P/1 - Então Dona Lina, para começar a entrevista, vou pedir pra senhora falar seu nome completo de novo, o local, e a data de nascimento. R – Hum P/1 - Pode falar.
R - Maria Lina Bispo dos Santos, eu sou do dia 10 de janeiro. P/1 - De 1932, né? R – É, sou de 32. P/1 - E a senhora nasceu em...Continuar leitura
P/1 - Então Dona Lina, para começar a entrevista, vou pedir pra senhora falar seu nome completo de novo, o local, e a data de nascimento. R – Hum P/1 - Pode falar.
R - Maria Lina Bispo dos Santos, eu sou do dia 10 de janeiro. P/1 - De 1932, né? R – É, sou de 32. P/1 - E a senhora nasceu em que cidade?
R - Eu nasci no Remanso. P/1 - E o nome dos seus pais?
R - Minha mãe chamava Maria de Jesus. P/1 - E o seu pai?
R - Meu pai, José Bispo dos Santos. P/1 - E o que eles faziam, Dona Lina?
R - Meu pai, era vaqueiro. P/1 - Ah E ele andava por onde como vaqueiro?
R - Ele andava por aí, por essa encantada tudo, trabalhando aí, nesse mundo; Jabuticaba, esse mundo todo, fazendo trabalho de vaqueiro. P/1 – Ele trazia gado de algum lugar pra o outro, como é que era?
R - Trazia, trazia. Era vaqueiro do Seu Bittar, Doutor Dominguinhos, carregava gado pra todo canto aí. Aí eles mandavam, que naquele tempo, a gente era menina, né, num prestava atenção, mas era só ele que carregava gado pra todo canto. Era vaqueiro, foi vaqueiro muitos anos pro Senhor Bittar. P/1 - E a dona Maria trabalhava com o que? R – Nós, minha mãe trabalhava na roça com nós, plantava mandioca, plantava tudo. P/1 - Vocês ajudavam?
R - Tudo lá, tudo lá já era cedo. P/1 - Era mais trabalho que brincadeira ou mais ou menos? R – Era, trabalhava mesmo, agora só que nós brincava, né, já era brincar, nós ia pra roça mais ela, cedo trabalhava, quando era meio dia ela ia cuidar lá na casa, fazer as coisas, fazer comida essas coisas. Nós ia brincar por debaixo das moitas, com boneca, fazer batizado de boneca, fazer festa; enfeitar a moita de flor pra dizer que era pra fazer brincadeira, fazia muito cozido. P/1 - O que era o cozido? R – Cozido era carne, arroz, feijão que nós fazia por lá, aqueles cozidos por debaixo da moita, pra dizer que era a festa. Pra dizer que era a festa, a festa do batizado das bonecas, né? A gente fazia batizado de boneca, era a nossa brincadeira. P/1 – Gostoso, né? R – É P/1 - E ai nessa, nessa festa, os meninos podiam participar também, ou não?
R - Podia, podia fazia os compadres, fazia as comadres, fazia os batizados das bonecas, né? Brincava muito P/1 – E as traquinagens? O quê que vocês faziam?
R - Como? P/1 - De peraltice assim? R – Nós fazia, nessas vila a gente brincava muito de boneca, quando era de noite nós ia cantar roda, cantava, fazia aquelas “rodonas”, cantava roda até tantas, altas horas da noite. P/1 – É mesmo?
R - Eu tenho muita irmã nesse tempo. P/1 – É Quantos vocês eram?
R - Minhas irmãs eram seis. P/1 - E como é que era essa convivência? R – Nós cantava roda. De noite nós se ajuntava, e ia cantar a roda. P/1 - E tem alguma música que vocês cantavam? Que a gente não cantou aqui? Que a senhora lembra? R – “Vou deitar no colo dele, pra ele me carinhar. Quero ver a valentona, que vai me tirar de lá. No colo dele eu vou deitar.” P/1 - Brincava de roda?
R - É Brincava de roda. P/1 - E tinha outras brincadeiras? De passar anel?
R - Tinha brincadeira de, de como é que chamava? De esconder? P/1 – Esconde-esconde? R – Nós brincava, nós escondia deixavam ali, escondia mandava o outro procurar, ficar caçando, e nós brincava. P/1 - E Dona Lina, tinha história de fantasma aqui? No Remanso? Tinha histórias de fantasma?
R - Não, eu sai do Remanso, nova. Eu nasci no Remanso, mas só que não fui criada no Remanso. P/1 - E a senhora ficou aqui mais em Lençóis? R – Não, eu me criei mais lá pro lado de Utinga, mais pro lado da Utinga. Quase não me criei no Remanso P/1 - Mas tinha história de fantasmas onde a senhora vivia? R – Tem, mas a gente não bota as coisas muito nas cabeças, né? P/1 - Não tem problema. E que mais vocês brincavam? R – Brinquedo de boneca, era negócio de roda que nós fazia de noite. P/1 – E tinha fogueira?
R - Fogueira só no tempo de São João. No tempo de São João tinha fogueira. P/1 - Como é que era a festa de São João?
R - A festa de São João? É fazia fogueira e festejar, rezar. Todo ano faz fogueira, todo mundo leva bebida, é soltar foguete, soltar bomba, traque, essas coisas. Amanhece o dia nessa brincadeira. P/1 - E dançando?
R - E dançando e bebendo. Tem lugar que amanhece o dia. P/1 - O que é que dançava? Samba?
R - Era samba, era samba. Ia sambando no tempo que era sala. Hoje em dia é mais tem samba para a gente que já é mais adulto, o negócio é samba. Samba muito até de manhã cedo. P/1 - Era bom? R – Era bom. Era bom demais. R – No samba nós bebe; nós come; assa carne na fogueira; assa batata, aipim na fogueira. Brinca muito na fogueira. P/1 - E que outras comidas tinha? R – Outra comida é feijão, peixe, arroz essas coisas. Muita verdura. P/1 – E como é que era a organização da festa? Só tinha mulher organizando ou os homens também organizavam?
R - Tudo misturada homem com mulher. Os homens é de tambor, é de bumba, gaita, essas coisas. As mulher pra cantar, sambar. P/1 – E me fala uma coisa, a senhora e dona Rosa se conhecem desde criança? R – Eu mais Rosa? P/1 – É R – Eu mais Rosa, desde criança nós somos gêmeas. Eu não tenho uma prima, tenho uma mãe. P/1 – E como surgiu essa amizade tão forte?
R - Toda vida nós fomos assim, desde o Remanso. Eu mudei, fui embora do Remanso. Depois ela mudou teve uns tempos na Capivara. Uns tempos depois ela mudou pra Lençóis. Depois que ela mudou para Lençóis é sempre eu e mais ela. É sempre e mais ela Eu venho aí, tenho a casa da minha filha aí. Onde tá uma, tá outra. Lugar que ela vai e eu “num” vou, eu acho ruim e lugar que eu vou e ela não, ela acha ruim. P/1 - Mas isso acontece pouco, né? Vocês estão sempre juntas? R – Sempre juntas. P/1 – Que beleza.
R - Pra mim não é uma prima, é uma mãe. P/1 – A senhora também conheceu o Márcio? R – Conheci. Conheci o Márcio num forró. Não sei nem como tomei amizade com o Márcio. Quando vi já tava de dentro. Não sei como foi, não. Andei muitos lugares. P/1 – A senhora também tem ido com ele na caminhada? R – Tenho. P/1 - Como é que é essa caminhada? R – A caminhada, nós vai por aqui. É nós vão. E eu gostei muito, e gosto muito de andar com ele, adoro mesmo, gosto mesmo. Ele é um homem muito cuidadoso com a gente. O primeiro lugar que ele levou nós foi em São Paulo. Adorei Adorei P/1 – Ah Vocês foram pra São Paulo? A senhora andou de avião? R – Não, de avião não. P/1 - Foi de ônibus? R – Fui Adorei. P/1 – O que a senhora gostou de São Paulo? R – Eu gostei, gostei muito da presença dele; da mulher dele; de todos que acompanhou nós. Adorei demais, adorei mesmo. E todas as caminhadas que eu faço mais ele, eu adoro mesmo, adoro mesmo. E adoro andar e mais Márcio e gosto mesmo do Márcio, eu gosto dele mesmo. P/1 – E, nessa caminhada que vocês fazem, explica pra gente assim, por exemplo pra ele que não sabe, pro Paulo que não conhece, como é que é essa caminhada? R – A caminhada que nós vão, e ele leva nós, às vezes quando, assim, ele leva nós pro Remanso, vamos embora caminhada, vamos embora. Aí nós vai pro Remanso. Aí quando chega lá perto ali das casas, ali da escola, ali ele arruma ali pra puder arrumar ali nós vamos, nós entra na escola direto cantando, todos nós, toda escola que nós vai, nós entra cantando. P/1 – E como é que as crianças recebem vocês? R – É As crianças recebem bem. P/1 – Alegres? R – Alegre. Vem tudo pra porta. Outra hora está tudo sentado de lá, levanta tudo, batendo palma. Aquelas palmas mesmo. E recebe mesmo, e ali senta mesmo ali agora vai escutar. E ele vai dizer, e vai escutar e cantar as cantigas. P/1 – E além dessa cantiga que a gente cantou, quais outras que eles cantam? A senhora lembra de alguma outra? Aquela do chapéu? Canta a do chapéu? R – Canta a do chapéu. P/1 – A senhora lembra da música? R – E agora eu se esqueci dela e tem ela duas, e só que eu só gosto mesmo é de uma que a gente entra cantando na escola, pros meninos. P/1 - Qual que é? R – Como que é? Esqueci. Só to lembrando de uma, mas essa daí cantei ainda agora. Não a outra é que queria saber. P/1 - Canta outra então. R – Outra, eu tô esquecendo. P/1 – Não tem problema não. Então as crianças recebem muito bem, a senhora? A criançada gosta? R – É Mais eu gosto das duas, mas a outra eu esqueci, e agora? P/1 – Não. R – E essa outra que nós entra cantando é Gabiraba. P/1 – Qual que é? R – Bebeu , bebeu Gabiraba, Lá no bebedor,Gabiraba. Meu chapéu caiu, Gabiraba. Meu amor panhou, Gabiraba”. R – Mas eu queria a outra, mas esqueci da outra. P/1 – E tem outro verso, essa do chapéu? Ou não, é isso direito? R – Não Ai vai dizendo versos. P/1 – Vai dizendo muitos versos? R – Hum, hum, ô esqueci da outra. P/1 – Não, mas não tem problema. R – Esqueci da toada da outra mulher E aí eu sempre fui, quando ele sai por aí, ele num deixa nós não, saí com ele. É saí com ele pra Iúna, pra esse mundo todo. Sai com ele, e adoro muito, gosto muito dele, ele é muito constante com a gente, adoro ele. P/1 – É? R – É, muito legal. P/1 – E assim, qual é a importância desse trabalho, além de vocês gostarem dele. Qual que é a importância do trabalho assim, de chegar nas escolas, levar essas coisas que vocês conhecem para as crianças? R – Sempre levando nós assim, às vezes aquilo vai esse povo assim, que nós anda, então nós conhece ele leva nós. Ele leva nós,nós acompanha ele e dá tudo certo. P/1 – Vocês nunca ensaiaram, já saíram fazendo a caminhada? R – É P/1 – Ah, legal. R – Já saiu fazendo a caminhada. É P/1 – Não tem ensaio não? R – Não. P/1 – E que é que a senhora acha assim, da importância de está, hoje, né? Que tem televisão, tanta coisa eletrônica, de está fazendo esse trabalho com as crianças, o que é importante pra senhora? R – Importante, as crianças vai ficando mais, né? Ele vai ficando mais “alimentando” só as crianças e as crianças vai ficando mais ladino ainda, só ensinando. E só dizendo, falando aquelas perguntas pras crianças, pras criancinhas ir respondendo, né? Ali vai ficando mais as crianças, vai ficando mais, mais, mais “alimentado” ainda, né? Vai ficando mais ladino que o quê era, não é? P/1 – Com certeza. Elas gostam então? R – Gostam Gostam P/1 – E esse encontro que está tendo aqui, Lina. Sabe esse encontro da Ação Griô, que está tendo esse movimento, essa festa de ontem. O que você ta achando desse movimento todo aqui? R – Eu tô achando beleza, tô achando lindo, tô achando beleza, tô achando lindo, lindo mesmo. P/1 – Por quê? R – Porque tá bem bonito, tá lindo, tá bonito mesmo, tá lindo mesmo, tô achando bonito. P/1 – Que bom R – Tô achando muito importante, bonito mesmo, o povo tudo alegre, o povo tudo decente com a gente, né? Tô achando lindo mesmo. P/1 – Tá gostando de participar? R – É, gostei. P/1 – E de ter dado essa entrevista pra gente, que a senhora tá achando? De estar dando essa entrevista pra gente, o que você tá achando? R – Eu tô achando muito bom, tô achando beleza mesmo, também. P/1 – Então tá bom. P/1 - Você quer cantar mais alguma coisa? O que é que você lembra pra cantar pra gente? Um samba? R – Um samba, eu ... Agora eu vou cantar e a senhora vai me ajudar, sabe porquê, agora tá triste, mesmo baixinho assim.
R - Éh E agora tá ruim, eu tô rouca porquê eu já cantei muito aí, nesse, nesses lugar ai, já cantei muito mulher, e agora tá ruim. P/1 – É? Vai ficar pra próxima, então? R – Desde terça-feira que nós vem mais Márcio cantando, não é. Desde que nós vem batalhando, botando pra lá mesmo.
R - Quinta-feira nós foi no Remanso cantando direto. P/1 – Ah Quinta teve em Remanso? R – Foi. “Amanhã vou embora. De hoje estou me arrumando. Oh, João, Salvador morreu. O cavalo da viagem tava [...] Oh, João, Salvador morreu. Lá na baixa da Parnaíba,[...] tava [...] comigo Benedito foi atrás. Encontrou chapéu, Salvador morreu. Oh, João, Deus te dê o céu. O meu Deus do céu [...] essa menina. O meu Deus do céu [...] essa menina. Aquele Salvador. Aquele coitadinho” R – Agora não tá não, tô rouca. P/1 – Que lindo. Esse é o samba? R – É, agora tá ruim, viu? P/1 – Vocês estão famosos então? R – Tô agora ruim viu, desde terça-feira que a gente vem, clamando por esse mundo todo. E agora tá ruim mulher, vem fazendo uns paliativos assim, pra num fica quieta, né? Mas agora tá ruim. P/1 – Então no próximo encontro a gente canta mais, pode ser? R – É, pode ser. P/1 – Então tá bom Dona Lina. Agradeço a entrevista da senhora muito, ta? Pro Museu da Pessoa, pra Ação Griô. Agradeço, mesmo. R – Graças a Deus. P/1 – Amém. . R – Tá bom.Recolher