." E terminei meu colegial, consegui concluir meu curso e acabei decidindo que eu não ia fazer nada. Só que todos os meus colegas estavam prestando vestibular. E eu estava sem amigos e sem dinheiro. Então, a melhor coisa pra você fazer quando você está com muito tempo e sem dinheiro é trabalhar. E aí, eu comecei a trabalhar. Foi minha mãe que pediu um, pediu lá, falou que eu estava no casamento de uma pessoa conhecida, lá, que tinha um pequeno, uma casa bancária, me... Falou que tinha um filho que estava procurando emprego e ele arrumou um emprego em meia dúzia de dias. Então, comecei a trabalhar muito rapidamente. Comecei logo com 17 anos, no terceiro colegial. E comecei a trabalhar. E aí, eu vi que realmente, eu não queria deixar de trabalhar, porque eu precisava dessa... eu queria essa independência financeira. Porque a situação em casa não era folgada, era muito apertada, e porque eu queria ser independente. E naquela época não tinha essa história de namorar em casa, de fazer... Você, pra ser independente, você precisava ter os seus trocados e seu mocó pra poder ser dono do seu nariz, né? E então eu comecei a trabalhar e aí eu resolvi seis meses depois, falei: "Vou fazer Administração, porque esse negócio de empresa é interessante, tal." E eu só tenho uma opção: é fazer uma universidade pública, que não pague, e à noite. Então, só tinha nome e sobrenome: era USP [Universidade de São Paulo] à noite. E aí eu consegui, dei sorte, consegui, fiz o vestibular e passei, consegui fazer USP à noite. E aí, qual era o cenário, naquele momento? Eu entrei em 1960 e... Isso foi 1968, 1969. Eu prestei vestibular no final de 1968, entrei em 1969, e era um momento de uma repressão muito grande, né? Quer dizer, o começo do recrudescimento, AI - 5 [Ato Institucional número cinco], 1969, tal, 1970, Médici, aquela confusão. E eu comecei até na USP lá na Doutor Vila Nova, lá em Higienópolis também. E no ano seguinte, mudou pra Cidade Universitária. Mas a política era tão clara de não estimular uma troca entre os estudantes, que ainda saiu de um prédio desse tamanho, foi pra um prédio desse tamanho, e não tinha uma sala pro Grêmio, pro Grêmio Estudantil poder se alojar. Porque a política era: estudante que conversa é perigoso, torna-se perigoso.
P/1- Desarticular, né?
R- Exatamente. Então, na verdade, a minha...os amigos, por exemplo, de universidade, são muito poucos. Porque todo mundo trabalhava durante o dia, ia à noite pra escola, cansado, tinham lá suas aulas, etc. Lógico, jogava futebol, fazia alguma coisa etc... Mas é... Mas foi uma época de muito pouco entrosamento, pelas circunstâncias de trabalho, que todos estavam envolvidos, e pelo forte estímulo pra que não houvesse Movimento Estudantil nenhum, quer dizer, eu acabei a universidade, pra mim, foi importante, como formação, etc., mas não teve um... No meu círculo de relações ao longo da vida, ela acabou sendo muito menos relevante do que acaba sendo pra maioria das pessoas.
P/1- E você continua trabalhando nessa casa de...
R- Eu continuei trabalhando nessa... era uma casa bancária, era um banco de uma agência só. O Banco Piratininga S.A.. Trabalhei lá durante vários anos, aí casei antes de terminar a faculdade, com 22 anos. E aí, depois, trabalhei num outro banco. Eu fiquei trabalhando... eu trabalhei nos dez primeiros anos antes, de 1967 a 1979, antes de começar, de fundar umas das empresas Natura, eu trabalhei basicamente no setor financeiro. Bancos de investimento. Trabalhei em três bancos. Quebraram alguns deles. [risos]
P/1- ______
R- Aprendi como é que empresa quebra. [risos]
P/1- Isso é bom, né?
R- É aprendizado.
P/1- Tentando justificar o porquê da Natura. E esse mundo da cosmética, como é que foi essa ideia de você criar, a Meridiana foi criada por você, né?
R- Foi.
P/1- Como é que foi isso?
R- Essa história é o seguinte: eu tinha em 1969... quando a Natura foi fundada, a original, a primeira lá, a indústria, eu conheci, eram duas pessoas: era o Luiz Seabra e o Jean Pierre Berjeaut. No mesmo ano que eles estavam fundando... no final de 1969, quando eles estavam fundando a Natura e eu estava entrando na faculdade, eu conheci minha primeira mulher. E o Jean Pierre conheceu, alguns meses depois, a irmã dessa minha primeira mulher. E acabou se casando com ela. Então, eu conheci o Jean Pierre. Na hora que eles estavam fundando a Natura, eu conheci. E eu estava lá caminhando, atividade profissional, terminando a minha universidade. Terminando não, fazendo. E, ao mesmo tempo, trabalhando nessas instituições financeiras. Aí... como eu esqueci de um pedaço importante antes que é a Fepasa, que eu trabalhei na Ferrovia Paulista. Mas então, durante esses dez primeiros anos da Natura como um todo, eu assisti do lado de fora. Porque eu estava... eu era concunhado do Jean Pierre, né? Então via lá o sofrimento deles nos primeiros cinco anos. Realmente uma coisa difícil de viver cotidianamente, porque eles tinham recursos muito, muito limitados. Eu me julgava, até, privilegiado por poder ter meus modestos empregos, mas eu estava me julgando muito bem de vida. Isso de 1969 a 1974. E depois, na verdade, quando a Natura optou efetivamente pela venda direta, em 1974, com a criação da Pró-Estética, com a Iara, tal, ela começou a ir muito bem. De uma empresa que não sabia como fechar seu caixa todo dia, como pagar seus fornecedores ou como arrumar o leite das criancinhas dos seus sócios, ela passou a ser uma empresa próspera - na dimensão da época-, mas uma empresa próspera. Enquanto isso, eu estava, de 1975 a 1979, eu fui convidado lá, e trabalhei, assumi uma posição de uma certa importância dentro da Fepasa, Ferrovia Paulista S.A.. E trabalhei lá 4 anos, 1975 a 1979. E aí, acompanhando de perto, eu estava acompanhando a Natura, etc., vendo, mas não entendia nada de cosméticos, nem de venda direta, nem de coisa nenhuma. Em 1979, o nosso grande líder político Paulo Salim Maluf, me fez o grande favor da minha vida. Eu nunca votei nele, mas ele fez o favor, que eu já contei algumas vezes, de que quando trocou, assumiu o governo em 1979... E naquelas trocas de governo, foram indicados meia dúzia de diretores novos lá, e me chamaram e liminarmente falaram: "Muito obrigado, preciso do seu cargo e boa noite." Que eu não sabia se estava pegando fogo em alguma coisa, tinha alguma coisa, nada. E então, fui despedido da Fepasa, juntamente com o Pedro Passos, que eu tinha...que é meu sócio até hoje, que tinha... que eu havia convidado, havia conhecido naquele período e convidado pra ir trabalhar na Fepasa. Ele tinha feito, aliás, um brilhante trabalho. E aí eu fui dispensado. Fui dispensado, eu, o Pedro e mais dois conhecidos que estavam trabalhando na Fepasa. E aí vem a história, a brincadeira até do especialista, porque eu não era um especialista. Eu tinha feito, tido uma formação e as minhas vivências trabalhando em banco, mas eu não era especialista em finanças. Eu era um cara que tinha trabalhado, feito desde de layout, passando por organogramas, estruturas, organização, marketing. Eu tinha feito uma coisa bastante diversificada. E quando eu fui buscar uma nova colocação, naquela época, a moda era especialista. E eu não era especialista, né? Isso em 1979. Então, tinha que dar tudo certo. Tinha que ser mandado embora e tinha que não ser especialista. Porque aí eu, as colocações que eu obtive, assim, algumas coisas que...algumas possibilidades que eu tinha, que eu encontrei na época, não eram satisfatórias, não me estimulavam, remuneravam mal e eu falei: "Quer saber, eu vou aproveitar a pressão e vou empreender, vou fazer algum empreendimento." No primeiro momento, assim, eu não tinha a menor ideia do que eu ia fazer. E como na Fepasa a gente tinha lá uma das áreas que ainda estava sob a nossa responsabilidade era comercialização de sucata, sucata ferrosa e não ferrosa…. A primeira ideia que surgiu, assim: "Então, vamos montar um negócio de sucata, você conhece, vamos montar um negócio. É horroroso, mas depois a gente sai e arruma outra coisa melhor. Como não tenho capital nenhum, só tenho o capital do meu fundo de garantia, vamos ver se a gente ganha um dinheirinho vendendo sucata. E depois a gente inventa alguma coisa." Neste mesmo tempo, o Jean Pierre tinha me oferecido... a Natura antiga tinha acabado de mudar de escritório, estava lá com uma sala sobrando, eles me ofereceram pra ficar lá, pra usar como base. E, ao mesmo tempo, acabou me convidando, nessa época de entressafra, pra ver se eu fazia um pequeno trabalho de consultoria, pra saber que a Natura estava absolutamente concentrada.... apesar de já ser uma empresa próspera, mas ela estava concentrada aqui em São Paulo, basicamente. Tinha alguma operação no Rio de Janeiro. E tinha um monte de micro distribuidores, micro mesmo em vários estados do Brasil. Mas muito, muito pequeno. O grosso do negócio era São Paulo e uma parte relativamente importante no Rio de Janeiro. E o Jean Pierre, que não participava da distribuição dos produtos, só participava da Natura indústria, me pediu pra fazer uma pequena consultoria, falou: "Guilherme, eu queria saber como é que faz pra expandir essa distribuição pra fora de São Paulo, tal, entender esse negócio". Falei: "Está bom, me dá um tempo aí, sei lá, 20 dias, 30 dias, pra eu entender um pouco, estudar o negócio e falar qualquer coisa." Então, enquanto estava trabalhando lá com o negócio de sucata, comecei a estudar também o negócio de cosméticos e venda direta, entende? É um pouco: “Que bicho é esse?” E nesse intercurso de 30 dias, quer dizer, o negócio, o único cara do grupo lá que entendia de fato que era bronze, cobre, ferro, sei lá o quê, resolveu aceitar um emprego. E, quando ele aceitou o emprego, desmanchou-se a empresa, porque eu não tinha a menor ideia do que era. Eu sabia gerir fluxo de caixa, sabia gerir outras coisas, mas não, não tinha nenhuma familiaridade efetiva com a coisa de sucata. E, nesse meio tempo, eu fiz a avaliação do negócio de distribuição de Natura fora de São Paulo, e falei: " Olha que esse negócio é interessante, Jean. Acho que tem possibilidades. Tanto tem que eu, se você quiser, eu me disponho a montar uma empresa pra distribuir em algum lugar do Brasil." E foi o que acabou acontecendo: 1979 eu montei uma pequena distribuidora. Comecei, quer dizer, com o único estado que estava 100% livre, que era Santa Catarina. Então, peguei o meu fundo de garantia, que me garantia subsistência durante um ano, e mais todo o meu patrimônio, que era meio terreno na Granja Viana, que eu tinha. Eu e meu irmão, ele tinha metade, eu tinha metade. Vendi, investi no negócio. E começamos com uma distribuição de Natura, em Santa Catarina, que logo num primeiro momento virou uma distribuição de Natura em Santa Catarina e no Paraná. E esse foi o começo da história, em 1979. E foi por coincidência - já estou juntando as coisas -, foi exatamente nesse momento, em 1979, que eu participei de uma reunião, quando eu estava ensaiando começar... estava na fase pré-operacional, segundo semestre de 1979, quando eu participei de uma reunião no São Paulo Golf Club, que o pessoal, se não me engano era o Vinícius Bueno, que era presidente da Avon nessa época, que convocou um grupo de pessoas da venda direta pra discutir a fundação da Associação. E eu, que estava chegando no pedaço ali, o Luiz e o Jean me convidaram, e eu fui também a essa reunião, tínhamos acabado de montar. E daí a coisa foi se desdobrando, foi aí... coisa tem uma longa história. Aí virei 25, os últimos 25 anos. [risos]
P/1- E como é que foi esse primeiro encontro pra organizar essas empresas? Foi tranquilo? Que então, o líder era a Avon, né?
R- Foi médio, não foi tão tranquilo assim. Quer dizer, era uma... Primeiro, que a Avon era, como continua... quer dizer, a Avon continua sendo a empresa do setor de venda direta, mundialmente. Obviamente é a líder inconteste, digna de todo o respeito e admiração. Mas, naquela época, no Brasil, era Avon e Avon, ponto. O resto era resto, mesmo, né? Então, quer dizer, na verdade, eu acho que foi claramente um desejo político da Avon a construção da constituição da Associação, que visava, obviamente, o seu principal interesse, que no início era a questão trabalhista, que sempre preocupou muito. Quer dizer, como é que era a leitura que se fazia desse tipo de relação, que não era, como até hoje não é, explicitamente, desregulada e definida por lei. Então, existia uma preocupação. Eu não me lembro exatamente quando é foi o caso da Kibon. Famoso nos anais da venda direta, que tinha tido um problema, uma grande causa judicial, quer dizer, os sorveteiros da Kibon tinham entrado com uma ação significativa contra a companhia etc. Então, a Avon, quer dizer, provocou esse momento inicial de criação. E eu acho que a resposta foi positiva, o que começou, uma sequência, as tensões, vamos dizer assim, que haviam, e que a Avon tinha um pouco o sentimento de propriedade. E eu sempre fui muito revolucionário, Revolucionário não, fui sempre meio metido. [riso] É o seguinte, quer ser dono, monta uma companhia. Quer ter associação, é pra ter pares, não é? Então até isso ser assimilado, foi um processo inicial, que foi um pouco longo, né?
P/1- Isso a Domus [Associação Brasileira das Empresas Vendedores de Mercadorias a Revendedores a Domicílio] , né?
R- Isso a Domus.
P/1- Até o nome já...
R- É. [riso]
P/1- Até o nome ______.
R- _______ entre Domus e dono, tem alguma confusão. Mas foi um processo interessante, rico. No começo muito, muito simples, a Associação. Quer dizer, até hoje é uma Associação que, quer dizer, que tem, que é relativamente baixo perfil, né? Mas que eu acho que teve um papel muito importante pra venda direta como um todo. Eu acho que... E o mérito inquestionável foi... quem provocou o movimento inicial foi a Avon. A Federação tinha surgido, se não me engano, no ano anterior, alguma coisa assim, 1978, uma coisa assim. A Federação Mundial.
P/1- Que ajudou a impulsionar.
R- Que ajudou a impulsionar. Era um movimento internacional da Avon, nesse sentido, né?
P/1- E você acabou assumindo a gestão da Associação quantas vezes?
R- Eu fiquei muito tempo. Bom, isso, eu acompanhei isso na primeira fase, eu estava um pouco mais afastado, que eu estava bem envolvido com a constituição da empresa. Mas logo que ela começou a ganhar corpo, eu acabei... eu comecei a participar dela muito precocemente. E com todas aquelas dificuldades. Não tinha uma informação, nenhuma, zero. O que que você faz? Não sei. Quanto você vende? Não sei. Quanto... Na verdade, ninguém sabia, nós éramos uma associação onde ninguém conhecia o outro, né? Uma coisa meio surrealista, mas...
P/1- Também devia ter um pouco de expectativa, da não expectativa de revelar aspectos do negócio.
R- Exatamente. Quer dizer, aliás, tanto lá, como na Associação de Cosméticos, também, Abtec [Associação Brasileira de Tecnologia e Rastreamento], Abihpec [Associação Brasileira da Indústria da Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos], não existia sistema de informação nenhum, nessa época a gente navegava às cegas. Vamos porque vamos, não tem consumidor, a gente vai achar onde é que eles estão, e vamos vender pra eles a nossa proposta de valor e vamos nos desenvolver. Mas informação não se tinha. Quer dizer, uma das coisas... Bom, lá pra... só pra voltar pra tua questão, até porque eu acho que uma das coisas que eu me recordo com satisfação, com relação à ABEVD [Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas]: eu acho que eu fui assumir a primeira vez, sei lá, uns 10 anos... 1988, qualquer coisa assim por aí, né?
P/1- 1987.
R- 1987? É. Mas aí, eu passei, desde cedo a participar, eu era da... porque a Natura tinha diversas empresas, né? Mas eu que, basicamente...
P/1- Anterior à fusão.
R- Anterior à fusão em 1989, né? Mas eu que participei mais diretamente da Associação. E o que... quando eu acabei assumindo a presidência, acho que lá pros idos de 1987, eu acho que o grande... a satisfação que eu tive, que eu acho que a gente conseguiu uma evolução significativa. É muito simples, mas é isso. Nós somos uma associação do quê? De venda direta? O que é venda direta no Brasil? Qual o volume do negócio? O que a gente faz? A gente quer fazer o quê? Quer dizer, é uma associação que não consegue se apresentar, então é melhor... eu brincava do meu jeito, falava: "Vamos fechando essa porcaria aí, vamos fazer um almoço mensal, anual, trimestral, pra gente falar bobagem, ver os amigos, tal; ou a gente transforma isso numa associação de fato”. Porque veio também pra nós: quem eu represento, o que significa, qual é o impacto econômico, qual é a geração de emprego, qual é a arrecadação de impostos, sei lá. O que é, associação do que mesmo, né? Eu acho que ali começou... não, quer dizer, deu uma deslanchada, deu uma acelerada, um processo de construção de um mínimo de confiança entre os associados, e que começaram, gradativamente, a compartilhar informações que eram básicas sobre o volume de vendas, o volume produzido. E também uma coisa que até então também não se compartilhava... quer dizer, lá na origem eu falei que uma das principais razões da constituição da Associação era essa coisa de: “Vamos definir as boas práticas, para que a relação não seja caracterizada como uma relação trabalhista. Vamos entender o que é isso. Vamos cumprir aquilo que for devido. E vamos trocar experiência, isso porque esse é um perigo que pode afetar a indústria como um todo”. Só que nunca, depois de dez anos de Associação, ninguém sabia quantos casos o outro tinha tido ou como é que tinha…. "Você já perdeu algum caso, você já teve alguma questão? " Ninguém sabia. Foi nessa época que se constituiu duas coisas então: essa informação mínima sobre os negócios, né e um banco de dados das principais causas trabalhistas que tinham cada um. Quer dizer, foi uma coisa muito pequena. Você pode dizer: "Puxa vida, mas isso não é nada pra uma associação." Mas é que antes não tinha nada, mesmo. Então esse foi o primeiro compartilhar e sem compartilhamento não existe associação. E aí, a coisa foi evoluindo. E eu estava até me rememorando, antes de vir pra cá…. eu saí, se não me engano, foi em 1996, uma coisa assim. Eu fiquei uns oito anos, mais ou menos, como presidente da Associação. Em 1996... que também acho que vale um registro, que é muito relevante: um dos fatos relevantes da Associação, foi com a implantação do Código de Ética de relacionamento com os revendedores e com o consumidor final. Isso vinha sendo discutido durante três anos, quatro anos, no âmbito da Federação Mundial, que foi discutido um código que pudesse ser implantado internacionalmente, né? E que, em 1996, a Associação conseguiu implementar aqui no Brasil. E que foi meio a despedida, assim, de uma fase, encerramento de uma fase, de uma participação mais ativa, efetivamente, na Associação, na Domus, na Associação das Empresas de Venda Direta. Eu acho que eu vi nesse tempo um grande desenvolvimento da venda direta, se não tão grande no número de empresas, no tamanho da Associação como número de empresas, mas eu acho que a respeitabilidade da venda direta e a expressão econômica da venda direta foi muito significativa nesse período, né? Quer dizer, tem uma Avon que era já relevante naquela época e que, de lá pra cá, teve um desenvolvimento muito significativo, mas outras empresas, como a própria Natura, passaram a ter uma participação e uma importância econômica... (______ fim do CD)
P/1- Guilherme, você estava falando desse momento de 1996, dessa organização da Associação que também caracteriza um momento de crescimento da venda direta.
R- É. Quer dizer, em 1996 especificamente o que eu digo é que aí puxando um pouco esse enfoque, olhando um pouco pros 25 anos, né? Eu acho que eu fui testemunha de um desenvolvimento muito importante da venda direta. E de uma coisa, que eu compartilhava muitas vezes com companheiros da indústria, internacionalmente, que eu acho que eu tenho, aliás, eu tenho convicção até hoje, que eu acho que o Brasil...provavelmente eu me arvoraria a dizer que é o país na indústria da venda direta que tem o melhor, tem o maior prestígio... quer dizer, venda direta, geralmente, é vista: "Uhn, legal, mas, mas nem tanto", né? Na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia etc. E no Brasil, ela é vista com muito respeito. E eu acho que se deve ao comportamento dos seus principais, das empresas líderes, etc. E por que eu me lembro? Eu me lembro até de uma reunião do CEO Council, da Federação Mundial, de eu dizer: "Olha, se a gente..." Como é? Nós éramos top of mind, quer dizer, Avon e Natura eram top of mind, quer dizer que mostravam penetração no mercado e estávamos entre as empresas mais admiradas do país. Quer dizer, esta conjugação de penetração com admiração, eu acho que não tem paralelo em nenhum país do mundo. Quer dizer, eu não estou dizendo que os outros países não tenham uma indústria de venda direta séria, não é isso que eu estou dizendo, deixar bem claro. O que eu digo é que não tem o reconhecimento como uma empresa, como um setor empresarial e industrial diferenciado como tem no Brasil. Então, acho que é legal, que é bacana, que a venda direta tem dado uma contribuição importante pro desenvolvimento econômico e social do país, tal. Por isso que a gente buscou sempre trazer essa possibilidade da contribuição da empresa, não apenas pro desenvolvimento econômico, mas do ponto de vista social, etc. Eu acho que isso, de certa forma, permeia a indústria da venda direta no Brasil. Então, acho que é um setor muito próspero que continua se desenvolvendo muito e eu fico muito feliz de ter podido estar nele nesses últimos 25 anos.
P/1- Antes de a gente falar um pouco da questão social, ___________. O Brasil é considerado o terceiro maior mercado, a gente tem debatido, aqui um pouco, essa questão, terceiro maior mercado de venda direta do mundo. Os primeiros são dois países tradicionalmente de consumo...
R- Japão e Estados Unidos.
P/1- Japão e Estados Unidos. O que você acha que coloca o Brasil...quer dizer, tem Brasil e México….Nessa questão, culturalmente, do Brasil estar nessa colocação?
R- Eu acho que...
P/1- Essa conduta, da relação, dentro desse mercado, como que é isso?
R- Eu acho que tem a ver com os traços mesmo: quer dizer, se você pegar o latino, de uma maneira geral, ele é muito significativo. Só que dentro dos latinos, o Brasil é a maior economia e no mercado consumidor o México se equivaleu nos tempos mais recentes, por conta das questões cambiais. Mas o Brasil é um país com população maior, com potencial econômico maior, mas o México é muito relevante, também na venda direta. Então, eu acho que, a questão do latino, da cordialidade lá do nosso saudoso Sérgio Buarque, etc., eu acho que esse temperamento convivial do latino, ele é um dos fatores importantes pra receptividade que a América Latina, de uma forma geral, tem com relação à venda direta, né? E eu acho que o Brasil, especificamente, além de ter esse lado, quer dizer, tem potencial econômico, apesar da péssima distribuição. E eu acho que entra, até um pouco... talvez até a péssima distribuição também contribua pra isso, né? Porque você tem um contingente muito significativo de pessoas que têm uma renda muito baixa, e que precisam complementar, ou gerar algum tipo de renda. Então, essa abertura pro convívio, pro cultivo de relações, que eu acho que é uma característica latina e, enfaticamente, brasileira, associada a uma necessidade, a uma economia em desenvolvimento, em construção, onde as alternativas dos canais de distribuição ainda não estão tão implantadas, onde a sua dimensão continental, quer dizer torna difícil o desenvolvimento intensivo de outros canais de distribuição. Eu acho que esses são os elementos que compõem essa, essa pujança da venda direta no Brasil.
P/1- E em contrapartida com a venda tradicional?
R- Bom, eu acho que ela sempre teve potencial e continuo vendo enorme potencial. Não é porque alguns outros canais se desenvolvem…. como se desenvolveu, como vem se desenvolvendo e se desenvolve, a taxas aceleradas, a internet que chegou a ser o grande fantasma que agora todo mundo vai comprar. Eu não acredito nisso, acho que é um instrumento poderosíssimo, a internet, de relacionamento, de redução de custos transacionais, de aumento de eficiência, qualificação, treinamento, mas eu acho que jamais substituirá o contato pessoal. E acho que os outros canais de distribuição no Brasil tem se desenvolvido. Na mesma época que eu entrei e que começou a se desenvolver mais intensamente, vamos dizer que na década de 1970 pros 1980, começa a venda direta a se desenvolver mais no Brasil. Também não existia outro canal que se desenvolveu bastante, a partir dessa época, que é o franchising. Eu vi o Boticário nascer… quer dizer, nas minhas viagens que eu ia pra Curitiba, montando a empresinha lá, eu via surgir a primeira lojinha do Boticário lá no aeroporto de Curitiba. E, então, foi um canal que se desenvolveu muitíssimo também, quer dizer, não há como negar que tenha havido um grande desenvolvimento. Então, na verdade, o Brasil parece que tem tudo por fazer ainda. E apesar do bastante que tem sido feito de alguma forma, não do ponto de vista social, mas do ponto de vista econômico...mas ele tem muito o que fazer, tem muito o que fazer. E tem um espaço de desenvolvimento muito significativo: eu acho que a venda direta continua tendo um enorme potencial. O que não significa que não tem espaço pra outros vários canais, tem todos eles têm possibilidade de desenvolvimento.
P/1- E dentro desse universo social, qual é o papel de uma associação como a Abevd nessas práticas sociais? A Natura, ela tem uma prática muito clara e muito reconhecida. E aí, você encontra empresas, dentro dessa associação, que não estão nesse nível. Como que fica esse diálogo, quais são os desafios da associação nesse âmbito?
R- Pois é, eu acho o seguinte, voltando pro Código de Ética: o Código de Ética foi a barrinha, é o mínimo que precisava, o que é indispensável, porque sem um Código de Ética, sem um padrão mínimo de qualidade, de transparência nas relações que você tem entre empresas e distribuidoras e entre distribuidoras e clientes, a indústria fica em risco, a indústria fica em risco. Quer dizer, a reputação da indústria, nós sabemos que na China, por exemplo, não quero entrar nos meandros de por que isso aconteceu, a venda direta chegou a ser banida, está certo? Durante vários anos. Então, quer dizer, um comportamento excessivamente agressivo e fora de qualquer, de uma ética, de relações sociais aceitáveis, ela pode colocar em risco, efetivamente, todo um setor econômico, né? E isto era inclusive o discurso que nós colocávamos, quando lançamos, quando a Associação adotou os Códigos de Ética. Mas isto é a barra mínima, não é? Eu acho que a indústria ainda não percebeu o potencial que ela tem de alavancar, ainda mais, se ela de fato tivesse um comprometimento, não de, reativo, de vou fazer o mínimo que precisa, mas eu vou fazer o que pode ser feito com esta rede enorme de pessoas envolvidas, com esta coisa. Que é uma potencialidade fantástica. Que nós estamos todo dia, ao se relacionar, você está criando, você está compartilhando valores, você está criando cultura, você está falando, você está desenvolvendo ou abafando cidadania. Eu acho que tem uma potencialidade fantástica, eu acho que os excessos das indústrias que a gente, historicamente, conseguiu lidar e evitar que acontecessem, por isso a indústria vai bem, está saudável. Mas, eu acho que tem uma potencialidade, ainda, não totalmente explorada de, enquanto indústria, não enquanto empresa A, B ou C. Quer dizer, promover, ter um comprometimento maior, ter um... Como um processo de transformação social, que a gente tem que viver. Porque se não, se vive todos os ônus também, que decorrem desse quadro de diferenças sociais. E eu acho que a, quer dizer, quem lida com gente, com a quantidade de pessoas que tem, com a formação e com o desenvolvimento, com a geração de renda e, indiretamente, com o número de consumidores, que eu não sei nem estimar, mas que deve passar da casa dos 40, 50 milhões de consumidores, pelo menos. Daí pra cima. Mais, deve ser, com certeza, mais. Mas, sem falar, quer dizer, se falar do contingente de, hoje nós somos quantos, Fátima? R/2- 1 milhão e meio. R/1- 1 milhão e meio de revendedores, distribuidoras, consultoras, tal. E mais de 60 milhões de consumidores. Quer dizer, você tem um potencial fantástico de criar valor pra sociedade. E eu acho que isso retorna como reputação da indústria e pra qualidade dos negócios. A nossa experiência na Natura é muito positiva. Não como investimento de curto prazo ou oportunístico, mas, na medida em que a gente acredita de fato, sempre acreditou, que isso tinha valor, quer dizer, há muitos anos que a gente vem sendo recompensado. Inclusive com a lealdade de consumidores, com a lealdade de consultoras etc. e que acaba gerando um bottom line muito significativo. Então eu acho que está colocada pra indústria, na verdade, uma possibilidade, uma potencialidade de avançar nessa direção, que é muito concreta e real, é muito concreta e real. Agora precisa ter, precisa acreditar que isso dá certo.
P/1- Na tríade Natura, né, Guilherme, Luis e Pedro, você é o articulador...
R- Sei lá o que que eu sou.
P/1- Considerado. Pelo menos assim a gente acaba ouvindo da empresa, com essas questões todas que estão aí, pós-queda do muro. Em que momento que isso realmente adentrou como uma questão de causa da Natura? R- Isso foi no começo da década de 1990. E isso não está dissociado da sociedade em que a gente vive, né? Quer dizer, tem um momento da empresa e que se junta com um momento social. Quer dizer, o momento da empresa foi que depois de uma fase grande de crescimento, na década de 1980, nós chegamos no final da década de 1980, nós vivíamos uma situação social e econômica super complicada, os planos econômicos, etc. E a Natura tinha crescido muito, mas ela era composta por cinco empresas interdependentes. Quer dizer, eram independentes mas uma, tinha dois fornecedores pra um distribuidor e um distribuidor tinham dois fornecedores, portanto eram interdependentes. Mas, a estrutura societária era toda fragmentada e o processo decisório era muito complexo. Nós teríamos desaparecido, literalmente, no final da década de 1980, se não tivéssemos conseguido negociar uma fusão das companhias. E conseguimos isso no final de 1988, início de 1989. Entramos na década de 1990... Bom, e por que essa fusão era absolutamente fundamental? Porque primeiro que nós tínhamos que tomar decisões importantes porque a gente tinha crescido muito e tinha que fazer um monte de investimentos em tudo o que você possa imaginar. Desde instalações, capacidade produtiva, sistemas, desenvolvimento de recursos humanos. Tudo o que você possa imaginar estava precisando ser desenvolvido, porque tinha sido absorvido e até superado pelo crescimento da década de 1980. E você tinha que ter uma decisão coletiva, não podia ter uma empresa de distribuição no Sul e a produção vai investir... bom, sei lá. Essa era uma questão. E a outra questão é que vinha a abertura a caminho, claramente. O Chile já tinha feito a sua reforma, já tinha vivido a sua reforma econômica. A Argentina já tinha sobrevivido a sua reforma econômica e nesse processo chamado Consenso do Washington aí... E o Brasil ia enfrentar isso claramente, com a década de 1990, que acabou acontecendo com a entrada com Collor e etc. Voltando pra responsabilidade social. Então, nós fizemos uma fusão neste momento de virada, neste momento onde se inicia a globalização do mercado brasileiro. E nós fomos começar a reconstruir a Natura porque ela estava muito desgastada. A qualidade do serviço estava ruim, existiam tensões societárias, os profissionais não estavam alinhados. Não tinha uma visão compartilhada de empresa, de fato. Aí, nós fomos pro divã, como a gente costuma brincar, pra trabalhar e buscar quais eram as nossas crenças básicas, o que a gente de fato acreditava e qual era o sonho que a gente compartilhava. Nesse mesmo tempo, eu, particularmente, comecei a participar da minha primeira, depois de dez anos envolvido de cabeça com a construção da empresa e somente, sem qualquer diminuição da importância da Associação da Domus, da ABEVD, eu comecei a me envolver com movimentos empresariais de cidadania. Na época, o PNBE [Pensamento Nacional das Bases Empresariais], o... P/1- ___________. R- Pensamento Nacional das Bases Empresariais, deu branco aqui. Pensamento Nacional das Bases Empresariais que promovia a cidadania dos empresários, pessoa física. Não era uma associação de empresas, era uma associação que falava assim: "Pô, o empresário vai ficar olhando ou vai participar do processo político de construção desse país?". Com uma visão nova, não corporativista que era a que imperava no sistema tradicional de representação empresarial, nas federações, nas confederações etc.. Quer dizer, era um sopro novo de reflexão e de ação política por parte empresariado, o empresariado mais novo, mais jovem. E eu naquele momento estava ali, naquele pequeno grupo; conheci um grupo de empreendedores sociais, de empresários etc. e comecei a participar ativamente do PNBE. Participei ativamente do primeiro momento da institucionalização do PNBE, em 1990. Então juntaram-se duas coisas: juntou uma empresa que estava se redesenhando e dizendo é isto que eu acredito, é isto que eu quero, é isso que eu vou buscar, esses são os meus valores, essas são minhas crenças. E não foi um: “Contrata um consultor e escreve aí o que nós queremos, não.” Quer dizer, foi dois, três anos de processo de reflexão muito intenso. E ali, no começo da década de 1990, onde também começa um movimento de organização social muito claro. Quer dizer, se pegar o número de ONGs, na década de 1990, é uma fase assim, um crescimento exponencial, né? Porque a sociedade civil... eu brincava: “Agora nós estamos no topo, mordendo a língua, eu estou…” Mas eu brincava que o Collor tinha sido um romper de um furúnculo na sociedade brasileira. Ele tinha sido...o impeachment do Collor tinha sido uma coisa que tinha ajudado a purificar um pouco a sociedade brasileira, né? Ajudou.
P/1- _______ tem coisa melhor, _________.
R- Pois é, infelizmente, a gente ciclicamente precisa passar por outras limpezas. Mas a verdade é que a sociedade, naquele momento, começou a se articular, as múltiplas organizações da sociedade civil começaram a se articular, porque ficou claro que do governo não viriam soluções pras questões sociais. Quer dizer, o governo é uma parte importante, continua a ser e será sempre. Mas isoladamente não faz e aí então começou esse processo. E depois de alguns anos, aí nós começamos e a Natura começou a se envolver com coisas dessa natureza, tivemos uma parceria pequena, primeiro com uma escola vizinha, em Itapecerica da Serra, em 1992. Aí, em 1995 lançamos o Crer pra Ver junto com a Fundação Abrinq [Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos], já era uma coisa com uma outra dimensão. E vamos aprendendo, né? E vamos nos envolvendo cada dia mais. E questão de transparência, questão de total e inquestionável legalidade de todos os seus atos. Quem fizer qualquer coisa aqui dentro vai ter que... gerentes, gestores vão ter que responder porque não tem ninguém pra segurar a barra, pra fazer ou usar lobby de mala preta, não existe isso. “Boa noite, nós vamos fazer, nós temos contribuição e é todo mundo participando que muda o país” E isso foi se enraizando mais e mais, tanto que... quer dizer, na verdade quando eu deixei de participar mais ativamente aqui da Associação, eu acabei me metendo de cabeça numa associação empresarial que promove a responsabilidade social corporativa, que foi o Ethos, que eu comecei junto com os companheiros, com o Oded, Emerson, Hélio, Sérgio, Mindlin etc., em junho de 1998. Eu fiz, entreguei, pedi licença aos meus companheiros de venda direta e falei: "Ó, já fiz o meu papel." E aí, tive um ano sabático nos Estados Unidos em 1996 pra 1997. Quando voltei, acabei participando ativamente da construção desse modelo. E isso, mais e mais... quer dizer, a Natura acabou se tornando um pouco símbolo disso, um dos símbolos disso? Sim, porque a gente tem, a gente acredita, de fato, nessa história e não tem a menor fórmula mágica, mas a gente está sempre aprendendo, está sempre... E evoluindo nesse negócio. Porque a gente acredita, realmente, que a sociedade precisa. Tem mudança que vai ocorrer por bem ou por mal. E aí tem uma decisão empresarial: se quer ficar, se você acha...quer escolher por mal... você fica encostado na parede, tentando reagir às mudanças de legislação e às pressões sociais. Se quer ser um empresário empreendedor, esta é a minha visão, você vê pra onde tem que mudar. E é uma mudança que tem que levar em consideração o coletivo, a questão ambiental que é, até planetária, e a questão social. E você vai ver na mudança, oportunidade de construir negócio, vai ajudar a construir a mudança. E você vai ter bons resultados econômicos, crescimento e desenvolvimento. E é isso que a gente tem buscado fazer, é isso que a gente tem feito.
P/1- Você acha que essas práticas... mais do que práticas, a essência Natura tem espaço pra uma Associação como a ABEVD, pra se multiplicar, _______ parceiros?
R- Olha, a gente sempre... acho que uma das.... sem falsa modéstia, uma das contribuições que a gente sempre procura dar...e isso a gente coloca inclusive hoje pros nossos representantes, pros nossos líderes em outros países que nós estamos atuando e também estamos acelerando o processo de internacionalização. Quer dizer, uma das primeiras contribuições que eu acho que a gente dá pra movimentos associativos, primeiro que a gente participa de movimentos associativos, a gente sabe que nenhuma empresa é saudável em ambientes doentes. Nenhum país é saudável, nenhum planeta é saudável com Áfricas da vida. Então, a gente acha que o associativismo, que fazer parte de movimentos é absolutamente fundamental. Então, nós fazemos parte de muitos movimentos no Brasil e fazemos parte hoje em dia de muitos movimentos internacionalmente. Mas o fazer parte - eu acho que tem uma outra coisa, é isso que eu estava dizendo de uma, acho que, modesta contribuição que a gente deu, que a gente procura dar - é de fazer parte por inteiro, de fazer parte com transparência, fazer parte compartilhando experiências, aprendizados. Porque esse negócio de dizer que copia, eu gosto de contar uma historinha. Quando eu comecei essa história, como eu já disse, quando eu entrei em 1979, ninguém entendia nada, nem de venda direta, nem de cosméticos. Eu não sabia, quando eu fui montar a empresa que veio a ser toda a Larc en Ciel, que era a empresa de maquiagem, a Iara me falou: “Tem.”..; Eu falei: "Vamos montar uma empresa de maquiagem?", falei: "que é, que produtos são?" Falei: "É batom, rouge." "Rouge não, é blush." "Ah, está bom." Eu não entendia absolutamente nada. E eu quis conhecer algumas empresas, eu não consegui, não me abriram as portas pra conseguir, pra visitar nenhuma empresa. Porque tinha uma coisa assim, uma falácia, um engano, como que era contado aos quatro ventos, de que não se deixava a coisa porque era segredo industrial. Sabe? "Não posso, imagine se eu vou mostrar pra uma pessoa que eu nem sei direito quem é, como é que são minhas máquinas, como é meu processo produtivo, como é meu sistema logístico etc." Pra mim, isso é uma grande bobagem. Nossas paredes, hoje, são de vidro. Tivemos 12 mil visitantes no site de Cajamar ano passado. E nós estamos dando excelentes resultados e estão muito bem valorizadas nossas ações na bolsa. Então isso acho que eu não preciso responder mais. Mas, então, eu não... existia uma tradição de uma participação muito defendida. Então... volto, eu acho que a nossa a contribuição, que a gente tem a dar, é de uma participação aberta, inteira. "Ah, nós fazemos isso." "Como é que você faz isso? Já teve ação aqui, teve ação ali? O que você faz?" Então, uma coisa de compartilhamento. Eu acho que a gente sempre buscou e continua absolutamente disposto a compartilhar e a estimular outras empresas a seguir essa trilha. Nós não queremos ser os únicos, muito pelo contrário: pra mudar o mundo, vai ter que mudar muita gente. E a gente compartilhar, querer e fazer coisas no âmbito de uma associação é absolutamente dentro do nosso perfil. Se elas vão acontecer ou não, são os fatores políticos e institucionais é que vão definir esta coisa. Nós participamos do Ethos, no começo éramos 10 empresas, hoje são 1000. Já compartilhamos “N” vezes nossas coisas. Tem case, tem isso, tem aquilo, tem análise, tem tudo. Está na London Business School, está em Harvard, está na USP , está na FGV [Fundação Getúlio Vargas], está no...é aberto, é transparente, é claro, quer dizer... E o desejo de trazer outras empresas, empresários, empreendedores pra compartilhar a mesma visão de mundo e cada um descobrir as práticas que melhor adequam. Porque eu acho que tem uma questão de vocação, cada um tem que respeitar suas vocações, sua história, etc. Não tem modelo pronto e acabado pra exercer essa responsabilidade. Agora, dividir, compartilhar o que isso significa e o entusiasmo por esse caminho faz parte da nossa história.
P/1- E os próximos 25 anos? O que você acha que vem por aí, pra Associação, pra Natura?
R- Olha, a primeira coisa, como eu já disse falando da venda direta, eu acho que é muito contemporâneo, continua sendo muito contemporâneo, a venda direta, o sistema. Eu acho que até a mudança do perfil, há 25 anos atrás nós tínhamos um perfil muito mais estruturado, né? Do emprego formal, tal. Eu acho que nesses 25 anos, a gente viu uma transformação profunda. Uma redução muito significativa do emprego como existiu no pós-guerra, até os anos 1960, 1970. Quer dizer, a gente viu, com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, quer dizer, teve uma transformação profunda e as fontes geradoras de renda se tornaram muito menos tradicionais, muito mais fragilizadas, tem muito mais autonomia, os espaços são mais indefinidos, a variedade de atividades aumentou muito. Aquela história que eu contei, que antigamente você ia ser engenheiro, médico ou advogado, 95% era assim. Mudou muito, né? Muito engenheiro virou suco, né? Foi vender mate em Ipanema e etc. e eu acho que por todas essas razões a venda direta continua tendo um espaço muito significativo. É óbvio que ela revisitada, redesenhada em relação ao que ela já foi. Eu acho que ela vem fazendo isso. E apoiada por toda a tecnologia disponível hoje em dia. Mas eu vejo com muito bons olhos, o futuro da venda direta, de uma maneira geral. Eu acho que desde...na nossa perspectiva, desde que estes relacionamentos, que são ainda muito demandados, acho que pelo ser humano.... sejam construídos em cima de bases éticas, né? Que haja, de fato, uma troca rica pras partes e não apenas aquele sistema velho da venda sob pressão. Se a gente transformar, de fato, a venda ou o recrutamento sob pressão, na construção de relações longas e produtivas, eu acho que o espaço de desenvolvimento da venda direta é fantástico. Mas, aí, se a gente conseguir com que este batalhão seja algo que seja produtivo socialmente, conseguir aliar uma liderança de negócios da venda direta ou empreendedor, que é tão valorizado e tão necessário, pra que não seja só um empreendedor econômico, mas seja um empreendedor social.Se a gente combinar essas duas coisas, eu acho que a venda direta pode fazer excelentes negócios nos próximos 25 anos. E pode dar uma contribuição relevante pra sociedade, seja aqui, seja em qualquer parte do mundo. Pra Natura, hoje em dia, eu vejo os próximos 25 anos com muita confiança. Acho que temos esta proposta de valor, que é uma proposta de muito mais do que produtos, do que um canal de vendas, do que geração de renda pras consultoras. É toda uma visão de mundo compartilhada, que você quer compartilhar com as tuas consultoras, aprender com elas, remunerá-las, pra que elas tenham o seu lucro. O que é super importante, obviamente, como é o bottom line da empresa. Mas muito mais do que isso, compartilhar esperança, sonhos, ter compromissos efetivos com a transformação, com a construção da sustentabilidade. Eu acho que a sustentabilidade, quer dizer é uma questão hoje que se coloca de uma maneira muito clara, o desafio que a gente enfrenta de construir sustentabilidade, né? Eu acho que ele passa por duas grandes evoluções ou, revoluções: uma técnica e uma cultural. Eu acho um ledo engano aqueles que acreditam que a tecnologia de _______, sem nenhuma adjetivação, vá encontrar soluções pra que a gente construa sustentabilidade. Eu acho que tem mudança de valores, tem mudança, tem reconexão, tem uma coisa de nos perceber. Não é nós e o meio ambiente, é nós, o meio, nós somos parte do meio ambiente, né? Nós somos parte dessa rede, dessa teia da vida. Não adianta, é claro, se está acabando com a nossa vida, da nossa espécie. Então, eu acho que esta reconexão, a construção da sustentabilidade vai por um lado, pela técnica. A gente conseguindo pensar, desenhar, projetar, arquitetar produtos e serviços que consumam menos energia, menos elementos químicos; a crosta terrestre seja menos transformada, quer dizer, a gente seja mais eficiente do ponto de vista técnico. Mas, com certeza, passa por uma mudança cultural, uma mudança de valores fundamental. Enquanto a gente acreditar que o consumismo exacerbado nos leva à felicidade, estamos fritos. Na hora que os 1.2, 1.3 bilhões de chineses consumirem no padrão americano, acabou o mundo, “pô”, é tão simples quanto a isso. Então quero ter uma mudança que é cultural. E eu acho que a venda direta, que lida com tantas mentes e corações, com contingentes tão expressivos, ela pode dar uma contribuição muito legal, ela pode ajudar a promover... Tanto investir, como ela é um negócio lucrativo, ela tem condições de investir na técnica, mas ela tem condições também de atuar culturalmente, de promover mudança de valores. E eu acho que quanto mais ela exercer essa sua vocação, essa sua capacidade, mais próspera e bem sucedida ela vai ser. Então a Natura, a gente vê que essa proposta de valores... dizer: "Ó, nós temos compromisso com a rede, com a teia da vida, desenvolvimento sustentável, pô, justiça social, investimento na educação”, quer dizer, ser um agente de fato, propor uma outra ética de relacionamento com o governo, com concorrência, com o consumidor. Uma ética, realmente, da solidariedade, construir competitividade através da solidariedade, a receptividade que nós estamos tendo é excelente, nós estamos crescendo muito bem. Lógico, o produto tem que ser maravilhoso, tem que funcionar, tem que performar, tem que ter preço competitivo, mas isso só não basta. O que eu acho que tem tido um reconhecimento muito grande, e eu vejo com muito bons olhos, os próximos 25 anos…. agora eu estou falando especificamente da Natura, porque tem gente falando: “Pô, isso faz sentido.” Faz sentido. E se faz sentido, pô, você começa a desenvolver um relacionamento, que no começo é de consumidor, daqui a pouco é de consultora, daqui a pouco é distribuidora, daqui a pouco é não sei o que lá e é esta rede de relacionamentos que vai fazendo o sucesso da empresa. Então eu vejo com muita confiança os próximos 25 anos, que não serão tocados por mim, obviamente. [riso]
P/1- E vocês querem fazer alguma pergunta? Tem uma pergunta aqui da Fátima, que eu até tinha feito pros nossos ex-entrevistados e eu acabei pulando. ABEVD assinou, em 200 - é uma última pergunta - com o Ministério da Previdência, um acordo de educação previdenciária, né? Você acha que esse já é um movimento que pode dar início a essa maturidade social da Associação ou não?
R- Olha, pra ser absolutamente honesto, eu não estou muito familiarizado, mas eu acho que o processo de educar, de apoiar processos educacionais nesse universo de consultoras, revendedoras, distribuidores da indústria da venda direta, pra mim, o caminho passa pela educação, né? Então, se é educação previdenciária, eu não sei, eu não conheço, de uma maneira mais próxima, o desenho como está feito, mas eu acho que pode ser um passo importante. Pra mim, educação é educação. Quer dizer, se for, se estiver à altura do nome educação, é bom. Eu espero que esteja.
P/1- Guilherme, super obrigada
R- Obrigado. P/2- _________ alguma coisa interessante, que vocês...
P/1- Um causo.
R- Um causo.
P/2- Um causo.
P/1- Tem algum causo, alguma coisa pitoresca.
P/2- É, uma coisa pitoresca, divertida.
R- Deve ter muitos.
P/2- Ou no âmbito aqui da ABEVD, mesmo, da antiga Domus, ou do âmbito da Natura, sei lá, ter marcado como marcou a...
P/1- Ele sobreviveu! [riso] Isso é um causo pitoresco.
R- [riso] É estou vivo.
P/2- Ele é um causo. ____________uma grande empresa.
R- É, eu sou ruim, eu gosto de conversar, mas não sou muito bom de contar causo, fatos, mas não me lembro. Tem muita coisa, obviamente. Muita coisa vivida, mas pra escolher um.
P/2- Não, uma ideia.
R- É. Se eu me lembrar eu gravo uma fitinha e mando. [risos]
P/1- Quer fazer uma pergunta?
P/2- Eu acho que, pra finalizar, seria interessante trazer ________ 25 anos da Natura, mas seus, como pessoa, seus 25 anos?
R- Nos meus próximos 25 anos, se eu tiver o privilégio de tê-los e de vivê-los, eu fui uma pessoa, que eu já contei aqui, que comecei a fazer muito cedo. E eu queria fazer menos e ser mais, me permitir isso de ser mais. Eu acho, até, que se eu me permitir isso, posso até, ainda, fazer algumas coisas interessantes. Eu brinco que eu quero, eu estou absolutamente envolvido com essa história, o que é esse bicho de sustentabilidade, né? Quer dizer, como é que a gente vive isso, seja pessoalmente, seja empresarialmente. Em todos os sentidos eu estou envolvido com isso. Mas, quero vivenciar, não quero vivenciar só intelectualmente. Quero ter a oportunidade de viver isso, né? Porque eu acho que é esta conexão, que eu acho que é uma das bases da construção da sustentabilidade, ela tem que ser vivencial. Tem que ser visceral. Você tem que se perceber parte do todo, não porque você leu um texto. Às vezes, uma poesia te encanta e te faz perceber isso, mas acho que na maioria das vezes, você tem que se expor a um contato, a um convívio de fato, a sair dessa loucura urbanóide que a gente vive, pra se sentir um pouco mais como parte dessa grande rede, né? E eu acho que ____________ pros meus próximos 25 anos, eu espero construir mais e mais oportunidades de cultivar isso, porque eu acho que nos dá muita lucidez. Eu acho que adiciona muito à qualidade do que nós somos, à qualidade do viver e à qualidade do ser, né? E, consequentemente, até do fazer também. Então eu brinco que eu quero ser zelador de uns cantinhos de paraíso, aí, eu quero ajudar a passar pras próximas gerações algumas coisas. E o grande tem muitas coisas: por um lado, tem movimentos contraditórios por um lado de, sempre e verdadeiro desejo, de reduzir uma atividade bastante intensa que eu tenho tido nos últimos, sei lá, minha vida aí, nos muitos anos, nos 30 anos, aí, de vida profissional. E, por outro lado tem uma inquietude empreendedora. Não é empreendedora no sentido de business, mas no sentido de transformação que não se aquieta. Então, vou lidar com isso, tentar me aceitar mais e lidar com esses dois lados. [risos] "Celto"?
P/1- ____________
R- Muito obrigado.
P/1- Olha, eu sempre fui sua fã, mas depois que você falou ________________Recolher