Projeto Correios, 350 Anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Teófilo Alves do Nascimento
Entrevistado por Karen Worcman
Almeirim, 27/07/2013
HVC066_Teófilo Alves do Nascimento
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Cristiane Costa
MW Transcrições
História de vida
P/1 – Bom, agora a gente vai começar.
Só, antes de o senhor começar a contar a sua vida, o senhor pode repetir pra mim o seu nome completo e a data e local do seu nascimento?
R – Bem, em primeiro lugar, eu quero agradecer esse grande Deus por esse dia, por essa hora e por esse momento que eu estou sendo entrevistado por Karen, isso me traz uma imensa satisfação por essa pessoa conhecer uma parte da minha vida.
P/1 – Obrigada, pelo senhor parar pra contar pra gente.
R – Amém.
Bem, o começo da minha vida é uma história muito longa.
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P/1 – Então, vamos lá pro início.
R – Exatamente.
Nasci em 1940, dia 28 de dezembro, na localidade Capucu, Alto Paru.
P/1 – E lá, onde o senhor nasceu, como é que chamava o seu pai e como é que chamava a sua mãe?
R – Meu pai se chamava Francisco Alves do Nascimento e Domingas Cardoso dos Santos.
P/1 – O senhor conviveu com seus pais desde pequeno, como é que foi?
R – Convivi com o meu pai até o último dia de existência.
P/1 – E como é que era? O que é que o seu pai fazia?
R – Meu pai era agricultor e cortava balata, como se diz, era balateiro.
P/1 – Balateiro?
R – Balateiro.
P/1 – Ele sempre foi balateiro?
R – Balateiro.
P/1 – E ele cortava balata aonde?
R – No Alto Paru.
P/1 – E a sua mãe, cortava balata também?
R – Não, senhora.
Não chegou a cortar porque ela morreu muito cedo.
P/1 – Então o senhor nem conheceu a sua mãe direito?
R – Pouquinho, tenho uma lembrança muito pouca.
P/1 – O que é que o senhor lembra dela? Fecha o olho e tenta lembrar.
R – O que eu lembro dela mal, mal a fisionomia dela, que ela era baixa, morena, como se diz, gordinha.
P/1 – Ela era gordinha?
R – Era.
Essa é a lembrança que eu tenho dela.
P/1 – E como que era a cor do cabelo dela?
R – Comprido.
P/1 – E que cor?
R – Preto, vamos dizer, que fosse castanho.
P/1 – E a cor da pele dela, como era?
R – Morena.
P/1 – Muito morena?
R – Não, senhora.
Assim, que nem eu.
P/1 – E o seu pai, como que ele era visualmente?
R – Era baixo, grosso, moreno também.
P/1 – E ele era da onde, o seu pai?
R – Ceará.
P/1 – E por que ele veio pra cá?
R – Cidade de Baturité, Ceará.
E, aí, nesse tempo tudo era difícil e quando ele saiu de perto dos pais dele foi com 13 anos.
Aí, veio, se situou numa cidade por nome Anajás, nesse município de Breves, no meio de Breves.
Aí, foi criado com padrinho por nome Euclides Cumaru, conhecido como Cumaru, onde ele foi prefeito, era advogado, tudo nessa cidade.
P/1 – E o seu pai veio pra morar com esses.
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R – Com ele.
P/1 – Esse padrinho que trouxe o seu pai pra cá?
R – Não, ele veio por conta própria, mas só que ele já tinha vindo antes e, aí, ele veio à procura dele, encontrou e ficou morando com ele.
P/1 – E por que o seu pai saiu do Ceará? Ele contou pro senhor?
R – Olha, devido nessa época à dificuldade de vida, o custo de vida ser muito difícil.
P/1 – Ele passava fome no Ceará?
R – Com certeza.
P/1 – Aí, ele veio bem novinho?
R – Novinho.
P/1 – E ele veio pra cá por que, o senhor sabe?
R – Pra cá? Nessa época, o melhor produto ou o melhor recurso pra sobreviver era balata.
P/1 – Então, ele veio pra trabalhar na balata?
R – Balata.
P/1 – Aí, ele contou, ele foi pra casa do padrinho dele?
R – Foi, mas quando ele veio de lá ele não voltou mais.
Construiu família e gostou do povo e se aclimatou no clima e não teve mais vontade de voltar.
Aí, casou com a minha mãe, minha mãe morreu, aí ele construiu outra família que morreu no poder da outra.
P/1 – Morreu na outra?
R – Morreu no poder da outra.
P/1 – Então, com a sua mãe ele teve quantos filhos?
R – Dois.
P/1 – O senhor?
R – E outro.
P/1 – Um irmão seu.
R – É, mora lá na Comunidade de Cafezal.
P/1 – Como é que ele se chama, seu irmão?
R – Francisco Alves Filho.
P/1 – E vocês foram criados por quem, então?
R – Eu fui criado com o papai e quando a mamãe morreu ele tinha apenas quatro meses, não era quatro anos, era quatro meses.
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P/1 – Seu irmão?
R – Isso, de nascido.
P/1 – O senhor tinha quantos anos?
R – Eu tinha nessas alturas quatro anos.
P/1 – E como é que é? O que é que o senhor lembra disso?
R – Bem, aí, quando a mamãe, antes de morrer, ela chamou a madrinha dele e entregou pra ela.
Aí, ele foi criado já com a madrinha dele e o padrinho dele e eu fiquei com o papai.
P/1 – Então, o senhor ficou sozinho com o seu pai?
R – Isso.
P/1 – Com quatro anos?
R – Papai já tinha a outra família.
P/1 – Ele arrumou outra família?
R – Já, arrumou outra família.
P/1 – Ele já tinha, antes dela morrer, outra família?
R – Não, senhora, não.
P/1 – Logo depois?
R – Aí, passou o decorrer do tempo, a outra também era viúva e eles se casaram.
Ela tinha uma filha e o papai tinha eu.
P/1 – E, aí, ela que criou o senhor?
R – Exatamente.
P/1 – Como é que ela chama?
R – Se chamava Maria.
P/1 – E ela foi uma boa mãe ou ela nunca lhe tratou como.
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Como é que foi a sua educação com ela? Ela foi boa?
R – Ô, minha amiga, a minha educação foi muito excelente, muito excelente, que hoje eu peço nos meus momentos de silêncio que Deus a tenha lá, onde ela merecer, porque foi uma verdadeira mãe pra mim, apesar de ela não ter, vamos dizer, me carregado no ventre, mas foi uma excelente madrasta pra mim.
P/1 – E, aí, ela teve outro filhos? O senhor tem mais irmãos?
R – Teve mais duas, já com papai.
Uma trabalha aqui, no hospital e a outra mora em Laranjal.
P/1 – Então, ficou uma família de três crianças?
R – Exatamente.
P/1 – E onde que vocês moravam?
R – Nós morava lá nessa Comunidade por nome Cafezal.
P/1 – E o que é que vocês faziam de lá? O que é que o senhor lembra de lá?
R – Olhe, o que eu me lembro de lá, no verão, era roça, como se diz ou a farinha, pra sobreviver.
E no inverno era balata.
Aí, foi o tempo que fechou a exportação da balata, aí a gente passou a cortar maçaranduba.
Aí, fechou tudo e eu consegui uma colocação de castanha em 78.
Eu construí uma colocação de castanha e hoje essa fonte de renda vale pros meus filhos.
P/1 – O que quer dizer uma colocação de castanha?
R – É, vamos dizer, aonde a gente mora.
Faz o tapiri, se dá o nome de tapiri e mora lá no período da safra.
P/1 – Ah, quer dizer, tapiri é uma casa?
R – É uma casa, mas nós chama o nome de tapiri.
Aí, mora lá o período da safra.
P/1 – Pra coletar castanha?
R – Exatamente.
P/1 – Mas vamos antes disso, o senhor começou a ir pra roça com o seu pai desde que idade?
R – Olha, que eu me lembre desde oito anos.
Oito anos.
P/1 – O que é que o senhor ia fazer na roça com ele?
R – Plantar.
Ele cavava, cortava os torinhos da maniva, aí eu ia plantar.
P/1 – Então, o seu trabalho era plantar maniva?
R – Exatamente.
No verão.
Aí, no inverno, a gente ia para castanha.
Nesse tempo vinha uns paneirinho, aí, de farinha de guamã, assim.
Aí, eu botava as pernas, como aquele ali.
P/1 – Aquele ali?
R – Quem nem aquele ali.
P/1 – Esse balaiozinho aí?
R – É.
A gente dá o nome de paneiro.
Aí, botava as pernas e eu ia pro mato ajudar ele a carregar.
P/1 – Então, o senhor levava o balaiozinho?
R – Levava.
P/1 – E catava o quê? A castanha?
R – A castanha.
Só que eu não quebrava, só fazia bater.
Eu quebrava e ele batia, aí, fazia a casa dele, eu a minha e a gente ia embora, isso com a idade de nove, oito a nove anos.
P/1 – Quanto tempo o senhor ficou fazendo isso?
R – Olha, praticamente até 2011.
P/1 – Que o senhor fez esse trabalho?
R – Exatamente.
P/1 – Agora, desde que criança, como é que era, que hora que vocês acordavam?
R – Olha, era cedo.
P/1 – Tipo?
R – Quatro horas, cinco hora.
P/1 – Da manhã?
R – Da manhã.
P/1 – Aí, vocês comiam o quê?
R – Olha, a gente comia era carne, era o peixe.
P/1 – Quem que pescava?
R – Olha, era eu, o meu próprio pai, a minha própria mãe, muitas vezes nós comia até sem farinha.
P/1 – Porque era o peixe com a farinha ou peixe sem farinha.
R – Não tinha; era muita fartura, mas não tinha farinha.
P/1 – Por quê? O que é que aconteceu com a farinha?
R – Porque não tinha mesmo.
P/1 – Mas o senhor não ia plantar maniva?
R – Na época que nos cheguemos, mas a mandioca só dá de ano pra frente.
E isso foi logo que nós.
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P/1 – Então, vocês passaram um ano sem farinha?
R – Exatamente.
Não diretamente um ano, é que acolá tinha, acolá não tinha; acolá tinha, acolá não tem.
P/1 – E, aí, era comer o peixe que é com que?
R – Com a banana cozida.
P/1 – E quem que catava banana?
R – O meu pai.
P/1 – Seu pai ia pro mato, trazia a banana, trazia o peixe.
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R – Exatamente.
P/1 – E, aí, vocês começaram a plantar a mandioca?
R – Exatamente.
P/1 – E, aí, como é que fazia pra conseguir dinheiro pra comprar uma panela? Comprar roupa? Como é que fazia?
R – Isso era na atividade da castanha, da balata, era isso aí.
A gente conseguia comprar, como é que se diz, a manutenção necessária.
P/1 – Entendi.
Mas era difícil de comprar? Vocês compravam a roupa aonde, o senhor lembra?
R – Olha, isso era muito difícil, muito difícil.
Apesar que a gente o máximo que tinha era duas mudinhas de roupa, uma pra estar em casa e outra pra sair, que tudo era difícil, tudo era mesquinho.
Só o que não era mesquinho.
Esse mesquinho era fartura.
P/1 – Tinha muito o de comer?
R – Tinha.
P/1 – O que é que era o de comer? Muito o quê?
R – Era de tudo, de peixe a caça, como se diz.
P/1 – Quem que saia pra caçar?
R – Meu pai.
P/1 – O senhor ia caçar com ele?
R – Não, senhora.
P/1 – Não? Por quê?
R – Porque não (risos).
Quer dizer, caçava no centro, mas, quando nós estava em casa, só quem caçava era ele.
P/1 – E ele caçava com espingarda?
R – Espingarda.
P/1 – O que é que ele trazia da caça?
R – Olhe, ele trazia o veado; ele trazia o caititu; ele trazia o queixada; ele trazia cuamba; ele trazia a guariba.
Isso não era só de uma vez, quando ele não trazia um num dia, trazia no outro.
P/1 – Aí, chegava essa carne e o que é que vocês faziam com a carne? Sua mãe que devia fazer.
R – O veado ou o queixada, descoirava, aí retalhava e ela salgava, botava dentro de uma vasilha pra gente comer até acabar.
P/1 – E ela jogava o sal?
R – Jogava.
P/1 – O sal era comprado?
R – Comprado.
P/1 – E, aí, quando não tinha dinheiro pra comprar o sal, fazia como?
R – Mas a gente tinha um patrão que ele adiantava nesse período.
P/1 – E o patrão ele era patrão da castanha?
R – Da castanha, da balata, da maçaranduba.
P/1 – Nessa região, então, tinha um patrão?
R – Tinha.
P/1 – Quem que era o patrão?
R – Olha, o patrão já morreu, era o senhor Raimundo Bentes.
Depois, Moacir, depois Washington, depois foi o Porfírio, depois Nilo Costa e assim por diante.
P/1 – Eles iam passando, era um filho do outro ou não?
R – Não, não.
P/1 – Vai vendendo o castanhal?
R – Exatamente.
P/1 – E como é que era o pago da castanha?
R – Olhe, era tudo mesquinho.
Às vezes não, era o comum, a gente trabalhar só pela troca da mercadoria.
P/1 – Que vocês trocavam a mercadoria.
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Ele tinha barracão?
R – Tinha.
Tinha lá nessa comunidade por nome Recreio, que se chamava filial, é o tempo do português que era os donos de Arumanduba, essa área do Jari todo, depois do Zé Júlio.
P/1 – Aí, os portugueses que tinham esse barracão ou era outro patrão?
R – Não, era deles.
Botavam a pessoa pra gerenciar lá e comprar o produto do pessoal da redondeza, a castanha, a balata, a maçaranduba.
P/1 – Então, é o pessoal que tinha o armazém que comprava a castanha de vocês?
R – Exatamente.
P/1 – Vocês trocavam pela castanha?
R – Mais ou menos, era mais trocar do que pegar o dinheiro.
P/1 – Isso.
Então, era mais trocar.
Vocês levavam a castanha lá e trocavam por que produto?
R – Olha, era a despesa necessária, o açúcar, o café, o sabão, naquele tempo o tabaco, o sal, essas coisas, esses cereais assim.
P/1 – O que mais?
R – Alguma vez um pedacinho de pano pra ir pro trabalho.
Isso aí.
P/1 – Feijão?
R – O feijão, o arroz, mas isso era muito difícil.
P/1 – Era difícil pegar isso?
R – Muito difícil, era.
P/1 – Por quê?
R – Porque não tinha mesmo, ele não levava.
P/1 – Não tinha o arroz ou não tinha o dinheiro?
R – Não, isso era muito difícil porque o dinheiro a gente nem se falava, que era muito difícil você pegar dinheiro.
P/1 – Pegar dinheiro era difícil.
Era só trocar?
R – Exatamente.
P/1 – E a roupa comprava de quem?
R – Deles.
P/1 – Então também tinha no mercado a roupa?
R – Tinha.
P/1 – Também trocava pela roupa?
R – Exatamente, mas isso era muito difícil.
Vamos dizer, a fragilidade era muito grande, minha querida, por isso que eu te falei, pra mim criar esses dez filhos eu comi o pão que o diabo amassou.
Porque era dessa natureza.
Pra gente pegar um dinheirozinho, eu comecei a pegar um dinheirozinho na balata, eu comecei a cortar balata em 56.
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P/1 – Com 16 anos?
R – Sim, senhora.
Aí, em 56, pra pegar um dinheirozinho.
Aí, teve uma parcela, eu fui em 60.
Aí, já peguei, naquele tempo, um valor de 50 mil cruzeiros, muito dinheiro.
P/1 – O primeiro dinheiro que o senhor pegou foi em 60?
R – Não, peguei em 56.
É, o primeiro dinheiro.
Mas, isso aí quem manejava era meu pai, que naquele nosso tempo, no meu tempo, os pais era que resolvia os problemas dos filhos; os filhos tinham um preconceito muito grande com o pai, um respeito muito grande com o pai.
Pra lhe dizer a verdade, depois de casado eu trabalhei um ano pro meu pai e quando eu queria uma roupa pra minha esposa, eu dizia: “Papai, será que dá pra você comprar um pedaço de pano pra fazer um vestido pra minha mulher?”.
Aí, se ele disse “Dá”, ele ia lá e comprava, encomendava, nesse tempo tinha muito já marreteiro e se ele disse que não eu ficava ali, do mesmo jeito, alegre e satisfeito.
P/1 – O senhor nunca brigou com o seu pai?
R – Graças a Deus não.
P/1 – E ele era muito bravo?
R – Não, senhora.
Se ele era humilde, a minha madrasta, ou, que seja, a minha mãe de criação, ainda era mais.
P/1 – Mas ele batia em vocês?
R – Nunca me bateu.
P/1 – Nem ela?
R – Não senhora.
P/1 – E o respeito era pelo que? Como é que vocês adquiriram tanto respeito?
R – Porque no nosso tempo tudo era moderno.
Tudo tinha o respeito, de qualquer maneira a gente tinha que respeitar os mais velhos, principalmente pai e mãe.
P/1 – Agora, em conta, que eu não entendi bem essa coisa da primeira vez que vocês conseguiram tirar um dinheiro.
Como é que foi isso?
R – Olhe, foi cortando balata.
P/1 – Mas, porque que uma vez conseguiu dinheiro?
R – Porque era o produto que gerava condição da gente ter dinheiro.
P/1 – Porque, antes, vocês cortavam era castanha?
R – Castanha.
P/1 – Castanha não dava dinheiro?
R – Não.
Castanha, maçaranduba só era o consumo da despesa, como se diz.
Aí, quando era de verão, a gente já tinha a roça, aí, fazia farinha e vendia, como se diz, pros marreteiros.
P/1 – Vocês vendiam farinha?
R – Isso.
P/1 – E essa farinha dava dinheiro?
R – Não.
Dava só pra se manter também.
Não se falava em dinheiro.
P/1 – E a maçaranduba é o que?
R – A maçaranduba é uma árvore.
A chegava lá no tronco dela, com o machado derrubava ela e, aí, ia anelar, como se diz.
P/1 – Cortar em anel?
R – Isso, dava o nome de anel.
Aí, depois, derruba duas, três e ia colher com a colher.
Encostava num pau, pegava uma cuia e fazia um dentezinho e ia metendo nos anéis, como se diz, raspando na cuia até encher e ia botar lá na lata.
Na hora que chegava já ia cozinhar, no depósito.
P/1 – Cozinhar a maçaranduba?
R – A maçaranduba.
P/1 – Como é cozinhar a maçaranduba?
R – Olha, é nesses camburão de 200 litros.
Partia, os patrão partiu e dava pra cada uma turma um.
Quando chegava de tarde, aí a gente fazia a muralha, como se diz, já estava tudo ali, certo, aí era só cozinhar e embolar.
P/1 – Mas eu não entendi, cozinhava a madeira?
R – Era cozinhada, é o leite da maçaranduba, é liquido.
P/1 – Ah, é o leite da maçaranduba.
É tipo balata?
R – Isso, só que ela é mais grossa do que a balata.
A balata é fina, você bota o embutidor, ia nela, pega o aparelho e vai até no galho.
Aí, aquele leite vai tudo pros embutidor, como a gente disse.
Aí, de tarde faz a colheita, bota no outro saco, pro carregador, aí vem pro tapiri, chega no tapiri e já bota no outro depósito que se chama tanque, até encher pra você cozinhar de novo.
P/1 – E, aí, quando é que vira bloco?
R – Quando seca.
Aí, frita, como se diz.
Porque ele vai engrossando, vai engrossando até que frita, aí você joga lá no assoalho por nome puxador, deixa esfriar, aí amacia ela e faz, como se diz, as formas e bota a borracha lá dentro.
Aí, pega um pau, assim, bem liso e fura bem no meio do bloco pra poder meter o arame pra gente arriar até chegar onde está os patrões.
P/1 – Então, arriava no rio?
R – No rio.
P/1 – Muito tempo que o senhor trabalhou com isso?
R – Muito tempo.
P/1 – Mas isso é processo da balata ou o processo da maçaranduba?
R – Não, o processo da balata.
Maçaranduba embolava e, aí, a gente carregava nas costas.
P/1 – E nas costas? Ou tinha carro, cavalo?
R – Não, não, era nas costas mesmo.
P/1 – Levava até onde?
R – Olhe, levava até chegar aonde estava o patrão.
P/1 – E onde que estava o patrão?
R – Lá na posto da comunidade, no porto da casa da gente, ele já estava esperando o produto.
A gente já combinava “Tal dia você vai pra pegar o produto”.
P/1 – Me explica a maçaranduba agora como é que fazia.
R – Sim, a maçaranduba a gente fazia o mesmo processo da balata.
Cozinhava até fritar, como se diz.
Aí, jogava lá, no puxador, no assoalho, aí ia cortando as tiras, assim, e ia espichando pra poder embolar, fazer o bloco, como se diz.
P/1 – O bloco ele é redondo ou ele é quadrado?
R – Olhe, ele é comprido, não é redondo nem quadrado, é comprido.
P/1 – Vai juntando, assim?
R – Exatamente.
P/1 – Ele é que cor?
R – Olha, conforme o ponto que a gente der.
Ele pode dar preto, pode dar roxo e pode, também, dar amarelo.
P/1 – Ele nunca dá branco?
R – Não, senhora, não dá branco.
P/1 – E ele é pesado?
R – Pesado.
P/1 – E quantos quilos de maçaranduba vocês conseguiam levar pro patrão?
R – Olhe, de bloco a bloco, conforme a distância do tapiri pra beira, de 30, 40, 50.
P/1 – Quilo?
R – Quilo.
P/1 – Cada um?
R – É, cada um bloco, como se diz.
P/1 – Aí, vocês levavam um bloco por vez?
R – Exatamente.
Aí, ia deixando lá no tapiri ou na casa da gente.
De semana em semana a gente vinha, aí, quando era tal dia “Olha, tal dia você vai pegar a maçaranduba" e tal dia o patrão ia pegar.
P/1 – E isso pagava bem?
R – Olhe, não era bem, minha querida, mas era necessário, porque se não fizesse esse trabalho ia passar muita necessidade porque não tinha outra fonte de renda.
Aí, tinha que fazer aquele trabalho pra poder manter, sobreviver.
P/1 – Mas, me explica, enquanto o senhor fazia isso, quem que cuidava da maniva e do resto da plantação?
R – Ficava lá por conta de Deus.
Deus tomava conta.
Até a gente voltar pra ir capinar e zelar.
P/1 – A maniva era num canto e a maçaranduba noutro?
R – Exatamente.
P/1 – E a casa? O tapiri no meio?
R – Era.
P/1 – Como é que era? Me explica.
R – Como assim?
P/1 – O tapiri ficava na beira?
R – Não, no centro.
O tapiri da maçaranduba, que fosse da balata, que seja da castanha, não era na beira, era centro, a gente ficava.
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P/1 – No interior.
R – Caminhava uma hora, duas hora conforme.
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P/1 – Pra chegar lá?
R – Exatamente.
P/1 – E a maniva, ficava aonde?
R – A maniva a gente pegava na própria roça.
P/1 – Mas a roça de maniva ficava perto de onde?
R – Da casa de morada, que é lá na comunidade, distância como daqui, por exemplo, aonde vocês vieram, daqui lá pra casa da Marta a distância da casa pra roça.
Hoje é mais longo, que a cada ano vão fazendo, vão fazendo, vai virando a capoeira e, aí, a gente vai se alongando.
P/1 – Quer dizer, pra chegar lá da casa levava quanto tempo de andada?
R – Pra chegar na roça? Olha, a distância, como se diz, daqui pra onde vocês estavam, lá na casa da Marta.
P/1 – Eu sei, mas eu vim de carro.
Quanto tempo de andar?
R – Olhe, dez minutos, 15 minutos, 20 minutos.
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P/1 – E pra chegar no tapiri?
R – No tapiri? Ah, bom isso aí já é outra história, que o tapiri é onde a gente trabalhava na parte do inverno pra coletar o produto, se fosse a castanha, se fosse a balata, o que fosse.
P/1 – Aí, era longe da casa? E maçaranduba?
R – Longe demais.
Inclusive no primeiro, em 60, quando eu cortei balata, eu passei um mês viajando do Panama pra chegar na boca do igarapé em que nós trabalhamos.
Um mês de viagem.
P/1 – Ah, o senhor passou um mês andando?
R – Andando.
P/1 – Até chegar lá?
R – Isso já era pra coletar a balata.
P/1 – E subia pela mata?
R – Não, pelo rio.
P/1 – Um mês de viagem pelo rio?
R – Um mês de viagem.
P/1 – E quem que subia esse rio junto?
R – Olhe, eram milhares de pessoas, era muita gente, não era só um, nem dois, nem três.
Eram milhares de pessoas, pra mais de mil homens.
P/1 – Ah, é? Como que vocês subiam o rio?
R – De canoa.
P/1 – Mas subir o rio tem que remar?
R – É, remar, varejar, puxar na terra, puxar no cabo.
P/1 – E isso era patrocinado? Tinha um patrão?
R – Tinha.
P/1 – Ele é quem contratava vocês pra subir lá?
R – Exatamente.
Ele aviava, como se diz, ele te aviava pra passar seis meses pro alto.
P/1 – O contrato era seis meses?
R – Seis meses.
P/1 – A família ficava cá, embaixo?
R – Cá, embaixo.
P/1 – Com que dinheiro?
R – O patrão ficava à ordem, como se diz.
“Tantos contos por mês” e, aí, o freguês estipulava; quando chegava aquele mês, a mulher vinha na casa do patrão e levava aquela quantia, tanto em mercadoria, tanto em dinheiro.
E só onde a gente via o dinheiro era na balata.
P/1 – E se o senhor subisse o rio e chegava lá estava ruim, o senhor podia ir embora?
R – Não, não tinha como vir.
P/1 – O que é que acontecia se alguém decidia vir embora?
R – Não tinha como vir, minha querida, porque era um serviço muito animado, a gente se adaptou no serviço, e gostou mesmo, não tinha como vir.
A não ser num caso de doença, em que não tinha outro meio.
P/1 – Se alguém ficasse doente, o que acontecia?
R – Olhe, mas era muito difícil nessa época.
P/1 – Ninguém ficava doente?
R – Não, senhora.
Era difícil demais.
P/1 – Mas uma cobra não picava.
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R – Não, não, não.
P/1 – Não acontecia nada?
R – Não, não, não.
Primeiro que a gente estava muito bem preparado, com perneira, com tudo.
P/1 – E, aí, vocês ficavam pra lá seis meses?
R – Seis meses.
P/1 – E, aí, então, o senhor me conta que o senhor estava levando essa vida já com os filhos?
R – Com os filhos.
P/1 – Quantos filhos o senhor teve?
R – Olhe, criei dez.
P/1 – Então, me conta quando que o senhor conheceu sua esposa?
R – Eu estava em 59.
P/1 – O senhor conheceu ela aonde?
R – Morava na comunidade, era vizinho, meu pai com o pai dela.
P/1 – E quem decidiu casar? O senhor ou o seu pai com o pai dela?
R – Olhe, mais foi o pai dela.
P/1 – Ele falou “case” e o senhor tinha quantos anos?
R – É, porque respeitando a senhora a gente fez algo errado e, aí, naquele tempo não tinha pai pro filho, nem filho pro pai.
Ou era tudo ou nada.
Aí, eu como sempre tive um espírito de homem, não fugi da raia e eu vou carregar essa cruz porque eu mexi aonde eu não devia mexer.
P/1 – Mas ela ficou grávida?
R – Isso.
Aí, eu casei por uma causa.
Ninguém acreditava em mim, que era muito jovem.
Mas eu tinha.
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Tinha não, tenho essa cruz que eu carrego de responsabilidade.
P/1 – O senhor nem queria casar, assim, na verdade, na verdade?
R – Não, eu queria, quem não queria era o pai dela.
Aliás, ela era uma mulher muito bonita, por nome Rosa, até o nome dela, e eu não tinha como dizer que eu não queria casar com ela.
Agora, infelizmente, o pai dela, devido a minha idade, é que não queria de maneira nenhuma.
Quer dizer, não queria não, ele quis, só que ele não me adotou de maneira imediata como se eu fosse genro dele.
Mas, pelo meu capricho e o meu modo de tratar, depois ele se tornou um íntimo sogro.
P/1 – E o seu pai ficou tudo bem, ficou feliz?
R – Bem, tudo bem.
Meu pai era um homem muito sabido e trabalhou vários tempos aqui na polícia, e era um homem muito respeitoso e, através dele, a gente teve o mérito de escapar da violência.
P/1 – Por quê?
R – É, porque naquele tempo a senhora sabe, o cabra se mexesse, assim, com quem estava quieto, a arriação era cruel.
P/1 – Quer dizer, o pai dela podia matar o senhor?
R – É, não pudesse fazer, mas talvez ele batesse muito.
P/1 – E, aí, foi o seu pai que salvou o senhor?
R – E, através do respeito do meu pai, que era compadre dele e a minha esposa era comadre dele, de águas benta e a gente pode ter essa vitória pra hoje eu estar sendo entrevistado pela senhora e contando essa história do meu passado de vida.
P/1 – Aí, vocês foram morar aonde?
R – Eu morei no papai.
P/1 – Com ela?
R – Isso, eu morei no papai.
Isso era eu, a minha esposa, o meu pai, a minha mãe e a minha irmã adotiva, de criação.
Aí, depois, eu fiz a minha casinha, assim, perto do meu pai e eu fui me amadurecendo e deu tudo certo.
P/1 – E, aí, o senhor ficou vivendo nessa comunidade, com ela, tendo filho, por quanto tempo?
R – Olha, de 59 até 2000.
P/1 – Todo esse tempo? O senhor viveu 60 anos na comunidade?
R – Olhe, sim, senhora.
P/1 – Quarenta anos na comunidade.
R – Olhe, eu cheguei em 48 e permaneci lá até em 2011.
P/1 – O senhor foi embora de lá por quê?
R – Olhe, como é uma entrevista e a gente está aqui não pra avançar tanto, eu vim de lá por falta de apoio da minha família.
.
.
P/1 – Lá? O senhor brigou com os seus filhos?
R – Não, motivo de agressão.
Aí, eu senti um clima diferente, eu como pai, como se diz, eu seja excluído por minha família, que seja os meus filhos.
P/1 – Mas o senhor foi excluído por causa que o senhor casou de novo?
R – Não, não, não.
P/1 – Por quê?
R – Não, não, não.
Isso aí eu não sei, não sei lhe explicar, tanto e sabendo.
P/1 – O senhor não quer?
R – Como assim?
P/1 – O senhor não quer me explicar porque que o senhor saiu de lá?
R – Não, porque eu acho muito triste.
P/1 – Mas pode explicar porque não tem problema, que a tristeza e a alegria fazem parte da mesma vida.
R – Olha, eu sofri, acabei minhas forças criando, trabalhando pra criar e, hoje, eu trabalhei 33 anos lá, na colocação de castanha, pago desde 85 o imposto lá, da comunidade, que se diz cadastro e, hoje, eles não querem me dar a oportunidade de nada, como eu não tenha nada, como eu não fiz nada.
Isso eu acho muito triste.
P/1 – Mas quem que não quer dar, a comunidade ou os seus filhos?
R – É eles próprio.
P/1 – Eles quem, os seus filhos?
R – É.
P/1 – Ah, é, o senhor se desentendeu com os filhos, então?
R – Nunca discutimos, mas eles não me querem mais lá, porque consta que eu não tenho mais nada lá mas eu deixei eles com tudo.
E tudo o que eles têm construído lá, eu tenho vínculo, eu tenho investimento.
E mesmo que eu não tivesse, mas eu sou pai.
Deixei eles colocados, com uma colocação, como se diz, de castanhais, uma fonte de renda, que hoje eles têm alguma coisa através disso.
E eu briguei, não foi briga corporal, mas foi briga na Justiça, pra mim conseguir essa fonte de renda e hoje eles não querem que eu trabalhe, não querem que eu bote uma pessoa lá, em meu lugar.
Aí, pra tentar fica muito difícil.
E eu acho difícil gente ir pra Justiça porque é filho.
P/1 – O senhor não quer brigar com eles na Justiça?
R – Não.
Eu quero que eles tenham Deus, que Deus toque no coração deles, que eles usam a consciência, que eu sou pai e construí tudo pra eles.
P/1 – Mas o senhor já falou isso pra eles?
R – Já, tenho, falo.
Até domingo, dia 7, eles estiveram aqui e a versão é essa, que só eu.
Se eu pudesse trabalhar, minha amiga, eu não estava aqui.
Eu estava lá, na minha comunidade, que é lá que eu me criei e criei os meus filhos.
Eu estava lá.
Então, eu acho que eles deveriam ter um bom senso e usar um pouco de consciência “Isso aqui foi construído pelo meu pai, esse direito dele é legítimo, só quando ele morrer que nós podemos dizer que somos donos ou fazemos da maneira que nós acha melhor”.
P/1 – Mas isso são todos os seus filhos ou alguns?
R – Olha, é praticamente todos.
P/1 – É mesmo?
R – É.
Eu sou tiro da faixa um pouquinho um.
.
P/1 – Os outros disseram “o senhor não trabalha mais, então”.
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R – Por sinal, eles chegam aqui, eu sei que eles estão aí por saber, mas eles nunca que veio aqui ver “Como é que o senhor está? Bença, papai, vim ver como é que está a sua situação”.
Então, isso pra mim é muito dolorido.
P/1 – Mas quando que começou a ficar desse jeito?
R – Olhe, foi quando a pessoa começou a ter conhecimento.
P/1 – Quando eles cresceram?
R – Não, não, não, já de uns tempos pra cá.
E através de um que, aí, leva os outros nas costas.
P/1 – Ah, foi um que levou todo mundo?
R – Exatamente.
P/1 – Por quê? Ele diz o quê, esse um?
R – É, porque lá quem domina é ele, se ele disser que é A tem que ser A mesmo.
P/1 – É o seu filho mais velho?
R – Não, não, não.
É o nono, uma coisa assim.
A menina sabe quem é, aquela que veio aqui com Garcilázio.
Então, eu acho muito difícil eu, como pai e como dono daquilo lá, não ter uma voz ativa de dizer “Eu vou botar essa pessoa pra trabalhar pra mim na época do inverno, tirar castanha”, porque eu sou aposentado e não tenho mais direito a nada.
O que é que a senhora acha? Eu acho que tenho direito, não?
P/1 – Isso está doendo muito pro senhor?
R – Dói, dói, dói.
P/1 – Dói, o senhor espera que isso mude ou o senhor já desistiu?
R – Não, eu espero que mude a consciência deles, que tenham bom senso e reconheçam que tudo o que tem lá foi adquirido por mim “Então, vamos dar esse direito pro meu pai porque se não fosse ele nós não tinha nada”.
P/1 – Todos os seus filhos estão lá e todos eles vivem da castanha?
R – Vivem.
P/1 – Todos?
R – Vivem.
P/1 – Que mais que eles fazem?
R – Olha, de inverno é a castanha e de verão é a roça, é a farinha.
P/1 – Todos eles estão com essa vida?
R – Exato.
P/1 – O senhor tem muitos netos?
R – Minha amiga, virgem, eu tenho 33 netos; 33 netos e parece que uns 20 e poucos bisnetos.
(risos)
P/1 – E o senhor não sente falta do convívio com os seus netos ou pra o senhor tanto faz?
R – Eu sinto muita falta, até dos netos não, mas mais dos meus filhos, que eu criei tudo junto.
E, hoje, eu tenho vergonha, tenho vergonha de chegar lá, já vou chegar nervoso porque.
.
.
P/1 – O senhor não acha que vai ser bem recebido?
R – Com certeza.
P/1 – Não vai ser?
R – Com certeza.
E, aí, eu já me sinto acanhado, já chego lá com nervoso.
E, aí, não adianta eu ir pra lá, fazer o quê.
P/1 – E, aí, o senhor parou de ir?
R – Parei de ir.
Então, o dever deles, eu acho que o dever mais deles do que meu, porque eles vêm aqui, onde eu estou, na cidade perto de onde eu estou.
Então, eu acho que eles deveriam vir aqui, saber como era que eu estava, tomar benção de mim, não carecia sentar horas e horas, mas eles vim, dar esse testemunho de simplicidade.
P/1 – Eles não fazem isso?
R – Não, senhora.
Então, pra senhora ter uma prova, eu acho que esse papo está muito sadio, Graças a Deus, o Garcilázio ligou ontem pra um, pra esse que se diz ser o manda chuva lá, pra ele me avisar aqui e ele não veio e, aí, ele tem o número do meu celular, ser ele não quisesse vir, liga, “Olhe, papai, seu Fulano, o Garcilázio está chegando aí com uma comitiva amanhã, tal hora e tal, se prepare pra ir encontrar ele”, Chegaram aqui e me pegaram contramão.
Então.
.
.
P/1 – Ah, o senhor nem estava esperando?
R – Não, senhora, pra senhora ter uma ideia que as coisas não está nem 55 por cento.
Então, eu já senti que não adianta eu ir lá porque o clima é diferente, porque o que custa ele dar um recado, mandar um filho dele vir aqui dar um recado ou ligar mim? Eu acho que.
.
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P/1 – E ele mora pra lá?
R – Mora lá.
P/1 – Essa comunidade é na beira do rio?
R – É na beira do rio.
P/1 – Tem que subir o rio ou tem que descer o rio?
R – Olhe, entrando por lá, vara numa comunidade por nome Recreio e, aí.
P/1 – Onde que nós paramos? Estávamos falando do problema com os filhos.
R – Isso, foi isso aí.
Aí, paramos aí, nesse assunto.
P/1 – Eu só queria entender melhor esse assunto.
A partir de que momento que isso começou a acontecer?
R – Olhe, está praticamente com uns três anos.
P/1 – Ah, é pouco tempo?
R – Isso.
P/1 – Foi há três anos atrás? O senhor saiu da comunidade há quanto tempo?
R – Olha, eu saí em 2011.
P/1 – Foi, então, antes de o senhor sair? O senhor saiu por causa disso?
R – Exatamente.
P/1 – Foi um desentendimento dentro da comunidade?
R – Exatamente.
P/1 – Por quê? O senhor teve que parar de trabalhar?
R – Isso.
Agora, tem um assunto aí que eu posso lhe explicar fora do ar, pode ser?
P/1 – Pode.
Dá uma parada aí, Caio, que eu preciso entender isso fora do ar, vai.
O senhor saiu da comunidade.
R – Isso.
P/1 – E o senhor, daí, veio pra cá?
R – Exatamente.
Exatamente e lá.
Aí, teve esse Festival da Castanha e mandaram, por Deus, que não foi pro outro, ela foi pra lá.
P/1 – Onde foi que aconteceu o festival?
R – Lá na Comunidade de Cafezal.
E, aí, nós já tinha se visto por duas vezes, eu e ela.
P/1 – Como que é o nome dela?
R – Maria de Nazaré da Silva.
E, aí, eu meio enxerido, me aproximei dela e deu certo, como ela vivia também só, e, aí, eu vim pra cá.
E hoje ela me trata muito bem e tem a liberdade de todos os meus filhos chegar aqui e ser bem recebido.
Infelizmente, eles não têm esse preconceito, essa consideração, tanto comigo, muito mais com ela.
P/1 – Eles conhecem a sua mulher?
R – Conhecem.
Por sinal, eu levei ela pra passar uns tempos pra lá que eu ainda trabalhava no centro, aí, eu digo “Vamos pra lá”.
Aí, ela ficou em casa, a gente ia pro centro, vinha de 15 em 15 dias, ela conhece muito bem.
Aí, depois, quando chegava aqui, eles vinham aqui, comiam e bebiam, da maior forma possível, sem estar negando.
É um direito de um pai acolher um filho, de uma mãe acolher um filho.
E ela acolhia eles com todo o carinho e o maior respeito e hoje, infelizmente, eu estou caminhando só e por não ter o apoio necessário dos meus filhos.
P/1 – Ela tinha filhos?
R – Tem.
P/1 – Quantos filhos ela tem?
R – Ela tem o mesmo tanto que eu também criei.
P/1 – Também dez?
R – É.
P/1 – E cadê os filhos dela?
R – Estão por aí, só tem um que mora em Vitória do Jari e outro está trabalhando numa colônia aqui, nessas colônias aí.
P/1 – Os filhos dela são agricultores também, não?
R – Não, não, não.
Eles trabalham de empregados, tem uma que trabalha ali, com os padres, e a outra tem comércio, quase todas elas têm um comerciozinho.
P/1 – E, aí, elas vêm aqui, na casa do senhor?
R – Vem.
P/1 – Então, o senhor, agora, trocou de filho?
R – Exatamente e elas têm um carinho muito grande comigo e um respeito, como eu esperava que os meus filhos também tivessem o respeito necessário por ela e muito mais por mim.
P/1 – Agora, voltando atrás, o senhor trabalhou a sua vida toda como castanheiro, maçaranduba, balata e o senhor foi comissário também?
R – Fui.
P/1 – Então, como é que o senhor se tornou comissário?
R – Olhe, eu tornei comissário pelo meu comportamento, está, e pelo meu moral porque nesse tempo, ele Pompílio de Siqueira Góes era quase dono de Almeirim.
P/1 – Ele era o dono da balata também?
R – Quase todo o dono de Almeirim, ele foi quase o dono e ele trabalhava com muita gente, tanto balata, castanha, madeira.
Aí, eu tinha um colega por nome Flor, que era comissário.
Aí, ele mandou que ele entrasse no Paru e escolhesse pessoas de responsabilidade, pessoas sérias pra assumir o cargo de comissário, porque a área é muito grande.
Nesse tempo, tinha um comissário, um agente aqui e um acolá, onde eu fui um escolhido por esse companheiro, Flor.
P/1 – O que é que faz o comissário?
R – É uma polícia.
P/1 – Só que quem define quem é comissário era o Pompílio?
R – Não, não, não.
Ele mandou escolher.
Aí, o companheiro me escolheu, escolheu outro senhor por nome Alvim, sendo tio da minha esposa, da minha ex-esposa e viemos pra cá, pra Almeirim, a delegacia funcionava ali, na praça, e o delegado nessas alturas era o senhor de João Sena e eu fui nomeado nessa época pelo senhor João Sena, como comissário.
P/1 – Então, o senhor trabalhava de polícia?
R – Isso, aí, vamos dizer, tem um quarteirão, aí, fazem baderna, o comissário ia lá, dava voz de prisão, trazia pra cá?
P/1 – Então, o senhor podia dar voz de prisão?
R – Devia.
P/1 – Aí, o senhor largou a castanha?
R – Fizesse uma festa, tinha que a gente dar licença pra eles, estipular o preço e dar a licença.
P/1 – Custava quanto pra fazer uma festa?
R – Olhe, era conforme a época, nesse tempo era dez reais, 20 reais e conforme o tempo já subiu.
P/1 – E pra onde que ia o dinheiro da festa?
R – A gente vinha ajustar com o delegado.
P/1 – Dava o dinheiro pro delegado?
R – Pro delgado e, aí, ele dava aquela porcentagem pra gente.
P/1 – Entendi.
Quer dizer, cada coisa que se queria fazer.
.
.
Quais eram as coisas que se precisava pagar? Festa, o que mais?
R – Era só a festa nesse tempo, não tinha mais outra coisa.
P/1 – Pra dar a festa precisava pagar?
R – Tinha que pagar.
A gente destacava a licença, estipulava o preço e, aí, entregava pra pessoa que era o dono ou responsável pra fazer aquele evento.
P/1 – E se tivesse um roubo na cidade, quem que tinha que resolver?
R – Bem, na cidade era com o delegado e policial que permanece na cidade; já o interior já era com essas pessoas, que nem eu e muitos mais.
P/1 – Mas o senhor, então, era comissário lá na comunidade?
R – Isso, exatamente.
P/1 – Na sua comunidade?
R – Isso.
Daí, eu tinha o quarteirão, daqui, vamos supor, daqui pra ali, no outro lado, uma comparação.
Aí, era o meu quarteirão, eu mandava no meu quarteirão; daqui pra ali era outro, ele mandava.
Se brigasse pra lá, ele prendia, trazia pra cá e tudo o mais.
P/1 – Então, o senhor cuidava de bebida? Bebida, por exemplo, se alguém bebia demais o senhor podia botar na cadeia?
R – Não, não.
Se ele não fizesse, como se diz, baderna, ele podia curtir lá a quantidade que ele pudesse, podia cair, podia fazer tudo.
A gente só punia se ele fizesse baderna, desacato.
P/1 – Agora, e morte?
R – Morte, durante o meu período teve três morte.
Foi o maior, como é que eu posso dizer, vexame que eu tive como comissário.
P/1 – As mortes?
R – Prender os caras que mataram.
P/1 – Foram o quê? O que é que eram? Quais foram as mortes? Me conta o que é que aconteceu?
R – O que aconteceu? Festa.
P/1 – Foi morte em festa?
R – Foi, uma foi.
E a outra foi desordem lá no Centro.
E outra foi em outra região por nome Panama, só que não era o comissário atual, aí, eu fui atrás do companheiro, mas não encontrei.
P/1 – Não encontrou?
R – Não, o que matou.
P/1 – E ele matou por quê?
R – Olhe, problemas de família, desacato de família.
P/1 – Ele matou quem?
R – O senhor Dilmário.
P/1 – Ele matou o pai, era conhecido?
R – Não, não, não.
P/1 – Briga de família?
R – Exatamente.
P/1 – E o do Centro, matou por quê?
R – Matou por causa de molecagem.
Foi uma coisa diretamente casual, como se diz.
P/1 – E, assim, briga de marido e mulher, não dá morte, não?
R – Nunca deu.
P/1 – E pai com filho não dá morte?
R – Nunca deu.
P/1 – E dinheiro?
R – Não.
P/1 – Também não? É mais coisa, briga de festa?
R – Exatamente.
P/1 – Aí, o senhor pegava a pessoa.
Dos três que mataram, o senhor conseguiu pegar quantos?
R – Só um.
P/1 – E, aí, o quê que o senhor fez com ele?
R – Eu trouxe pra cá.
P/1 – E ele foi pra cadeia?
R – Foi.
P/1 – Saiu depois de quanto tempo?
R – Ele passou uns três anos, mais ou menos.
Aí, eu não vou divulgar o nome, nem do morto e nem do que matou.
P/1 – Ele ficou com raiva do senhor, do senhor ter prendido ele?
R – Não, não.
Não ficou, por sinal, ele é até o meu compadre de águas bentas.
Eu era não, sou padrinho de um filho dele.
P/1 – Mesmo assim o senhor prendeu ele?
R – Prendi.
E ele era uma pessoa muito humilde, muito humilde que a gente dizia que ele não tinha essa coragem de fazer.
P/1 – Mas o senhor viu que foi ele mesmo?
R – Vimos, foi ele mesmo e ele se entregou, diretamente.
Eu procurava ele de um lado e ele lá, gritou “Ei, compadre, eu estou aqui”.
P/1 – E o senhor foi atrás?
R – Fui atrás.
(Risos)
P/1 – Quando foi que o senhor pegou ele?
R – Olhe, esse cara, o acontecido, foi três horas da madrugada e eu dei voz de prisão pra ele foi sete hora da manhã.
P/1 – O senhor ficou quatro horas atrás dele?
R – Não, não, não.
Que, aí, quando chegaram a notícia em casa, era noite e eu digo “Não, não vou.
Eu não vou porque à noite, a senhora sabe.
Eu vou deixar amanhecer e, aí, eu vou atrás dele” e fui lá, na casa do pai dele, encostei, procurei por ele, ele não estava, ele morava do outro lado.
Aí, ele gritou “Ei, compadre, você anda atrás d’eu, eu estou aqui”.
Aí, eu atravessei com o meu irmão, aí, fomos lá e eu dei voz de prisão pra ele.
P/1 – E ele veio na boa?
R – Veio, veio na boa.
P/1 – Ser comissário, o senhor tinha pagamento?
R – Não, a gratificação só era das festas.
P/1 – Esse era o único dinheiro que o senhor tirava?
R – Era.
P/1 – Quer dizer, não tem salário?
R – Não tinha salário.
P/1 – E quem que, por exemplo, esse Pompílio, que era dono da cidade, ele era dono de que maneira, o senhor pode me explicar?
R – É porque ele tinha muito recurso, muito poder.
Ele foi vereador por vários tempos, foi prefeito por uns tempos também.
Mas, só que, pessoalmente, ele é uma pessoa muito excelente, que hoje a gente tem um respeito muito grande por ele.
P/1 – E ele está aí, até hoje?
R – Está, só que ele é viúvo também, mas ele já tem outra mulher.
P/1 – Ele virou prefeito?
R – Ele foi prefeito por uns sete meses, por aí assim.
P/1 – Aí saiu?
R – Saiu.
P/1 – Por quê?
R – Porque era o tempo determinado.
Tinha eleição, aí o outro ganhou e assumiu.
P/1 – Que época que ele foi prefeito?
R – Foi em 83, por aí, assim.
Mais ou menos.
P/1 – Entendi.
O senhor lembra quando a dona Marta foi prefeita?
R – Lembro.
P/1 – Foi alguma mudança, porque ela é mulher, foi diferente, mudou alguma coisa?
R – Não, realmente mudou.
P/1 – O que é que mudou?
R – Mudou da seguinte forma, para aquelas pessoas, que ela tinha o direito de ajudar.
Eu, ou o que seria a minha comunidade, ela não ajudou.
Agora, eu digo que o culpado não foi ele, o culpado foi nós, ou que seje eu.
P/1 – Por quê?
R – Porque quando ela foi pra fazer um comício lá, praticamente a gente não deu permissão.
P/1 – Aí, depois, ela não.
.
.
R – Aí, também, quando ela ganhou, ela também não ligou e eu dou razão pra ela, porque eu tinha que respeitar.
Até a gente tem, assim, um respeito de parentesco e eu não respeitei nem a parte de considerar parente, como a autoridade dela.
P/1 – Quer dizer, na sua comunidade quem mandava muito era o senhor? O senhor era a liderança?
R – Na época era.
P/1 – O senhor era a maior liderança da comunidade?
R – Exatamente, era.
Eu era a maior liderança.
P/1 – Até que ano o senhor foi essa liderança toda?
R – Até em 2000, na época em que minha esposa morreu.
P/1 – Quando ela morreu, aí, o senhor.
.
.
R – Eu, já devido a idade, aí, eu fui experimentando filho por filho até que eu achei esse que está hoje.
P/1 – Pra botar no seu lugar?
R – Pra botar no meu lugar.
E como ele trabalhou bem e tal, e se tornava humilde, aí, ele ficou como liderança e hoje ele trabalha representa o povo de uma comunidade, ou de uma associação e ele ficou com essa liderança, mas, realmente.
.
.
P/1 – Eu já estou terminando.
Me conta uma coisa, seu Teófilo, o senhor sabe escrever? Ler?
R – Pouco eu sei.
Ler também.
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P/1 – É.
O senhor se comunicava quando o senhor saia da comunidade com os seus parentes? O senhor usava carta, mandava coisa pra eles, recebia?
R – Não, senhora.
P/1 – Nunca precisou disso?
R – Não, não, não.
P/1 – O senhor nunca recebeu uma carta na vida?
R – Não, senhora.
P/1 – Nem nunca mandou uma carta?
R – Não, mas algum bilhetinho assim.
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Até, na hora, tem tanto fundamento que a gente lia e tal, aí a gente embolava e jogava por ali.
Mas.
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P/1 – E, aí, o senhor não foi procurar aprender a ler mais, depois não sentiu necessidade disso?
R – Não, porque no meu tempo, logo quando eu construí família, não tinha a facilidade de escola que tem hoje.
P/1 – Seus filhos, por exemplo, eles foram na escola?
R – Foram.
P/1 – Já era mais fácil?
R – Já era mais fácil.
P/1 – A escola ficava aonde?
R – Lá na comunidade.
Pelo menos o primeiro professor da comunidade foi meu pai.
P/1 – Professor? O seu pai sabia ler, então?
R – Meu pai era um homem muito sabido.
P/1 – Ah, é?
R – Demais.
P/1 – Ele tinha essa sabedoria toda de aonde?
R – Olhe, de escola.
P/1 – Ele tinha ido na escola?
R – Tinha.
Ele estudou muito.
Meu pai era muito sabido, muito sabido, um homem muito distinto.
P/1 – Ele tinha estudado no Ceará?
R – Olhe, ele estudou quando ele morava com o padrinho dele.
Aliás, que o padrinho dele, era, como eu lhe falei, formado como promotor, advogado, era um homem muito sabido.
P/1 – Então, ele deu sabedoria pro seu pai?
R – Exatamente.
E, aí, o meu estudo foi muito pouco.
Eu terminei no dia 23 de agosto de 1954, na época que o Getúlio morreu.
P/1 – O senhor lembra disso?
R – Lembro disso.
Quando nós chegamos na escola, a professora disse “Olhe, não vai ter aula durante três dias que o presidente morreu.
Se suicidou e morreu”.
Aí, eu voltei, nesse dia eu ia dar a lição no primeiro livro, tem Rafael e Beto, era essa a lição que eu ia dar, me lembro como esse fosse hoje.
Aí, voltemos e nesse dia não teve mais como eu entrar na escola.
P/1 – O senhor foi embora no dia do Getúlio e não voltou mais?
R – Exatamente, aí eu não voltei mais.
P/1 – Por quê?
R – Porque aí foi o tempo que eu arrumei família e, aí, não tinha como.
E a escola era distante de nós morava, pra lá.
Tinha que ir de canoa e tal, era muito sacrifício.
Pra mim estudar eu não ia dar conta de comprar o leite pro menino, e, aí, a senhora sabe, quem muito abraça pouco aperta (risos).
Podendo deixar a escola de mão, mas, como meu pai era muito sabido, ele ficava me ensinando ali, em casa.
Já tive um ensino caseiro, meu maior aprendizado foi com meu pai, já em casa.
P/1 – Pra gente terminar, qual que é o seu maior sonho hoje, seu Teófilo? O que é que o senhor quer que aconteça?
R – Olhe, o meu maior sonho, aliás, é três sonhos.
Mas o meu maior sonho era que os meus filhos tivessem o preconceito de me considerar e me respeitar e me dar meus direitos como pai.
E o outro é que eu tenha mais vida além desses 72 anos, que eu tenha mais vida, prolongada e conquistar muito boas amizades.
P/1 – E o terceiro, que o senhor falou três?
R – O terceiro, pois é, filho, vida e amizade.
P/1 – Está bom.
Obrigada.
R – Vai daí, essa aí não pode escutar o bate papo.
FINAL DA GRAVAÇÃO.
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