A pauta estava definida. Gravaríamos o projeto de implementação de bancos de barro e horta na escola. A iniciativa era ótima, inclusive pelo fato das crianças participarem de todo o processo, o que as faria se sentirem “participes deste processo de mudança”. Num futuro muito próximo aproveitariam as áreas livres e ainda por cima aprenderiam que verduras e legumes não nascem em supermercados...
Iniciadas as gravações colhemos os depoimentos das participativas professoras a elogiarem o projeto, não faltando quem alertasse sobre o malefício do aquecimento global. Enquanto isso, as crianças se lambuzavam de lama e, entre uma pazada aqui e um bullyng acolá, iam modificando o canteiro de obras. Para cada criança que efetivamente se empenhava na prática, havia provavelmente o triplo que zanzava pelo jardim e também pelo pátio interno da escola, obviamente enchendo tudo de barro. Observando tudo de forma atônita estava a senhora da limpeza, que lavava sucessiva e sucessivas vezes o pátio.
Em determinado momento, o presente narrador, adentra desavisadamente ao banheiro recém limpo e deixa suas enormes “pegadas ecológicas”, com um barro mole, abundante, um verdadeiro desastre ambiental..
Ao ver a cena, a senhora da limpeza é tomada de um ímpeto raivoso – mais do que justificado, diria eu – e parte para cima do intrepido cinegrafista, com a vassoura em riste. Este se defendendo com a única coisa que lhe sobrava, a sua câmera, sua fiel escudeira, num misto de suplica e pedidos lamurientos de perdão, passa a colher o desabafo da valente senhora que repetidamente afirmava que nada daquilo valeria a pena.
Segue-se um diálogo interessantíssimo, em que a senhora da limpeza expõe a falência de nosso sistema educacional, a falta de respeito, reconhecimento e cidadania em nosso país, culminando por ao final, afirmar que estava desistindo de tudo.
Tendo retornado a São Paulo - felizmente são e salvo - o material foi editado e...
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A pauta estava definida. Gravaríamos o projeto de implementação de bancos de barro e horta na escola. A iniciativa era ótima, inclusive pelo fato das crianças participarem de todo o processo, o que as faria se sentirem “participes deste processo de mudança”. Num futuro muito próximo aproveitariam as áreas livres e ainda por cima aprenderiam que verduras e legumes não nascem em supermercados...
Iniciadas as gravações colhemos os depoimentos das participativas professoras a elogiarem o projeto, não faltando quem alertasse sobre o malefício do aquecimento global. Enquanto isso, as crianças se lambuzavam de lama e, entre uma pazada aqui e um bullyng acolá, iam modificando o canteiro de obras. Para cada criança que efetivamente se empenhava na prática, havia provavelmente o triplo que zanzava pelo jardim e também pelo pátio interno da escola, obviamente enchendo tudo de barro. Observando tudo de forma atônita estava a senhora da limpeza, que lavava sucessiva e sucessivas vezes o pátio.
Em determinado momento, o presente narrador, adentra desavisadamente ao banheiro recém limpo e deixa suas enormes “pegadas ecológicas”, com um barro mole, abundante, um verdadeiro desastre ambiental..
Ao ver a cena, a senhora da limpeza é tomada de um ímpeto raivoso – mais do que justificado, diria eu – e parte para cima do intrepido cinegrafista, com a vassoura em riste. Este se defendendo com a única coisa que lhe sobrava, a sua câmera, sua fiel escudeira, num misto de suplica e pedidos lamurientos de perdão, passa a colher o desabafo da valente senhora que repetidamente afirmava que nada daquilo valeria a pena.
Segue-se um diálogo interessantíssimo, em que a senhora da limpeza expõe a falência de nosso sistema educacional, a falta de respeito, reconhecimento e cidadania em nosso país, culminando por ao final, afirmar que estava desistindo de tudo.
Tendo retornado a São Paulo - felizmente são e salvo - o material foi editado e enviado a festivais de cinema. Eis que então fui agradavelmente surpreendido com a noticia de que ele havia sido selecionado para a mostra competitiva de um importante festival de cinema de Direitos Humanos, o Entretodos, tendo inclusive propiciado interessantes debates.
Quanto à horta, se ela continuou ou foi abandonada, nunca mais soube. Tampouco soube o destino da senhora da limpeza. Entretanto, diante da realidade do que tenho encontrado em relação aos projetos socioambientais no Brasil, principalmente no quesito continuidade, resta-me sempre a dúvida se, na realidade, a única pessoa realmente sensata em toda esta história não seria mesmo a senhora da limpeza...
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