Projeto Belo Horizonte Surpreendente
Depoimento de Marcelo Alvarenga
Entrevistado por Lucas Torigoe
Belo Horizonte, 23/09/2019
PCSH_HV826 _ rev.
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Beatriz Cunha
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
R – Meu nome é Marcelo Bastos Alvarenga, nasci em 29 de junho de 1973, em João Monlevade, Minas Gerais.
P/1 – E seu parto, falaram como é que foi o seu nascimento, como foi o dia? Você nasceu no hospital ou em casa?
R – Minha família é de Lavras e de Perdões, mas meus pais moravam em Caratinga nessa época. Eu tenho um tio, irmão do meu pai, que é obstetra e que falou: "Vem ter o Marcelo aqui em Monlevade, ao invés de ter em Caratinga". Eu acho que tinha alguma coisa no hospital que não era muito legal, enfim. E aí, minha mãe foi para Monlevade. Eu acho que demorei a nascer. Minha mãe ficou um mês esperando o meu nascimento e aí nasci, e hoje sei que foi um parto tranquilo, num hospital que se chama Hospital Margarida. É um hospital conhecido ali em Monlevade e muitos primos nasceram lá. Esse meu tio levava as irmãs e cunhadas para terem bebê lá, e foi o meu caso.
P/1 – Você só nasceu lá e foi para outro lugar?
R – Sim, só nasci. Morei em Caratinga acho que por um ano, porque meu pai fazia mestrado lá. Aliás, minto, meu pai fez mestrado em Viçosa. Não sei o que ele estava fazendo em Caratinga, ele trabalhava na Ipami. Eu não tenho lembranças de Caratinga, nós voltamos para Lavras logo em seguida.
P/1 – E qual é o nome inteiro do seu pai?
R – Gui Alvarenga.
P/1 – Gui?
R – Isso, G-u-i. Muitos chamavam o meu pai de Gui, mas era Gui, só que se escrevia com "g,u,i", então gerava muitas dúvidas.
P/1 – E o porquê desse nome?
R – Uma inspiração...
P/1 – Você estava explicando o nome do seu pai. Por que ele se chama assim.
R – Acho que uma inspiração francesa mesmo, mas o meu avô quis escrever com i, não quis a grafia original.
P/1 – E o nome dele e só esse?
R – Só esse: Gui Alvarenga.
P/1 – Entendi. Como é que é a família do seu pai? O que eles fazem? Quem são?
R – A família do meu pai é uma família bem interessante. Meu avô, João, era um fiscal da Receita, em Perdões, mas acho que ele tinha um emprego em que trabalhava só meio horário. Não me lembro do meu avô indo trabalhar. A gente brincava que ele era um marajá, mas não era. Ele era quem cozinhava em casa, meu avô era quem… Diariamente. Então, era um cara superinteligente, que gostava de jogar xadrez, ensinava aos netos e adorava disputar com os netos e com os filhos. Era uma família muito unida, muito animada enquanto relações intelectuais. E, ao mesmo tempo, um cara que também tinha muita habilidade manual. Não era nem tanto uma habilidade, ele gostava e se atrevia a fazer as coisas. Então, ele se atrevia a fazer as peças de xadrez, fazia a própria roupa… Ele tinha uma coisa de se jogar no que fosse preciso. A minha avó era uma figura mais caseira - avó Estela. Ela gostava muito de jardim, de plantas e tinha uma coisa meio complementar dos dois, que era meio curioso. Meu pai tem seis irmãos… Nossa, deixa eu parar para contar (risos). Ele perdeu um irmão - eram sete. A gente frequentou muito a casa do meu avô junto, principalmente na infância. Tinha um quintal gigante com muita fruta, com muita… Ele gostava de… Tinha uma cabeça meio ecológica. Agricultura. Meu avô tinha fazenda, tinha roça. Então, ele sempre tinha um interesse por culturas em geral. Culturas que quero dizer, são as culturas agrícolas, as maneiras diferentes de criar e ele fazia um pouco disso em casa. Fazia queijo de cabra, tinha uns cultivos meio exóticos...
P/1 – Isso era em que cidade?
R – Isso em Perdões. Então, tenho boas lembranças desse meu avô João.
P/1 – E a sua mãe, qual é o nome inteiro dela?
R – Minha mãe é Ana Lúcia Bastos Alvarenga. Tem um caso engraçado, que minha mãe e meu pai eram primos distantes. Minha mãe se chamava, antes de casar, Ana Lúcia Alvarenga Bastos. Então, eles são primos assim, acho que de quinto grau e ela já tinha Alvarenga no nome. Quando ela casou com o meu pai, só o inverteu: de Ana Lúcia Alvarenga Bastos passou para Ana Lúcia Bastos Alvarenga (risos). A gente tem… Dois irmãos se casaram com dois irmãos. Minha mãe com meu pai, e o irmão da minha mãe com a irmã do meu pai. Então, tem uma família grande, e uns são Bastos Alvarenga e os outros são Alvarenga Bastos.
P/1 – E como é que é a família dela?
R – Pois é, os dois são de Perdões, minha mãe e meu pai. E na família da minha mãe eu tinha um outro avô curioso, que viveu até dois anos atrás, meu avô Zé, que era um cara também bem interessante. Ele era um fazendeiro, mas que tinha uma coisa muito… Um misticismo. Meu avô era meio espiritualista desde a década de 50. Ele se tornou um homeopata, autodidata. Era vegetariano desde a década de 50. Então, eu tinha esses dois avôs muito diferentes um do outro. Um era da culinária, da cozinha, do fazer em casa, e o outro era esse mais místico, mais religioso e cheio de crenças, mas umas crenças pouco padrão para a época.
P/1 – Ele fazia alguma coisa todos os dias por conta disso? Tinha uma rotina?
R – Eu nunca vivi com eles, então não… Mas tinha, tem um caso engraçado...
P/1 – Eu tinha perguntado se ele tinha alguma mania ou alguma coisa assim…
R – Ele foi… A gente convivia... Essa coisa da alimentação, para ele, era um negócio muito sério. Então, ele policiava um pouco. Tanto que a gente, por influência, fomos nos tornando vegetarianos na casa dele. Ele tinha, assim… Depois a gente fica sabendo de algumas coisas. Teve uma época em que ele ficava fazendo o exercício da vontade, que era dar 1.000 passos, depois 2.000 passos, depois 3.000 passos até chegar em 10.000 passos e depois voltava: 9.000 passos, 8.000 passos… Dizia ele que tentava fazer isso na rua e não conseguia, então ele teve que fazer isso dentro de casa, ele fazia de noite. Ele tinha muito isso de andar durante a noite, porque estava fazendo um exercício de disciplina, mas a gente não percebia essas coisas, eram causos. Só que da alimentação e da homeopatia, ele sempre deu bolinha para os netos todos. Eu lembro que uma vez... Eu tinha verruga no dedo do pé, muitas verrugas, e isso nenhum remédio curava. Ele me deu a homeopatia e falou para eu passar casca de banana. Então, eu fazia isso e foi o que realmente aliviou, elas sumiram depois de um tempo. Sempre teve essa cultura da homeopatia e de uma alimentação mais… Misturava um pouco. Ele parou de comer carne, porque foi caçador - ele tinha cães e tinha o hábito de caçar, até que falou que faria a ação contrária. Então, ele se tornou vegetariano por causa dos animais mesmo, mas tinha também uma coisa de ir melhorando a alimentação. Depois ele fazia… Tinha uma alimentação bem mais regrada e policiava um pouco os netos. Apesar de que minha avó era carnívora e nunca mudou um milímetro da alimentação dela por causa do meu avô, mas era esse o lado assim… Ele era mais pregador.
P/1 – Sua avó era dona de casa?
R – Essa minha avó… Claro, como a maioria das mulheres dessa época, era dona de casa, mas ela era muito diferente da minha avó Estela, que era minha avó paterna, que tinha muitos cachorros, muitos gatos e não saía de casa. Minha avó Estela não saía, não íamos a aniversário de neto, não saía de casa. Minha avó Nezinha, não, era uma pessoa mais sociável, mas era uma dona de casa e ficava muito ali.
P/1 – Quando você nasceu, você foi morar em Lavras, então, é isso?
R – É, eu nasci aqui em Caratinga e depois fui para Lavras.
P/1 – Essas suas lembranças são de Lavras?
R – São, são de Lavras e de Perdões, a gente mistura um pouco, porque são cidades muito próximas e a gente ia todo fim de semana para Perdões. Então, a minha infância mesmo é mais perdoense do que lavrense. Era lá que meus primos estavam, então a gente ia muito para Perdões. Minhas lembranças são de Lavras e Perdões e talvez eu misture um pouco as duas.
P/1 – E o que você, puxando assim, lembra… Quais seriam suas primeiras lembranças de vida? Consegue puxar? Você pensa nisso?
R – Ih, eu tenho muitas lembranças das casas, dos lugares onde a gente morou… Minhas lembranças são de móveis e imagens, mas não tanto de fatos. Não sei. A gente morou em Viçosa também, dos três aos cinco e meio… Uns dois anos, mas bem na infância. Eu tenho bastante memória de Viçosa, do prédio onde eu morava, da escola… Várias lembranças.
P/1 – Aí que começa a você se lembrar mesmo?
R – É. Para te falar a verdade, as minhas primeiras lembranças de infância são de Viçosa, muitas delas.
P/1 – Você morava em apartamento?
R – Morava em apartamento é era um apartamento que tinha… Eu lembro que a gente atravessava um córrego para ir comprar pipa, tinha uma espécie de venda atrás do meu prédio, que eu nunca soube direito que caminho era aquele, mas era um caminho… A gente chegava nessa venda que tinha e parecia outro bairro. Era atravessar a… Era nos fundos desse prédio que chegava nesse outro lugar. De fato, eu acho que era outro bairro, e isso para mim é uma lembrança engraçada. E o prédio, que tinha uma garagem no andar de baixo e uns becos. Acho que têm uns espaços arquitetônicos não convencionais, que são os que eu mais lembro. Na minha casa, em Lavras, também tinha isso.
Era uma casa que meu pai construiu e tinha um… Era uma espécie de campinho de futebol improvisado, antes do meu pai construir. Meu pai e meu vizinho compraram esse terreno, então ele era muito íngreme, mas escalonado. As pessoas ficavam completamente penduradas, como se fosse uma arquibancada. Depois que meu pai construiu a casa, ele deixou isso e a casa ficou meio encostada na parte dos fundos. Então, era um beco que a gente atravessava e, para criança, isso era ótimo, que a gente sempre escondia ali, mas assim... Arquitetonicamente falando, ela era um desastre (risos). Enfim, era um desastre porque não dava… Também era uma maneira de não encostar no terreno, que podia ser pior, mas ele poderia ter isolado aquilo e não isolou. Deixou um espaço de 50 centímetros. Então, passava um cachorro, gente de lado e criança. Eu tenho uma lembrança muito forte… O quintal do meu avô é uma lembrança muito forte, porque a gente vivia naquele quintal. Era uma mata de árvores frutíferas e ele sempre teve essa fissura por cultivar frutas exóticas - que ele arrumava muda. Tinha frutas do cerrado, graviola, araçá… ‘noz pecanto’, até isso ele plantava, uma coisa muito americana, não era uma coisa que tínhamos muito o hábito de cultivo nos quintais. Até mangas, jabuticabas, pitangas; ele tinha pé de canela, uraticum… Ele sempre mostrou muito para a gente essa árvore nova que ele plantava - carambola… E as árvores, como eram muitas - mata mesmo -, elas cresciam muito. Então, não era muito fácil de subir e pegar, porque era uma mata fechada onde as árvores estavam disputando. Não era muito bem um pomar convencional, era uma matinha, mas de árvores frutíferas. A gente brincava muito nesse quintal.
P/1 – Você tem irmão?
R – Tenho três irmãos: um irmão e duas irmãs. Guilherme, meu irmão mais velho do que eu; depois sou eu; depois a Julieta; e a Suzana, caçula.
P/1 – Como é a idade dessa escadinha, as diferenças?
R – Bem próximo. Entre o Guilherme e eu, uma diferença de dois anos e meio. A distância de mim para a Julieta é de dois anos só. E da Ju para a Susana, três anos.
P/1 – Quando você fala "a gente brincava", eram eles, então?
R – Eles e com primos, a família é bem numerosa. Para mim, era regra ter quatro filhos, era raro um tio que não tinha quatro filhos. Então, multiplicava bem a conta dos… Eram primos e irmãos também. Em Viçosa, eu também tenho lembranças da escola. Era uma escola de freiras. Não sei, exatamente, se era uma escola… Não era uma escola religiosa, eu não me lembro de nada religioso, mas me lembro das freiras. Foi onde eu aprendi a ler, então essa memória para mim é muito nítida. Eu lembro que a gente não podia ler a próxima página, tinha que… Tinha uma espécie de envelope, que você evitava... Aquilo era bem… O método didático… A gente tinha que seguir aqueles passos. Eu obedecia. Eu lembro muito desse período de Viçosa. Uma vez, meu pai me deixou na escola de carro e era feriado. Eu entrei… Passava por um portão, passava por umas quadras, eu cheguei e não tinha ninguém na escola. Eu voltei e fiquei na rua e, por sorte, um amigo de um amigo do meu pai me reconheceu e falou: "Acho que ele é filho do Gui, esse cabeçudo é filho do Gui". Mas não sabia nem onde meu pai morava, ele não era amigo do meu pai exatamente, e me levou para esse outro amigo do meu pai, que disse: "Não, ele é filho do Gui, sim". Eu iria ficar lá, talvez, o tempo da escola, mas estava perdido na rua. Eu devia ter quatro ou cinco anos, no máximo. Esse cara me entregou para o Fraga, um amigo nosso.
P/1 – Você se lembra disso?
R – Lembro. Esse caso foi muito contado… Até hoje eles contam que fui abandonado na escola pelo meu pai (risos).
P/1 – Sua mãe ficou brava com o seu pai?
R – Não, minha mãe não ficou brava. Acho que não teria maiores problemas, o interior é tranquilo, mas eu não sabia o que fazer. De fato, eu não sei, poderia ter saído dali e tentado voltar para casa, poderia ter sido pior. Só que não aconteceu nada demais.
P/1 – Você estudou… Você ficou em Viçosa até os cinco anos, não é?
R – Aí, eu fiz… Eu lembro do pré-primário, fiz o discurso, e isso eu me lembro muito bem. Lembro da minha roupa, minha mãe tinha uma mania de umas roupas estranhas (risos). E aí, foi até o pré-primário. Na primeira série… Na segunda série, acho que a gente voltou para Lavras. O que você perguntou?
P/1 – E depois vocês foram para onde?
R – Para Lavras, voltamos para Lavras. Teve esse período em Viçosa, mas voltamos para Lavras.
P/1 – Por que vocês foram para Lavras? Foi emprego do seu pai…?
R – Meu pai era acadêmico, ele dava aula na Universidade de Lavras, e aí, foi fazer mestrado e doutorado. Essa época é de doutorado.
P/1 – De que área?
R – Meu pai era agrônomo, engenheiro agrônomo. Ele dava aula de café. Então, foi para estudar, com quatro filhos e minha mãe. Minha mãe era professora de Educação Artística, mas, nessa época, parou de trabalhar e cuidava dos filhos.
P/1 – Vocês foram para Lavras e lá é que você ficou bastante tempo, não é?
R – É, minha formação... Antes da adolescência, eu vivi em Lavras. Infância e adolescência, assim, então a formação escolar foi em Lavras.
P/1 – Muito diferente Lavras de Viçosa?
R – Não, até se parecem, são duas cidades universitárias, mais ou menos do mesmo tamanho. Para mim, foram momentos diferentes. Então... Em Viçosa, eu tenho lembranças bem de infância e em Lavras, foi o lugar onde fiz amigos, o lugar em que hoje ainda tenho vínculos; com Viçosa eu não tenho nenhum mais.
P/1 – Moravam onde lá?
R – Tem uma parte da minha família que ainda mora em Lavras, então a gente morava… Sempre morou no Centenário, que era um bairro… Antes do meu pai construir essa casa, a gente já morava no Centenário. Eu lembro da gente se mudando de uma casa para outra e descendo com cadeiras assim, três quarteirões morro abaixo. Parecia uma mudança que valia um caminhão e que foi feita a pé. Essa memória eu também tenho e acho engraçada. Sempre moramos nesse bairro, que era um bairro… Lavras é uma cidade de médio porte, falam que Lavras tem 100.000 habitantes, acho que antes de ter e depois de ter passado 100.000 habitantes, o que dificulta um pouco. Era um bairro de épocas pré condomínios, então a gente tinha uma infância bem na rua. Era um bairro relativamente novo, em que muitos colegas do meu pai construíram ali também. É um lugar em que vivi bastante...
P/1 – Essa era a casa que tinha...
R – Um muro de arrimo assim, com degraus.
P/1 – E como é que era o bairro? ______ [26:13]?
R – Era um bairro convencional. Hoje eu acho pequeno. A gente volta e… Ruas estreitas, mas era um bairro… Um morro, uma encosta, então tinha a rua de cima e a rua de baixo. A gente saía de casa e falava: "Mãe, estou indo para a rua de cima". Ou: "Mãe, estou rindo para a rua de baixo". A gente se referia às ruas com "para cima" e "para baixo". A rua de cima era mais movimentada, em que a gente se encontrava um pouco. Quem morava acima dessa rua de cima, devia falar "rua de baixo", mas era a rua do meio. A gente brincava mais e se encontrava sem programar, não é? Era um lugar em que a gente ia sem precisar programar - na rua de cima. Ali, a rua era mais pacata, uma rua que terminava, não era uma ligação. A entrada do bairro era na rua de cima, a minha ficava na de baixo, e a do meio não tinha nada. O bairro tinha uma coisa muito curiosa, de misturado… Acho que isso é bem interessante, coisa de interior, mas hoje tem isso de segmentar mais, não é? Nessa época, no final da minha rua, tinha a dona Tunica, onde a gente ia pegar cebolinha, salsinha e frango caipira. Então, tinha uma coisa quase rural, mas sem ser. Quem trabalhava lá em casa, quem ajudava minha mãe, eram esses vizinhos. Uma coisa interessante, porque tinha as vendas, os bares… Tudo junto. Eu acho bacana, que não tinha muita hierarquia. Não tinha hierarquia social, mas um pouco mais embaralhada, um pouco mais misturada. Tinha até casas de operários - que não sei quem construiu - num trecho, tanto na rua de cima como na minha rua, que eram casas que se repetiam. Engraçado que isso… Eu acho que, em São Paulo, não tem, por isso que ______ [28:52]... Bairros que têm essa tipologia. Em Lavras não tem, mas o meu bairro tinha. Era uma coisa muito comum, mas a gente não vê isso, resquícios de bairros operários construídos com tipologias. Depois disso, em torno de Minas, se construiu um bairro assim, e Lavras não tinha um bairro assim, mas esse bairro… Quando me mudei para esse bairro, as casas já eram descaracterizadas, então não era tão nítido assim, mas tinha um pequeno trecho desse bairro que era de casas de classe média feita por alguma empresa, alguma Construtora que fez...
P/1 – _______ [29:48]
R – É, essas casas eram bem sem graça, inclusive. Não eram casas bem desenhadas. Tinham garagem, quarto, cozinha atrás… Não eram casas interessantes. Já em Monlevade, tem projeto até do Lúcio Costa. Em Ouro Branco, projetos do John Maia. Momentos em que se tentou fazer coisas com um pouquinho mais de Arquitetura, com o pensamento de… Porque essas casas não tinham graça. Só que é curioso, porque eu nem... Agora que estou falando, que estou me lembrando que eram casas assim, e aqui em Belo Horizonte eu procurei e gostaria que tivesse, porque talvez eu estivesse morando em uma casa assim hoje. Eu morei em Pinheiros, em uma casa assim e acho que acaba sendo um privilégio você morar em casas dentro da cidade, em bairros centrais, coisa que a gente pouco... A gente tem Santo Antônio, São Pedro, mas… As casas… Santo Antônio, São Pedro, são um pouquinho maiores, então permite construir prédios e tem brigas com Construtoras, é difícil. Então, se você não herdou, ou se você não morava naquela casa, hoje como escolha de vida é difícil você comprar um imóvel com essa tipologia. Escolher morar em uma casa em uma área central, é muito raro isso, porque com o mesmo dinheiro você compra coisas maiores em lugares mais arborizados. Então, é olhar como se fosse uma escolha meio japonesa, morar num espaço menor, numa casa compacta, mas bem localizada. Eu tinha isso como modelo, e aqui não consegui realizar.
P/1 – Lá em Lavras, tinha a turma de cima e a de baixo?
R – Tinha uma turma enorme. Vendedor de Yakult, em falar em Japonês… Isso é Japonês ou Chinês? (Risos). Tem o Mucaia, que é meu amigo, o pai do Mucaia vendia Yakult num isopor assim, nas portas. Sempre gostei muito de Yakult, me lembro do pai do Mucaia, esqueci o nome dele. Eu tinha muitos, muitos amigos na rua de cima e na de baixo. Eu lembro muito… Hoje, eu tenho pouquíssimo contato. Sei de um ou outro onde estão. Tenho amigos de Lavras que ainda mantém algum… Mas não são esses do meu bairro, por alguma razão. Tirando...Tem um amigo que faleceu, que talvez seria meu amigo ainda, que era o Paulo Alfredo, que morava na minha rua. Hoje eu encontro... Eles viraram meus clientes, os irmãos dele – a Marcela e o Fábio - e eles eram muito amigos, porque o pai foi Reitor da minha cidade e meu pai era vice dessa mesma chapa. Então, a gente morava na mesma rua e convivia bastante. As famílias conviviam muito. A Nilza, mãe do Paulo Alfredo, era engraçadíssima, eles eram muito festeiros. Eu me lembro de que minha mãe nunca gostou de Carnaval e nunca gostou de beber, mas gostava de… Achava graça, gostava de música e ia maquiar as carnavalescas. Às vezes, eu ajudava minha mãe. Então, eram umas mulheres muito loucas, que eu achava (risos), mas essas eram minhas vizinhas, com quem convivemos bastante.
P/1 – Tinha alguns personagens da rua, como você falou do cara que vendia Yakult… O que mais tinha?
R – Tinha o “Seu” Neguinho, que era dono de um bar. Tinha… Além dos amigos, personagem mesmo, eu não estou lembrando. Em Perdões tinha mais personagem de rua. Do bairro, eu lembro mais dos meus amigos do que de alguns personagens. Ah, tinha assim… Têm certas figuras um pouco… A gente não pode falar nada, porque tudo é preconceito. "Seu Neguinho" já é preconceito, o Toninho, do lado, era super gordo… Era, realmente, muito fora do padrão, então eu lembro das minhas irmãs… Isso para mim foi um acontecimento físico. A gente era muito amigo, morávamos na casa vizinha mesmo. O Toninho… A gente ia nadar, às vezes, no clube, minhas irmãs chegavam em casa e: "Gente, a gente brinca com o Toninho o dia inteiro e ele não afunda, ele não afunda". Para mim, isso foi uma descoberta e eu fiquei: "Vocês não estão falando isso". A Julieta disse: "Não, a gente brincava de puxar ele para baixo e ele não afundava, ficava boiando assim" (risos). E uma coisa que lembro muito é que o Toninho, além de professor da Universidade, vendia carros, era meio marreteiro assim. Teve uma época… Hoje eu fico pensando, por que as pessoas iam tantas vezes na casa dele para comprar um carro. Não lembro de ver muito carro na porta da casa dele, mas ele tinha esse negócio. Uma vez, foi uma trans casada com um cara e tinha um Yorkshire, um cachorrinho, e isso também foi um acontecimento na época. A gente não sabia nem o que era exatamente, como socialmente, aquela pessoa… Eu achei isso muito corajoso e lembro que achei aquilo muito interessante. Uma figura com seu marido ou companheiro, sei lá, e isso só veio à tona quando ele foi assinar um cheque para comprar o carro do Toninho (risos). Eu vou ser minado, já falei de gordo, de… (risos). Só os pontos polêmicos, mas não, com o maior carinho. Pelo contrário, eu acho que era interessante assim… Sempre tive muitos amigos gays e tinha esse preconceito mesmo, tinha muita chacota. Era uma coisa pacífica porque tinha convivência, não era uma coisa 100% absorvida, mas era mais do que hoje, acho. Apesar de algumas piadas, apesar de algum preconceito sim, essas pessoas conviviam tanto com a diferença entre classes quanto com as diferenças de toda ordem. Hoje, eu acho que cidade do interior tem isso. O doidinho da rua… Queira ou não, eles não estão isolados nas suas casas. Existem também personagens da sociedade sendo absorvidos, uma consciência e respeito. Talvez seja outro estado civilizatório, mas era uma convivência, era uma convivência real e isso eu acho que era mais saudável do que é hoje. Depois disso, já não estava mais em Lavras e começaram os condomínios, que foram agrupando pessoas iguais. Esse bairro não era assim, esse bairro era bem misturado. Eu lembro que, na adolescência, eu já comecei a dirigir… No interior, a gente saía de carro com 15, 16 anos, mas meu pai achava que a gente tinha que aprender tirando e colocando o carro na garagem. Depois que você tinha o controle de embreagem bem aprendido, dava uma volta no quarteirão. Então, eu punha os meninos da rua no carro, só para ter um movimento, só para eu dar uma mini volta, ou até… Antes de dar volta no quarteirão, eu ficava tirando o carro da garagem, pondo na garagem. Tinha um terreno mais ou menos livre na esquina e eu dava a volta - isso com o carro cheio de menino. Era divertido o bairro.
P/1 – Como é que era dentro da sua casa? Eram quatro crianças, sua mãe, seu pai.. Como é que era a rotina, assim? Como é que era a convivência com seus irmãos também?
R – É, eram quatro filhos próximos, com idades próximas. Meu irmão mais velho… É, a gente convivia muito, fazia mais ou menos as mesmas coisas, mas, ao mesmo tempo, cada um, por contingentes externos, emoldurava mais aquilo ou… Só que a minha mãe, por exemplo… Todos estudávamos num grupo - o Firmino Costa - em Lavras. Quando eu vim de Viçosa, nessa época, eu tinha seis anos e meio… Tudo meio, porque eu faço aniversário no meio do ano, então nos começos dos anos eu estou com idades picadas. Eu lembro que quando viemos de Viçosa, todos fomos para esse grupo, eu, Guilherme… Julieta e Suzana eu acho que ainda estavam na escolinha, porque esse Grupo era a partir da primeira série. Só eu e o Guilherme fomos para o Firmino Costa, que era um Grupo que… Um Grupo grande. A primeira coisa que tive um choque foi pela aula de religião, porque a gente não foi batizado. A minha mãe já não era católica, por influência desse meu avô, e não batizou filho nenhum. A gente chegou nesse grupo, eu fui parar numa aula de religião e a professora me perguntou: "Qual é a sua religião?" Eu falei: "Não sei". Aquilo me desconcertou um pouco, porque… Minha mãe é uma pessoa superespiritualizada, mas não tínhamos religião. Na época, ela ainda estava fazendo uma transição. Ela foi espírita em uma época. Nessa época, então, a gente, realmente, não teve uma educação religiosa padrão. Eu fiquei um pouco desconcertado aquele dia e a professora foi até gentil. Falou: "Ah, então você pergunta para a sua mãe e para o seu pai, e na aula que vem você me conta, me diz o que é". E aí, eu voltei falando: "Sou espírita". Eu nunca tinha ido em nada, ainda mais em religião espírita, que tinha pouco trabalho para criança. Eu lembro muito da minha mãe contando sobre os encontros espíritas. Pouco tempo depois, eu comecei a desenhar encomendas de umas figuras que eram espíritas. Assim, pai de santo… Eu desenhava e não sei se eles ofertavam isso - nunca fui nesses encontros espíritas, mas desenhei muita gente. Na aula de religião, no Grupo, então eu respondi que era espírita. A professora falou: "Ah, os espíritas rezam de uma tal maneira". Eu nunca soube que espírita rezava assim e aceitei ela falando aquilo. Já o meu irmão teve problema com isso e começou a não querer ir à aula, porque a professora dele era uma outra - que eu fui e tive aula com ela nos anos seguintes -, que era uma católica dessas preconceituosas. Então, éramos os pagãozinhos da escola, éramos os escondidinhos. O meu irmão começou a não querer ir e minha mãe, depois, descobriu que era por causa dessa professora de religião. E aí, ele não assistia mais às aulas de religião, nesse Grupo. E eu conseguia me… Eu tinha uma outra professora, melhor do que essa preconceituosa. Depois eu tive aula com essa professora, mas eu não sei se ela pegou mais leve ou se eu… Só que eu lembro dela pegando muito pesado com os não católicos, os não batizados. Mas eu não precisei não assistir à aula de religião. Então, lá em casa, era sempre meio assim, a gente passava pelas mesmas situações, cada um de uma maneira. A minha mãe pôs todo mundo para estudar piano. Eu fui o que gostei mais daquilo e estudei durante sete anos, mas todo mundo lá em casa passou por uma aula de piano. Nos esportes, a mesma coisa. Meu pai achava que a gente tinha que fazer. Eu tinha uma coisa de gostar de rotina, então durava mais nas coisas do que meus irmãos. A gente tinha essa vida parecida, conhecíamos muito, mas sempre foi assim, cada um muito diferente do outro. Então, a gente tinha uma convivência de irmãos, de cidade e de bairro, mas no final das contas cada um tinha gostos e preferências. E por incrível que pareça, a diferença de idade faz diferença quando se é criança. Então, eu convivia com os amigos do meu irmão, mas não era exatamente a minha turma. Inclusive, o mais novo sempre quer pertencer… Comecei a tocar numa banda do meu irmão, mas era a banda dele e eles me chamaram porque eu tocava piano, mas aquilo não foi muito para frente, exatamente por uma diferença: eu não tinha muita identificação com esses amigos dele.
P/1 – Na escola, você gostava mais de alguma coisa, assim? De alguma matéria específica?
R – Eu sempre fui meio Caxias, na infância. Não Caxias, mas eu estudava. Então, eu tinha um gosto variado. Lá em casa, a gente sempre foi muito da Matemática, mas eu gostava de Português, do que não era uma coisa… Talvez a área das Biológicas seja a que tenho menos afinidade… Naquela época. Hoje, até que eu me interesso mais. Vai mudando, não é? E no Grupo, você tem um currículo muito devagarinho, então… Só que eu sempre gostei das Artes em geral, sempre tive… Eu lembro que fazia até teatro na escola, nessa época do Grupo. Já havia o Chacrinha (risos). Eu estava na quarta série e lembro como minha mãe fez para eu ficar gordo, pondo um cobertor. Eu suava com aquele enchimento...
P/1 – Por que você fez o Chacrinha? Era uma festa na sua escola?
R – Era da escola… Fiz o Chacrinha.
P/1 – Vocês assistiam muita TV em casa, ouviam rádio?
R – Assistia ao Chacrinha, essas coisas. Nos anos 80, quem… Aliás, isso foi o começo dos anos 80. Eu nasci em 1973, estou falando de quando eu tinha… É, 1982, 1981. Tinha oito ou nove anos quando eu fiz o Chacrinha. A escola tinha uma… Era muito de… Época da ditadura. Primeiro se cantava o Hino Nacional no pátio, hasteava a bandeira. Nunca entendi o que era aquilo. Para a gente, era uma coisa comum. Assim... Eu não entendia o momento político. Eu lembro muito do presidente Figueiredo porque ele gostava de cavalos e isso dava no meu link de interesse pela figura que gostava de cavalos. Então, cidade do interior vive menos os limites que a ditadura impõe. A gente não percebe, o que hoje a gente começa a ver pessoas que querem e, realmente, precisam de uma livre expressão. E aqui é diferente, com pessoas mais básicas, então não tem esse peso grande. Eu lembro só dessas características, desses hábitos que nos impunham. Eu até lembro das festas. As escolas têm uma configuração de pátio, que é muito agradável. E hoje eu voltei para votar nessa escola durante muitos anos: a Firmino Costa era a minha seção eleitoral. Até uns cinco anos atrás, eu ainda votava em Lavras. Esses colégios tinham pátios centrais. Eu lembro de uma época, de catar piolho, e depois, recentemente, é que percebi que as professoras estavam me gozando, porque tinha uma coisa delas passarem o olho nas cabeças, nas cadeiras, e era constrangedor aquilo. Minha mãe sempre foi uma catadora de piolho assim, atroz. Ela não deixava a gente ficar com piolho de jeito nenhum, mas não era com remédio, era catando piolho. Então, se eu tive piolho era em uma semana - sei lá em quanto tempo- e minha mãe acabava com aquele piolho. Inclusive, quando tinha criança com lêndea aparecendo… Minha mãe sempre teve uma imagem de que quando tinha lêndea, era desleixo da mãe. As professoras passavam nas carteiras olhando as cabeças e quem tinha piolho ia depois para a Secretaria pegar um remédio, então aquilo era constrangedor. Uma vez… Isso não sei por quê - acho que a gente estava depois do recreio - pediu para fazer a fila, eles foram catar piolho e as professoras me falaram que eu estava. Eu falei: "Estranho, eu não tenho piolho". E fiquei super sem graça com aquilo, muito sem graça, mas ela não me levou para a Secretaria para tomar o remédio. Então, acho que foi um bullying, foi uma piada, que eu gastei anos para depois falar assim: "Que merda, as professoras me gozaram e eu não estava com piolho". Eu falei: "Mãe, estou com piolho". E ela: "Não, não está". Enfim, esse foi o caso traumático de ter piolho ou não ter piolho.
P/1 – Você ficou até que ano nessa escola?
R – Da segunda série ou da primeira… Quatro anos. Depois, eu fui para uma escola estadual que fazia-se uma prova para passar nessa escola. Esqueci o nome, mas era uma escola considerada boa, que tinha uma prova para fazer uma seleção. Então, era o caminho mais ou menos natural, mas Lavras já tinha o Instituto Gama, que era uma escola particular boa também. Eram as duas escolas que os pais queriam que os filhos estudassem. Tinha outras, mas essas eram as mais... Eu fui para o estadual e o Guilherme já foi para o Gama, direto, não lembro. Só sei que quando eu fui para o estadual, meu irmão já não estava lá. Então, a gente não conviveu muito mais nessas escolas. Não lembro do Guilherme nas escolas, apesar da gente… Depois, no estadual, foi um período bacana também, que tenho boas lembranças do estadual, mas logo depois começou uma coisa de greve muito frequente e começou a atrapalhar a rotina mesmo dos alunos e meus pais me colocaram no Gama. Meu irmão estudava lá. É uma escola completamente diferente, americana, que também… Apesar de saber que era uma escola americana, nunca soube que aquele tipo de educação e os movimentos e atividades extracurriculares, eram de influência americana. Então, tinha as paradas, os movimentos, aquelas danças coletivas. A escola era muito grande, era muito legal o Gama. Até hoje é uma escola com um espaço imenso, com piscinas, muito voltada para o esporte. Então, tinha pista de atletismo, tinha o auditório, que era onde fazia as audições de piano. Era uma escola que tinha, primeiro, uma estrutura muito legal e que incentivava também essas outras atividades. Tinha uma relação com a cidade de Lavras também, então… Eu lembro de uma coisa, porque essa escola ficava mais no final, no extremo da cidade, próximo da ESAL (Escola Superior de Agricultura de Lavras). E teve balonismo, na comemoração de aniversário da ESAL. Então, eu estava no Gama estudando e quando olhei para a janela devia ter uns 30 balões no céu. Foi uma coisa assim… Maio, com céu azul, não esqueço dessa imagem. Minha cidade tinha um pouco dessas atividades. Lá ninguém nunca tinha feito balonismo, mas levou para fazer um festival e eu vi da janela da sala e foi uma surpresa para mim: "O que esses balões estão fazendo aqui?". Parecia uma invasão de balões (risos). Foi bem bonito. Depois, a gente foi e tinha gente que… Alguns conhecidos que quiseram andar de balão, mas eu não andei.
P/1 – No Gama, você tinha quantos anos? Uns 14, 15?
R – No Gama eu estudei da sétima série… Então, fiquei no estadual na quinta, na sexta e meio da sétima série. Não sei com que idade…
P/1 – Uns 11 anos...
R – É. Eu estudei no Gama dessa idade até os 16… Até os 15, 16. Foi o período em que eu estudei no Gama. Então, foi um período grande também.
P/1 – Nessa época, você começou a sair lá?
R – É, foi até engraçado porque… Não, claro, comecei a sair bastante nessa época, mas antes, eu custei a ter uma vida. Por exemplo, os Carnavais eu passava em Perdões. Então, a minha… Com 11 anos, eu lembro dos primeiros namoricos, que foram em Perdões. _____ [546:09], se joga, era mais atrevido do que da Capital (risos). Namorei cedo assim, mas tinha uma coisa de encontrar atrás dos carros. A primeira vez que dei um beijo na boca foi em Lavras, foi no cinema. Uma amiga me ligou, falando: "Ah, quer ir ao cinema?". Foi o cupido, um aplicativo. Eu fui ao cinema para dar uns beijos nessa minha colega. Eu cheguei atrasado e já estava escuro, então, não achei fácil. O pai dela estava no cinema. Acho que eu tinha 11 anos. Até que eu vi um movimento assim, mas aí deu certo o primeiro beijo. Foi lá, não foi em Perdões. Eu comecei a adolescência e a sair mais, em Perdões, não foi em Lavras. Todo final de semana eu ia para Perdões, então eu comecei… Até uma das primeiras namoradas que eu tive, era de Perdões. Depois, ela se mudou para Lavras, que também tinha… Perdões tinha menos escolas e iam estudar em Lavras. Era uma cidade que tinha uma troca, para mim, grande.
P/1 – Qual é a distância, de trem, entre uma cidade e outra?
R – Vinte minutos. A cidade mudou um pouco, antes era meia hora. Só que sempre foi muito pertinho.
P/1 – E o Carnaval de Perdões era legal?
R – O Carnaval era ótimo. Tinha duas coisas e isso era legal também: porque era clube e rua. Não era, exatamente, escola de samba, não é? Tinha as escolas de samba, mas a gente só assistia... A gente não participava desfilando nas escolas. O Carnaval era uma festa popular mesmo, porque… Tinha diferença aí, que a gente não conhecia os organizadores do Carnaval. Havia diferença, apesar de estar na rua… Eu não percebia tanto essas diferenças. Hoje eu vejo, exatamente, a lógica social que está por trás disso tudo. Os organizadores, as escolas, por menores que sejam, são das comunidades, são dos bairros. A gente ia, assistia e achava aquilo bonito, mas não via ninguém conhecido naqueles desfiles, não é? É aquilo que falei no início, você até conhece, mas não era… O meu grupo social não participava dos desfiles de escola de samba. Olha que coisa engraçada! Tinha bloquinhos, tinha umas coisas, mas não estava inserido ali na escola de samba. No Carnaval, a gente… Estava todo mundo na rua. O Carnaval, fora dos desfiles, era uma coisa bastante misturada. Chegava no clube, separava de novo. Então, a escola de samba tinha uma separação que eu não percebia. Na rua, era misturado. E a gente passava da rua para o clube, do clube para a rua, sem perceber que aquilo era… Que alguns não entravam. É estranho também, mas a gente fazia isso, era o Carnaval que a gente passava do clube para a rua e da rua para o clube. E era o Berimbau, um clube muito bem localizado em Perdões, um prédio da década de 50, bem modernista, super gostoso. Tinha os bares embaixo esse clube; em cima o Carnaval era todo em torno do... Eu adorava o Carnaval de Perdões.
P/1 – Vou voltar agora com você, estava falando das coisas dos ricos, do Carnaval, não é?
R – Em Perdões.
P/1 – E uma coisa que eu fiquei na cabeça foi que você fez parte da banda do seu irmão. Vocês ouviam muita música? Como é que era isso?
R – Anos 80. Então... A gente ouvia muito o rock nacional. Essa banda, por exemplo… Eu não cheguei a participar da banda, eu fui e… Eu lembro que escutava muito Cazuza, e mais as outras bandas nacionais todas - Paralamas, Legião Urbana, RPM. Era uma época em que esses shows iam em Lavras. No do Cazuza, eu nunca fui no show, mas Legião Urbana, Paralamas, RPM… Essas bandinhas dos anos 80, a gente ouvia muito. Era isso, mas era bem aquela aventura pop mesmo, eu tenho um pouco essa impressão. Apesar de ter estudado piano durante sete anos, que foi um período em que, realmente, era para eu ter me envolvido mais com música… Então, eu gostava bem de tocar, mas eu não… Lá em casa tinha um pouco isso, minha mãe é que era mais voltada às coisas artísticas, que dava aula de educação artística, de pintura. Ela sempre foi muito voltada para as habilidades manuais, mas não era uma pessoa que consumisse Cultura assim, não. Era uma coisa muito mais quase física do que intelectual. Meu pai já era um cara mais voltado à leitura, tinha um gosto… Gostava muito de bossa-nova, de MPB, mas escutava pouco também. Então, hoje eu sinto um pouco de falta, um certo buraco, por apesar de estar naquela atividade voltada para as Artes, pouca absorção do que se produzia no mundo, no Brasil. Eu estudava piano, mas não escutava música clássica, sabe? Poderia ter sido ainda mais rico, mas foi bom, eu agradeço por eles terem me inserido nessas coisas. Não tinha muito… Lá em casa, ninguém teve muita obsessão de pesquisa e aprofundamento. Acho que meu pai é que tinha mais disso por ser um acadêmico, era mais quietão. Minha mãe mesmo brincava com ele: "Dá um sinal de que você gosta dos seus filhos, não fica só para você". Então... Meu pai jogava xadrez por correspondência. Ele tinha um tabuleiro que ficava no quarto dele, com as peças dele e as do jogador adversário. Ele fazia uma jogada, escrevia um telegrama, recebia aquele telegrama e movimentava a peça. Era um jogo que durava assim, seis meses. Eu não lembro quem eram os adversários dele, eram amigos mas não lembro quem eram. Na casa do meu avô, jogava-se muito xadrez. Nem eu, nem meu irmão… Meu irmão, acho que pegou mais gosto pelo xadrez, eu jogava um pouco, mas tinha pouca paciência para um jogo tão demorado. Nem tão demorado, mas meu avô mesmo falava: "Não, você é mais rapidinho, você gosta mais é de dama". Porque tem a partida que acaba mais rápido. O xadrez te exige um tempo maior. Não sei se era por isso. Então, em casa, meu pai nunca jogou muito com os filhos, xadrez. Eu lembro da minha mãe falando um pouco disso. Eu trocava muitos livros com o meu pai. Meu pai já faleceu, foi em 2006. Eu lembro dessa troca que a gente tinha... Mas, em geral, era minha mãe que colocava a gente nas coisas, que incentivava mais, falava mais. Meu pai deixava a gente mais à vontade, ele não...
P/1 – E você, quando chegou ao fim do ensino médio, começou a pensar em Faculdade? Como é que foi isso?
R – Ah, não, eu estudei em Lavras até o primeiro ano científico. No segundo, eu já… O Guilherme (meu irmão) veio para Belo Horizonte no segundo ano científico. Ele fez o segundo e o terceiro aqui. Eu fiz a prova para vir no segundo. Ficamos eu e um amigo meu, a gente tinha até o fim do dia para fazer a matrícula. A gente veio, fez a prova, passou na prova e ficamos presos naquela rotina adolescente de Lavras: "Será que nós vamos?". "Vamos ou não vamos?" (Risos). E não viemos. Então, a gente ficou o segundo ano científico lá, e no terceiro ano fomos fazer prova de novo. Eu vim estudar o terceiro ano aqui em BH.
P/1 – Pitágoras?
R – Pitágoras. Que era um colégio que absorvia muita gente de fora, tinha uma coisa de que na turma, metade era gente de outras cidades e de interior, basicamente. Na minha família, acho que todo mundo estou no Pitágoras. Meus primos… Então, foi o que eu fiz.
P/1 – E como é que foi vir morar em Belo Horizonte na época? Foi muito diferente ou…?
R – Foi bacana. Assim... Hoje eu me pergunto... Porque Lavras, queira ou não, tem uma proximidade, está no meio do caminho entre Belo Horizonte e São Paulo, não é? Eu nunca cogitei estudar em São Paulo. Acho que por uma influência da família de Monlevade… Os primos mais velhos são de Monlevade, então estão mais próximos daqui, acima daqui. Todo mundo vinha para Belo Horizonte, da família. Meu pai também já tinha morado aqui, meu avô que era funcionário público - avô João - morou em Belo Horizonte. Nesse período, meu pai morava aqui. Então, ninguém cogitou ir para outro lugar que não fosse Belo Horizonte, a Capital do estado. Eu vim, morava numa República com o meu irmão, mais um primo e um amigo - eram cinco pessoas.
P/1 – Onde é que era?
R – A República era na Sagrada Família. Era um apartamento da tia desse meu primo, Conselheiro Lafayete ali com Conselheiro Brandão. Também vivi pouco essa Zona Leste, que hoje é uma área bem interessante aqui em Belo Horizonte, teatro… Na época, eu viria para a Zona Sul. Engraçado isso, meu pai falava: "Mora no Centro". Eu falava: "O que vou fazer no Centro, pai?". Nessa época, os Centros das cidades eram… Não é que eram mortos, mas assim... Sempre teve vida nos Centros, sempre foram muito coabitados, mas é como se a gente tivesse o desejo de morar nos movimentos culturais, nos movimentos sociais. O Centro era mais… Não sei se eu mudei ou se, de fato, a gente revalorizou o Centro. Nessa época, eu falava: "Não pai, o que eu vou fazer no Centro? Não quero morar no Centro". Mas eu morei no Centro (risos). Eu fui morar na Seans Peña, foi uma época ótima. Uma área muito boa do Centro, perto do Parque Municipal, perto do Plaza Artes. Eu gostei de morar ali, mas resisti muito tempo, eu queria morar nos bairros em que meus amigos moravam. Lá em Santo Antônio… Referências que eu tinha de Belo Horizonte, porque eu não vinha para Belo Horizonte, antes de me mudar para cá. Então, Santo Antônio, bairro que eu achava gostoso, pelas referências familiares. Para mim, só existiam o Santo Antônio (risos) e Savassi.
P/1 – Você tinha essas referências - como você chama - de Belo Horizonte, mas eu imagino que, ao longo desse terceiro ano, você foi formando o que você queria fazer e prestar o Pitágoras, que é um cursinho. Então...
R – É, foi...É, eu caí aqui em Belo Horizonte bastante sem referência. Acho que tinha essa veia familiar, seguindo um pouco os passos do meu irmão, mas não conhecia muito a cidade, não tinha quase nenhuma referência. Transportava um pouco da vida que a gente tinha no interior para cá. Eu acho que era usado muito pouco… Lembro que a primeira vez que ouvi falar de teatro mesmo, foi no terceiro ano científico, que a gente foi assistir As Mulheres de Holanda, uma peça do Pedro Paulo Cava, que fez muito sucesso. Tinha uma ou outra apresentação que o Pitágoras indicava para a gente, então… Ainda assim, eu não… Era uma coisa, assim, meio burguesa. A gente usufruía pouco do que a cidade oferecia. Quando eu entrei na Faculdade... Aí, sim, você descobre o mundo, não é? Na Faculdade de Arquitetura principalmente, que lhe joga na ganância de conhecer coisas que você não conhecia e aí você vê os buracos que você tem na sua formação. Eu pensei que não entendia nada de música, nada de cinema, nada de Artes em geral, apesar de ter habilidades, de ter desenhado muito na vida, pintado… Eu pintava, desenhava, tocava, mas nada tinha uma abordagem mais profissional ou um pouco mais aprofundada, então, o espaço que a gente consumia, pelo menos na minha casa, foi assim.
P/1 – Politicamente também?
R – Politicamente também. Hoje, vendo as discussões políticas entre meu pai e meus tios, você sabe exatamente quem tem um posicionamento mais à esquerda ou mais à direita… Vai ficando claro, à medida que você vai amadurecendo. Mas tudo isso, pelo menos na época, não dizia muito, não conseguia mapear direito aquilo. E eu me interessei por Arquitetura, muito pela prática do desenho e sempre gostei de espaços, sempre fui muito atento às casas dos outros. Eu gostava, tinha muito isso. Posteriormente, eu fui ver que o arquiteto contribuía muito, mas eu lembro que achava que a personalidade… Eu gostava e ficava muito curioso para conhecer a casa das pessoas que eram relativamente diferentes. Eu tinha alguns amigos… Que depois ele veio até a ser Prefeito de Lavras e tinha uma mulher muito mocoronga e a casa deles era de uma arquiteta aqui de Belo Horizonte. Richard que ele chamava. Tinha uma casa muito despojada, que parecia de praia, com muita madeira, com telhado de telhas velhas, um muro de pedra, uma piscina super gostosa e eu achava aquilo incrível. Eu achava aquilo incrível, aquilo para mim era um outro universo dentro das casas mais comuns que tinha em Lavras. A gente ligava as personalidades àquelas casas – eu, pelo menos, fazia isso. Depois, eu fui saber o quanto o arquiteto contribuía para aquilo. Eu desconhecia a figura do arquiteto porque lá em casa o meu pai economizou e não quis fazer. Tinha um arquiteto conhecido lá em Lavras, que era o Evandro, e ele fazia muitas das casas dessa turma do meu pai, mas meu pai não quis e fez a casa assim, com minha mãe ajudando. Então, não era uma casa arquitetônica, mas era uma casa que se transformava muito. Minha mãe nunca parou quieta, então ela transformava, fazia, mexia muito na casa e eu fui tomando gosto por aquilo, por aquele assunto. Desconhecia o urbanismo. Tinha coisas que eu sabia da existência, mas a Arquitetura me despertou esse interesse pelas personalidades e seus lugares, como eles transformam e como eles se apropriam desses espaços, dessas casas. E aí, fiz teste vocacional. Na escola Pitágoras teve. Eu só fiz um vestibular na vida, que foi esse da Federal, em Arquitetura, eu não fiz outro.
P/1 – Você falou que desenhava antes…
R – Sempre gostei de desenhar, desde as entidades espíritas (risos). Eu lembro que fiz o desenho de uma figura que eu chamava de Irmã Dulce, acho que era Irmã Dulce mesmo. Minha mãe contava aquelas histórias e eu achava que eram fantasmas (risos). Tinha desde o preto velho… Eu desenhei um preto velho uma vez, desenhei a Irmã Dulce e uma entidade infantil também, que não sei se minha mãe doava, não sei o que minha mãe fazia com esses desenhos. Eram desenhos bem-feitos, retratos, que eram emoldurados e eu acho que iam para o centro espírita, onde eu nunca fui, nunca frequentei, mas essas fantasmas eu desenhei. Então, comecei desenhando fantasmas e… Não, eu sempre desenhei. Os fantasmas já era quando eu tinha alguma habilidade. Eu pegava as rebarbas da minha mãe - ela pintava, dava aula de pintura, de vez em quando tinha algumas encomendas e ela falava: "Ah, Marcelo, quer fazer?" E eu fazia. Era uma coisa mais sem prazo de entrega, era uma coisa mais solta. Eu pintava e desenhava.
P/1 – O que você gostava de desenhar mais?
R – Pois é, eu tinha uma coisa assim, de um direcionamento. Claro que eu tinha muito a coisa da observação, então eram desenhos muito de observação, não eram desenhos de criação assim, não tinha um movimento artístico mais livre, mais solto. Eu desenhava tudo o que via pela frente, na verdade, mas até hoje sinto falta um pouco de um trabalho mais autoral. Eu nunca tive, primeiro por uma falta de viés, de incentivo e entendimento de como o desenho pode ser potencializado. Então, eram uns desenhos muito representativos. A minha irmã - que hoje trabalho com ela, a Suzana - de vez em quando a gente fala em público e ela sempre fala: "O artista lá dentro de casa sempre foi o Marcelo". E ela, que nunca teve muito saco para desenhar, muita habilidade técnica e nunca desenvolveu muito essa técnica, achava que ela não tinha nenhuma habilidade artística. No entanto, foi fazer uma aula de pintura uma vez, com uma professora em Lavras, que era uma formada em Belas Artes aqui em Belo Horizonte, que deixou ela completamente livre mais para se expressar do que para desenvolver uma técnica ali. A Suzana foi parar nas artes plásticas - fez Belas Artes - por influência minha, mas por um incentivo e por um lugar que essa professora, sabiamente, conseguiu despertar nela, uma coisa muito mais artística do que a minha formação, que era mais técnica e menos livre, menos provocativa assim. Então, eu ficava lá atrás da minha mãe, que dava aula de pintura para umas amigas dela, ficava observando, porque eu gostava dessa… Então, minha família tem essa habilidade meio misturada. Meu avô que tinha essa coisa de fazer a sua roupa, fazer o xadrez, esculpir, fazer… Aquilo ali, por exemplo, aquele espelho, influência do meu avô. A gente cochava, fazia rédeas para andar a cavalo e meu avô é quem fazia, ele tinha essa habilidade. Ensinava os netos e não tinha relação nenhuma com trabalho artístico, ele não tinha… Aliás, ele fazia a roupa dele repetida - 20 vezes a mesma calça. Então, era uma habilidade manual e uma curiosidade por aprendizado, mas que não tinha a ver com uma formação artística de fato. E o que tinha de artístico, não se encontrava… O despertar, a provocação mais intelectual que vinha do meu pai, era uma coisa mais por osmose, a gente não conversava muito sobre isso, mas ele tinha mais isso e, ao mesmo tempo, não tinha habilidade nenhuma manual, de um olhar desenvolvido para as Artes, entendeu? Então, eu me encontrei na Arquitetura um pouco sem meus pais falarem nada sobre isso. Um dia, eu dei uma entrevista dizendo que minha mãe falava para o meu pai que queria que o filho fosse médico, e assim..."Você vai dar um ótimo cirurgião plástico". Ela pegava minha habilidade técnica de desenho e de representação e achava que eu iria, dentro da Medicina - que ela queria que eu fizesse -, dar um bom cirurgião plástico. E eu: "Mãe, Medicina é a última coisa que eu vou fazer". Não tinha nenhuma relação com a área.
P/1 – Que você passou?
R – Eu fiz Arquitetura, não é? Então, não tive influência direta dos meus pais ao prestar Arquitetura - e nem familiar. Eu não tinha essa referência, não existia arquiteto na família, nem ninguém trabalhando nessa área, por mais que eu tivesse essa relação indireta com as Artes. Indireta assim, pelo que eu descrevi aí. Era cheio de atividades artísticas sem foco, sem o que a Arte tem de mais rico, que é a busca de uma expressão própria de liberdade… Não tinha isso. Era uma Arte familiar ali. Aliás, foi bom…
P/1 – Agora, a UFMG é onde? Na Pampulha ou aqui no Centro?
R – A UFMG, a Escola de Arquitetura… Quando eu passei no curso, os três primeiros semestres eram só no Campus, só lá na Pampulha. Então, também não tinha nenhuma relação com Arquitetura em si. Cálculo, Física e Computação: os dois primeiros semestres. Não tinha nenhuma matéria das Humanas ou das Artes. No terceiro semestre é que você começa a ter uma matéria e, a partir do quarto, muda para cá, para a Escola, que é na Savassi, que aí, sim, muda completamente o curso e a gente começa a ter contato com o que, de fato, é como a Arquitetura se estrutura. Quer dizer, Matemática também, mas não é nenhuma Matemática voltada para a Arquitetura, entendeu? Cálculo puro. Então, está mais para Engenharia do que para Arquitetura.
P/1 – E nesse primeiro ano, você estava morando na Afonso Pena já?
R – Não, não, eu morava na Sagrada Família, mas logo me mudei para o Santa Lúcia, que era o lugar das festas. Tinha um terraço e a gente dava bastante festa lá. Festa assim… Fiz grandes amigos em Arquitetura. Até hoje meu grupo de amizade surgiu na Arquitetura. E aí, depois é que eu fui morar na Afonso Pena, quando já estava no meio do curso. Era próximo e era muito bom.
P/1 – E como é que você diria que foi o curso como um todo, seus professores, as matérias que você fez? O que mais lhe marcou? Quais são as coisas que mais lhe marcaram?
R – A gente só vai enxergar depois que sai, não é? (Risos). Depois, quando você está em outras coisas é que você vai se vendo um pouco ali. Eu acho que, assim... Já houve momentos em que achei que a Escola foi fraca, já houve momentos em que achei que a Escola foi ótima, porque claro que… Hoje, eu tenho… Pelo menos na minha leitura, a Escola é uma escola, lhe forma mesmo. Você se envolve - que foi o meu caso, realmente; a minha vida era a Escola de Arquitetura. Minha vida misturada, tanto do estudo em si quanto minha vida social, foi bastante formada pela Arquitetura. Eu acho isso, acho que os arquitetos têm uma formação legal que, de alguma maneira, abre para todas as Artes e todas as atividades humanas. Eu acho que é isso: a Escola, eticamente falando... Eu, pelo menos, acho que tem uma boa formação. Ela tem uma abordagem bem ampla, bem variada, não é uma Escola com um academicismo muito rigoroso, como a FAU. Depois, eu fui conviver com arquitetos que tinham se formado na FAU e eles são muito mais acadêmicos do que a Escola de Arquitetura aqui. A Escola de Arquitetura aqui, sempre se interessou pelas vanguardas artísticas e pelos movimentos mais do presente, apesar de ter também um olhar para o estado de Minas. Tem uma coisa histórica que também é forte, mas não é uma Escola de Arquitetura que forme especialistas em História da Arquitetura. Todos que se interessam por esse viés, vão para a Bahia fazer especializações em uma coisa mais ligada à História da Arquitetura. Ela é uma Escola aberta, variada, mas também com… Eu acho que isso é bom, para formação, mas também te deixa um pouco manco em algumas questões mais técnicas, mais… A parte de estrutura, eu sempre achei que tinha esse currículo que vinha da Engenharia, que era de Cálculo, mas que não tinha aplicação nenhuma, mesmo, na Arquitetura. Então, a gente não tinha teoria das estruturas. Algumas matérias voltadas para as estruturas, ou eram muito exageradamente matemáticas ou elas… Assim... Tive algumas matérias que faziam essa ligação de uma maneira mais bonita e arquitetônica, mas pouco... Então, é isso, uma Escola múltipla e que você tem amostras do que a Arquitetura pode ser, mas não se aprofunda em nenhuma delas. Então, acho que essa é a formação que eu tive. Acho que um fato é que poucas pessoas da minha turma são hoje arquitetos. Tem uma que foi para Literatura, uns foram para Cenografia, outros foram para Artes Plásticas… Para as Artes Plásticas não tem muitos, mas… Uns foram para restauro, essa parte mais histórica. Arquiteto padrão de escritório que atua, são poucos. E de urbanismo, tem também um ou outro que se especializou, se aprofundou.
P/1 – Com quantas pessoas você se formou?
R – Umas 40, 42…
P/1 – __________ [01:29:04]
R – Super, uma turma bem unida. Hoje, tem um grupo de Whatsapp, que chama Primeiríssimo (risos). Alguém tinha feito um grupo um pouquinho maior e alguém falou: "Não, vamos fazer um grupo menor aqui". Aliás, são cinco pessoas dessa turma de Arquitetura.
P/1 – Quem sobrou?
R – Pois é, assim, desse Primeiríssimo, tem a Mônica (que se especializou… fez mestrado e doutorado em Londres. Londres não, na Inglaterra, na área de restauração); a Rebeca (que hoje dá aula de Literatura, é uma escritora e nunca praticou Arquitetura); O Ed, Eduardo Andrade (cenógrafo, também dá aula de Belas Artes hoje e projeta cenografias); o José Ricardo (que é do escritório, mas faz muita Arquitetura de eventos, eu já fui sócio do Zé numa época); e eu, que tenho um escritório de Arquitetura mais padrão mesmo. Esse é o Primeiríssimo Anel. Não, minto. Tem a Débora. A Débora foi para o Urbanismo, ela fez um mestrado na Holanda bem na área de urbana, depois foi trabalhar em Curitiba e quis… Na PUC (Planejamento Urbano de Curitiba), fez um concurso público, mas hoje trabalha no escritório do João Guilherme, que é o urbanista mais conhecido que a gente tem no Brasil. Então, esse é o Primeiríssimo Anel.
P/1 – E dos professores que você teve, com qual tinha proximidade, qual brigava mais, ou…
R – Sempre tem, não é? Sempre tem. Inclusive, um deles, que é o Cabral, sempre foi um professor muito provocador, dava umas aulas que instigavam bastante. A primeira aula dele foi como se a gente estivesse dançando no espaço. Para você perceber o espaço, a proposta era dança no espaço. Então, ele e a Helô davam… Era Metodologia de Projeto, a primeira matéria antes de começar Projeto. É como se fosse a matéria que, de fato, a gente levava todas as outras para a atividade de projetar. Então, as matérias históricas, artísticas, as técnicas, materiais… Todo semestre tinha uma matéria de Projeto e, antes dessa matéria, teve a de Metodologia de Projeto, que foi o Cabral e a Helô que deram essa aula. A Helô se dizia louca (risos) e o Cabral… Os dois eram muito divertidos. Às vezes, a gente fazia uma pergunta para a Helô, ela não sabia responder e colocava assim: "Coloca um ponto de interrogação no quadro, Cabral, por favor" (risos). Esses dois professores foram muito marcantes. A gente foi para sítios, para fazenda, passava final de semana no sítio, fazia uma sopa. Então, eles queriam que a gente tivesse um início que não chegasse no Projeto. Tanto que eu lembro quando a gente foi fazer o primeiro projeto nessa oficina: foi num workshop a que a gente foi, em um sítio. Hoje eu vejo… Na época, eles já falavam, mas eles não queriam chegar no projeto, eles queriam um processo. A gente lá, aflito por resultado, fazendo casinha com planta… Casa ou qualquer um que fosse o espaço com portinhas: "Não, não, não quero nada disso". De fato, para despertar outras coisas nos alunos, ele não queria aquela aflição de ter que fazer uma coisa real. Teve uma coisa muito… Eu achei doloroso até que, no final do curso, a gente chamou o Cabral para ser o nosso paraninfo e a Helô não foi, não quiseram a Helô. Falei: "Gente, mas o Cabral e a Helô eram quase que uma pessoa só". "Não, a Helô não, nós achamos ela muito chata". Uma parte da turma não quis a Helô e ela ficou ofendida, ficou magoada até, mas assim foi.
P/1 – E eram sempre os 40 e poucos na mesma sala, é isso?
R – Não, no começo… Faculdade mistura. Você começa a pegar gente que ficou para trás e… Mas hoje, eu acho que os currículos são mais mesclados ainda nessa… Quando eu fiz - estudei de 1990 a 1995 (5 anos) - ainda era um pouco engessado. Então, dessa turma, a maioria foi a turma que entrou e se formou. É, desses 40 que estou falando, mas ficaram alguns para trás e alguns também foram absorvidos por turmas para frente. Acho que talvez por isso na votação de quem seria o paraninfo tinha gente que não tinha relação nenhuma com a Helô. E o Cabral tinha ido para Londres fazer um mestrado, então acho que as pessoas… Ele voltou todo todo, com uma bagagem que a gente voltou a ter o contato. Ele só deu essa matéria, saiu e voltou no final, quando a gente o convidou para ser o paraninfo da turma. O Cabral é amigo até hoje, um cara que influencia a gente até hoje.
P/1 – Pode continuar o que você estava falando.
R – Então, o Cabral foi um professor que marcou bastante a gente. Vários professores, de um jeito ou de outro. O Kaká Brandão era um professor que dava uma aula de História, tinha uma relação com o Grupo Galpão, fazia dramaturgia para o Galpão… Hoje eu sou casado com um ator do Galpão. Foi uma formação também bacana assim, uma visão mais artística, mais poética. Tinha o Moacir Tezza, que era um filósofo de Belo Horizonte, muito voltado para a filosofia de abordagem da arte, uma pegada filosófica, mas muito da Arte. A gente fazia muitos cursos avulsos e o Kaká era um cara próximo do Moacir. ________[01:36:32] (risos). Então, era um cara super engraçado e rígido ao mesmo tempo. Ele era até muito esperto, mas a maneira de colocar era quase como um chicote assim. Então, ele virava… Foi muito gozado: "Aqui você criou um momento interessante". Ele fazia aula de composições tridimensionais, então você fazia esculturas. E tinha diversos outros professores. Tinha o Taquinho, que mandava você lamber os materiais, ele falava: "Se você quiser perceber os materiais mesmo, lamba os materiais. Não é só tocar, ponha a língua". Madeira natural, pedra, saber temperatura, então… A gente tinha professores divertidos na Escola. Sempre tinha alguns professores da Engenharia. Tinha um professor grego que dava aula de instalações hídricas sanitárias, que era um cara esquisitíssimo que a gente não aprendeu quase nada, porque… Tinha uma prova que ele dava todo ano, então a gente sabia daquela prova. Tinha uma pergunta que a gente fazia muito, que era: "O que é água potável?" A resposta que tínhamos que dar era: "Aquela que se enquadra nos padrões de potabilidade" (risos). Era um cara muito bobo assim, não é? Queria que o aluno decorasse aquelas respostas e tinha um nome engraçado. Como que chamava? Donopoulos, sei lá. Eram figuras que eram os professores, mais do que arquitetos. Claro, tinha o William Abdala, que era um superarquiteto; o Éolo, foi meu professor; o Maia; Flávio Almada, que é um superarquiteto; Joel Campolina, que fez este prédio. Eu estudei no auge do pós-modernismo, que foi um movimento que em Minas teve sua expressão. Foi um movimento muito controverso, mas eu acho que… Na época, a gente se entusiasmava muito porque eram uns prédios muito coloridos, muito subversivos até. O Éolo era um cara muito inquieto, - ele e o Silvio Podestá, que não dava aula na Federal, mas que eram parceiros. Junto com a Ponta Engenharia ele construiu muito em Belo Horizonte. Então, foi um movimento que até em termos nacionais era amado e odiado, porque… Hoje, até acho que foi um movimento muito rápido, pouco também… E talvez aqui em Minas, pouco profundo, quase que um modismo. Eu acho que aqui em Minas teve alguma verdade, porque o Éolo, um cara de Ouro Preto, com o pós-modernismo, tinha uma visão muito com a relação da história do passado, do presente e do futuro. Então, tinha uma coisa meio bobinha, mas que tinha... Olhava para o passado, revia o passado com uma maneira mais contemporânea. O pós-modernismo… Não entendi direito de um monte de gente da Filosofia, que desconstruía... O pós-modernismo e o desconstrutivismo têm a mesma raiz. Posso estar falando bobagem aqui, mas o meu entendimento é esse. O lado mais interessante, que é o lado do desconstrutivismo, da desconstrução, da Filosofia que vem de Foucault, Derridá, que a gente entendia pouquíssimo. A gente pegava só o lado meio bobinho, uma influência meio italiana de arquitetura. Aqui em Belo Horizonte isso teve a sua expressão e foi a época em que eu estava na Escola de Arquitetura. Então, a gente teve… Acabamos tendo isso como influência que logo se perdeu, logo se diluiu, mas rolou. Gustavo Pena, que era professor mas não embarcou muito na onda pós-moderna, foi até um arquiteto que hoje você vê que tem uma profissão mais… Conseguiu dar uma lapidada no que ele fazia, mesmo que tivesse alguma influência pós-moderna. Depois, ele evoluiu com uma Arquitetura mais contemporânea e mais sem amarras estilísticas de nenhuma Escola. Foi a época em que estudei, quando esse movimento estava bem forte.
P/1 – E, vamos dizer assim, quais seriam as características marcantes dessa Escola e o que…?
R – É, pois é. Claro que a gente estudava numa escola modernista, com o prédio em si lindo, inclusive. Tinha Shakespeare no nome. Mas o modernismo, era como se fosse uma das matérias históricas. A gente não estudou o modernismo como um ponto de vista social e artístico. Claro, estudamos evidentemente como um ponto de vista, mas a gente não percebia ainda que aquele assunto que o modernismo tratava, era independente de um movimento artístico. Ele é uma base de pensamento para qualquer que seja sua abordagem plástica. É um movimento que integra as Artes, porque o Urbanismo e a Arquitetura estão intimamente ligados, que o público e o privado estão também trabalhados da maneira mais rica possível, então, isso não é nem um movimento em si, estamos falando da base do pensamento arquitetônico. Eu acho que a gente teve uma relação fraca para entender isso, como a riqueza desse movimento que até hoje ainda é um dos mais fortes que tivemos na Arquitetura. O Brasil, como um todo, tirando o barroco, que foi um momento também de grande expressão nacional… O outro movimento que a gente tem é o modernismo, e é o mais forte, porque o barroco ainda está ilhado em Minas, Bahia, tem Rio, como exemplos do barroco, espalhado. Só que assim... O movimento mais forte foi o movimento moderno. Na Escola de Arquitetura, talvez por aquela época, o movimento moderno foi ensinado para gente dentro de uma grade do histórico e não do contemporâneo, entendeu? Então, a nossa… Por isso, é como se o movimento moderno tivesse adormecido e a gente estivesse mais interessado nas vanguardas, que a gente entendia pouco mas aqui tinha uma parte do pós-modernismo, que é essa parte de olhar de fato. O modernismo foi uma ruptura e o pós-modernismo foi o contrário, começou a achar que o modernismo virou uma coisa acrítica e sem lastro com a História e começou a revisitar um pouco e olhar para a História. Então, tinha essa parte historicista do pós-modernismo, que foi a parte que pegou por aqui. A gente com esse background das cidades históricas, Éolo Maia um cara nascido em Ouro Preto… Então, isso foram os ingredientes que geraram mais interesse pelo pós-modernismo. A Praça da Liberdade… E a gente falando de História e momentos históricos muito recentes, mas então… Você vê lá na Praça da Liberdade que a gente tem um conjunto de prédios variados, mas a gente tem a base eclética quando a gente estava no pré movimento moderno. Tinha a Europa como referência máxima, então esse ecletismo meio clássico e com a mistura de estilos passados também… A maior parte das Secretarias foram construídas dentro desse movimento. Virada do século XVIII, do XIX para o XX. Depois, você tem os exemplos de movimento moderno, tem o prédio do Xodó ali e o do Niemeyer, que são rupturas completas dentro daquele contexto. E o Epicênio (??), que é um dos mais fabulosos ali na Praça da Liberdade. Então, nesses prédios, você vê exatamente que são momentos em que aquele conjunto histórico grande não tinha relevância. Tinha, claro, como uso enquanto Secretarias, enquanto sede do governo. Evidente que era um ponto importante, independente da sua Arquitetura; urbanisticamente falando, sempre teve a sua importância, mas como relevância dos prédios e edifícios… Então, ali não tinha. O movimento moderno rompe com isso e cada um faz, dentro do possível, o que acredita. O pós-modernismo olha para aquele conjunto todo e começa a citar muito mais o Sucata (Rainha da Sucata), você vê que ele respeita a escala e faz citações, até as formas das Secretarias, só que também não passa disso. Queira ou não, eu acho que ele marca o momento em que, para nós brasileiros que não damos importância à nossa História, acho que isso foi um movimento importante. Passamos a olhar para a nossa História, até que o pós-modernismo olha para o modernismo. Eu me insiro até um pouco nessa Escola, porque o pós-modernismo culminou no neo moderno. Olha que movimento estranho: hoje a gente tem o modernismo de novo, como uma referência mais forte, e estamos agarrados nesse modernismo pós-modernamente falando, pós-modernisticamente falando. Sim, o contexto é outro, então eu acho que é um dos movimentos pós-modernos do mesmo jeito. Ao olhar para o passado, por acaso estamos olhando para o modernismo. Acho que isso também se esgotou já, se esgotou sim, acho que estamos numa ebulição maior do que isso. Você separa um pouco também entre os movimentos propositivos e movimentos que são de observação, de releituras. Então, eu acho que a gente ainda não teve rupturas sócio-culturais e fortes, como tivemos no movimento moderno. Talvez estejamos tendo com a questão da comunicação, da globalização em si. Eu acho que a gente está inserido, sim, num movimento dessa magnitude. Só que não como foi o modernismo pós-industrialização, que virou um movimento coletivo de todas as Artes, a partir de mudanças tecnológicas e estruturais na sociedade. Eu acho que o pós-modernismo fez uma bagunça, andou para trás e desconstruiu muita coisa. A gente ainda vive isso, mas temos estofo para… Estofo assim, o caldo existe, mas talvez porque a gente está meio medroso, não estamos tão propositivos assim como exatamente há um século a sociedade estava. Então, a gente está menos uniforme como, sei lá, enquanto espírito.
P/1 – Enquanto mais cômodo?
R – É, eu acho assim: a diversidade tem esse fabuloso... Mas ela pulveriza; então, o pensamento hoje é muito mais… Um dos livros: "Tudo que é sólido desmancha no ar"… Um dos livros importantes. Ele mostra muito isso, então, a gente não tem mais uma corrente só, um pensamento só e estamos perdidos. Perdidos assim, acho que tem um lado bom e um lado ruim disso, porque a gente não quer mais concordância, não quer movimentos únicos e, ao mesmo tempo, isso dá menos energia coletiva para revoluções, para mudanças. A gente está pulverizado, cada um incomodado com uma coisa.
P/1 – Agora, o pós-modernismo aqui em Belo Horizonte, para quem não conhece e não vai saber, quais seriam os prédios que marcaram esse movimento?
R – É, eu acho que o Rainha da Sucata é um prédio importante na Praça da Liberdade, que é do Éolo e do Sylvio. É… Tem a Academia Mineira de Letras, que é um projeto do Gustavo Pena, que acho que é bem do pós-modernismo mais lapidado e menos tropical. O Éolo Maia mesmo falava que era o pós-modernismo tropical que ele fazia. Todos os prédios da Ponta, mas são prédios comerciais… O Office Center, que é lá na Andradas com a Avenida do Contorno e também é do Éolo. Têm vários outros do Sylvio, mas são prédios que essa Construtora… Prédios comerciais feitos pela Ponta Engenharia, que foi quem deu vazão e gerou mercado para essas casas. Casas não, para esses prédios pós-modernos. Acho que os dois mais relevantes são esses dois, que me lembro.
P/1 – E você terminou a Faculdade quando tinha o quê? 24 ou 25 anos?
R – Eu tinha 22 anos.
P/1 – 22?
R – É.
P/1 – Muito novo. O que você foi fazer?
R – Pois é, por incrível que pareça, eu já tinha uns clientes e já comecei a fazer uns projetos em Lavras, antes até de me formar. E aí, logo abri um escritório. A gente também tem essa formação, que hoje considero… Não acho que o melhor caminho seja cair no mercado de trabalho sem… Cinco anos é pouco para uma formação. Dependendo da Escola que você faz, é pior ainda. Então, por mais que você faça estágio ou faça alguma bolsa de iniciação científica, você sai da Faculdade muito cru, não é? E no meu caso não foi diferente. Ao mesmo tempo, você já tem uma demanda. Essa demanda caseira de Arquitetura, é grande. As pessoas querem fazer suas casas, seus escritórios, seus negócios. Então, existe até muita demanda para arquitetos; independente da expectativa de qualidade e independente de qualquer coisa, o mercado existe. Tanto em cidades pequenas... Acho que a possibilidade é muito grande. Porém, aí entra um lado que é da dinâmica contemporânea. Alguns arquitetos talvez tenham mais saco para tentar propor coisas mais interessantes, mas o mercado em si quer respostas rápidas. Eu comecei fazendo projetos em Lavras, em Perdões também. Projetos residenciais, alguns comerciais. E montei escritório junto com amigos que se formaram comigo: Priscila, Cadinho e a Paula Barros. Logo vi que precisava de uma experiência maior com algum escritório que tivesse um pouco mais de experiência que a gente ali, tentando no erro e no acerto. Eu comecei a trabalhar com a Freusa, na época. Tinha o escritório, eu trabalhava meio horário no escritório e meio horário trabalhava no escritório dela. Sempre foi um escritório pequeno, mas era alguém que eu admirava e que fazia Arquitetura numa escala… Eu gosto dessa escala residencial, dessa escala menor assim. Isso me aprofunda nos detalhes e nas escolhas. Aí, foi onde eu fui trabalhar com ela.
P/1 – Quanto tempo com ela?
R – Eu fiquei lá… Hoje, parece que foi muito tempo, mas não foi. Foram dois anos só. Só que foi uma superescola. A Freusa é uma obsessiva total e, ao mesmo tempo, ela sempre fez o figurino do corpo, então, tinha uma relação com a criação no geral, que ia além da Arquitetura em si. Sempre me interessou essa multidisciplinaridade, onde o que interessa é a proposição artística, mesmo que no figurino e no cenário. Eu sempre acabo tendo afinidade com esses arquitetos que não são assim muito padrão, que vão ter grandes escritórios, fazer grandes projetos… Enfim, até hoje me pergunto o porquê disso, mas não sei (risos). É uma escala, uma coisa mais personalizada que me interessa.
P/1 – Depois você abriu o se próprio escritório sozinho, foi isso?
R – Eu já tinha escritório conjunto, não é? Era uma atividade que eu fazia paralela. Então, trabalhava bastante no meu e no dela e misturava um pouco as coisas. Depois de anos, comecei a ter mais demanda, saí do escritório e fui me associar ao Zé Ricardo, que é esse cara que se formou comigo. Ele estava voltando dos Estados Unidos, tinha ido trabalhar num escritório lá. Isso já foi em 2001, quando teve o ataque de 11 de Setembro. O Zé foi para Cleveland, trabalhar num escritório de Arquitetura grande lá. Ele, o Cadinho, a Priscila, todos esses com quem tive escritório, no começo, se mudaram para Cleveland. Um foi levando o outro, que foi levando o outro, que foi levando o outro… O Zé ficou um ano só ou um pouco menos e teve o atentado de 11 de Setembro de 2011. E aí o escritório, que era gigantesco - foi uma coisa assim de uma semana -, despediu metade das pessoas.O Zé me ligou - a gente já tinha feito trabalhos juntos -, e falou: "E aí, Play, estou voltando para o Brasil, tem trabalho aí para mim? Vamos retomar". E aí a gente voltou a ter essa sociedade. Isso durou até 2004, quando me mudei para São Paulo.
P/1 – Seu apelido é Play, por quê?
R – Play foi até… Foi no Pitágoras. Meu apelido em Lavras é Boquinha, eu tinha outro apelido em Lavras. Tenho uma atração para apelidos, sabe-se lá o porquê. No Pitágoras, tinha uma menina que me chamava de Playmobil, só uma. Ela me passou o apelido dela, que era de Playmobil. Cabelinho… Todo mundo me chamava de Boquinha e ela me chamava de Play. E aí, quando eu fui para a Escola de Arquitetura, quando passei no vestibular, uma… A Luciana Gil, que convivia muito com a… Gente, esqueci o nome dela, que me deu o apelido, enfim. A Luciana Gil me chamou de Play no primeiro dia na Escola e esse apelido pegou lá. Então, ninguém mais me chama de Boquinha, tirando os antigos amigos de Lavras. Só que o meu apelido mesmo aqui em Belo Horizonte virou Play.
P/1 – E você então, voltando a ...
R – Depois que eu saí da Freusa, a gente teve escritório. Já tinha, mas com o Zé Ricardo foi de 2001 a 2004. Uma época difícil, bem pouco trabalho. Arquitetura tem isso, às vezes vem um trabalhinho pequeno que você tem muito trabalho, você consegue trabalhar 24 horas num projetinho desse tamanho. Era isso que a gente fazia, trabalhava muito mas tinha poucos projetos. Tinha alguns em Lavras. Me associei um pouco com a Débora, acho que antes do Zé voltar dos Estados Unidos. Eu estava trabalhando muito com a Débora, que morava em Lavras. Então, foi um período meio… Acho que cada um foi para um lado, a Débora foi para a Holanda, eu parei de trabalhar com ela; o Zé Ricardo foi para os Estados Unidos e foi quando eu fui trabalhar com a Freusa; foi isso. Agora que estou lembrando do roteiro. Eu continuei com o escritório, o Zé foi o primeiro a voltar - voltou dos EUA - e a gente teve o escritório de 2001 a 2004. A Priscila e o Cadinho voltaram dos Estados Unidos também nessa mesma época que o Zé Ricardo, só que eles tinham ido antes. A Priscila e o Cadinho foram trabalhar em São Paulo, e a Priscila foi trabalhar lá no Isay, que é um escritório em que trabalhei um tempo. Na época, em 2004, a Priscila morando em São Paulo, falou: "Play, o Isay e o Domingos (que é o braço direito dele)... O Isay valoriza muito o desenho a mão, o Domingos toda hora ameaça sair. Quem sabe você queira trabalhar lá?" E o Isay já era um cara conhecido nacionalmente, estava despontando muito com um trabalho autoral bacana. Aquilo me despertou de fato, a Priscila fez esse link, e eu conversei com o Isay, mandei portfólio e currículo. Eu tinha essa expectativa de que substituiria esse tal do Domingos, que trabalhava com ele há 15 anos. Na verdade, o Domingos não saiu e eu mal sabia que a estrutura do escritório do Isay era assim: tinha o Domingos como braço direito mesmo, que trabalhava na criação, e uma equipe grande - crescendo na época - que trabalhava no desenvolvimento dos projetos, na parte do executivo e tal. Então, era um escritório com uma estrutura que eu não conhecia ainda, mas o Isay sempre foi muito aberto a colaborações. Só que até então, o escritório tinha essa estrutura, que era pequena para a época (maior do que as que eu conhecia, mas, ainda assim, pequena). De fato, ele começou a me chamar para os projetos. Quando eu entrei, é claro, aquela expectativa não foi… Aliás, eu não tinha expectativa, a Priscila que falou que eu poderia… O fato de ter uma linguagem que tinha a ver com o trabalho do Isay é uma maneira de trabalhar, que poderia eventualmente entrar no lugar do Domingos, mas eu via a hierarquia que tinha ali e que aquilo não era tão simples assim. Ainda assim, estava sendo uma experiência ótima, mas logo eu comecei, de fato, a ajudar o Domingos, porque a demanda do escritório começou a crescer, começou a ter muito projeto e tinha hora que empacava lá no andar de cima, que era onde o Isay e o Domingos desenvolviam os projetos. Eles começaram a me chamar e eu comecei a ter uma participação maior. Pouco tempo depois, comecei a fazer só anteprojetos. Foi uma coisa nova lá dentro do escritório e que depois veio a crescer também. Então, meio que existia um departamento de anteprojetos.
P/1 – Anteprojeto já é a criação…
R – É, foi um outro tipo de escola, porque com a Freusa foi um aprofundamento mais técnico no detalhamento, na realização de projetos… Porque a Freusa tinha uma maneira muito legal, que antes de detalhar a marcenaria e a serralheria, ela chamava o serralheiro, chamava o marceneiro, sentava junto e falava: "Quero fazer isso aqui, é assim ou assado, o que você acha?" Ela tinha milhões de tubinhos, cinco polegadas, ¾, 1 e ½, 2, que ela ficava olhando... Então, tinha uma coisa muito técnica, muito bem-feita, um detalhamento minucioso e aprofundado na abordagem técnica. No Isay, foi o contrário. Já tinha lá uma equipe grande que fazia isso. Também era um escritório que ia até o fim na criação, até o detalhe, até a maçaneta. Só que eu fui trabalhar lá, na parte criativa, de concepção. Então, foi uma surpresa para mim mesmo, eu não sabia que existia um escritório assim. O Isay é um grande diretor de arte, ele fala que é arquiteto só naquele momento. Fazia cinema, fazia cenário também. É um arquiteto completamente fora do padrão e uma
das características dele é exatamente ser um arquiteto que não desenha. É um
arquiteto que tem ideias e que dirige outras pessoas que estão colocando no papel ali até chegar no que ele acredita que seja aquela situação, para aquele cliente, naquele contexto. Então, é um cara muito inquieto, mas que puxa da equipe dele esse material com que ele trabalha. A gente fazia pilhas e pilhas de desenhos e de estudos, desde a primeira parte da concepção do projeto, como… O projeto também tem vários anteprojetos. Como você vai detalhar uma piscina, você volta a olhar para aquilo como um anteprojeto, ou detalhar uma fachada, uma vitrine, uma coisa assim. Você retoma a fase de anteprojeto, mesmo o projeto estando lá na frente. Esse exercício criativo é o que eu fazia lá, além de conhecer muitos lugares, de partir em visita sempre ao terreno, viajava. Foi um período muito rico, um dos empregos mais… Quase que luxuoso, porque eu até tinha curiosidade de ver o que aquele projeto tinha virado depois daquela parte inicial, mas raramente aquilo voltava para… Voltava só nesses momentos, com alguma coisa que tinha sido deixada de lado e que tinha que criar de novo, mas não como uma parte técnica ou de desenvolvimento. Eu reunia com a figura que fazia o projeto de aprovação da Prefeitura - então tinha essa ponte – e, às vezes, com o cara de estrutura também. Era um trabalho essencialmente criativo e livre, então foi muito bacana o período em que eu trabalhei por lá.
P/1 – E você ficou em São Paulo… Qual foi esse período que você…?
R – Eu trabalhei sete anos lá, mas desses sete anos eu já… Eu trabalhei quatro morando em São Paulo e os outros três eu já estava voltando para Belo Horizonte. Eu nunca deixei de ter alguns trabalhos pessoais, mas nesse período, claro, eu tive que… O meu sócio Zé Ricardo tomou conta do resto dos projetos que a gente estava fazendo juntos. Eu ainda participava, depois teve um período que eu não dei conta de fazer as duas coisas e depois eu fui retomando lá em São Paulo, com clientes que apareciam lá, porque eu já estava também trabalhando só meio horário no escritório do Isay, com interesses de vida pessoal. Então, eu acabei voltando para Belo Horizonte muito por questões pessoais mesmo. Casei aqui.
P/1 – Em 2011 isso?
R – Não, isso foi um pouco antes. Eu ainda mantive… Ainda ia semana sim, semana não. Fiquei dois anos assim no Isay. Então, foi em 2000… Ah, não, foi antes. Ah, sei lá. O casamento em si não teve uma aliança, então, mas tem… É, foi 2009 eu acho, 2008. Casei. Então, de 2008 até 2011 eu já estava nesse esquema de ir e voltar, entre Belo Horizonte e São Paulo, ainda participando. O fato de eu trabalhar nessa parte, permitia isso. Claro que eu voltava lá e, às vezes, a coisa tinha andado e eu tinha que retomar e pegar o bonde andando, mas o Isay também é muito aberto. Até hoje, aqui no escritório, existem pessoas que trabalham assim. Ele foi ampliando esse departamento de criação no escritório dele. Eu convivi com um casal de alemães que… E aí, eu tinha a linguagem do desenho, então eu desenhava muito. O Domingos também tinha essa linguagem, só que ele tinha uma responsabilidade maior sobre o projeto até o fim. Então, a carga de trabalho dele para cada projeto era maior. Ele foi ficando sem tempo de desenvolver os novos projetos e aí que eu entrei, colaborando com isso. Depois de mim, essa equipe de colaboração foi crescendo. Teve uma época em que eu trabalhei com dois alemães, tinha gente de fora, portugueses… Foi uma época também em que o Brasil estava num excelente momento econômico e de autoestima. Então, foi uma época bem bacana. E o Isay é um arquiteto controverso, não é? Ele é um arquiteto que, lá em São Paulo, tem muita gente que… Aí é que eu fui vendo como a FAU é acadêmica, como tem uma relação com a Arquitetura moderna muito rígida. E a Escola Paulista também, de vários artistas, Paulo Mendes da Rocha... Que são figuras essenciais para a Arquitetura brasileira, mas que também geraram essa escola que tem dificuldades de sair um pouco dessa caixinha. O Isay é do Mackenzie, tem uma outra formação, tem essa relação com o cinema e com as Artes, então ele tem outra cabeça mesmo e tem hora que ele incomoda, tem hora que ele tem uma visão que… Ele fala isso abertamente, tem hora que ele despreza um pouco a estrutura e esse desprezar a estrutura… Porque, se comparado com aqueles que fazem Arquitetura a partir da estrutura, parece um pecado, não é? Não seria só por questões de abordagem, mas, de fato, tem horas em que as soluções arquitetônicas acabam sendo caprichos, elas forçam e o resultado revela isso. Então, dependendo do tipo de Arquitetura, essas soluções são mais bem-feitas do que outras. Pode acabar ficando pesado porque não teve um raciocínio estrutural que caminhasse junto e que fosse um colaborador da ideia arquitetônica. O Isay não enxerga assim, ele acha que são coisas distintas e que a estrutura está ali só quase como uma obrigação. Ao mesmo tempo, é um cara muito inquieto, muito culto, muito refinado, muito legal como ser humano. Então, eu que estava lá dentro sei que é simplesmente um outro olhar sobre a Arquitetura, que não venera a Escola Paulista ou a Escola Modernista com todos os seus princípios e religiosidade. Ele é mais livre, assumindo os riscos que isso acarreta, como o pós-modernismo, então, enfim… Minha escola é mais conturbada (risos).
P/1 – Você voltou em 2011 para Belo Horizonte e começou a trabalhar meio solo, então?
R – É, aí eu retomei, comprei um apartamento no JK, nessa época.
P/1 – 2012? 2011?
R – 2012. Em 2011 eu comprei um apartamento aqui e retornei. Em 2012… Primeiro, foi nesse movimento que eu falei da casinha. Nós até compramos uma casa. Eu e Paulo compramos uma casa em Santa Teresa. Compramos assim, ficamos esperando o inventário. Esperamos dois anos e meio para esse inventário ficar pronto. Era uma família de irmãos herdeiros, cada um com uma situação mais enrolada do que a outra. Então, pacientemente, um dos irmãos foi arrumando a documentação de todos os outros irmãos para ficar livre para comercializar a casa, que a gente esperou. Eu lembro que esperamos dois anos e meio. Na véspera, estava tudo pronto, a gente ia fazer o contrato de compra e venda, uma gatinha minha morreu e eu falei: "Putz, onde vou enterrar a Nevinha?" Pedi para o seu Neilton, que era o irmão que estava cuidando de tudo: "Poxa, seu Neilton, posso enterrar na casa? Vou me mudar para lá daqui a pouco". Tinha uma mangueira assim, um jardim gostoso, uma casa com um pátio central. Já tinha o projeto. Projeto assim, já tinha o anteprojeto. Ele falou: "Tudo bem". Fui e enterrei a gatinha lá. Falei: "’Seu’ Neílton, vamos fazer o contrato de compra e venda. Está aí o contrato e você precisa pegar a assinatura de todos os irmãos". Ele falou: "Ué, vou ter que pegar a assinatura de todo mundo de novo?". Falei: "Não, agora que você vai pegar a assinatura. Antes, estava só arrumando não sei o quê aí de cada irmão. Agora que nós vamos, de fato, começar o trâmite da venda da casa". E ele falou: "Estamos fritos, porque um irmão meu acabou de falecer, um desses irmãos que já foi difícil…". Eu falei: "Ah, ‘seu’ Neílton, ele deixou alguma procuração para a esposa ou alguma coisa? Não sei do que ele morreu, talvez ele estivesse doente. Como é que foi?". "Não, estava enrolado, ele tem duas esposas. As esposas não conversam, os filhos não conversam com as esposas. Nós não vamos conseguir nada dele, da família, dos herdeiros". Eu falei: "Puxa vida!" Liguei para o advogado e o advogado desaconselhou a gente a enfrentar aquilo. Enfim, tudo isso para contar que a gente não conseguiu comprar a casa. Eu tinha uma amiga que morava em outra casa. A gente, precisando investir o dinheiro, não tinha o interesse de morar aqui, mas falei: "Putz, vamos…". Porque os imóveis estavam com o preço subindo muito. Eu falei: "Vamos comprar o apartamento lá para investir e vamos ver". Aí, comprei o primeiro, reformei e vendi. Depois, gostei, falei: "Ah, vamos morar lá?" E foi aí que a gente comprou esse outro, que é aqui do lado, e viemos morar aqui. Nessa época, abri um escritório aqui ao lado, que também foi um lugar que procurei que fosse perto. Nessa época, eu estava começando a trabalhar… Tinha alguns projetos sozinho. Tinha sempre uma equipe que me ajudava, mas não tinha estrutura física. A partir desse momento em que eu montei de fato o escritório, uma das arquitetas que estavam colaborando comigo, que é a Juliana Figueiró, passou a colaborar mais e hoje ela é minha sócia na Play Arquitetura. E eu comecei a desenvolver um trabalho com a minha irmã mais nova, a Suzana, que é das artes plásticas. A gente tem uma marca de Design, que chama Alva Design. É uma coisa que eu sempre gostei, fiz pós-graduação em Design lá em São Paulo. Eu já estava mirando um pouco nisso de fazer trabalhos nessa escala em que o detalhamento vai aprofundado, você desenha os móveis da casa toda. Então, eu sempre gostei bem de fazer. A Suzana foi quem me falou: "Marcelo, vamos trabalhar juntos?" A gente já tinha feito algumas experiências juntos, mas ela fazendo trabalhos de artes plásticas dentro de projeto de Arquitetura que eu tinha feito. Então, já fez painéis de azulejo, já fez instalação em lojas… Ela com o trabalho de artista plástica que desenvolve. A gente abriu a Alva em 2012, 2013, que é um trabalho paralelo à Play Arquitetura. É no mesmo espaço, mas são dois escritórios: a Play e a Alva Design. Vem essa carga toda do avô (risos), desses trabalhos manuais, dos tamboretes, de um histórico imobiliário feito artesanalmente, mas com uma independência criativa. Meu avô, por exemplo, é quem fazia os tamboretes na casa dele. Ele não tinha um tamborete com a mesma altura do outro, porque ele olhava para os netos e falava: "Cada um numa idade, cada um com uma demanda". Então, era uma briga para pegar o mais alto, o médio, o mais baixo. A mesa de refeições do meu avô era esse conjunto de bancos que ele fazia, cada um numa altura. Ele fez muita coisa, trabalhava com cuia, tinha coisa meio de quebra-cabeça. Ele sempre teve um quebra-cabeça, sempre teve um desafio para os netos na mesa, mas sempre ligado a objetos. Então, ele fazia desde estilingue para os meninos a agulha de crochê para as meninas. Ele que fazia tudo. A gente ajudava a lixar. Eu achava bacana que ele fazia saleiro e açucareiro com cuia e aquilo era uma coisa que, para se achar a montagem perfeita, tinha uma posição só, não é? Então, isso também fazia um pouco parte das brincadeiras ali. Eu brinco que explorava o trabalho infantil. Hoje eu falo, ele punha o moedor de café na altura dos netos e instigava: "Quem mói mais rápido?". Os netinhos iam… Ele enchia a lata de café. Então, tinha essa coisa de colocar a gente para… Por exemplo, essa coisa de fazer crina de cavalo. Isso foi um espelho que a gente fez na Alva, pegando essa coisa da crina. Isso, você cocha esse cabelo do cavalo para fazer essas cordas. Então, você fica cochando até que se desfia. Depois, tem um instrumento de cochar e você fiando aquilo para formar essa corda. Então, essa coisa do designer, queira ou não, tem um pouco a ver com o meu avô.
P/1 – Agora, nesses anos que você está com a Play, você tem… Eu acho que é um pecado um pouco essa pergunta, mas você tem projetos preferidos? Na sua vida inteira, vamos dizer assim? Projetos que lhe marcaram mais, mais desafiadores, que você consiga pensar assim?
R – É, eu acho que os projetos são muito peculiares sempre, independente do tamanho, independente do porte, da situação… Sempre complexos, sempre. Então, às vezes, o menor projeto é mais complexo do que um projeto grande. Eu acho que todos têm o seu interesse. Por alguma razão, eu acho que a gente desenvolve uma maneira de pensar que tem a ver com síntese. A síntese dos problemas…. Então, sintetizar uma situação complexa, acho que já faz parte de uma coisa que eu gosto muito de fazer. Acho que descascar o abacaxi mesmo e tornar aquilo uma coisa que você domina e tem mais controle. Ao mesmo tempo, responde mais no alvo. Isso acontece com situações muito variadas, desde a reforma de uma casa, que a pessoa não para de construir. Eu já peguei projetos, que precisou falar assim: "Para de construir, nós vamos demolir. Sua casa é um projeto só de demolição". Porque a pessoa, na sua ansiedade e nos seus incômodos, vai achando que dá para desprezar isso e construir uma nova coisa, mas constrói às vezes mal feito. Despreza aquilo, constrói mais. Então, muitas vezes, cheguei em situações de falar: "Não, opa, esse negócio aqui você construiu demais, vamos tirar, vamos tirar, vamos abrir". Então assim... A Arquitetura tem esse olhar de resolver problemas, de descomplicar as coisas. Dentro disso, tem cada projeto que não significa nada mas que são situações, às vezes, divertidas, situações ricas de troca. Por isso que eu acho que cada projeto, de fato, tem a sua história. Eu poderia citar muitos aqui que foram interessantes. E tem projetos também com os quais colaborei nesses outros escritórios, em situações muito bacanas, terrenos lindos, com liberdade total. Você tem momentos que lhe dão… Esse descomplicar, é, às vezes, o caminho mais curto, porque você já começa com o quadro mais em branco. Descomplicar quando a situação é muito emaranhada e muito grande demora mais e é mais difícil. Eu acho que talvez… Têm projetos que eu acho que isso acontece de uma maneira que o resultado revela mais isso. Essa história de que o projeto passa, que talvez o projeto revele mais isso e se conclui de uma maneira mais sintética e mais precisa. Então, são projetos de que eu gosto e aí posso citar casas, posso citar lojas, posso citar prédios, em que isso acontece de uma maneira que a gente fica mais feliz no final. Porque todo mundo percebeu aquilo, comunicou mais. Eu acho que não é o caso de citar. Eu poderia citar, mas acho que interessa mais, pelo menos para mim, o que é um bom resultado, um projeto que lhe marcou, que é a pergunta que você fez. Acho que tem a ver com isso, de desembolar da maneira mais legal e, claro, que o resultado revele de alguma maneira isso. Então, são as ideias que são supostamente as mais simples. Só que nem sempre partiu de um contexto simples, então…. Outro dia eu vi… Ontem, alguém citando João, falou que elegância para ele é fazer parecer simples aquilo que muitas vezes não é, que tem um grau de complexidade grande. Então, eu adotei e quase dei um print na frase, porque faz parte do que eu considero um bom projeto - meu ou de outra pessoa. Acho que é por isso que o Design me agrada também, porque no Design a gente já tem uma coisa com menos variáveis, então já estamos mais próximos de alcançar isso, porque a Arquitetura tem muitas variáveis. Não só do cliente, do terreno, técnicas legais, legislação… É complicado. Todo o balaio, cesto de coisas que você põe para depois chegar numa proposição, é muito complexo. No Design, você tem isso, que é a parte de uma coisa mais simples sendo um objeto só. Não que isso seja fácil, mas é como se tivesse menos tempestade de coisas. Como eu prezo por essa simplicidade e essa precisão dessa resposta ou dessa proposição, eu acho que o Design já parte de um cenário mais limpo enquanto variáveis ali. Os projetos são muito divertidos e aí... Essa que é a minha dificuldade de hoje em dia; às vezes, me atraio por uma situação muito complexa e vou entrar numa fria, porque nem sempre você consegue descomplicar aquilo, nem sempre você consegue desfazer os nós. Tem hora que não dá, tem hora que a gente se frustra. Então, essa atração por um abacaxi (risos)... O Design é que tem me aliviado um pouco isso, mas na Arquitetura também. Talvez eu pudesse queimar um pouco as etapas, ler a situação de uma maneira diferente, não sei, porque tem hora que você está inserido, fazendo uma ‘reformica’ desse tamanho, um banheiro, sabe? Um projeto pequenininho, que é super complicado e isso me atrai, entendeu? Enfim, me atrai.
P/1 – Eu tinha mais duas perguntas para você. A primeira é: Como é morar aqui no edifício JK? Você fez a reforma do seu apartamento, não é? Como é esse edifício? Por que você o escolheu?
R – É, primeiro ele tem uma Arquitetura muito legal. Um gênio nosso, apesar de ter erros e acertos. O JK tem erros, eu acho que… Eu não diria que são erros de projeto, são erros de uma complexidade de difícil… Tanto o empreendimento em si, a sociedade mineira não segurou esse empreendimento que misturava muitos usos. Tinha hotelaria misturado com apartamentos, com museu, com restaurantes, centro turístico… Então, ele era muito arrojado para uma sociedade que mal lida bem com a democracia. Eu acho que ele tem uma complexidade de difícil apreensão. E por isso, o projeto também tem algumas questões que foram deturpadas. O prédio virou um prédio de apartamentos, mas que não foi projetado para ser um prédio de apartamentos. Tem kitnets aqui que eram para ser quartos de hotel e não têm cozinha, simplesmente. As pessoas improvisam e vivem nessas kitnets, sabe-se lá como, eu não sei como. Tem um histórico de que começou de uma coisa muito arrojada, de um empreendimento que acho que a sociedade e a própria economia não absorveram completamente, e aí ele virou um filho manco. Ele já nasceu com problemas porque ele mal nasceu, não nasceu como deveria, como foi idealizado. O JK virou esse monstrão que desperta a curiosidade, no mínimo, mas que tem apartamentos muito legais, tem uma coisa com luz natural fabulosa… As janelas têm uma planta muito limpa. O desenho do Niemeyer é muito bacana, acho que é admirável o raciocínio preciso em termos de domínio de tudo isso a que o JK se propôs. Eu acho que, claro, como os usos foram mal direcionados, algumas coisas ficaram inconclusas. Existe uma rampa ligando as torres que nunca foi feita; existe um museu que nunca foi feito. É claro que isso vai gerando áreas degradadas, vai gerando uma dificuldade de utilização e de administração disso tudo. Então, o JK virou esse bicho que, na verdade, é muito mais pacato do que se pensa. Eu vivo aqui por causa das qualidades arquitetônicas que vejo e também porque me lembra as cidades do interior, a cidade que mistura mais classes, mistura mais gente, idosos, crianças… É um lugar cosmopolita, que eu considero cosmopolita. O centro do qual fugi na adolescência, hoje acho que é muito representativo de uma sociedade, de uma sociedade mineira e brasileira. Ou seja, hoje eu acho isso mais rico do que morar em ilhas confortáveis, mas que você está evitando conviver com o que é uma realidade muito maior, muito mais verdadeira de uma cidade e de um país. Aqui, é tapa na cara assim. É até muito tranquilo. Claro, tem uma administração muito soviética e militar. Acho que já poderia estar absorvendo novos hábitos, desde sua maneira de organizar como os moradores e a sociedade... Que vai se transformando. Só que, também, conseguiu colocar uma organização mínima, diária que eu quero dizer. Inadimplência no condomínio, mais educação na hora de… Até hoje jogam lixo pela janela no JK. Então, tem hora também que parece muito pesada a administração. Eu me deparo com situações que não saberia qual a outra maneira… Parece que estou defendendo ditadura, não é, gente? Opa! Corta! (Risos). De jeito nenhum. Acho que… Eu já fui em reunião de condomínio e nunca mais quero voltar, porque não escutam, impõem decisões; não conseguem lidar com um pensamento democrático. Não têm ferramentas, nem abertura para lidar com diferenças - mas diferenças propositivas. Aqui sempre foi um lugar de diferenças, sempre foi, mas tem uma administração que é impositiva, é ditatorial, então, é horrível. Também tem isso, eu vivi a ditadura na infância. Eu só fui entender o que é ditadura aqui no JK, porque isso é uma ditadura. Não existe espaço para diálogo - para questões que envolvem o prédio, tá, gente? Não há diálogo de uma porta com a outra. Tem até um salão de festas, tinha ginástica para idosos e era super divertido. Você tem áreas livres em que pode ir correr e caminhar, mas isso poderia ser muito mais rico. Eu imagino aqui uma praça com regans, imagina 1.000 regans, imagina cada apartamento ter a sua piscina regan nessa grande laje árida do Niemeyer. Então eu falo: "Isso aqui é uma potência e no entanto, a gente é castrado". Eu nunca dei nenhuma sugestão arquitetônica para as áreas comuns, porque nunca senti o mínimo de abertura a algum tipo de diálogo. Aí que está, para aprovar projetos você tem uma burocracia gigante, é difícil e foi ficando cada vez mais difícil. Hoje, por exemplo, eu não enfrento mais uma aprovação de projeto aqui, de tão rigorosos que eles foram ficando. Quando, na reunião de condomínio, eu fui tentar defender a demolição de uma laje que tinha aqui… Não uma laje estrutural, mas uma espécie de forro que não tinha nenhuma função estrutural... Óbvio que eu tenho completa consciência de que não se pode mexer na estrutura de um prédio. Só que sem entender que tem gente querendo fazer dois andares aqui dentro, tem gente querendo dividir o quarto em três. Então, assim, é muito complexo o conjunto de interesses e de cabeças. Por isso que estou dizendo: eu não saberia como… A primeira coisa que eu tento falar com a síndica é: "Ninguém está querendo lhe tirar daqui, porque você é a única que dá conta dessa administração". Porque nas conversas, acha que você está querendo tomar o lugar dela, não é? Não, imagina, é o contrário. Nós estamos querendo colaborar de alguma forma, mas você vê como é difícil lidar. Tem um livro francês que eu estava lendo, que chama Ódio à democracia - a democracia é insuportável. Assim... Ela, no seu ápice… Não pode deixar essa frase sem entendimento, não é? Mesmo nas democracias normais, em que a gente acha que vive… Aquilo não é uma democracia direta, é uma democracia representativa. Assim, o espaço é pouco democrático. O JK seria um belo de um exercício de um espaço democrático que tem tudo para ser. No entanto, ainda não temos essa abertura, nem estamos caminhando para isso. Não sei o que… Se essa síndica falece, por exemplo, eu não sei o que viraria o JK, porque vamos fazer o quê? Contratar uma organização? Tem gente que morre aqui dentro que você não está sabendo, mas é um velhinho que mora sozinho. Então, é a síndica que socorre essas figuras. Têm carros abandonados na garagem, que você convive e fala: "Putz, não é possível, está cheio de gente querendo vaga aqui. Por que tem um carro…"? Aí, você vai ver, aquele cara não tem família, aquele carro não tem herdeiro, ele está devendo a garagem - porque se paga… Então assim... Existe uma complexidade grande, grande. De alguma maneira, talvez por isso que me interesse (risos). Só que aqui, eu não sei se teria cabeça para me envolver na descomplicação de uma situação tão complexa, entendeu? Eu teria que aprender a fazer isso. Fazer isso de uma maneira democrática, essa é a grande dificuldade. Fazer isso de uma maneira não democrática é fácil… Fácil não, mas é mais fácil.
P/1 – Como é que foi contar um pouco da sua história hoje? Como foi essa experiência?
R – Engraçado que você falou do meu casamento, que eu não falei. Eu não sei se era… Era até de levar para análise, porque acaba que a gente fala de uma visão muito de como eu me formei, não é? Estranho isso, porque acaba… Eu não tenho filhos. Sou casado com o Paulo André, que é ator e um super parceiro, inclusive nas questões artísticas e profissionais, apesar de sermos de áreas bem diferentes. De alguma maneira, acho que falei muito sobre uma visão… A formação de um arquiteto, de um designer, talvez, sei lá. Mesmo falando da infância, tem um olhar assim meio… Talvez meio fechado?! Um roteiro meio sob esse aspecto, engraçado. Talvez por falta de hábito, não é? Então não foi difícil, mas talvez eu pudesse ter aberto brechas para outros lados. A ordem cronológica também… Não sei se é por isso, você tem entrevistado um monte de gente aí. Talvez por isso… Queira ou não, a infância representa um espaço pequeno na sua vida, de tempo. A adolescência, menor ainda. Depois, você cai na vida profissional, não é? Então, eu me formei como arquiteto aos 22 e já fazia alguns projetos desde os 20... Minha vida se resume a isso desde os 20 anos. Só estou aqui pensando sobre… Não foi difícil falar, mas qual o interessante da pessoa assim, além dessa máscara profissional que a gente veste?
P/1 – Você pode falar uma coisa, então? Como é que você conheceu o Paulo?
R – Eu conheci… Fui assistir ao Galpão, no Tiradentes, e aí ele me levou para trás da Igreja (risos), mas foi verdade. Eu assisti - não conhecia ele ainda - e aí, já no final de noite, aquele resto de gente em Tiradentes… Eu cruzei com ele e com a Erika, que era amiga dele. Eu acho que a Erika tinha falado com ele, e ele falou: "Olha, estou louco para levar alguém para trás da igreja". A igrejinha de Tiradentes, que é mais afetada. A gente se conheceu ali, no final de noite já. Fomos parar atrás da igreja; então, no final das contas foi assim. Fui assistir a uma estreia do Galpão, uma estreia lá em Tiradentes. A long time ago.
P/1 – Você já estava… Você ficou atraído já ali, vendo a peça?
R – É, engraçado que eu cruzava com o Paulo nas ruas. A gente morava mais ou menos perto, no Santo Antônio. Foi quando eu voltei para o Santo Antônio, depois de morar um tempo no Centro. E aí, eu cruzava com o Paulo André algumas vezes na rua, se saber que ele morava por ali. Já tinha um interesse assim pela figura. Não sabia que ele era do Galpão e no espetáculo é que eu fui vê-lo no palco. Depois, a gente se conheceu naquele dia ali, mas foi bem… Faísca (risos).
P/1 – E estão há mais de dez anos casados?
R – Mais de 20.
P/1 – Mais de 20?
R – Isso foi em 1997… É. 1996, 1997. Faz um tempo. 1997, eu acho.
P/1 – Como é que é isso? Vocês estão em ramos diferentes da Arte, que você falou, não é?
R – É. Até recentemente, por convite de um diretor, eu desenhei dois cenários para o Galpão. Eu sempre tive uma admiração pelo Galpão - desde a época de Faculdade. Depois, comecei a namorar o Paulo e me aproximei do Grupo. Às vezes eu colaborava, fiz a reforma da sede deles, uma parte como arquiteto. Fazia algumas coisas, cenografia… Mas cenografia sempre teve muita ligação com os diretores e o Galpão não é um grupo que tem um diretor. É um grupo de atores. Então, eles convidam diretores externos para dirigirem os espetáculos. Dessa maneira, muitas vezes, os diretores têm os seus parceiros cenógrafos. Então, eu nunca tinha participado de cenografia. Óbvio, nunca impus nada desse tipo, mas foi legal. O Márcio Abreu, que dirigiu o Nós, há três anos, me convidou… Foi a primeira vez que eu fiz o cenário para o Galpão. E os outros também, que foi o último espetáculo que eles fizeram. Demorou 20 anos para que eu, de fato, fizesse alguma coisa para o Galpão, como cenografia. Na Arquitetura, todos viraram meus clientes, não é? Já reformei a casa do Eduardo, reformei a casa do Chico, reformei a casa do Toninho, do Arildo… Todos foram meus clientes. Quase todos. E Paulo também. Paulo é quem falou: "Não, nós temos que fazer alguma coisa para os gatos. Vamos fazer, não deixa os gatinhos fora dessa reforma". Então, foi demanda dele que a gente… Ele tinha os gatos dele e eu tinha os meus, antes da gente se casar. E quando viemos morar junto… Mentira, moramos juntos no Santo Antônio, depois viemos para cá, que foi a primeira casa que a gente fez, juntos, assim. Aí que fizemos essa história e foi o impulso do Paulo André. É muito legal viver com ele, é uma figura muito moderna, apesar de ser mais velho do que eu - ele é dez anos mais velho do que eu -, mas ele é muito jovem, muito curioso, muito livre, muito disciplinado também, muito… Ele pega pesado, às vezes. Esses dias, no dia da conta, ele quase me matou para fazer essa conta. A gente comprou o escritório juntos e está no nome dele o IPTU lá. Ele é assim, paga as contas com antecedência. Aqui em casa, eu nem olho para as contas. Você me pergunta: "Por que você não paga uma vez por ano só?" Eu falo: "Eu não pago porque esqueço de pagar, não é porque não quero pagar". Já é a segunda vez que alguém que precisa de alguma coisa de Prefeitura... Bate lá na certidão negativa dele e está o IPTU. Na mesma hora ele me liga: "Marcelo, você não pagou essa droga dessa conta". Então, ele é muito rígido e correto com essas coisas práticas da vida, mas, ao mesmo tempo, é muito livre, muito jovem e moderno nas outras. Ele não se apega a nada (risos).
P/1 – Obrigada, Marcelo.
R – Ah, obrigada a vocês.
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