P/1 – Eu vou perguntar pra senhora: qual o nome completo da senhora, o local que a senhora nasceu e que dia. Para ficar registrado aqui.
R – Nasci no estado do Rio de Janeiro, em 1911.
P/1 – Que dia?
R – Cinco de maio.
P/1 – E qual o nome completo da senhora?
R – Mari...Continuar leitura
P/1 – Eu vou perguntar pra senhora: qual o nome completo da senhora, o local que a senhora nasceu e que dia. Para ficar registrado aqui.
R – Nasci no estado do Rio de Janeiro, em 1911.
P/1 – Que dia?
R – Cinco de maio.
P/1 – E qual o nome completo da senhora?
R – Maria das Dores Santos Conceição.
P/1 – Agora, a senhora é conhecida como vó Maria?
R – Sou conhecida como vó Maria no Brasil inteiro, porque a vovó gravou o primeiro disco há 91 anos e a vovó Maria passou a não chamar mais Maria das Dores Santos, todo mundo aqui no Rio me conhece como vó Maria.
P/1 – E posso chamar a senhora de vó Maria, também?
R – Eu pedi licença para te chamar de minha neta.
P/1 – Ah, eu que fico honrada.
R – Porque esses netos ___ aí. Peço licença, se dão permite que eu chame de meus netos, porque todos os meus netos que eu tenho, são verdadeiros. Eu não tenho nenhum neto ilegítimo. Se vocês permitem vocês são meus netos legítimos.
P/1 – Com certeza! É uma honra para nós. Vó Maria, o que seus pais faziam? E qual o nome deles, de seu pai e da sua mãe?
R – Meu pai chamava Sebastião Rosa dos Santos, minha mãe Jandira Cardoso dos Santos.
P/1 – E eles trabalhavam no quê?
R – Olha, minha filha, antes, você sabe, diz a minha mãe, eu não me lembro muito disso, morreu com cento e poucos anos, não sei se foi escravo, não. E minha mãe não, eles nasceram na época da escravidão. Tanto meu pai quanto minha mãe.
P/1 – Eles são de Mendes mesmo?
R – Eles também são de Mendes, lá das fazendas, lá para dentro, mas eram de Mendes. Nasceram em Mendes.
P/1 – E a senhora cresceu em Mendes?
R – Passei a infância até os dez anos. Com dez anos – porque Mendes era um lugar de pessoas fracas, em 1906 tinha muita tuberculose aqui no Rio, então como Mendes era um lugar bom para virar uma pessoa fraca – foi uma família para Mendes em 1906, aí levavam os filhos que estavam doentes para Mendes – essa família me criou, Eu já tava com dez anos quando eles pediram ao papai se deixava eu ir para o Rio para brincar com os filhos deles. Meu pai ainda disse: não, não vai não porque vocês lá no Rio botam eles para puxar escovão. Eu não quero que meus filhos – eles comem aqui feijão, angu e taioba o que tiver – não quero que eles sejam o que papai foi. Então, sendo assim, quando eu fiz dez anos, papai deixou eu ir para o Rio.
P/1 – Mas vamos falar um pouquinho mais da infância da senhora.
R – Da minha infância?
P/1 – Quantos irmãos vocês eram?
R – Onze. Um morreu, mas foram onze.
P/1 – A senhora lembra o nome de todos?
R – Agora só existem seis, mas eram onze. Todos vivos, só morreu um. Agora não. Agora só existe cinco, mas que eu convivo mais é com essa irmã.
P/1 – Como ela chama?
R – A Júlia.
P/1 – Vó Maria, como era essa convivência nessa casa. Onze pessoas, crianças. Vocês brincavam muito? Brigavam?
R – Olha, minha filha, você sabe, nós éramos obrigados até os dez anos, papai fazia a gente – só não fazia a gente capinar porque era muito pequeno – mas fazia, de tarde a gente chegava da plantação de milho, a gente ia na cova: vai um botando milho e o outro cobrindo. E o arroz a mesma coisa, papai fazia isso quando eu era pequena. Mas quando chegava de tarde a gente apanhava água fresquinha, nas cachoeiras, para encher a moringa. E varrer o terreiro de você encontrar uma agulha no chão. Depois ele deixava a gente brincar de roda.
P/1 – Só depois de todas as tarefas.
R – Só depois de todo trabalho, tomar banho, pé no chão mesmo. Pé no chão, mas tinha que lavar o pé, que na hora de dormir era obrigado a lavar o pé outra vez. E mais ___, nós brincávamos de roda. Toda tarde vinha uma família com as meninas, aquela casa de lá, e eu e meus irmãos, essa aqui não tinha nascido ainda, então nós brincávamos de roda.
P/1 – A senhora lembra das músicas dessa época?
R – Ciranda cirandinha. (CANTA) ciranda cirandinha... – mas todas as músicas agora tem – vamos todos cirandar, vamos dar a meia volta, volta e meia vou voltar. Eu fui no tororó, beber água não achei, achei bela morena que no tororó deixei, aproveite minha gente que uma noite não é nada, quem não dormir agora, dormirá de madrugada, minha netazinha entrará na roda, ficará sozinha, sozinha eu não fico, nem hei de ficar, porque tenho a neta para ser meu par, tira tira o seu pezinho, bota aqui juntinho ao meu, e depois não vá dizer, que seu par se arrependeu. E tinham outras, né, a outra é: (CANTA) roda peão, bandeia peão, o peão entra na roda, o peão, o peão entrou na roda, o peão, roda peão, bandeia peão, roda peão, bandeia o peão. Não sei se já cantei: (CANTA) eu fui no tororó...
P/1 – Essa a senhora cantou. Quem que ensinava essas músicas para vocês?
R – Ah, muitas eram os professores, algumas, ainda tem mais, era o professor que cantava nos ensinando. Quer dizer, quando papai começou a deixar algum filho ir na escola, porque ele não quis que ninguém estudasse, que iria escrever carta prá namorada.
P/1 – Ele era bravo, assim?
R – Era. Mas aí, intimado, porque ele não podia ficar todo mundo dentro de casa só capinando e plantando arroz, plantando feijão. Então o filho tinha que estudar. Então, ele me botou na escola, ___ frequentei mais, sei lá o que foi. Acabou a escola, sei lá o que foi, nós acabamos de estudar aí mesmo. Mas isso ele fez, a gente, ou então, depois de brigar muito, não querer que a gente estudasse, ele botou na escola, os mais velhos.
P/1 – E a mãe da senhora, como ela era?
R – A minha mãe era uma cabocla, era cabocla de cabelo liso. Agora meu pai era bem pretinho. Minha mãe era mulata clara, cabocla, porque naquela época não tinha mulatinha, era ou negra, ou branco ou então índia. A minha mãe tinha parentesco com índio, então a minha mãe era clara de cabelo liso. Ninguém tinha cabelo, da parte da minha mãe, tinha cabelo duro. Só o meu pai, que era pretinho.
P/1 – E ela era exigente também, brava?
R – Não, mamãe não. Mamãe era maravilhosa. Porque, eu me lembro, que nunca bateu em filho nenhum. Mesmo eu, nunca apanhei dela. Agora do meu pai, eu não gosto de falar, porque de meu pai eu apanhei uma coça, de solteira. Ele tinha uma argola de prata, daquela época, da época da escravidão. Eu levei uma coça que até hoje eu me pergunto porque que eu apanhei tanto. Que a minha vó ajoelhou no pé dele: “larga essa menina que você vai matar de pancada!”. Eu aéhoje pergunto, eu não sei porque eu apanhei. Agora eu tinha uma irmã, que morreu, que essa apanhava muito.
P/1 – Ela era traquina? Levada?
R – Não. Ela gostava de responder. E mexia muito nas coisas. Nós fomos ensinados a encontrar uma agulha no chão e não apanhar. Então, ela gostava de mexer nas coisas então, o papai também, o papai nessa batia muito. Deu uma coça nessa, apanhou de vara de marmelo. Dava uma coça e puxa a vara e ficava toda lanhada nas costas. Essa, um dia ela apanhou tanto, depois ela entrou – tem a casa onde eu morei – ela entrou embaixo do porão, gritando, para se esconder. E no nosso porão ás vezes tinha cobra, ele foi e disse: se você não sair daí eu atiro. E ele atirava mesmo. E os outros irmãos apanharam muito. Teve um, o mais velho, ele apanhou tanto que fugiu de casa.
P/1 – Mas eles eram levados? Era brincadeira da época?
R – Olha, eu acho que o meu pai, de vez em quando, porque ele não bebia na rua, mas quando ele chegava em casa ele bebia. Mas mesmo sem beber ele batia. Eu acho que é quando dava aquela coisa, dele andar nas matas, ele ficou com algum trauma daquilo, dele apanhar, porque você sabe que os negros apanhavam muito, né, já os pais mesmos já batiam. E eles quando não faziam, andavam lá por dentro do mato, que eles gostavam, eu acho que foi isso. Porque meu pai batia na gente sem nem saber porque estava apanhando. A outra irmão, que essa ainda era mais levada também apanhava, o mais velho apanhou tanto que fugiu de casa. Aí quando voltou para casa, aí ele foi procurar ele e encontrou na casa de um tio, ele voltou, ele tinha nove anos, ele trouxe ele para casa, aí ele foi mordido de cachorro danado, aí ele foi para Vargem Alegre, era um lugar que tratava, ele ficou bom. Esse ele nunca mais bateu. Aí a família que nos trouxe para o Rio botou ele na marinha, nunca mais esse apanhou. Agora essa aqui não apanhou, não.
P/1 – Não aprontava?
R – Não, ela sempre foi calma. Essa não apanhava não. Mas os outros dez apanhavam muito.
P/1 – Oh, vó. Como que era a convivência entre os meninos e as meninas? Tinha diferença de educação?
R – Não, aí papai deixava, todos irem brincar ou lá com o vizinho ou eles virem prá qui brincar de roda com a gente. Mas nós sempre fomos muito unidos em casa mesmo. De tarde, quando a comida era pouca, angu com feijão, com farofa, então nós, quando era pouco nós pedíamos: você me empresta que logo mais eu te pago, tá? A gente pedia comida emprestado ao outro, de noite tinha que se pagar, quando a comida vinha, tinha que se pagar o outro. Porque era pouquinho, né, então a gente pagava. E da comida ali mesmo, assim mesmo era tudo...
P/1 – Agora, nessa época não tinha eletricidade, tinha?
R – Não. O que, nessa época?
P/1 – É.
R – Não.
P/2 – Era luz de lamparina? De lampião?
R – Antes, era só de querosene. Mas o papai tinha, que era carbureto, né, uns lampiões bonitos, que ele não deixava a gente pegar. Mas quando ele acendia a gente via, bonito lampião de carbureto. Mas era lamparina feita por ele mesmo, nesse tamanhinho, contorcida, e era de querosene.
E o mais a gente, quando tava chovendo ficava dentro de casa, com a lamparina acesa e cada um quarto, tinha o quarto dos meninos e tinha o quarto que a gente dormia. Fomos muito bem criados enquanto vivemos em casa, apesar do papai ser muito violento. Mas depois ele ficava arrependido do que fazia com a gente.
P/1 – A senhora ajudava a sua mãe na cozinha, as meninas ajudavam a cozinhar, lavar?
R – Nós, quase sempre – que a minha avó morreu a gente tava bem crescido – a vovó não deixava, porque a gente já tinha que trabalhar na roça, ajudar qualquer coisa. Ele chamava o camarada, tinha os camaradas, mas a gente tinha que ajudar porque eles entravam, tinha hora certa para almoçar, então enquanto eles estavam almoçando a gente tinha que ir para a lavoura ajudar a vovó a plantar as coisas. Enquanto um almoçava outro trabalhava. Mas sempre muito, a mamãe não, mas o papai sempre muito nervoso.
P/1 – Me fala uma coisa: tinha muita religiosidade na família? Vocês iam à missa?
R – Ah, nos domingos tinha. Nós éramos mais, o que eles faziam era muita procissão, quermesse em casa; e depois o que a gente tinha muito medo era folia de reis.
P/1 – Por que?
R – Porque na roça, quando nós éramos pequenos, eles diziam que eles vinham cantar – porque eles cantavam aquelas coisas bonitas – e a vovó dizia: oh, muitos deles podem pegar vocês, roubar. Então nós tínhamos medo deles. Nós, quando pequenos, todos escondiam.
P/1 – Tinha medo do palhaço?
R – Tinha medo de tudo!
P/2 – E não tinha reza pras “arma”, também não?
R – Tinha reza. Pois então, quando eles vinham rezando, vovó muitas vezes dizia assim: olha, vão se esconder! Porque a gente tinha medo, o palhaço quando chegava vovó punha a gente prá dentro. Sei lá se era atraso, dizia que eles iam roubar.
P/1 – Tinha histórias de fantasmas? De alma penada?
R – Ah, minha filha, tinha um que fazia um fantasma, que a gente entrava prá baixo do porão. Porque eles se vestiam de coisa, né, quando queriam, prá meter medo na gente. Se vestiam, passavam, que era vidraça a nossa casa, eles passavam em cada fazenda, eles passavam assim que nem lobisomem. E a gente tinha medo de lobisomem porque existia, sei lá se existia, nós não saiamos. Isso que a gente, quando fazia o fantasma nós todos corríamos. Se era de dia, se tinha alguma coisa, entrava prá dentro do porão, e se era de noite a gente entrava embaixo da cama. Agora, a minha infância, como eu lhe disse, até os dez anos, a única coça que apanhei foi essa. Nós, sabe, que foi mais que eu fiz? Ah, um dia, a mamãe mandou levar ovos na casa dessa família, que papai tinha mandado. Aí eu disse que não ia, foi a primeira vez que eu apanhei da minha mãe. Aí a mamãe disse: “você não vai, por que?”. Eu falei: “eu não quero ir!”. Aí a mamãe passou a mão no cabo de vassoura, que era de ____, bateu e eu fui segurar. Então o dedo abriu. Foi a única vez que a minha mãe me bateu. Caiu o meu dedão. Aí eu fui levar os ovos, né, porque já tinha apanhado.
P/1 – Com o dedo doendo?
R – Quando cheguei lá, disse: “que é isso, minha filha?”, a minha mãe de criação. “Foi mamãe que me bateu, fui segurar a vassoura”. Aí ela diz: “meu Deus, como é que pode!”. Aí apertaram a minha mão.
P/1 – Ontem você estava conversando muito da infância. O que vocês lembraram ontem? A senhora e sua irmã? O que vocês conversaram ontem, das brincadeiras, dona Julia?
R/2 – Se dar bem, a gente ser dava, tanto com os ______, que mamãe criou a gente muito religioso, e os padres antigamente eram diferentes. Eles iam na casa da gente. Tratavam a gente, passava a mão na cabeça. Aquele padre que tinha na igreja de Santa Cruz.
P/1 – A senhora lembra o nome dele?
R/2 – Não me lembro o nome dele. E ele ia, passava, dava santinho a gente. “Dona Jandira, eu tô aqui!”. Ele dizia, assim, prá mamãe. Hoje os padres não fazem isso mais. E o mais, filha, que essa aqui, não sei porque, que ela me chamava de taturana fogo. Porque eu era mais clara do que ela.
R – Sabe por que? Porque tanto faz ela. Agora ela tá acabada, mas ela era muito bonita e tinha os olhos verdinhos. E esse cabelo era desse tamanho! E era fogo, ____. Mas era mesmo.
P/1 – O que é a sassuna?
R – Taturana fogo é um bicho que queima, que se passar em você tem que correr para o médico. Ele dói, dói que você perde os sentidos. Ele se esconde, ele se enrola, fica igual à uma flor, vermelhinha. Aí eu dizia assim: “eu não quero essa taturana fogo perto de mim!”. Ela era branca e os outros eram tudo preto! Aí ela era branca e o cabelo!
R/2 – Aí a mãe dizia assim: chama elas de tiziu, porque o tiziu é pretinho. (RISOS). Não era só __________. Tem uma que até hoje não gosta muito de mim, não.
P/1 – Não bate o santo.
R/2 – Porque eu era clara, puxei à mamãe. E o cabelo vermelho, ainda eu tinha uma faixa de cabelo branco aqui. Inda tem retrato em casa, que aparece. Já viu cabelo vermelho ser louro? Era bem vermelho. Agora tá todo branco.
P/1 – E a senhora fez muita peraltice também?
R/2 – Não, era calma. Era calma como até hoje eu sou calma.
R – Ela era a mais calma de todas. Eu nunca apanhei do meu pai, meu pai uma vez, eu escutei ele dizer assim: a filha que eu gosto mais é a Julia.
P/1 – A senhora é caçula?
R – Não.
R/2 – Não, tem Júlio, tem a Olívia depois de mim.
R – Tem cinco na tua frente. Seis.
R/2 – Não a Noêmia é mais velha do que eu. A Dejanira é mais nova. O Júlio,
Olívia. Quatro.
P/1 – E os meninos?
R – Os meninos eram quatro também. Benedito, Manuel, Júlio e Zezé.
P/1 – Agora, me fala uma coisa, vó Maria, o padre ia lá sempre na casa de vocês?
R/2 – Ia durante a semana. Um padre que tava lá há mais de 20 anos. Ele ia nas casas dos pobres. Ia, dava conselho, conversava com a mamãe. Sentava, às vezes a mamãe ____. “Não, não quero nada, só vim ver vocês e as crianças”. Ia lá, ia nas outras casas também. Hoje os padres não fazem isso.
R – Bom, agora sou eu que vou falar. Quando, muitas vezes, nos domingos, a gente andava como daqui nas barcas, a pé, por dentro do mato, prá tomar a benção. Tinha o colégio São José, em Mendes. Então a gente andava por um caminho por dentro do mato, com medo – eu sempre tive muito medo de cobra – com medo de cobra, porque a minha vó ensinava que, se cobra morder, uma, a gente deve saber, ____ e a outra era venenosa. Eu desde criança estive sempre com medo de cobra. E nós andávamos como daqui na cidade, prá ir só tomar benção, e ver os padres lá, porque a gente, a igreja só tinha missa uma vez por mês, quando tinha, dentro do arraial. E o mais a gente tinha que andar, como daqui na cidade, por dentro do mato. Um caminho de ______. Hoje não, hoje tem automóvel que vai. Mas nós andávamos, a mamãe fazia a gente andar nos domingos, ainda descalços! E lá atrás do ____ quase, no Mendes, prá gente tomar benção e assistir à missa. Que hoje é um hotel. Mas papai fazia, mamãe fazia, não sei se minha vó, se eles andavam por lá quando foram, e eles faziam a gente andar. Tem uma coisa que me gravou muito, é que eu passei por uma fazenda aonde a vovó dizia: “olha, quando passar, passa correndo que aquela ali é mal-assombrada!”. Já viu a gente na roça, de noite, no escuro. A gente tinha medo de tudo! Até o vaga-lume que acendia a gente tinha medo. Então quando passava por perto da fazenda, uns diziam assim: olha, são os negros que estão chorando, gemendo. Tinha mania de dizer. Eu não sei se é verdade, se é mentira. Eu sei que eu sei o que eu passava quando mamãe me arrastava. Eu não queria ir. “Passa depressa!”. Porque a fazenda era mal assombrada.
R/2 – Ninguém morava lá.Tinha lugar de enforcar os outros, no hotel de Santa Rita. Não sei se agora tem. De noite tocava piano.
R – Tocava piano? Você ouviu?
R/2 – No hotel de Santa Rita. Ninguém morava lá, gente! ___, daquele grande, ninguém morava. Tinha as forcas, tinha tudo que eles judiavam dos escravos. Quando era de noite, aquelas almas penadas ficavam lá. Ninguém, nem os turistas iam quando era de noite, vinham para o Rio.
R – Chega.
P/1 – (RISOS) Mas era uma fazenda de muitos escravos?
R/2 – Era. Lá prá dentro. Perto do hotel Santa Rita. Ninguém ficava lá.
R – Lá não teve escravo?
R/2 – Tinha escravo sim. Mas agora eles fizeram ____.
P/1 – Agora faz turismo?
R/2 – Não faz, não. Era um hotel lindo, lindo na fazenda linda, uma coisa, era um luxo/! Acho que o dono daquela fazenda era milionário. Era lindo. Minha filha, os turistas iam, quando era de madrugada se mandavam. Isso não é mentira, não. Quem quiser crer, que creia. Agora, quem não crê, que não creia. Mas que tinha escravos chorando, disse que não era escravo. Era senhor também, chegava de noite tocava piano, fazia aquelas tocatas lá. Mas por causa de quê que os turistas não ficavam lá, Maria? Corriam.
P/1 – A senhora nunca ouviu falar disso? A senhora tinha medo?
R – Da licença. Ela tem 85. Eu tenho, vou fazer, 97. Quem é a mais velha? Sou eu, né? Ela sabe de coisas que eu não sabia. Eu passava por lá depressa, porque a fazenda que eu sei que é assombrada, é dentro da cidade. O hotel, eu sei que eu fui, ainda com turista. Eu fui no hotel com turista. Agora, se você foi sem turista por causa da assombração? Eu quando fui, quando era criança, o hotel era ___.
P/1 – Mas a senhora tinha medo?
R – Bom, mais fui depois. Mas quando era pequena, que a gente tinha que sair daqui e ir lá no engenho de dentro, a pé, não passava pelo hotel, passava por uma fazenda, que nessa fazenda é que mamãe mesmo dizia: passa depressa! Então, mamãe nos arrastava. Porque diz que os negros estavam lá moendo cana, gritando. A história dos escravos. Escravos já mortos. Não tinha ninguém ali. Então, todo mundo que passava dizia que escutava. Então, eu como criança, com a mamãe me puxando: “mamãe, esse aí não tem assombração?”. Eu acreditava, porque todo mundo dizia que passava por aquela fazenda e escutava gemido, escutava negro gritar.
P/1 – O pai da senhora contava alguma coisa da época dos escravos?
R – A vovó que contava. A vovó dizia que eles corriam muito, que eles andavam por dentro da mata, porque muitos apanhavam porque não faziam as coisas direito. Então, quase sempre eles se escondiam. Mas tinha um, lá papai que procurava por eles, então que eles apanhavam muito. E traziam eles prá fazenda prá fazer as coisas dentro da fazenda. Isso era a vovó que me contava. Que eles apanhavam muito, tinha uns que tinham – isso eu cheguei a ver – um que tinha as costas cheia de bicho. Porque apanhava, não tratava, dava bicho varejeiro. Porque eu vi, papai tirava de umas costas de uns negros lá em casa, e a vovó tirava, botava toicinho. Isso que ela contava que eles faziam dentro da mata. A minha vó. E isso eu vi, não sabe? Além da vovó dizer as coisas que eles passaram, eu vi meu pai e a minha vó, cortando – porque a gente matava porco, né, naquela época a gente comia mais era carne de porco – o toicinho, botava assim e o papai botando os toicinho. Porque vinham lá aqueles negros, cansados, descalços: “oi, dá licença!”. E o papai mandava entrar. Quando entrava, ele dormia na varanda, porque a nossa casa tinha uma varanda. Mamãe botava a coberta, e eles dormiam na varanda mesmo. Mas fechada. Então papai quando chegava de manhã, a vovó passava a mão em um pedaço de toicinho, tirava, tal, e botava nas costas deles. Meu Deus do céu! Os bichos tavam assim, desse tamanho! Já cabeludo!
P/1 – O toicinho ajuda a sair o bichinho, né?
R – O toicinho, é interessante, ele vem. Aí aperta assim, vai apertando assim, eles vão saindo, vão passando para o toicinho. Isso eu vi.
P/1 – E quais eram os outros remédios, da época, caseiros? Tinha chá, benzedura?
R– Olha, por exemplo, nós, a mamãe. Eu sou muito franca. Até hoje, são os mesmos matos que tem hoje. Mas é que tinha um que hoje digo assim: aquilo era maconha! Vovó dizia assim: “ai, vovó, tô com dor de dente!”. “Vai lá, põe aquela erva lá! Faz um cigarro!”. Era maconha! (RISOS). Mas ninguém sabia!
P/1 – Que era bom, era bom!
R– Que era bom, era bom! A gente fumava, a dor passava. Tinha outra coisa que eles acabaram. Papoula, aquela vermelha. Vovó dizia: “não quero chupando isso!”. A gente chupava era um melzinho que saia da flor, que a gente ficava meio tonto, e a vovó não deixava a gente chupar aquilo. Aquilo tudo era hoje. Eu chupei muito daquilo!
P/1 – Como é que chama a planta?
R – A planta? Papoula. Aquela coisa. Tinha uma que era venenosa, era uma vermelha, o miolinho dela era assim branco. A gente apertava, tirava e chupava, se tivesse dor de dente ou qualquer dor. Mas a erva que a vovó mandava apanhar e que se fazia. “Faz um cigarro!”. Meu irmão fazia cigarro, a dor passava. Então era maconha! Não era maconha! Só podia ser!
P/2 – E dava um barato?
R – Então, a minha infância foi assim, na roça. Agora, tem uma coisa. A única coisa que eu guardei na minha lembrança. Eu fiquei triste, triste, por apanhar muito, mais muito, e sem saber por quê. Isso eu guardei até hoje. Ás vezes eu me pergunto. Eu vi a filha morrer, vi tudo. Mas a coça, eu não sei se é por que eu era criança. E em saber por quê que eu tava apanhando tanto! Da mãe ajoelhar no pé dele, e ele com a açoiteira. Porque a açoiteira era assim, dessa grossura, e aqui é a tala. E ele com a açoiteira. E ele batia, eu não apanhei de cipó, não. Mas os outros apanharam de cipó. Eu apanhei com a açoiteira, que batia nos cavalos, sei lá. Eu apanhei açoiteira. Essa não apanhou nunca, não. Mas os outros todos apanharam de cipó. Que fazia assim, o cipó dava volta, e cortava a gente assim. E botava água e sal. Ainda botava água e sal! Depois botava água e sal. Para cicatrizar.
P/2 – A senhora falava que a religião lá era o padre, vocês iam longe e tal. Tinha alguma parte da religião que fosse só do meio? Que tivesse relação com o candomblé? Que tivesse relação com?
R – Ah, deixa isso prá lá, meu nego! Deixa isso prá lá!
P2 – Mas tinha ou não?
R – Sempre teve. Então, eu estava com nove anos. E meu padrinho matava boi uma vez por semana, no arraial, quando tinha veranista que ia. Mas assim mesmo só matava boi uma vez por semana. E os ___, naquela época eles não comiam nem sangue, jogavam sangue de boi, e parece que mocotó também. Tinha coisas que eles não comiam naquela época, ou davam, sei lá. Passou um negro velho, eu posso falar negro porque eu não gosto que ninguém me chame de. Passava um negro velho e toda vez que, de 15 em 15 dias, uma vez por mês, ele passava e pedia ao meu padrinho. Porque o meu padrinho é que matava o boi. Aí, o meu padrinho, uma vez passou um outro negro, e ele foi e meu padrinho: “ah, não, hoje não estou disposto a pegar sangue não!”. Ele falou: “pode deixar, você hoje não me deu, mas vai me pagar!”. Bom, passou um tempo – mas aí eu digo, aquilo era veneno – porque passou um tempo, meu padrinho ia matar o boi, ele pisou numa corda, numa coisa que tava no chão. Aquilo abriu um machucado aqui na perna dele. Aí ele tinha um irmão – foi a primeira vez que eu vi coisa de espiritismo – tinha um irmão dele que não morava em Mendes, morava fora, aí muitas vezes ele passava com a minha madrinha. Quando papai estava muito zangado e queria bater na gente, eu ia prá casa da minha madrinha. Sentava lá, deitava. Chegou esse irmão e disse assim: “Alexandre, o que foi isso na tua perna?”. Ele disse: “eu não sei, o médico disse que não tem cura”. Ele pediu a ele: “bota uma toalha nessa mesa, bota um copo d’água, que eu vou rezar a tua perna”. Aí ele foi, botou o copo, botou a coisa e a toalha branca na mesa, ele ficou com os olhos fechados lá, passando a mão na perna dele. De repente eu comecei a chorar, não sei por quê, eu comecei a chorar, mas chorava muito. Aí ele foi e disse assim: “tira essa menina daqui depressa! Bota ela no quarto e não deixa ela dormir. Tira ela, bota ela lá dentro! Porque ela não pode ficar aqui”. Daí eu fiquei lá no quarto. E ele bora, tira aquilo, botar água na rua, no meio do mato e mandar ele banhar com uma erva lá. Minha filha, num mês meu padrinho tava bom da perna. Foi a única vez que eu vi. Mas a minha vó, tinha uns ____, que ela botava no pescoço da gente, se a gente tivesse qualquer coisa, passava. Então, eu acho que eu sempre vi – não assim, terreiro, nunca vi não -
só vim ver aqui no Rio. Mas uma vez, depois de moça, eu fui em Mendes e a minha mãe me levou num lugar que dizia que fechava o corpo. Foi aonde eu vi, pela primeira vez, terreiro de macumba. Então o homem disse que fechava o corpo. Eu vi – se estava manifestado, se não estava, mas eu sei que era candomblé – ele passar a mão em sete coisas, jogar na parede, mas a última, que ele ficava que nem Jesus Cristo, a última, e era punhal mesmo. O último que ele jogou furou a mão dele.
P/1 – A senhora estava falando que aí uma família a trouxe para o Rio de Janeiro?
R – Foi. Em 1921. Aí o papai dizia prá ela – ela tinha dois filhos pequenos, da minha idade, acho que um era um ano mais velho do que eu, mais eles eram todos pequenos – aí o papai foi e disse: “não, não vou deixar minha filha ir, porque vocês chegam lá no Rio, bota ela prá – aqui ela come angu com feijão, trabalha na roça, não vai não”. “Sebastião, você me conhece desde 1906, como é que eu vou fazer uma coisa dessa? Você viu meus filhos nascerem, você conhece os pais. Como é que eu vou fazer isso?”. Aí depois naquele ano ela não trouxe. Depois quando chegou outra vez, em 1922: “Sebastião, agora vou levar a Maria, prá brincar”. Tinha casa própria no Grajaú, aí ela disse assim: “eu vou levar a Maria para brincar com meus filhos, eu não vou criar ela como empregada, não, vou criar ela como filha”. Aí o papai disse assim: “mas se eu souber de alguma coisa!”. Nunca me fez, assim de mandar fazer, verdade seja dita, eu nunca peguei escovão para passar na casa. Porque também tinha uma coisa, que era na época, em 1922, vinha muita empregada portuguesa. Então lá em casa, como a minha mãe de criação era portuguesa, eles mandavam trazer as portuguesas para lá. Teve quatro empregadas que eram portuguesas. Mas quando eu vim da roça, quando cheguei nunca tinha calçado sapato. Andava lá. Aí meu irmão, que ela trouxe primeiro meu irmão, que botou ele na marinha. Aí ele foi e comprou uma alpercata para mim. Quando eu cheguei no Rio, que eu fui para Niterói – ela estava veraneando em Niterói – quando eu cheguei lá: “Maria, gostou de andar?”. “Não andei de nada, não!”. “Não andou de ___, Maria?”. “Não, entrei numa casa e sai do outro lado, sei lá”. “E o pé?”. Meu pé tava doendo, era uma ferida só, um machucado só. Mas fui muito feliz, muito feliz. Brincava lá, você veja, neguinha da roça, não comia feijão algum, e tinha ___ naquela época: “Maria, vamos brincar de bandido?”. Tinha quintal, coitado do ____, apanhava! Mas apanhava! (RISOS) “Ai, ria, tá doendo?”. “Mas não é assim que é no cinema!” E eu batia nele! Eu vi aquilo no cinema, eu nunca tinha visto. Aqui no Grajaú tinha um quintal grande, eu corria, parecia que eu tava na roça, e eles branquinhos. Eu dizia, “vamos, Helinho, vamos brincar!”. “Mas Maria, não me bate, não”. “Não tô batendo, não, tô brincando”.
P/1 – Mas a senhora ia ao cinema?
R – Ia ao cinema com eles.
P/1 – A senhora lembra as primeiras vezes que foi ao cinema?
R – A primeira vez foi em 1923, lá mesmo nas barcas, tinha um cinema. E nós íamos nos domingos. Então, naquela época era só filme de criança, de dar soco, de apanhar. Eu, quando chegava em casa.
P/1 – E quais outras brincadeiras além de faroeste?
R – Além disso de brincar, nós, era eu e ele e a ___, nós íamos para a praia, prá brincar na areia. Então, eu entrava no mar, mas eu tinha medo. Entrava lá um bocadinho no mar. Porque naquela época usava as coisas de calça até aqui.
P/1 – Maiô?
R – Maiô? Que nada, minha filha, era aqui, ó! Era aqui no joelho. Era vestido inteiro. Aí nós íamos para a praia para brincar também de bandido. Porque todos os dois tinham medo de entrar no mar. Ainda aconteceu, logo que eu fui prá lá, um garoto foi mergulhar nas pedras, mergulhou, lá não tinha muito o que apanhar. Aí eu fiquei nervosa e não quis mais ir à praia, porque eu vi o garoto morrer. Eu dizia: “não vou mais a praia, não. Eu vi o garoto morrer, não quero ir mais, não!” “Maria, vamos, nós não entra no mar, nós senta na areia”. E nós brincávamos ali de fazer coisa na areia. Ou então nós íamos ao cinema. Ou então chegar em casa e brincar de. Depois quando fomos crescendo era jogar dominó. Toda noite, aí eu sempre roubava um bocadinho. Era eu, meu pai de criação e Clio e Helio e eu. Então nós jogávamos ali:”ah, Maria é só você que ganha”. Eu dizia: “olha, mas eu embaralhei bastante”.
P/1 – Vó Maria, para a gente registrar. Qual o nome dos pais de criação?
R – José Ubirajara de Paiva Ramos e Diná Rocha de Paiva Ramos.
P/1 – E me fala uma coisa, a senhora estudou quando chegou no Rio?
R – Estou te dizendo que eu entrei numa casa furada, que eu pulei para o outro lado, que eu não vi nada.
P/1 – Mas a senhora freqüentou escola?
R – Foi, em 1921, quando eu fui, fui para Icaraí primeiro, porque a casa aqui, nós fazíamos veraneio. A casa aqui do Rio era na rua Grajaú, e nós alugamos na rua ___ Barros, o verão. Então nós ficávamos aqui no inverno e no verão íamos prá lá. E no verão estava justamente no Icaraí. Mandou meu irmão me buscar. Era no canto rio, conhece lá? Não conhece, não. Tinha a rua ___ de Barros que era perto do canto rio. Então, eu fui prá lá. Quando chegou, que ela me viu criança, quando eu cheguei lá ela disse: “Maria, tu gostou de andar de barca?”. Eu digo: “Eu entrei numa casa com uma porta grande, eu entrei e sai do outro lado. Eu não sei que casa é essa”.
P/3 – Vó Maria, o que ela está perguntando é se a senhora estudou aqui?
R – Aqui passei só pela escola. Estudei, passei, nós todos ainda passamos, porque, tinha dinheiro, ninguém botava muito prá estudar, não. A gente gostava de batucar no piano, mas estudar era só um bocadinho só.
P/1 – A senhora aprendeu a tocar piano?
R – Não, não cheguei não, porque aí o casino da Urca levou todo o dinheiro dos meus pais de criação, nós ficamos pobrezinhos.
P/1 – Eles iam sempre no casino da Urca?
R – Ele começou a freqüentar o casino da Urca, não freqüentava, mas começou a freqüentar. O casino levou até a casa.
P/1 – Aí a situação ficou difícil?
R – Aí eu já estava mocinha, me casei, fiquei viúva logo. Aí eu fui para a casa que estava hipotecada, abri uma pensão, trouxe um molequinho de Niterói para fazer tal coisa. Arranjamos uma empregada para cozinhar. Alugamos a casa toda, a minha irmãzinha casou.
P/1 – Aí, mocinha casou? Como a senhora conheceu seu marido? Qual o nome dele?
R – meu marido chamava Maciel Francisco dos Santos. Tinha um carro, depois casei, mas tive que casar em Mendes, ela não deixou eu casar aqui no Rio. Fui casar em Mendes para meus pais ver esse meu marido, e ver que eu casei, porque se não dizia que eu não tinha casado. Então, fui prá Mendes casar. E vim para o Rio, aí vim morar na Tijuca. Aí nós estávamos já sem nada.
P/1 – Mas como a senhora conheceu o marido da senhora?
R – Conheci, ele tinha carro. Naquela época não era chofer. Ele tinha a pessoa certa de levar em um lugar. Estava começando, o Rio de Janeiro, época de Getúlio. Então ele tinha fregueses certos de levar em tal lugar. Foi aonde eu conheci porque a tia dela, que era cônsul, naquela época se chamava de cônsul. Então tinha um freguês certo prá levar prá cidade. Então ele tinha um carro para levar todo mundo, a hora certa. E foi aonde eu conheci ele assim. Aí me casei. Mas ele tinha um carro.
P/1 – Como era o namoro naquele época?
R – Ah, naquela época. Deixa isso prá lá.
R/2 – Igual agora.
R - _______________. Naquele tempo, eu ainda tinha oito anos, não nove anos. Papai dizia: “não, não quero que aprenda a ler porque vai escrever!”. Já viu, né? Só faltava eu estar de cabresto. Hoje quando eu vejo eu digo: ah, meu tempo,como é que era! Eu fico olhando, tinha que estar com a mão aqui, mão ali.
P/1 – Mas por que a senhora ficou tão pouco tempo casada?
R – Ele faleceu. Eu só tive três anos casada. Quando ele morreu a filha ia fazer três anos. Ele morreu em dezembro e a filha faz anos em março. Ela ia fazer três anos. Aí eu fiquei só dois anos viúva. No fim de dois anos, meu pai, quando eu cheguei em casa com a mão na cabeça, chorando, papai disse assim: “cala a boca! Jandira não chora não porque quem é viúva é que tá lá embaixo! Daqui há uns dias você vai ver como ela vai casar! Depois casei.
P/1 – Com quem?
R – João Conceição. Eu tive, uma procissão, ele estudava, ele depois estudou, acabou sendo professor de inglês, e trabalhava numa companhia, que acabou. Dele eu não tive filho, só tive aquela filha. Também ___ dessa irmã. Ele dizia assim, eu não podia fazer nada porque ele não deixava, aí eu fui e disse assim, tinha umas amigas: “Maria eu vou arranjar um trabalho para você fazer em casa”. Porque eu queria trabalhar e ele não deixava trabalhar. Arranjei a trabalhar na fábrica de renda, ___, aí por duas vezes ele foi na fábrica de renda dizer que eu fazia aquilo, aqueles embrulhos para desmoralizar, porque ele ganhava bem, mas como eu tinha uma filha e não tinha filho dele, por isso eu quis trabalhar para ajudar, porque eu queria que a minha filha estudasse. Aí ele não queria. Mas depois ele acabou deixando, depois ele fez como nos Estados Unidos, quando aqueles negros que vinham aqui jogavam basquete, eles iam para minha casa. E o Mr ____, o maior jornalista negro, veio. Também ia para minha casa com o Haroldo Costa. Porque eu não falo inglês, então o Haroldo Costa era o que fazia intérprete. Aí o jornalista dizia para o Haroldo Costa: “Diga, Haroldo Costa, essa criatura trata todo mundo igual?”. Haroldo Costa disse: “Trata, que a mãe dela ensinou ela tratar desde o lixeiro até o presidente da república igual, não fazer distinção, porque ela é negra”. Então o Haroldo Costa dizia para ele: “não, aqui não é igual aos Estados Unidos, não!” Aí meu marido fez um jornal igual. Já viu, aqui no Rio de Janeiro não deu. _________Não deu porque logo abriu a avenida Getúlio Vargas, ele fez logo ali, era um luxo! Também era metido, não deu. Aí ele botou uma secretária, a secretária me conhecia, arranjou um namorado lá, eu paguei a roupa do primeiro namorado, depois o segundo dia o meu marido chegou em casa e disse para mim assim – eu estava há 15 anos casada, a filha já estava noiva, 15 anos casada, tinha feito em dezembro. Ele chegou em casa dizendo: “olha, um dos dois aqui é demais” Eu sou um bocado desaforada, eu disse: “olha, meu filho, aqui não tem bicho nenhum, a porta da rua é serventia da casa. Se você quiser voltar tu me encontra no mesmo lugar”. Assim, ele foi para a casa da mãe, ficou lá um tempo, um mês ou dois, no fim de dois meses. Eu não vou dizer que tive quinze anos, fui feliz, e quando ele disse que ia embora, a filha tava noiva, eu disse pode ir. Quer ir embora vai. Você vai me encontrar no mesmo lugar. Mas é mentira, porque ele morreu, aí me desquitei. Fiquei 20 anos no mesmo lugar, mas no fim de 20 anos, que eu conheci o ____, desde a filha pequena, que estudaram as duas juntas, a filha com 13 anos. Eu fui e disse prá a filha do ___,
meu pai ficou viúvo duas vezes, o senhor conheceu minha mãe, a senhora é muito boa prá mim – porque lá onde eu fui criada me ensinaram a fazer tudo de doente porque a minha vó de criação era diabética, então eu sei fazer tudo quanto que é dieta prá pessoa. Mas se a senhora faz dieta por que não vai tomar conta do meu pai. Não vou tomar conta do teu pai porque teu pai é zangado, eu também sou. Você já viu o que eu fiz com ele? Não, mas papai agora tá doente, papai tá muito ruim. Aí eu fui. Ele tinha 70 anos, e tinha ficado viúvo há um ano. Tá muito ruim papai, eu vou prá casa, ele morava no Meyer, eu vou prá casa dele. Eu falei: vai morar com teu pai agora, que você tá separada, teu pai tá viúvo. Aí ela foi. Depois ela chegou lá: ah, eu não tenho paciência, papai tá muito mal, papai vai morrer. A senhora que sabe fazer dieta vai fazer. Aí eu fui um dia, esse dia fui, entrei na cozinha espiei, tinha manta de carne seca, lingüiça, tinha tudo lá. Eu olhei para aquilo tudo e vim embora prá casa. Falei, Lígia, teu pai tá doente, porque se teu pai tá comendo aquelas coisas todas, doente, a empregada faz. Ele tá viúvo há um ano, a empregada faz. Tava sequinho, aí eu fui e disse assim: tá bem, eu vou lá fazer a dieta para ele. Fiz dieta 15 anos para ele.
P/1 – Quando a senhora separou do seu segundo marido, que época era, mais ou menos?
R – Ah, 1952.
P/1 – Nessa época não era comum separação, era?
R – Minha filha! Eu sou viúva, era viúva de marido. Chegava perto. Sou viúva. Prá todo mundo. Todo mundo sabia que eu era viúva. Porque era mais aceitável. Mas aí eu era desquitada.
P/1 – Porque na época o preconceito era muito maior.
R – De ser separado era. Então eu não dizia que era separada, dizia que era viúva. Sendo viúva eu arranjava uma porção de namorados. Mas eu dizia assim: eu tenho uma filha e tenho que dar exemplo à minha filha. Porque eu não quero nunca. Sempre fiz com esses. Minha filha morreu. Eu sempre fiz. Se eu não sou a primeira a dar exemplo a ela, não dá certo. Então eu dizia sempre prá todo mundo: eu só quero viver junto direito. Porque eu sou desquitada, eu tenho netos, tenho minha filha que é casada, eu não quero que ninguém nunca diga assim: a Maria agora arranjou. Então, a Maria não namorou. Namorei firme mesmo, namorei, não, fui fazer dieta e fiquei fazendo dieta 15 anos. Pro Donga, 15 anos.
Então, sou viúva do Donga. Um mês antes dele morrer ele pedia à Deus, ruim, sem enxergar, que saísse o divórcio, que ele queria casar. Foi casado duas vezes. Então sou viúva três vezes.
P/1 – Mas como a senhora conheceu o Donga?
R – Ah, conheci o Donga, eu tinha 35 anos. Ele era casado, muito bem casado. E a briga toda foi por causa do jornal, porque eu sempre tive casa bonita. E tinha um doutor Aluisio, que era os negros todos
? – Seu marido, que era importante dizer, o segundo marido, era um jornalista que foi o primeiro ativista do movimento negro, que foi Abdias Nascimento. Então a gente pode dizer, que o movimento negro começou na casa dela. Numa das casas. Que a senhora esqueceu esse fato. Então, os negros estadistas americanos iam lá, por conta do movimento negro, que tava se instalando aqui no Rio. Então, o Julio Conceição, que lamentavelmente morreu, por conta desse fato histórico, não por ser marido dela, fazia ___ na casa dela. E o vovô Donga conhece a vovó por intermédio da filha, da filha da Lígia, da filha dele, que é a Lígia, que era amiga da minha mãe de escola. Até que ele também vira sócio do tal jornal.
R – Aí, você falou, quando foi o movimento que falaram: por que motivo? Eu digo: porque os negros, proque quando chegou na hora que o jornal acabou, o doutor Aluisio e todos os negros disseram que eu tinha a casa bonita, o jornal não deu, porque foi eu que comi o dinheiro. O jornal não deu porque aqui no Rio não dava prá ter. Até hoje não dá. É verdade ou não é? Até hoje não dá. Já viu um jornal negro aqui? É fato o que a vovó está dizendo? Então uns disseram aonde tava, o Donga não falou, mas os outros negros disseram: olha a casa dela? Vaina casa dela, que casa linda que ela tem! Ainda disseram: na casa dela a empregada está de uniforme. A casa você entra tem que boar o paninho no pé de tão brilhante que é a casa. Então, você sabe, vovó é meio zangada, briguei com todo mundo. Só não briguei com o Haroldo. Nem com o Abdias. Mas com o resto todo, disse, se é casa de ladrão o resto não entra.
P/1 – E o que a senhora lembra desse começo do movimento negro aqui no Rio de Janeiro?
R – Ah,minha neta, deixa isso prá lá,continua a mesma coisa.
P/1 – Era pior, era diferente? Continua a mesma coisa?
R – Eu acho que do meu tempo de criança até hoje, não melhorou nada, infelizmente eu acho, nós continuamos a mesma coisa. O negro sendo engro do mesmo jeito. Eu ainda essa semana escutei no rádio, que eu só escuto rádio, não gosto de ver televisão. Eu escutei no rádio, uma casa de caridade aí de criança, ela dizer que não queria negro. No Brasil, minha filha, no Brasil dizer que não quer criança negra. Aqui no Brasil só tem mestiço! Que o Brasil foi feito mais do negro. Não é verdade? Então eu acho que melhorou um bocadinho, mas muito pouco. Começar pela minha neta mesmo, que estudou muito, e ela no trabalho que está, são maravilhosas as minhas amigas lá, mas ela era chefe. Eu guardei isso. Quando ela foi chefe, agora há três anos que ela era uma das subordinadas da chefe dela, quando disseram que ela era a chefe uma disse: ela! A Sonia! E a outra também. Então você viu. Por que ela não podia ser a chefe. E saíram, porque ela é negra. E isso me magoou muito, muito mesmo. Me dôo porque elas são maravilhosas para mim, me trata muito bem, mas isso me doeu. E ela pediu, mas é uma santa criatura para mim, mas ela pediu aposentadoria, dando uma desculpa, mas saiu prá não ficar. A outra também, e outros também. Sabe que aí eu sinto na pele. O quê existe, não, minha filha?
P/1 – Agora, a senhora também faz parte da irmandade do Rosário?
R – É maravilhosa. Em todo lugar tem.
? – Ela está perguntando se a senhora faz parte da irmandade?
R – Não faço, não. Eu vou as missas. As missas que eu rezo lá, porque eu tenho as netas que me consideram como se fossem minhas netas. Porque conheci pequena, conheci a mãe, conheci o pai, você não diz que elas não são minhas netas. Eu acho uma palavra muito pesada dizer, você é minha neta legítima, você é meu neto legítimo, você é bisneto legítimo, você não é. Então eu digo, são todos filhos da minha filha. Meus bisnetos são todos meus bisnetos. Então porque essas negrinhas; não vou dizer que elas são. Uma é procuradora da república. As outras negras também todas. A outra é advogada. Todos que fazem parte. E eu vi todao mundo criança. Como elas são coisa da igreja, eu mandava rezar sempre as minhas missas aqui. Mas aqui agora só reza missa. Até os 70, 75 eu mandava rezar aqui na praça, na rua aqui perto, nos dois corações. Eles deixavam, as músicas só tocam as músicas antigas, que eu adoro, mas como ele viu a igreja cheia. E a igreja aqui, tem que me cumprimentar. E eles fecham a igreja às sete horas, e às vezes era oito horas e ainda tinha que estar ____. Então, quando sou eu eles não querem rezar missa. As duas e três vezes, as missas que eu rezei lá, foi lá na ultima agora, a zeladora virou e disse para ela assim, para a minha outra neta: “escuta, nós podemos mandar rezar a missa
sim? Mas é das seis às sete e é setecentos cruzeiros, só, e se quiser!” A minha neta disse prá ela: “eu não estou lhe perguntando o preço”. E esse criatura, e foi desde aí passamos a três vezes que rezam a missa lá.
P/1 – E a senhora é espírita?
R – Eu ia dizer. Quer a minha carteirinha. Agora, a minha mãe, quando você me perguntou se eu sabia alguma coisa de terreiro. A minha mãe me ensinou, conforme eu te disse, ir lá nos padres tomar benção, e não era um padre, tinha um padre verdadeiro, mas era colégio São José. Então, eu me dediquei, nunca, cantei agora, mas durante 50 anos eu fui a que cantei no centro. Agora é que eu gravei. Mas há 50 anos passados, cinqüenta anos fez, e vai fazer 60, e nove dez anos que eu não saí. São seis anos que nós moramos aqui, vai fazer. Então é seis anos com a gente dentro, eu deixei de ir.
P/2 – Centro espírita?
R – Centro de Jesus.
? – É umbanda. E ela recebe.
R – Mas foram 50 anos. Agora eu fiz a missa porque, antes então, os 90 anos, ___, foi lá nos dois corações.
? – Agora, tem um fato interessante. Merece registro. A gente faz a missa nessa igreja, mas todo dia 13 de maio a gente faz a festa no nosso ___. Mesmo ela não estando freqüentando. Porque em termos de mediunidade ela, com 97 anos, já cumpriu a sua obrigação espiritual de receber as entidades, mas todo dia 13 a gente comemora lá, com nossos irmãos da casa, fazemos a festa, primeiro os pretos velhos e depois a gente faz o aniversário da vó, Com eles nos abençoando. Aí a gente faz ___, uma lembrancnha. É mais uma comemoração.
P/2 – Quando é que o samba começou na sua vida?
R – Prá mim sempre eu gostei de samba, mas sobre a raiz do samba só que fala é a ___. Sobre o samba mesmo, sobre o Donga, sobre o samba, só quem fala é a filha dele.
P/1 – A senhora tava falando assim: ah, casa de sambista! Era assim! Como era esse cotidiano da casa?
R – Olha, os meus irmãos, um toca saxofone, outro tocava flauta, começou com flauta de bambu, ele mesmo fazendo a flauta, mas ele tocava flauta, esse que morreu da marinha. O outro toca saxofone, o outro toca bandolim, que morreu também. E o caçula, depois que começou com o samba em Mendes, ele começou a tocar tamborim, aquelas coisas, aí ele não bebia, nunca bebeu, porque não era crente, então eles não bebiam. E ele quando entrou para a escola de samba começou a beber. Mas então eu desde criança, não só meus irmãos tocavam como minha irmã não casou logo porque meu cunhado tocava violão. E na época, em 1918, essa irmã mais velha por parte de pai, ela começou a namorar um. E ele tocava violão. Meu pai não deixou ela casar, porque ele dizia que ele era malandro tocador de violão. E eu ia, eu cantava as modinhas para ele, que ele tocava violão, mas sempre cantei na roça. Começamos com a roda, brincava de roda, né, então sempre cantei. E os meus irmãos esses tocam, então sempre nós tivemos a harmonia assim de samba. E quando começou o samba mesmo, o samba, eu, meus irmãos tocando, eu sempre cantei com eles. Agora, quando eu me casei com Donga, aí eu comecei fazer, porque não tinha. Era só o Jacob do Bandolim, a turma toda de choro. Então, o Benedito Lacerda, a turma toda ia lá para casa. Aí o Donga ainda tinha. O samba ficou, quando eu fui para casa, que era na Almirante Candido Brasil, que ele morava, que ele ficou bom. A casa tava consertando, ficou boa,aí eu trouxe ele prá casa. Ele ficou assustado porque ele nem sabia, porque ele doente, o engenheiro fechou a casa que ele queria. Aí eu, como morava perto mandei acabar a casa.
R – e fiz o samba, e o Martinho da Vila, a Clara Nunes, eles todos, quando acabava o show deles, as vezes eles ficavam lá em casa. E todo dia cinco, aniversário do Donga, fazia uma missa. E todo dia cinco tinha samba. Cinco de abril. Todo cinco de abril tinha samba lá em casa. E começava no sábado ás onze horas, que eu mandava rezar missa prá ele, que ele estava bem. Mandava rezar missa e convidava os sambistas prá ir. Martinho da Vila começou em casa, todos, a Divina, todos começaram, que moravam ali, todos iam lá prá casa. Então, como ele já estava enxergando pouco e o samba começava ao meio dia e acabava no domingo ao meio dia. (CANTA) “Se a dona da casa deixar, eu fico prá jantar”.
...............................................................................................................................
P/1 – Vó Maria, a gente tava falando das rodas de samba na casa da senhora, que o pessoal estava começando a freqüentar. O pessoal que depois fez carreira no samba.
R – Minha filha, nos 70 anos do Donga não teve nada porque ele estava doente, mas depois dos 71 anos, 72 anos, eu comecei, a Rua Almirante que eu vivia com ele, casava com ele.
? – Oh, vó. Aos 70 anos foi a festa da Tia ___, a gente já estava bem.
R – Esse aniversário dele, na Almirante Candido Brasil, desde quando ele casou da primeira ele comprou a casa e ali ele morreu. Então o samba, quando ele fez 70 anos, eu mandei rezar uma missa, e aí convidamos à todos que queriam ir tomar uma cervejinha com ele. Nessa altura foi Martinho da Vila, foram todos os sambistas daquela época, de todas as escolas. E eu tinha cuidado porque ele estava enxergando pouco, então na minha casa não tinha quase cadeira. Só tinha uma cadeira, tinha duas cadeiras, uma de inverno outra de verão. E aí tinha uma mesa e quatro cadeiras só. Aí começava a chegar os sambistas, e as outras pessoas que iam. E eu tô lá na cozinha porque ele tinha um bocadinho de ciúme de mim, não sabe? Tô ajudando lá na cozinha, chegava o sambista. Primeiro quem chegou lá em casa foi Martinho da Vila, depois chegou o Aniceto. Depois começou a chegar todos. E o samba, foi aí aonde a vida da vovó começou a ser dedicada só a samba. A vovó não canta outra coisa. Só quando me pedem eu canto uma música sem ser samba.
P/1 – Nessa época a senhora começou a cantar? Cantava em casa?
R – Eu sempre cantei em casa. As músicas de carnaval, samba mesmo. Porque sabe, carnaval era samba. Eu sempre cantei samba. E quando eu me casei com ele e fui morar na Rua Almirante Candido Brasil, aí então é que eu dizia para as pessoas: olha, casa de sambista, vocês ____, canta senta aí, senta nesses bancos, e o copo bota no chão mesmo! Aí então, quando o menino disse, eu falei: casa de sambista o copo é no chão! Do sambista do passado. Porque eu sou do passado, mas eu sou do passado. Mas gosto só de samba, só canto samba, e adoro. Então na minha casa, no tempo do Donga, eu freqüentava. A Clara Nunes muitas vezes chegava às quatro horas da manhã. A Clara Nunes me chamava de mãe. Logo que ela começou. Agora, começou o Martinho da Vila, o ____, o Paulinho da Viola, esses todos que tocavam, iam todos aniversários dele nós fazíamos samba. Que começava sábado às quatro da tarde, almoço, e terminava no domingo às sete horas, muitas vezes a polícia batia, mas sempre tinha um advogado meu, tinha um da polícia. Aí quando a polícia chegava, o delegado chegava na porta: pode ir embora!
P/1 – Por causa do barulho?
R – Por causa do barulho. Sete horas da manhã! Começou ás quatro horas da tarde no sábado, e eram sete horas da manhã.
P/1 – Independente de ser aniversário, porque o pessoal gostava de se reunir na casa da senhora?
R – Porque a vovó entra prá cozinha e faz a comidinha que você quer. Então quase todo mundo diz assim: qual é a comidinha hoje, vovó? Porque aí, mesmo que eu tenha quem faça, quem entra na cozinha sou eu. Se você vier aqui em casa, quem vai entrar na cozinha, apesar da menina saber fazer tanto quanto eu, mas eu gosto de fazer comidinha. Então todo mundo diz assim: vovó, amanhã é aniversário do Donga, o que a senhora vai fazer? Tem samba? Eu falo: olha, meu filho, eu vou fazer um angu à baiana, vou fazer uma comidinha assim, que não dê muito trabalho. Porque a vovó gosta também de chegar, ao menos entrar no samba um bocadinho, né? Porque é gostoso o samba que vocês cantam. Porque quase sempre quem chegava era prá cantar samba novo. Então eu adorava. Mas sempre eu fazendo a comidinha, e ficava mais dentro da cozinha, porque o Donga olhava assim, e tinha o Aniceto que era negro, alinhado, forte, tinha uma voz muito bonita, ele cantava. Ele tinha uma voz tão linda quando ele cantava. Ele cantava uma música muito bonita, então ele gostava de cantar para eu ouvir. O Donga já sabia, que quando ele começava a cantar aquelas músicas ele sempre olhava para mim. O Aniceto, ele olhava prá mim cantando as músicas. A própria secretária dizia: o Aniceto só canta olhando prá senhora! Aí o Donga dizia assim: Olha aí, você está muito aí na sala. Vai lá ver o que vai botar aqui prá comer! Eu dizia: não, eu só vim aqui dar atenção para as pessoas! Porque eu gosto de fazer, ontem eu não fiz, mas eu gosto de distribuir rosa prá todo mundo. E quando eu levava, porque quase nunca ninguém leva a esposa, não. Quando é samba ninguém leva a esposa. Só quem levava era o que tocava o saxofone. Quem era? O Pixinguinha levava a esposa, mas os outros, ninguém leva mulher, não.Lá em casa ninguém ia, só a Clara Nunes que era cantora, a Divina que morava ali perto, não sabe, que ia. O mais todos os cantores, né? Aí, a vovó de vez em quando chegava lá, porque eu não sei sambar, sabe? Mas miudinho eu sabia fazer. (CANTA) “Devagarinho, devagar, miudinho...” Aí eu saia. “Devagarinho, devagar, “Devagarinho, devagar, miudinho”. Aí ele brigava comigo. Porque a única coisa que eu sabia fazer era devagarinho, cantando. Ele aí olhava prá mim, eu saia logo, ia para a cozinha: Quem é que quer comer um caldinho de feijão? Os sambistas, tinha muitos que cantavam, quem era? Xangô. Esse então, quando chegava lá em casa, porque Xangô é metido a bonito. E uma voz bonita. Ele tem uma voz muito bonita. Hoje, naturalmente que está velho, mas ele tinha a voz bonita. Muito alinhado, muito chique que ele andava. A esposa, muito alinhado. E o Martinho da Vila nem se diz, né? O Martinho da Vila ainda levava, uma vez ou outra ela ia, mas o ___ não levava. Então a vida da vovó no samba foi o melhor sucesso que a vovó teve na vida. Quando nasceram meus dois netos, e a minha empresária, que não é minha neta, é minha empresária, porque a minha neta é um ___ igual a mim. Então eu botei ela só como empresária. Porque como empresária eu respeito ela. Como neta, não! Então o que eu fiz? Ela quer me mandar para eu me vestir, qual que é a roupa. Eu digo: como empresária eu aceito, mas como neta eu não aceito, não. Então, minha filha, eu sempre gostei de samba, sempre gostei de dançar. Eu, quando era moça eu só dançava tango, com o marido. Porque tango naquela época tinha que ser par certo. E depois, sabe o que eu sei. Agora não me chamam prá sambar. E muitas vezes, quando eu viajava, as pessoas diziam assim: Maria, olha aí, essa nega aí quer passar rasteira. Eu digo: quando chegar na hora, eu canto, mas não sei sambar, não. Sei fazer miudinho, mas sambar não sei. E o mais é como eu digo: (CANTA) “eu nasci na roça...” qual é o samba que eu gosto de cantar mesmo?
? – Esse mesmo: (CANTA) eu nasci na roça, oi, eu nunca morei na cidade, eu comprei o jornal da manhã, é prá saber a novidade. Eu, eu moro na roça, eu nunca morei na cidade, eu comprei o jornal da manhã, é prá saber a novidade. Amanhã eu vou me embora, eu levo comigo a Maria Candeia, se a noite tiver turva, os olhos dela é que me clareiam, eu falei prá você, eu morei na roça.” Isso é bonito. Do Xangô quando ele, às vezes passava lá em casa e cantava. E tem muitas músicas, de outros sambistas que freqüentavam lá em casa, que fez música lá na minha casa. Mas agora como teve muitas músicas ontem, eu ontem cantei sem ____. Hoje vovó não tá lembrando muito. (CANTA) “Que samba é esse, que acabou de chegar, que samba é esse que acabou de chegar? Isso é partido alto, é só prá quem sabe improvisar. Isso é partido alto, é só prá quem sabe improvisar. Eu fui no samba, na casa do mano Donga, estava João da Baiana, Pixinguinha e João ____ . Oh, que pagode legal. Que samba é esse!” Esse era do Manuel do ___. Ah, meu Deus, esqueci o nome dele! Que ele fez lá em casa. Esse também cantava muito bem, não sabe, e ele fez esse samba um dia lá cantando. E teve um outro também que fez o samba, não sabe, eu nunca cantei, mas ___ eles cantando samba lá em casa. Então a vovó, nasci no meio dos músicos e sempre adorando mais samba, né? Então, em Mendes, aonde eu nasci, fui eu, a minha filha e a filha do Donga, a Lígia, que me considera –será um pecado eu dizer que ela não me respeita como mãe, porque desde os treze anos que eu me dava com ela. Mas, então, eu dizia prá ela, sobre Mendes. Nós chegamos em Mendes, um dia de carnaval, e só tinha baile, só no ___, que era só de branco. Negro não tinha naquele. Aí eu fui ___, do Rio, eu fui lá para Mendes. Aí eu, minha filha, eu que não faço outra coisa. E a secretária também. Aí nesse dia meu irmão não foi. Aí foi a primeira vez que Mendes teve baile no sábado, feito pela vovó Maria. Porque não faziam baile no sábado. Daquele ano, ia prá Mendes com a filha, a Lígia, que era solteira, ia prá Mendes, o marido ficava no Rio, não ia. E eu ia prá Mendes, então, Mendes começou a ter baile, tinha um clube do _____. Aí eu ia pró clube, quando não tinha do ____, aí eu ia prô do negro, do branco não tinha, ia prô do negro. Aí, nesse também eu comecei a fazer baile no sábado. Então Mendes sabe que a vovó só canta, cantava muito nos bailes de Mendes, eu ia e cantava. Então, é claro, todo sábado de carnaval, dizia: olha ____. E tinha aquele desfile dos ____ da estrada de ferro. Usam aquelas capas bonitas que eles ___ aqui no Rio. Quando nós chegávamos em Mendes, eles iam com esse ___ para o baile. E chegavam lá, minha filha que dança muito _________, e essa também dança e samba muito bem. E ela diz, quando nós chegávamos em Mendes, diziam: olha aí, as três, as quatro já chegaram gente hoje. Dia de pegava fogo em Mendes. Porque nós botávamos todo mundo prá fora! Teve um sábado que eu fui só com esse irmão que toca saxofone. Aí eu também pus uma fantasia muito bonita. Aí chegaram no baile eu fui cantar. E meu irmão tocando e eu cantando. Aí um disse assim, prá mamãe lá na roça: “oh gente, vamos lá no arraial que tem aí uma nega, Zezé trouxe a namorada, mas a nega é bonita! Tá com uma fantasia!“. Eu tava com uma fantasia de cigana, com brilhantes, ___ e brilhantes, o pano na cabeça de cigana. “A nega é bonita, a namorada do Zezé! E ela canta que é uma beleza!” Coitadinhos, saíram lá de dentro do mato, foram lá espiar, quando meu irmão chegou da rua, que ele ficou na rua, não foi em casa, ele chegou lá, de noite mamãe tava no arraial, tava todo mundo, minhas irmãs que moravam lá: “uai, Zezé, cadê a tua namorada?”. “Que namorada mamãe?”. “Uai, diz que você está aí com uma nega bonita, que tá com uma fantasia linda!”. “Mãe, a Maria que veio cantar e foi se embora”. Então a vovó diz: a vovó gosta só de samba. Tá no meio do samba. Espera aí que eu vou cantar. A roda de samba, né? (CANTA) “Eu nasci na roda de samba, tem batucada”.
P/2 – É que eu fiquei muito impressionado com o tempero que a senhora fez aí, de que o samba na verdade tempera a comida e a comida tempera o samba. Possivelmente o samba de quintal, tem um pouco dessa origem, né? Você tem que ter a comida, e apropria palavra do samba, o jeito do samba está muito relacionado com isso. Mas esse povo todo que ia lá, e que criava esse ambiente bonito com a comida e o samba e essas passagens que a senhora já contou aí, que deu prá gente entender. A senhora falou do Paulinho da Viola, e o Paulo da Portela, era desse tempo?
R – Não, o Paulo da Portela já tinha morrido.
P/1 – A senhora o conheceu?
R – Não, quando eu cheguei, ele já tinha morrido.
Bom, o Donga conheceu, mas eu não. Mas sei que foi um dos negros que mais sucesso fez. Ele, e todos os outros. A Lígia está escrevendo sobre ele. Mas sobre samba quem fala bem mesmo é Lígia. Por causa do pai. Agora lá em casa eu só falo todos os sambistas que freqüentaram.
P/1 – Agora a senhora começou com 91 anos?
R – Como surgiu a idéia de gravar o disco?
P/1 – Olha, começou assim. Quando eu era moça, que eu começava a cantar. A primeira vez a minha mãe de criação dizia: “Maria, vai ao coisa prá você cantar, prá ser cantora”. Eu dizia: eu não vou não porque o Ary Barroso é zangado. Porque a gente prá ser cantora tinha que ir no Ary Barroso, né? E eu já sabia que Ary Barroso já tinha perguntado a outra: “Que planeta que você veio?” Que ela disse que era da (fome?). Eu vou me aborrecer quando ele me falar qualquer coisa, porque Ary Barroso era racista. Mirava o negro de cima em baixo. Eu dizia: “ele vai me mirar de cima em baixo, eu não faço muita graça”. Então eu não vou. “Mas Maria você tem uma voz bonita!”. Eu não vou, não!. Aí sempre cantando samba, carnaval, música e modinha, e tudo. Porque no meu tempo eu cantava modinha. Então, essa aí disse: “vovó, a senhora canta tão bem”. Porque como eu já falei do centro, né? Ah, tem uma passagem do centro, mas agora já ___ do centro. Tem uma passagem do centro um dia, que eu estava cantando, o chefe do terreiro
virou e disse prá mim: “Maria, canta esse samba, esse ponto aí”. Ele que puxava os pontos: “puxa esse ponto”. Eu fui e disse assim: “eu não sei esse ponto todo, não”. Mas eu tinha faltado um dia na sexta-feira e, quando eu não ia era outro que tinha que me substituir. Aí eu fui e disse assim: “eu não sei esse samba”. Ele tava com uma espada de São Jorge, com três espadas de São Jorge. Mas minha filha! Meu ___, ele fez: “canta o ponto!” Eu fui e disse: “eu não sei esse ponto!” Ele passou a mão na espada, fez assim. A espada virou seis! Eu disse: “agora que eu não canto!” A mãe, minha filha, quase teve um enfarte. Vovó, minha mãe vai virar a mesa aí. Mas eu não virei. Porque na hora que ___, eu não viro. A mãe dele. Meu genro que quase morreu! Todo mundo. Aí eu cantei outro ponto, mas aquele eu não cantei. Pedi prá eu cantar outro, não podia dentro do terreiro dizer que não cantava. Cantei. Mas então, foi desde aí, que essa aí era pequena, aí ela sempre me pediu. Ela dizia: “vovó, quando a senhora fizer 80 anos, 90 anos, eu quero gravar a sua voz. Prá gente ter de lembrança”. Eu disse: “Está bem.” Mas ela sempre disse que queria gravar prá guardar de lembrança. Aí começou o museu da imagem e do som fazer samba toda sexta-feira. Aí sabendo que eu cantava o Galote falou: “vovó, dá uma canjinha aqui prá gente”. Eu falei: “não sou cantora, não”. “Mas dá, vó”. Aí, eu fui cantar. A Marília, que era diretora de lá, que me conhecia. Eu a conhecia desde pequena, desde que ela casou, falou prá Sonia: “Mas sua vó canta desse jeito e vocês não gravaram?” A Sonia, disse: “Eu sempre quis gravar e vou gravar”. E gravou. Não foi? Foi aqueles primeiros que você falou?
? – Aquele foi o registro de seu primeiro show. No Teatro?
R – Que eu fiz sem ser cantora. E ela gravou. Aí a Marília foi e disse assim: “eu vou gravar aqui pelo museu, você pode?”. Eu disse: “tá bem”. E de fato, aquele ano, com 90 anos, _____ até 90 anos. Mas aí veio o dinheiro, se veio, não veio, diz que veio. Aí um deles lá, veio o dinheiro, não veio? Não gravou. Aíum outro ministro.
? – Aí a senhora vai na festa do Cartola, do instituto Cartola, e conhece o Francisco Wefort.
R – Aí conheço esse, ele me convida prá ir na casa dele. Tava o Martinho da Vila, tava Beth Carvalho, tava todo mundo lá. Aí, era aniversário dele, ele e tal que é zangado. Aquele da Mangueira que não é cantor. Jamelão. Aí disseram: “agora vamos apresentar aqui e a vó Maria vai cantar prá mim”. Eu disse: “cantar perto do Jamelão?”
Ele disse: “é, o Jamelão é metido, né?” Aí eu fui e disse assim: “vou cantar perto do Jamelão”. Martinho da Vila, a Beth, as outras. Jamelão é Jamelão mesmo. Aí, fui e cantei. Cantei, mas tem uma coisa que eu canto: me dá meu boné que eu já vou embora.
Depois disso eu não canto mais nada. Aí ele foi e disse prá mim assim: “Canta, Maria”. Eu fui e cantei as duas músicas que ele pediu: ele é casado e pelo telefone. Aí ele foi e disse assim: amanhã eu vou arranjar o dinheiro prá você gravar. Aí, eu fui a Brasília, tive na terra do governador, do presidente. Ele falou, depois tive que cantar para ele numa boate.
? – Na festa de despedida do Ministério. Na transição. Eles se despediram, foi muito bonita, aliás, foi muito elegante.
P/1 – Aí ele me deu o dinheiro. Deu não, mandou para o museu do Ricardo. Porque no museu da imagem e do som já tinha saído no museu da imagem e do som.
? – Não, não tem nada de museu. Foi porque o instituto Ricardo de Cravo Alvim seria o produtor fonográfico do CD.
R – Não, foi, ele me disse lá: “não pode sair”. ________. Aí saiu e não podia vender porque não pode vender. Mas quem começou a cantar foi no museu da imagem e do som, foi com a Maria Batista. Agora, quem gravou foi o Ricardo.
P/1 – Em que ano foi laçado o CD?
R – Foi em 2001. Tem cinco anos. Parece que o disco é bom.
P/1 – A senhora fez tanta coisa, né?
P/2 – Eu queria dizer que foi depois que a senhora gravou que eu fiquei conhecendo mais diretamente. Foi quando eu ouvi o primeiro CD. E antes de terminar, certamente é importante a gente falar de uma coisa que a vó Maria é comendadora, recebeu a comenda que é a ordem do Mérito Cultural. E foi uma alegria muito grande que nós tivemos de poder fazer essa homenagem. Então eu tenho acompanhado vó Maria por vários.
R – E eu tenho maior prazer, prá mim é uma das felicidades ter conhecido esse neto, que prá mim é maravilhoso, sempre foi, desde Brasília que ele foi para mim, um neto maravilhoso. Meu neto de coração, e que eu tenho um respeito por ele enorme, porque ele, se eu hoje sou muito mais conhecida, agradeço à ele. Porque ele é um dos que me acompanha, faz tudo para mim, é maravilhoso. Eu já fui numa festa dele também, que fui muito bem tratada. Então eu adoro esse neto, e adorei também vocês.
P/2 – E ela inclusive foi numa folia de reis comigo, lá no morro de santa Marta, devia ser uma hora da manhã, desceu o morro.
R – Eu vi, eu perdi o medo. Mas também era criança. Ainda ___ da roça, e eles ainda vinham com palhaço. Foi uma noite maravilhosa que eu passei na minha vida.
P/1 – Então vó Maria, com tanta vivência, com tantas realizações, quais os planos que a senhora tem para o futuro? O que a senhora quer realizar?
R – Olha, minha filha, parece incrível, quando eu canto assim eu estou com vontade de estudar, botar, colocar a voz.
? – Quer aprender a colocar a voz. Quando ela se tornou cantora, quando ela gravou ela disse assim: “agora vocês dizem que eu sou cantora, então eu quero fazer prova na Ordem dos Músicos”. E foi fazer e passou com louvor.
R – Quando eu comecei a cantar, tinha cinco na mesa, aí um disse prá mim assim: “a senhora vai ter que cantar cinco músicas”. Eu falei: “tá bem”. “Pode começar”. Aí eu cantei Pelo Telefone, depois cantei Ele é Casado. Quando eu comecei a cantar Pelo telefone, quando chegou no meio ele disse assim: “tá aprovada, com dez! Agora a senhora vai cantar uma música. Aí eu fui e disse assim: ”olha, uma música que eu gosto muito de cantar:
(CANTA) ele é casado. Aí eu cantei. Aí eles me deram. A televisão neste dia andou, desde dez horas da manhã até ás quatro da tarde. Quando eu cheguei estranhei, quando eu tô saltando lá vejo, só dá um carro, nem tava vendo que era. Quando eu entrei e subi, disse: “que é isso?”. “É a Globo, vovó”.
Não pode entrar prá ver a prova. Abriu a porta e a Globo entrou pra me filmar, lá dentro, cantando. E também foi, que eu sai dali e fui me sindicalizar.
P/2 – Eu queria uma coisa: como tem uma festa aqui, que é a usa vida, que está sendo colocada, e a festa na rua, que é o Flamengo que acaba de ser campeão. Acho que a gente não pode terminar sem a senhora cantar. E Pelo Telefone é um pedido que eu queria fazer.
R – Eu sou franca, eu tô um pouco rouca, mas eu canto. Quer que cante?
P/1 – Por favor
R – (CANTA) “O chefe da polícia pelo telefone mandou me avisar, que na carioca tinha uma roleta para se jogar. Ai, ai, ai deixa as mágoas para traz, oh rapaz. Ai, ai, ai, fica triste se é capaz. Tomara que você apanhe, prá nunca mais fazer isso, tomar a mulher dos outros e depois fazer feitiço. Olha a rolinha, sinhô, sinhô, se embaraçou, sinhô, sinhô, caiu no laço, sinhô, sinhô, do nosso amor. Porque esse samba, sinhô, sinhô, é de arrepiar, põe pernas bambas, mas faz gozar, lá rá rá. Queres ou não, sinhô, sinhô, limpa o cordão, sinhô, sinhô, ser folião, de coração, sinhô, sinhô, porque esse samba, é de arrepiar, põe pernas bambas mas faz gozar”. Olha, o samba mesmo ele é cantado “O chefe da polícia pelo telefone mandou me avisar, que na carioca tinha uma roleta para se jogar. Ai, ai, ai deixa as mágoas para traz, oh rapaz. Ai, ai, ai, fica triste se é capaz. Tomara que você apanhe, prá nunca mais fazer isso, tomar a mulher dos outros e depois fazer feitiço. Olha a rolinha, sinhô, sinhô, se embaraçou, sinhô, sinhô, caiu no laço, sinhô, sinhô, do nosso amor. Porque esse samba, sinhô, sinhô, é de arrepiar, põe pernas bambas, mas faz sambar, lá rá rá”. Eu canto esse samba assim, mas como original do samba, e na gravação está: faz gozar. Aí eu ponho... Entendeu? Mas eu canto original. Entendeu?
P/1 – Em nome do Museu da Pessoa, o projeto Memória dos Brasileiros, que é patrocinado pela Lei Rouanet, eu queria muito agradecer a disponibilidade da senhora, de ter conhecido a senhora, de poder ter registrado a trajetória da senhora e espero que a senhora consiga realizar seus sonhos. Muito obrigada.
R – Não tem o que agradecer eu estarei sempre prá esse neto, prá vocês, prá aquele neto que está ali. Que a Nossa Senhora da Guia guie vocês, que o Sagrado Coração de Jesus, que seja de noite, que seja de dia, proteja e dê bastante paz no lar de vocês. Esse é um voto sincero, do coração da vó Maria para vocês. Estarei pronta quando vocês precisarem da vovó, a vovó está as ordens de vocês.Recolher