Correios 350 anos aproximando pessoas
Depoimento de: Antônia Carvalho Pinto da Silva
Entrevistado por: Karen Worcman
Comunidade de São José, 26 de julho de 2013
Realização: Museu da Pessoa
HV_059
Transcrito por: Pedro Carlessi
História de vida:
P/1 – Olha, eu queria começar nossa entrevista, começando bem do início contando o seu nome completo de novo, e o dia e data que você nasceu.
O que você lembrar.
R – O meu nome é Antônia Carvalho Pinto da Silva.
P/1 – E quando você nasceu?
R – Eu nasci no dia 22 de junho, mas não sei a data do ano! (risos).
P/1 – Você não lembra da data do ano?
R – Não lembro.
P/1 - E onde foi que você nasceu?
R – Eu nasci no Bom Jardim.
P/1 – Bom Jardim fica perto de que cidade?
R – Do Munguba.
P/1 – De nenhuma?
R – Do Munguba.
Lá da beira de baixo, da fábrica.
P/1 – Como era o nome do seu pai e da sua mãe, Antônia?
R – Da mamãe era Raimunda Pinto de Azevedo.
Do meu pai era Hermenegildo de Carvalho.
P/1 – E o que eles faziam quando você nasceu?
R – Eles cortavam seringa, ele cortou balata, tirava castanha.
P/1 – Eles eram daqui mesmo ou tinham vindo de outro estado?
R – Eles eram daí.
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como era mesmo o município que papai morava? Era Boa Vista.
P/1 – E eles faziam seringa e cortava castanha para quem?
R – Para vender para os atravessadores.
P/1 – Mas o seringal era de alguém?
R – Era da natureza.
P/1 – Era da natureza?
R – Era da natureza e quando nós chegava tirava uma estrada para ele.
Todo verão ele cortava aquela estrada.
P/1 – Você tem quantos irmãos?
R – Eu mesmo com papai e a mamãe nós não tenho nenhum irmão meu.
P/1 – Não?
R - Não, Nós temos um irmão que a mamãe teve com outro homem.
P/1 – Quer dizer que ela se separou do seu pai?
R – Não.
Ela se separou do primeiro marido dela e depois que ela casou com o papai.
P/1 – Ela se separou, e ela tinha quantos filhos?
R – Com outro ela tinha quatro.
P/1 – São seus irmãos?
R – São.
P/1 - Eles foram criados com você?
R – São.
Mas só tem um homem, o resto só é mulher.
P/1 – E como é que ele chama?
R – O dele é Benedito, do irmão.
P/1 – E das meninas?
R – Das meninas uma Conceição, outra é Raimunda e outra é Vicença.
P/1 – Aí eles todos são do primeiro marido dela? E você sabe o que aconteceu que ela se separou e como ela conheceu seu pai?
R – Ele morreu afogado.
P/1 – Foi?
R – Foi.
Ela foi e ficou solteira e foi o tempo que o papai chegou e aí eles se juntaram.
Depois que tiveram as nossas outras irmãs mais velhas e casaram.
Aí fiquemos com eles.
P/1 – E ai quantos ficaram, quantas irmãs de pai e mãe você tem?
R – 12.
P/1 – Ela teve mais 12?
R – É.
P/1 – E ficaram quantas vivas?
R – Estão tudinho vivo.
Só morreram duas.
O resto está tudinho.
P/1 – Tudo mulher?
R – Tudo mulher!
P/1 – Você lembra os nomes delas?
R – Vou ver se eu me lembro.
P/1 – Vai pela ordem.
R - A Josefa, a Ornélia, a Ana, a Sônia, a Telma, eu.
Será que eu ainda não errei? Ainda não.
A Maria, a Socorro, que já estão mortas.
P/1 – Elas morreram de quê?
R – Dessa doença que dá.
Convulsão que chama.
P/1 – Mas morreram criança?
R – Foi criança.
P/1 – Quem mais? Está faltando.
R – Está faltando.
Agora eu não sei se me lembro! (risos).
P/1 – Você não vê as suas irmãs nunca?
R – Não.
Faz tempo que a gente não se vê.
P/1 – Tem muito tempo que vocês não se veem?
R – Eu disse a Coca? A Sônia, a Zefa, a Julica, a Ana, a Sônia, a Telma, eu, a Socorro e a Maria.
São essas umas mesmo.
Que as outras.
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nós somos 12 que as outras são do primeiro casamento.
P/1 – E só teve um homem?
R – Só um homem.
P/1 - E esse homem, ele está vivo?
R – Está.
P/1 – E o que ele faz hoje?
R – Ele trabalha em roça lá para o Marapi.
P/1 – E aí vocês se criaram aonde?
R – Nós nascemos tudo para lá, mas nos nós se criemos bem dizer aqui.
P/1 – Por quê? Como é que vocês vinham para cá? Como era?
R – De canoa.
Nesse tempo era no remo.
Papai botava uma vela na canoa e nós vinha todo tempo remando.
No dia que a gente saia de lá, nós saía de manhã, dormia no meio de viagem ali por Arapiranga, baixada do Laranjal do Jari e quando era no outro dia, amanhecia nós peitava no remo que era para chegar aqui.
Quando era de baixada, a mesma coisa.
Assim nós ia, até que o padre Frei Ricardo, nessa época andava fazendo batizado assim pela beira, pelas casas mesmo, chamou o papai se não era bom ele escolher um lugar que ele ficasse ou bem lá ou bem aqui, aí ele foi e escolheu que nós ficasse aqui.
P/1 – O que vocês vinham fazer aqui para cima?
R – Nós vinha tirar a coleta da castanha.
Lá em baixo a gente fazia roça, Nós cuidava de roça lá e quando era mês de janeiro nós subia para cá para tirar a castanha.
P/1 – Porque a castanha dá um janeiro?
R – É, em janeiro.
Quando era final de junho, que estava acabando a castanha aqui, a gente descia para lá para cuidar das roças.
P/1 – A castanha dá quando chove, é isso?
R – É.
É quando ela joga.
Agora ela está amadurecendo quando for em janeiro ela começa a cair.
P/1 – E como faz a coleta da castanha, você pode explicar? Você fica embaixo porque a castanha é muito alta.
R – A gente deixa ela parar de cair, a gente vai e junta tudinho.
Aí vai com o machado, corta ela, coloca no paneiro e traz para casa.
P/1 – E ai vocês vendiam essa castanha?
R – Nós vendia para os atravessadores aqui.
P/1 – E os atravessadores compravam passando pelo rio?
R – Era.
Passando pelo rio, vinha o barco do Laranjal do Jari e vai aqui até na cachoeira e vem pegando, comprando as castanhas até.
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P/1 – E eles levavam a castanha para onde?
R – Para Laranjal do Jari e de lá exportam para Belém.
P/1 – Ah, era assim? E vendia bem, Dava bom dinheiro? Ou era pouquinho?
R – Era pouquinho.
Nessa época era pouquinho porque era cruzeiro nessa época que nós chegamos para cá era cruzeiro.
Aí foi subindo, subindo, agora está no real até no passado ela deu 120 reais a barrica, que é seis latas de castanha.
P/1 – Seis latas de castanha dá uma barrica e dá 120?
R - É.
Dá 120.
P/1 – Quanto tempo demora para fazer seis latas?
R – Não demora nada.
Acho que dá meia hora.
P/1 – Em meia hora você faz 6 latas?
R - Ichi.
Num machado bravo aí eu custo é amontoar.
Quebra.
Eu carrego quatro latas eu carrego.
P/1 – E desde quando você ficou catando castanha? Com que idade você começou?
R – Eu comecei com dez anos.
Eu já trabalhava no mato com o meu pai.
Foi o tempo que nós crescemos todos, casamos e aí o meu pai foi.
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P/1- E vocês ficaram morando aqui?
R – Morando aqui.
P/1 – Nesse lugar?
R – Nesse lugar.
P/1 - E quem fez a primeira casa aqui? Aqui tinha casa?
R – Foi o meu avô.
P/1 – Então seu avô já estava aqui?
R – Já estava aqui.
Era do meu avô, aí o papai foi e casou com mamãe, meu pai trabalhava com o meu avô.
P/1 – Pai da sua mãe?
R – Sim.
Aí foi o tempo em que veio um rapaz trabalhar com ele, e aí foi esfaqueou meu avô e matou.
P/1 – O rapaz que trabalhava com seu pai?
R – Sim.
Aí matou ele.
Aí o papai foi embora para lá, para Bom Jardim.
A gente ficou cultivando assim como eu estava dizendo, que nós vinha todo ano e voltava.
Até que nós ficamos, aí nós ficamos tomando de conta aí e foi o tempo que nós casamos tudo.
Para cada casa separou um ramal de castanha, deu para cada uma das filhas.
P/1 – Era muita castanheira, muita castanheira?
R - É.
Aí nós ficamos trabalhando aí todo tempo.
O papai morreu, mamãe morreu.
Vai fazer dois anos, agora dia 10 de agosto.
Ela faleceu e ficou só a filharada, neto.
P/1 – Conta para mim porque foi que o moço esfaqueou o seu avô? Qual foi o caso?
R – Foi por causa de mulher.
P/1 – Foi? Qual foi a história?
R - A história que mamãe contava para nós é que o vovô tinha a mulher dele, uma tal de Cesar.
Essa Cesar dava as unhadas dela fora.
Ai o cara ficou cegado nela e aí ele foi e matou o meu avô por isso.
P/1 – E levou a César ou não? A Cesar foi com ele?
R – Ela foi com ele, foram embora, sumiram.
P/1 – Mas ela não era a mãe da sua mãe?
R – Não, mãe da mamãe já tinha morrido.
P/1 - E o seu pai, não foi atrás dele para matar ele não?
R – Foi nada.
Acho que ele é vivo até hoje para o lado de Munguba.
P/1 – Você sabe quem era ele?
R – Não sei não, não vi.
Nessa época a gente era tudo pequena.
P/1 – E depois disso por aqui teve muita briga de matar?
R – Não, não.
Graças a Deus depois disso até aqui nunca mataram ninguém.
P/1 – E aí, vocês ficaram morando aqui direto, nem iam para o Laranjal?
R – Ficamos morando direto.
Tem umas irmãs minhas que foram embora para lá, que não queriam mais estudar aqui, queriam ir para o Laranjal e estão para lá.
Mas eu nunca desejei e acho que até hoje eu acho que vou morrer aqui no interior.
P/1 – Você gosta de morar aqui?
R - Gosto de morar aqui porque uma é quando a gente leva os nossos filhos para cidade, chega lá e se metem no meio dos outros, aí daqui um tempo a gente não vai mais governar os filhos homens da gente nem as filha mulher e ninguém vai segurar mais.
Ai dá um dá para ser ladrão, outro para fumar droga, é por isso que eu não quero.
Eu acho que eu vou ficar por aqui mesmo até Deus precisar de nós.
P/1 – O seu trabalho maior é na castanha?
R – É, na castanha.
P/1 – Aí você casou com que idade?
R – Com 21 anos de idade.
P/1 – Você está casada ainda?
R – Estou, graças a Deus.
P/1 – Ele mora aqui?
R – Mora.
Ele está trabalhando ai na firma.
P/1 – Como você conheceu o seu marido? Da onde ele vinha?
R – Ele veio aí do Iratapuru, daí do alto.
P/1 – Como vocês se conheceram?
R - A gente se conheceu ele passando aqui no rio.
Ele encostou, nós se conhecemos, ele pediu eu para o papai e aí nos casamos.
P/1 – E foi festa? Vocês se casaram com igreja ou só juntaram?
R – Na igreja.
Fomos casar lá na Santo Antônio da Cachoeira.
P/1 – E teve festa?
R – Teve.
Foi bacana.
Casei bem preparada.
P/1 – E ai você foi tendo os filhos?
R – Aí foi tendo os filhos.
P/1 – Quantos?
R - Tive 13 por tudo.
Mas morreram quatro, só tem nove vivo.
P/1 – E esses quatro que morreram, morreram de quê?
R – Dessa doença também, de convulsão.
Uma foi aborto, eu abortei.
Meus filhos graças a Deus tudo teve em casa, minha mãe que pegou tudinho meus filhos.
Eu tive ela e quando ela estava com sete dias ela pegou a doença.
Nós levamos ela para o hospital, mas chegou lá não tinha mais jeito.
A outra foi uma barrigada de gêmeo.
O tempo do pessoal da Jari chegaram por aí e andaram todo dia primeiro de agosto, eles vinham fazer uma comida aí para dar para o pessoal, o povo das comunidades.
Aí falaram para mim cozinhar.
Eu fui, o dia todinho na naquele sol quente na balsa.
Quando cheguei seis horas, que eu fui tomar banho, senti aquelas pisadas que assim eles deram na minha barriga, mas eu pensei que eles estavam se mexendo.
Aí deu um sono quando me acordei já foi com dor.
Chamei a mamãe, falei para ela, ela mandou me deitar, ela puxou e ela disse: “Ai minha filha, você já vai é ter”.
Ela dizia que eu tinha só um na barriga, ela nunca descobriu que eu tinha dois.
Aí eu pensei que era só um e teve a primeira e ela disse: ”Não te levanta!” Aí eu disse: “Por quê?”.
Ela disse: “Porque não”.
Aí com cinco minutos teve a outra.
Saíram todas duas vivas, mas só não teve condição.
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P/1 – Quer dizer que nasceram as duas?
R – Foi e aí elas morreram, não teve condição de salvar elas.
P/1 – Mas morreram assim que nasceram?
R – Assim que nasceram elas morreram logo.
P/1 – A sua mãe que era a parteira?
R – Era, minha mãe que era parteira.
P/1 – Você aprendeu a fazer parto com ela?
R - Eu aprendi.
Já fiz uns quantos.
P/1 – Você fez aonde?
R – Eu fiz das minhas irmãs aí.
P/1 – É? Como que é? O que você tem que aprender para fazer o parto?
R – Eu peguei dessa minha filha, esse netinho que está aqui agora foi eu que peguei.
Tudo foi eu que peguei.
P/1- É mesmo?
R – É.
P/1 – Mas como que é? Se você tivesse que explicar como faz, me explica.
R - Quando dá a dor na pessoa, a gente puxa a pessoa, aí vê, pega assim e aí quando a cabecinha dele está encaixada aqui já é para nascer.
P/1 – Você sente a cabeça com a mão?
R – É.
Você pega aqui.
Já está encaixada aqui.
Aí a gente bota ela andar, ela anda, anda, até ela não aguentar mais.
Quando ela diz que não aguenta mais a gente põe ela num lugar lá e manda ela fazer a força e ela tem.
P/1 – Tem que preparar? Tem que por uma roupa especial ou não?
R – Não.
Pega com a nossa mesmo.
P/1 – E tem algum pano, esquentar uma água, alguma coisa?
R – A gente pega e amorna a água.
Banha a criança, limpa a tesoura com álcool para cortar o umbigo.
P/1 – E as mãos, tem que limpar com álcool ou não precisa?
R – Limpa com álcool.
P/1 – E se a criança tiver virada, como é que faz?
R – Como assim, de bruços?
P/1 – Sentada.
R – Ai a gente dá um jeito de virar.
Pega nas pernas da mãe, vira para cima e puxa, ai ela vai e vira.
P/1 – Você já pegou criança sentada?
R – Assim não, nunca peguei graças a Deus.
Mas a minha mãe fazia assim.
P/1 – Nas suas alguma a sua mãe teve que fazer isso?
R – Da minha família não.
Era só dos outros assim que não é parente.
Ela sempre ia para padaria, para Cachoeira para pegar o filho dos outros e ela teve uns casos assim.
Teve muitos que nasceram de bunda mesmo.
P/1 – E não morre a pessoa?
R – Morre não.
Ela pegou por conta uns cinco.
P/1 – Você já teve algum assim, que você pariu e falou: “Deu dor demais, achou que ia morrer?”.
R – Não.
Olha esse menino aí.
Foi igual a carneiro brabo, não deu nem gemido.
P/1 – Foi mesmo?
R - Foi.
Todo mundo se admira.
A professora: ”Ih, Antônia, você tem muita coragem.
” Rapaz, se estiver perto de mim só se for sorte de morrer mesmo se Deus quiser mas que força eu faço para salvar a vida.
E ainda nasceu todo enlaçado com pescocinho no umbigo e sufocado.
P/1 – Qual nasceu assim?
R - Esse meu netinho aí, esse arrupiadinho.
Eu mais do que ligeiro destrancei o cordão do pescoço dele e cortei o umbigo, ajeitei ele.
Ele sufocado.
Aí coloquei um pano no nariz dele e chupei, chupei.
Não demorou ele tornou.
Está ai, ó.
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desse tamanho.
P/1 – E as meninas na boa, ela desmaiou?
R – Não, não desmaiou não, nenhuma.
P/1 – E aí.
Agora, seus filhos trabalham todos no castanhal também?
R – Todos eles trabalham para o mato com nós.
A gente estava se mantendo assim nós trabalhávamos na castanha no inverno e quando terminava de junho, julho a castanha aí nós passava para o açaí.
Eu levava de 40 a 50 latas por dia no Laranjal do Jari.
P/1 – De açaí?
R - De açaí para mim vender.
Agora, depois que começou esses serviços ai, acabaram com o açaizal.
Aí pronto, agora está difícil tirar até para tomar.
P/1 – E aonde ficava açaizal?
R – Ai onde está essa obra! Aí aonde está esta obra era tudo açaizal.
P/1 – Esse açaizal alguém plantou?
R – Não, era da natureza.
P/1 – E como pega o açaí do açaizal? É só a semente? Como que você faz?
R – Pegava só a semente quando estava no ponto, preto.
Metia lá, tirava e levava para vender.
P/1 – Direto a semente?
R – Era.
Direto.
P/1 – E aí come e depois faz o quê com o açaí?
R – O açaí? Nós amassa e toma o vinho.
P/1 – E aí eles tiraram todo açaí daí?
R – Eles tiraram.
Só deixaram uma pontinha, mas nem adianta, porque ficou tudo no seco.
Porque elas era acostumadas todo tempo dentro do lajeiro, na água e aí eles tiraram e ficou uma parte no seco agora estão virando tudinho, estão morrendo, está virando tudinho.
P/1 – E vocês não foram reclamar com a empresa?
R – Nós reclamos, só que essa empresa aí eles não ajudam comunidade nenhuma, nenhuma.
A gente tem pelejado.
Quando eles fizeram uma tampagem na Santo Antônio desceu um lamaceiro aqui nesse rio que era um coloral a água! E nós tomando banho nessa água, lavava roupa nessa água, bebia dessa água.
Aí eu fui e chamei o chefe de lá, o Pepê, fiz uma reunião com ele aqui e pedi uma caixa d’água, um sulfato para tratar a água para a gente tomar.
Porque não era tanto pelos adultos, era pelas crianças que bebiam aquela água.
Como é que o pessoal da Cachoeira foi, eles deram apoio que era o carro pipa está dando água lá para eles, enchendo caixa para eles, deram vasilhame e como é eles não davam aqui para nós? Ele foi e conseguiu uma caixa para cada uma família, mas o sulfato ele não conseguiu.
Aí já a Aila, lá da fundação Jari que me dá o sulfato, ai a gente trata a água para tomar.
Eu pelejei eles vieram e fizeram essa porcaria de pedra, que é arriscado de uma criança cair, morrer, bater a cabeça na pedra e morrer.
Vieram fazer uma escada ali desse tamanhinho, disse que de é concreto que era para gente subir e descer lá para lavar roupa e fazer tudo.
Aí os meninos foram e eu saí para o Centro e aí disse para eles: “Se eles vieram fazer isso aqui não deixem eles fazer, embargar ele aí, Deixa, quando eu chegar eu vou me acertar com eles”.
Aí os meninos embargaram, jogaram os paus velhos fora e disseram que não aceitavam a escada e aí marcou que sábado ele vinha aqui comigo que era para fazer a reunião para ver o que é que era para nós queria que fizesse.
Veio e aí eu falei para eles: “Olha, seu Pepê, ia botar essas pedras, ia botar essas britas e depois ia passar um concreto aí para fazer um encaixe com os degraus, como é que agora você está dizendo que fazer a escada? Nós não aceita essa escada.
” Só sei que fomos acima, fomos abaixo com o pessoal, aí ele falou que era para eu fazer o documento que era para levar para o escritório da EDP, que eles mandarem ir lá para fora que era para falar com o chefe deles para vinha trazer a resposta de sim ou de não.
Ai o meu filho disse para ele: “Se você não conseguisse der uma palavra de sim, você pega a balsa, pega essas pedras daqui e leve tudinho lá para a obra porque nós não vamos querer essas pedras aqui”.
Aí eu fiquei de fazer o documento, aí eu falei para o Iraci, que é o contador lá e ele fez e quando for segunda-feira eu baixo e vou levar lá no escritório lá.
P/1 – Você quer que troque as pedras pelo quê?
R - Eu queria do jeito que eles estão ajeitando aí eles ajeitasse mais um pouco e passasse um concreto.
Aí um fizesse um cais com degraus, que nem aquele ali abaixo no Laranjal do Jari.
Ele tem os degraus, mas é feito a frente toda, não é só um pedaço assim de escada.
P/1 – Antônia, você estava contado para mim que você estava brigando com o pessoal aí da EDP.
Fala, explica melhor.
Eles não estão fazendo nada?
R - Eles não estavam e nem estão mesmo.
Você fala as coisas para eles e eles só faz dizer que não pertence dele, que não dá para fazerem e é assim.
P/1 – Desde que eles chegaram? Como é que foi a chegada da EDP?
R – Chegaram mentindo.
Porque o pessoal da Cachoeira liberaram lá para eles para fazer o serviço aí da hidroelétrica.
Aí os meninos, nós perguntavam para eles na reunião que tinha lá: ”Pepê, o que você faz fazer com nós lá do São José, porque vocês vão mudar a casa do Iratapuru lá para cima da serra, e nós aqui da beira como é que nós vamos ficar porque se um dia esse negócio arrebentar aí nós vamos morrer tudinho porque se nós fica aqui e isso aqui tudo é alagado, todo ano vai no fundo?” “Ah, porque não tinham responsabilidade com essa comunidade.
” Não pertencia para ele.
“Está bom, você não tinham, mas devia tem!” Só sei que já fui ao ministério público e já denunciei ele.
P/1 – Você foi lá?
R – Já fui lá.
Mandei um oficio para lá e eles toda vez que vem aqui, vem com mentira, enganando que ia botar placa solar, vieram trazer o pessoal até para ver onde ia colocar o painel que nós ia ter energia dia e noite até hoje nunca chegou.
Só vejo falar que esse outono vai entregar a obra já feita e nada.
Não fizeram isso, ainda não colocaram placa solar, não colocaram nada ainda para as comunidades.
P/1 – E na água, eles mexeram na qualidade da água?
R – A água mexe só quando eles fazem aterro Quando eles fazem aterro que essa água aqui fica horrível de feia.
Eles vão aterrando e a água vai escorrendo de lá e cima para cá para o rio, fica demais horrível e se gente vai reclamar para ele e ele ainda dá resposta para gente.
P/1 – E o que você pretende fazer, Antônia, se eles não botarem placa, não botarem nada.
Você vai fazer algum movimento?
R – Eu vou fazer.
Porque a energia vai passar bem ai atrás.
A estrada está bem aí logo, aí atrás porque já abriram um estrada aí por trás.
Se eles não colocarem eu vou correr atrás do meu direito.
Eu vou querer energia.
Fazer uma hidroelétrica bem ai e a nós não ser beneficiado dessa energia? Eu vou correr atrás! Esses dias eu vou de novo porque eu já coloquei.
Segunda-feira eu vou levar lá o oficio para ele sobre este aterro aí.
Se não ele fizer de concreto, eu vou partir para outro campo, para a justiça com eles.
Dizem que essa firma é podre de rica.
Será que esse pedaço que ele vai fazer aqui vai fazer eles pobres?
P/1 – Por que é que você quer que faça aqui de concreto, em que é que isso vai melhorar aqui?
R – Vai melhorar muito.
Porque quando não tinham essas pedras ai já estava para cair a minha casa.
Onde tem essa terrada aí, a coisa já estava no topo do pátio, a banzeira da lancha, a barreira ia caindo tudinho, ia caindo, caindo.
Caiu para mais de cinco metros de terra que caiu da ribanceira lá de fora para cá para dentro.
P/1 – Por causa do barcos?
R - Por causa das lanchas daí da firma.
Quando não era antes não tinha estas lanchas não caia, dava enchente nós se mudava daqui para Cachoeira e passava de três a quatro meses até a água baixar para nós vir para cá e era o mesmo jeito.
Depois que as lanchas começaram a andar que a bicha começou a desabar.
Estava horrível, ficou horrível isso ai.
Aí eu liguei para o escritório de lá da EDP e aí veio o Pepê com o Ananias e aí viram que estava caindo muito mesmo e foi que mandaram jogar essa balsada de terra para segurar mais porque se não segura a nossa casa já tinha caído.
Em um mês já estava caído.
Estava caindo demais.
P/1 – Estas casas aqui quem foi que fez, Antônia?
R – Foi nós mesmo.
Nós que fizemos.
P/1 – Você que fizeram.
Qual foi a primeira?
R - A primeira foi a minha.
P/1 – Que fica aonde?
R – Essa daqui lá onde tem aquele patiozinho na frente.
P/1 – Não a verde?
R – Para cá da verde.
P/1 – E aí depois?
R – Aí depois os meus filhos foram fazendo e meus genros foram fazendo.
P/1 – E as madeiras, vocês conseguem aonde?
R – Laranjal do Jari.
Um pouquinho que a gente faz por aqui, a gente passa um dia com fome, aguentando a barriga, mas vai comprando o material para levantar a casa da gente.
P/1 – E quem levanta é cada genro? Cada família que levanta a sua casa?
R – É sim.
Cada qual levanta a sua.
P/1 – E essas antenas aqui são para que?
R – Da televisão.
P/1 – E quando chegou a televisão aqui?
R – Uns quanto anos já.
P/1 – E nisso eles não mexeram?
R – Não.
P/1 – Quais foram as grandes mudanças aqui? Essa chegada? Antes disso teve alguma que você lembra que veio uma empresa aqui que e mudou tudo?
R – Não.
A única foi só uma.
As outras vinham ai mais nunca deram ilusão para cair as coisas, dar prejuízo para gente.
Agora essa daí ela veio de encomenda.
P/1 – E essa daí você foi reclamar do açaí? E aí?
R – Eu fui reclamar do açaí.
Ele disse que quando eles saírem daí eles vão repor outro açaí.
Mais só que já vai ser para os meus netos, meus bisnetos, meus tataranetos porque eu não vou conseguir mais.
Porque eu já estou dessa idade.
Vai servir para os meus netos, tataranetos.
P/1 – E o dinheiro que você ganhava com o açaí, como está fazendo agora?
R – Ás vezes eu dou uma mariscadinha e aí eu vezes arranjo e vendo para mim comprar o alimento.
Até agora ninguém está sofrendo porque o meu marido está empregado ainda.
Mas depois ele sair aí pronto nós vamos viver uma situação ruim.
P/1 – O seu marido está empregado nesta empresa?
R – É.
Na ACERP.
P/1 – O que ele está fazendo?
R – Ele trabalha na caixa d’água, para fazer o concreto.
Ele agora está mancando e está recebendo esse dinheirinho dele.
Depois que terminar, ele sair da empresa, aí nós vamos sofrer mais ainda do que já sofremos um pouco.
P/1 – Mas agora está dando para comprar os mantimentos?
R – Agora está dando porque ele está trabalhando.
Ele recebe, a gente faz a compra da gente, dá para comer o mês.
Ai quando está terminando aquele mês ele torna a receber e aí vai mas depois que ele sair da empresa então o negócio para nós eu tenho fé em Deus não vamos sofrer porque agora nós estamos nesse negócio dos Quilombolas.
Aí o rapaz me prometeu que agora o governo federal vem entregar os documentos, vem fazer essa vila da Casa Minha Vida para nós.
P/1 – O que é a Vila Minha Casa Minha Vida.
O que é acontece?
R – O governo federal vem que faz a vila de casa para gente.
P/1 – Mas é outra casa?
R – É outra casa.
Ele dá para gente.
Tem muita verba pelo negócio dos Quilombolas para fazer o negócio dos movimentos deles.
Eu estou nessa espera.
Estou esperando que ele venha entregar esses documentos da nossa associação porque me garantiu que ele vem conversar, vai trazer o pessoal do governo para vir conversar com nós.
P/1 – Antônia, você sabe o que é quilombola?
R – Eu ainda não estou sabendo ainda não.
P/1 – E o quer dizer quilombo? Você sabe? Eu não sei também estou só te perguntando.
R – Quilombo é uma raça negra.
E lá no Curiarú eles trabalham e o governo ajuda eles com uma verba.
Eles fazem negócio de artesanato, essas coisas assim para vender.
Eles tem aquelas danças deles.
Tem muitas coisas que eles fazem, aí eles vendem aquele artesanato que eles fazem, Isso é uma estrutura que eles fazem e assim eles querem fazer aqui com nós.
Fazer escola, centro comunitário, posto médico, tudo eles querem fazer aqui para nós.
P/1 – Porque eles disseram que vocês são quilombola por quê? Por causa de quê?
R – Por causa da cor.
P/1 – Todo mundo aqui é negro? Eu estou vendo muita gente clara.
R – Alguns que é mais claro, mas a importância é ter mais negro do que branco.
P/1 – Você sabe por um acaso se algum avô ou bisavô seu foi escravo ou não? Você já ouviu esta história?
R – Mamãe contava disso.
P/1 – O que ela contava?
R - A mamãe chegou a contar dessa revolta do Zé Cesário no tempo dos escravos.
Era ele e o Duca Nena.
Diz que mandavam o pessoal para o balatal, deixavam as mulheres em casa e diz que esse homem não dava atenção à família dele aí a pessoa morria assim de não ter condição de sobreviver.
Mamãe conta que no Caracarú eles pegavam aquele montão de castanha pegava aquele pessoal morrendo de febre assim.
Naquele tempo não era malária que dava, era sezão.
Diz que colocava aquelas pessoas lá e morriam lá no monte de castanha, lá catando aquelas castanhas lá.
Deixavam morrer lá mas tinha que trabalhar.
O peão saldava o dinheiro que eles pegavam a pessoa e levavam assim para um lugar longe das pessoas e diz que metia a taco e dando o saldo da pessoa em muxinga, tiravam o couro das pessoas com muxinga.
P/1 – O que é muxinga?
R – Muxinga é uma coisa que se faz de sola.
Eles faziam assim, nessa padaria aí aconteceu muitos casos ainda.
Tinha um buracão aí padaria que eles pegavam e davam, davam no cara quando acabava pegava jogava lá para dentro daquele buracão.
Ás vezes convidavam a pessoa para ir caçar, matavam e enterravam dentro do buraco de tatu, para não pagar o saldo das pessoas que saudavam.
Era no tempo da escravidão, mamãe contava isso.
P/1 – Contava que era assim?
R – Ela contava que era assim.
P/1 – E ela disse que a sua família estava no meio desta história aqui?
R – Não.
Nesse tempo nós ainda não coisava por aqui.
Só ela é que morava no Caracurú com o pai dela.
Ela tinha 12 anos nessa época, a mamãe.
Quando eles já produziram nós, isso já tinha terminado.
P/1 – E você sabe se quilombola tem alguma coisa a ver com essa história ou não?
R – Não, não tem não, quilombola não.
P/1 – Antônia, me conta agora: você se comunica com as pessoas.
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tem algum parente fora daqui, em Laranjal, para lá de outro estado?
R – Tenho em Laranjal e tenho em.
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Que vai para Macapá, Tia Dominga mora lá, Tia Dominga e Tia Socorro.
P/1 – E como você fala com o pessoal?
R – Ela sempre manda cartas para nós.
P/1 – Ela manda carta?
R – Manda carta para a gente.
P/1 – Ela conta o que pelas cartas?
R – Só manda procurar por onde a gente está, onde a gente está existindo.
Porque a minha mãe morreu ela mandou umas quantas cartas que era para nós ir para lá para ver eles, mas nunca deu certo da gente ir.
P/1 – E por quê?
R – Porque nunca dava porque a coisa é difícil.
Aí mamãe foi e mandou outra para ela e foi o tempo que ela morreu e não fomos mesmo mais.
Mazagão ela mora a tia Dominga e tia Socorro.
P/1 – E aí toda forma de falar com o mundo lá fora é por cartas?
R – Com elas é.
Elas sempre mandam por algum conhecido que vai daqui e elas mandam.
P/1 – E a carta vem pelo correio ou vem na mão alguém?
R – Não.
Vem na mão dos conhecidos que vai daqui que conhecem lá.
P/1 – Então vocês nunca mandam nada pelo correio? E nem elas para você?
R – Não.
E nem elas para nós.
P/1 – E para escrever a carta, como faz?
R – Escreve assim mesmo.
P/1 – Mas você sabe ler e escrever?
R – Não sei não.
Só os meus filhos e a minha nora.
P/1 – Tem alguma notícia importantíssima que você ficou esperando assim por cartas?
R – Não, não.
Até agora não.
P/1 – O que você está esperando agora, Antônia? O que você quer que aconteça agora? Qual é o seu sonho para frente?
R – Para frente que melhore a nossa vida.
P/1 – O que precisar melhor aqui?
R - A gente precisa de um bocado de coisa.
P/1 – Fala.
Conta aí.
R - Porque nós temos problema de escola.
Se a gente conseguisse assim alguma coisa que desse para construir um centro comunitário, uma escola, um posto médico para gente aqui aí já era uma melhoria.
Porque a gente não se ocupava de ir daqui até o Laranjal do Jari.
Porque às vezes a gente pega uma doença aqui e vai no Laranjal do Jari e às vezes nem é atendido lá no hospital.
Agora se não tiver o cartão do SUS não é atendido, não atende a gente.
Tem que ter o cartão do SUS.
E às vezes a pessoa fica lá, gritando lá, sofrendo no pronto-socorro lá até a hora que eles vão querem atender a gente.
Se nós conseguíssemos para cá pelo menos um posto médico com enfermeira assim, aí já estava melhorando a nossa vida.
Construísse uma energia para nós que nós não têm também, isso é dificultoso para nós porque nós não temos.
Uma água tratada, isso tudo se nós chegar a conseguir para nós é uma melhoria boa.
P/1 – Está bom, Antônia.
Muito obrigada.
R – Obrigada.
FIM DA ENTREVISTA
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