Projeto Vale Memória
Depoimento de Marcos Eduardo Veloso Milo
Entrevistado por Rosana Miziara (P/1) e José Carlos (P/2)
São Luís do Maranhão, 27 de junho de 2002
Realização Museu da Pessoa
Código do Depoimento: CVRD_HV132
Transcrito por Marlon Alves Garcia
Revisado por Wini Calaça
P/1 - Ma...Continuar leitura
Projeto Vale Memória
Depoimento de Marcos Eduardo Veloso Milo
Entrevistado por Rosana Miziara (P/1) e José Carlos (P/2)
São Luís do Maranhão, 27 de junho de 2002
Realização Museu da Pessoa
Código do Depoimento: CVRD_HV132
Transcrito por Marlon Alves Garcia
Revisado por Wini Calaça
P/1 - Marcos, vou pedir para você falar seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Bom, meu nome completo é Marcos Eduardo Veloso Milo, eu nasci na cidade mineira de Montes Claros, tenho 52 anos. Morei em Montes Claros durante algum tempo, até os 15 anos. Quer dizer, minha vida foi sempre de mudanças constantes.
P/1 - Seus pais são de lá também?
R - Meus pais são de lá. Depois eu fui para Belo Horizonte, onde eu fiz o segundo grau e a universidade, sou engenheiro mecânico de formação. Trabalhei em Belo Horizonte alguns anos, depois ingressei na Vale em 1981, então já são 21 anos de empresa, na implantação do Projeto Carajás. O Projeto Carajás foi um grande desafio que se apresentou para todos nós, porque o Projeto Carajás foi o primeiro. O histórico dos projetos implantados na Amazônia foi um histórico de fracassos. Você tinha a Fordlândia que foi um projeto que fracassou, depois o próprio Projeto Jari, que foi um projeto que começou e também não deu resultado. Então, um dos grandes desafio do Projeto Carajás era você implantar em plena Selva Amazônica um projeto que fosse vitorioso. E a Vale tem por tradição ao longo dos seus anos ser uma empresa de enfrentar desafios, e durante esses desafios parece que a empresa, e isso é normal, ela cresce cada vez mais. Quer dizer, eu acho que um dos grandes desafios foi justamente na implantação do Projeto Carajás. Então, eu cheguei em Carajás em 1981, numa época ainda totalmente carente de infra-estrutura. Para se ter uma idéia, em Carajás, a concepção inicial foi de construir um núcleo urbano onde as famílias pudessem ficar, para que abrigasse as pessoas, construísse casas, toda a infra-estrutura necessária. Quando eu lá cheguei, esse núcleo urbano ainda não estava pronto, as casas ainda estavam em fase de construção. Então nós moramos durante algum tempo num acampamento da Docegeo, chamado de N1, onde existia uma casa de hóspedes belíssima construída pelos americanos da United State Steel, e que a gente morou lá durante alguns meses até que toda a infra-estrutura estivesse pronta. E a partir desse momento é que eu fui para Carajás, propriamente dito, no chamado N5, ainda muito carente de infra-estrutura. E o grande desafio que a gente enfrentou nessa época foi criar infra-estrutura e iniciar uma infra-estrutura de uma cidade em plena Selva Amazônica, onde você demandava de uma logística enorme de atendimento às famílias. Eu acho que o desafio maior que a gente enfrentou foi justamente isso daí. E tem história, assim, muito interessante, porque quando a gente começou, as primeiras famílias começaram a chegar, você não tinha nada, você não tinha médico, você não tinha hospital ainda. Então, quando veio a primeira pediatra que foi contratada e chegou no hospital, as mulheres que já moravam lá foram no aeroporto recebê-la fazendo a maior festa, porque uma pediatra chegando lá em Carajás era um sucesso, porque anteriormente tudo funcionava na base do avião e do helicóptero. Se alguém estivesse doente, se adoecesse lá no local, existia uma infra-estrutura que tirava a pessoa do local e levava para Belém ou qualquer outra cidade. Mas lá mesmo você não tinha absolutamente nada. Então, a gente iniciou todo um processo de implantação dessa infra-estrutura. Nós chegamos a ter em Carajás, no pico de obra, cerca de vinte mil homens trabalhando, né, e mais as famílias todas que lá residiram. E nisso, a gente está falando em sistema de abastecimento, sistema de infra-estrutura geral para essas famílias, toda a parte de lazer que foi criada. Quer dizer, existiu o desafio profissional do empreendimento em si, e paralelamente a isso a preocupação de como as pessoas que lá estavam tinham condições de desenvolver o seu trabalho sem estar sendo pressionadas para sair do local e querer voltar às suas origens, né? Então, eu acho que Carajás foi uma grande lição para todo mundo e um grande desafio, pelo fato de você estar falando de um projeto, como foi dito, em plena Selva Amazônica, um projeto de sucesso, onde uma logística de atendimento e de infra-estrutura foi muito bem montada e muito bem estabelecida. E um projeto que foi feito no seu prazo originalmente traçado e com orçamentos menores que aquilo que estava previsto. O Projeto Carajás chegou a ser, numa primeira etapa, ele foi orçado em três e meio bilhões de dólares, depois foi orçado em dois ponto oito bilhões, quer dizer, é um mega projeto que foi concluído no prazo e no orçamento previsto. Então, essa vida de Carajás foi uma experiência extremamente rica para todos nós que participamos. Uma experiência de vida, de conviver 24 horas com as mesmas pessoas, né, uma coisa diferente, né? Não é como uma cidade normal, que você sai do trabalho e depois só vê a pessoa no outro dia. Lá não ocorre isso, você convive com as pessoas 24 horas, é como se fosse uma família. Aliado a isso, um desafio profissional de você implantar toda uma infra-estrutura em nível administrativo que pudesse dar suporte às atividades de implantação do projeto.
P/1 - Quantos anos você tinha quando foi para Carajás?
R - Eu tinha 32 anos.
P/1 - Você se formou em engenharia mecânica?
R - É, eu me formei em engenharia mecânica.
P/1 - Por que você escolheu? Você tinha alguma expectativa da sua família para seguir essa carreira?
R - Não, a engenharia mecânica foi uma opção pessoal minha. Na época em que eu me formei, em 1972, estavam falando muito em boom automobilístico, então, ser engenheiro mecânico era uma coisa diferente. Por opção, a engenharia foi uma carreira que eu sempre quis fazer, e dentro das opções da engenharia nunca me chamou a atenção, por exemplo, ser engenheiro civil, que era uma tendência normal dos engenheiros da época. Então, acabei sendo um engenheiro mecânico. Me formei em engenharia mecânica, em Belo Horizonte, logo depois que eu me formei, acabei me mudando novamente para uma cidade chamada Ipatinga, que é onde hoje funciona a Usiminas, e lá em Ipatinga eu fui responsável pela implantação de uma planta para tratamento de chapas para indústria naval. Era um equipamento novo, importado da Alemanha. Então, essa empresa, que era carioca, um estaleiro naval que hoje não existe mais, Estaleiros McLaren, montou essa indústria lá em Ipatinga e eu fui como responsável por essa empresa durante esse período. Quer dizer, eu trabalhei lá em Ipatinga durante três anos, retornei a Belo Horizonte, trabalhei também em outras empresas, e a partir de 1981 é que eu ingressei na Vale.
P/1 - Você recebeu um convite, você tinha vontade de trabalhar na Vale, como é que foi essa entrada?
R - Olha, essa entrada foi muito em função de convivência com as pessoas. Na realidade o grupo de implantação da Vale é um grupo que veio egresso do grupo de implantação da Cenibra, que é uma empresa do Grupo Vale também. A Cenibra fica em Belo Oriente, que é uma cidade ao lado de Ipatinga, né? Fica bem próximo ali. E eu na época morando em Ipatinga conheci todo esse grupo de implantação da Vale. Então, posteriormente, quando esse grupo terminou a implantação da Cenibra eles foram transferidos aqui para o Projeto Carajás e acabaram me convidando para vir junto com eles. Eu fui, então, pelos contatos que eu mantive naquela época, é que eu fui trabalhar em Carajás.
P/2 - Como você encarou isso? Quer dizer, você ir para Carajás nessa aventura, nesse desafio, nesse momento? Como é que foi para você?
R - Olha, naquela idade e naquela época eu achei, assim, o máximo. (Risos) Os caras falaram: “Tem um projeto no meio da Selva Amazônica, o que você acha de ir para lá?” Quer dizer, tem coisas que a gente faz muito em função da etapa de vida que você está vivendo. Você não pensa duas vezes. Você fala: “É isso que eu quero, para isso é que eu vou!” E eles colocaram justamente isso: “É um mega projeto, um projeto enorme, é um desafio enorme, tem todo esse histórico de fracassos na Amazônia, a gente tem uma responsabilidade danada, a gente tem que fazer esse projeto bem feito e esse projeto tem que sair no prazo. É um desafio muito grande para todos nós. Você topa um negócio desse?” Você não pensa duas vezes e fala: “É nessa que eu vou.” E fomos para lá. E foi, assim, inclusive a minha família quando foi para lá, a gente foi também em uma fase muito preliminar. Os garotos eram todos pequenos, todos numa faixa de 2, 3 anos de idade.
P/1 - Sua mulher tomou um susto?
R - É claro, né?
P/1 - Você falou para ela?
R - Esses negócios você não fala muito não. (Riso) Você leva e chega lá, fala: “É desse jeito!” Porque se fizer muito preparo pode ser que não tope ir. A gente, então, fez essa opção de ir para lá, e foi. E era gozado, meus filhos todos nasceram em Belo Horizonte, tudo criado em apartamento, tudo bonitinho, aí você chega em pleno canteiro de obras, tudo sendo feito, tudo sendo mexido, e em Carajás, antes da pavimentação que foi feita, calçamento das ruas, aquilo tinha um pó vermelho danado, entendeu? Aquilo era uma loucura. Então, você chegava em casa estavam aqueles filhos completamente vermelhos, os pés, sapatos. Os sapatos você jogava fora, porque chegava um ponto tal que não tinha mais jeito, ficava tão vermelho. Meia também era outra coisa, você usava durante o período, aí jogava fora porque não tinha mais condições de uso. Eu acho que para eles foi extremamente rica essa experiência. A gente morou durante 5 anos lá em Carajás, foi exatamente o período de implantação do projeto. Eles guardam Carajás como uma lembrança extremamente rica na vida deles, eles têm amigos até hoje. Eu saí de Carajás em final de 1985, início de 1986, e eles têm isso daí como extremamente rico na vida deles, convivem ainda com diversas pessoas que lá estiveram. E tem histórias interessantíssimas que ocorreram em Carajás durante esse período, e pela minha função, eu era administrador do local, no tempo eu era chamado de prefeito ou de governador, dependia do lado que você estava, tá certo? (Riso) Então você era obrigado a tomar conhecimento de tudo que ocorria na cidade, né? Todos os problemas que ocorriam acabavam caindo na área administrativa, porque a área administrativa é que tinha que administrar e cuidar dessas coisas. Então você tem histórias interessantes do tipo, né, no princípio a gente não tinha abastecimento regular de carne, essas coisas começaram gradativamente com o tempo a aparecer. Nós tínhamos um convênio na época, era a Cobal, quando existia a Cobal, e ela fazia carregamentos esporádicos lá para Carajás, então, as mulheres para guardar uma posição na fila nas noites anteriores, elas deixavam bacias de plástico. (Riso) Para pegar no dia seguinte na fila da carne e comprar a carne, tá certo? Por etiqueta, e algumas chegavam e trocavam as etiquetas ainda por cima. (Riso) Então, a história da bacia é conhecidíssima lá em Carajás pelo pessoal que morou lá essa época. E o abastecimento inicial era um abastecimento, por exemplo, de horti-fruti-granjeiros extremamente difícil. Eu me lembro que sempre ia lá pais de pessoas que estavam lá, aí foi uma pessoa de São Paulo e achou um absurdo, entendeu, porque na época não tinha danoninho para as crianças. (Riso) “Pôxa, mas aqui não tem danoninho!” E ele escreveu uma carta falando que era um absurdo que em um projeto igual ao Carajás as crianças não tinham danoninho. A Danone na época entrou em contato conosco para saber como que colocava danoninho lá no supermercado. (Riso) Foi assim que se resolveu a história do danoninho. Tem uma história muito interessante que ocorreu em Carajás, e essa também ficou um marco na vida de todo mundo. Tinha um negócio de fila de casas, porque as pessoas chegavam, as casas estavam em construção, então cada um ficava na fila aguardando até a casa dele ficar pronta, entendeu, para ele ocupar a casa. E um rapaz que chegou, enquanto a família dele não vinha ele ficou lá algum tempo solteiro, arrumou uma namorada, não sei o quê, aquela história toda. Eu sei que na véspera da família dele chegar ele resolveu fazer um piquenique na mata e se perdeu no meio da mata. Ninguém sabe como ele se perdeu e ninguém conseguia localizar. A gente teve inclusive que lançar mão, tem uma unidade do Exército lá em Marabá, Unidade de Infantaria de Selva, eles mandaram destacamento especial para ver se localizava o casal. O casal tinha se perdido, eles ficaram sete dias perdidos no meio da mata. E o que é mais gozado, quando eles foram localizado tiveram que fazer o resgate de helicóptero, e por azar do casal, o heliporto ficava dentro do clube e eles fizeram o resgate deles no domingo, então, quando eles chegaram estava toda a vila esperando o casal chegar com máquina fotográfica, máquina de filmar para registrar aquele momento da chegada do casal. É óbvio que o cara não ficou mais lá, entendeu, teve que voltar em função dessa situação, né? (Riso) Mas, eu acho que Carajás foi, dentro disso tudo, uma experiência muito rica para todos nós, de convivência humana, de crescimento pessoal para todo mundo. E depois de Carajás eu tomei outros rumos. Eu fui trabalhar no Rio de Janeiro, trabalhei 10 anos no Rio.
P/1 - Como é que se deu esse convite? Quer dizer, vocês estava em Carajás?...
R - É, terminou o Projeto Carajás, aí eu fui convidado por uma... Antigamente a Vale tinha as superintendências, e tinha uma superintendência de desenvolvimento que estudava os novos projetos da empresa, e estava se criando um grupo para estudar o projeto Cobre Salobo. Você vê que história mais interessante. O cobre está saindo agora, entendeu, e a dez, doze anos atrás eu fiz parte do primeiro grupo que começou a fazer o estudo de viabilidade do Projeto Salobo. Então eu fui convidado para participar desse grupo. Aí fui para o Rio, o Projeto Salobo, então, começou seus estudos, nós fizemos o primeiro estudo de viabilidade, isso foi durante dois anos, que se ficou estudando com suporte de uma empresa americana. Aí terminado esse estudo de viabilidade, era uma mega projeto de 1 bilhão e meio de dólares, era uma tecnologia nova, um produto novo. Então a Vale achou que não estava maduro ainda para empresa investir num projeto dessa ordem, principalmente logo depois do término de Carajás, então, deu-se um tempo à nível do Projeto Salobo, e nesse ínterim eu fui mexer com outra atividade. Eu fui trabalhar na implantação de um outro projeto, que é o projeto da Alunorte em Barcarena. É uma planta de alumina, anexa à planta da Albrás, e que também era outro desafio, né? Os projetos de alumínio da Vale começaram de maneira conjunta com o Projeto Minério de Ferro em função da própria crise que passou pelo mercado mundial. O projeto de alumínio da Alunorte iniciou e parou, era uma planta de alumina, e a Albrás, que é uma planta de alumínio, deu continuidade. Dez anos depois a Vale resolveu retomar esse projeto, então, ela criou um novo grupo, chamou novas pessoas, aí estava eu lá de novo. Eu fui participar de mais um projeto, que era o Projeto Alunorte. É um projeto, como eu disse anteriormente, em Barcarena. Para quem não sabe, o acesso a Barcarena é um negócio complicado, porque você chega em Belém, aí de Belém você pega o barco, faz uma travessia de quase uma hora e meia para chegar na cidade de Barcarena, e de lá você anda mais quarenta minutos de carro para chegar propriamente na planta. Então é um negócio, assim, fantástico, porque você chega no meio de uma selva, do mato, não tem nada aquilo lá, aí você vê uma planta de alumínio com altíssima tecnologia operando, entendeu? Eu sinceramente acho que esses tipos de desafios e essa realidade que nós do Brasil enfrentamos é uma coisa fantástica. Então, eu comecei a trabalhar na implantação desse projeto da Alunorte, fiquei na Alunorte durante quatro anos, que foram dois anos de implantação propriamente dito do projeto e depois dois anos de start-up da planta, né?
P/2 - Sua função exatamente qual era mesmo nesse processo todo?
R - Na Alunorte eu fui diretor administrativo, então fui responsável por toda a preparação da operação da planta no que se refere à formação de mão-de-obra, de treinamento de mão-de-obra, de recrutamento de mão-de-obra, quer dizer, de reestruturação da empresa Alunorte nas suas atividades administrativas. Foi a minha função durante esse período lá na Alunorte.
P/2 - E como é que foi essa coisa da mão de obra, contratava em Barcarena? Quer dizer, como era administrar isso?
R - Olha, a planta da Alunorte é uma plantas química, né, que é uma coisa que a gente não tem nenhum paralelismo aqui no Norte, nenhuma planta similar a essa, então, a gente foi obrigado a recrutar muita gente do Brasil como um todo. Quer dizer, não dava para você pegar mão-de-obra local e treinar para fazer isso porque não dava tempo, o período de implantação era relativamente curto, dois anos. A gente tinha que pegar essa mão-de-obra, treinar essa mão-de-obra, mandar para o exterior muita gente, teve que fazer um programa de treinamento de diversas plantas do exterior. Então foram pessoas treinadas na Espanha, pessoas que foram treinadas no Canadá, pessoas que foram treinadas na planta da Alcan aqui no Brasil, em Saramenha, foram os principais locais de treinamento. Então, a opção que nós fizemos na época foi fazer um recrutamento à nível de Brasil como um todo, porque a gente precisava de especialistas em cada uma daquelas áreas, e a partir do momento que a gente formasse esse grupo é que a gente, então, iria disseminar essa cultura em outra nova geração de empregados que viesse entrar depois. Acho que o grande desafio da Alunorte foi, primeiro, recrutar esse pessoal em um prazo extremamente curto, treiná-los no Brasil e no exterior, numa atividade que a grande maioria desconhecia, porque você não tem plantas de alumina no Brasil, você só tem uma aqui no Maranhão, que é a Alumar, e essa da Alcan, lá em Saramenha, que é relativamente pequena em função do porte dessa que estava sendo implantada, e dar o start-up dessa planta, iniciar a produção com esse tipo de mão-de-obra, com essa mão-de-obra. Então, eu passava, de cada trinta dias, eu passava quinze dias em Barcarena e quinze dias no Rio, que era a sede da empresa, principalmente na fase final, de término de implantação e início de operação da planta.
P/1 -Aí, sua mulher já estava mais acostumada?
R - Aí ela já ficou no Rio, porque não dava para acompanhar mais esse negócio. Ela foi à Barcarena só para conhecer e saber como funcionava aquilo lá, entendeu? (Riso)
P/1 - Os filhos já estavam maiores?
R - Os filhos já estavam maiores. Agora, Barcarena tem uma grande vantagem, que é a proximidade de Belém, que é diferente de Carajás, porque Carajás estava isolada naquela época. Você tinha de Carajás, a cidade mais próxima, Marabá, que ficava 200 quilômetros de distância, né, e Marabá também não tinha nada, e depois de Marabá era nada mesmo, entendeu? A mais próxima era Brasília, a 1600 quilômetros de distância, então, não adiantava você contar com qualquer tipo de suporte da região, que realmente não existia. Agora, Belém não, Belém já é uma cidade antiga, já é uma cidade estruturada, e você ficava lá 30 minutos de lancha distante de Barcarena, então, era muito mais fácil você, à nível de recursos, do que foi a implantação de Carajás. Você obtinha recursos com muito mais facilidades.
P/2 - Entraram sócio estrangeiros na Alunorte no período que você ficou lá?
R - A Alunorte era uma salada, né? Ela era uma empresa que originalmente foi concebida para ser uma associação Vale e grupos japoneses. Esses grupos japoneses, na realidade eram formados por trinta e duas empresas japonesas ligadas às atividades de alumínio no Japão e eram os principais compradores dessa matéria-prima. E posteriormente ingressaram na Alunorte, mais sócios, que foram o próprio Grupo Votorantim, aqui do Brasil, quando da sua implantação e a Mineração Rio do Norte - que é uma produtora de bauxita e o principal fornecedor dessa matéria-prima, porque a bauxita é a principal matéria-prima para a planta de alumina. Então, os principais sócios da Alunorte naquela época eram esses quatro, esse grupo japonês, que continuou com essa trinta e duas empresas e tal, e negociar com esse grupo era um negócio complicado.
P/1 - Era você que negociava, você participava?
R - Participava das negociações, de todas as negociações de equacionamento do projeto, aí posteriormente do início de implantação. Nós, obrigatoriamente tínhamos que ir a cada dois meses ao Japão prestar esclarecimento aos sócios japoneses de como é que estava andando o desenvolvimento da empresa.
P/1 - Como que era essa relação com o japoneses?
R - A cultura japonesa é uma cultura, evidentemente, totalmente diferente da nossa. Nós queremos as coisas de uma maneira muito rápida, né? A gente quer resolver as coisas tudo para ontem, e a maneira de pensar do japonês é uma maneira diferente, eles têm muito tempo a favor deles, eles acham que o tempo é o senhor da razão, então, eles querem ter tempo para analisar, para planejar, principalmente, que é uma característica que a gente aprendeu muito com eles. Porque nós tínhamos muito a característica de ser executantes das coisas e planejava muito menos, e acho que essa convivência, de uma maneira geral, acabou dando à gente um forte conhecimento nessa área de planejamento das nossas atividades. A gente devia gastar mais tempo nos nossos planejamentos, e com isso ganhar o máximo de tempo possível na implantação dos projetos. Então, era uma relação que eu achei muito saudável sob esse aspecto, porque houve efetivamente uma troca de culturas. Eles participavam do projeto, eles opinavam, eles davam seus pareceres, as suas opiniões, tá? Isso foi de grande valia para que esse projeto, efetivamente, fosse um projeto de sucesso. Hoje a Alunorte, sob seu aspecto operacional, é uma das plantas mais modernas do mundo, que tem um dos melhores indicadores operacionais do mundo, e a gente refuta muito isso, até esse trabalho que foi feito em conjunto, na época, de treinamento dessa mão-de-obra. Houve um investimento muito pesado para treinar essa mão-de-obra para operar essa planta, e os resultados eu acho que foram, dessa boa operação que foi obtida posteriormente, foi muito em função disso.
P/2 - Depois da Alunorte?
R - Bom, depois da Alunorte a Vale foi privatizada, isso foi em 1997. A Vale foi privatizada em 1997, né, aí no final de 1997 eu fui convidado para o Sistema Sul, uma nova configuração das antigas atividades do Sistema Sul.
P/1 - Você acompanhou esse processo de privatização da Vale, participou de alguma instância de decisão?
R - Não, diretamente não, porque nessa época eu ainda continuava lá na Alunorte, o meu foco era exclusivamente por conta da Alunorte.
P/1 - Você não influenciou diretamente?
R - Não. Então, o processo de privatização foi um processo que ocorreu nesse ano de 1997, e logo depois de privatizado, eu fui convidado para assumir junto com o diretor do Sistema Sul, toda a reestruturação do Sistema Sul da Vale. Era um sistema que na época tinha oito mil empregados. Havia um desafio enorme de você integrar as diversas atividades que você tinha no Sistema Sul, porque anteriormente as concepções era concepções de atividades mais ou menos isoladas. Você tinha uma atividade de mineração, tinha uma atividade de ferrovia, tinha uma atividade de porto, cada um tinha um superintendente, cada superintendente tinha uma autonomia própria dentro da sua atividade. Então, com a privatização criou-se uma diretoria única, o grande desafio nessa diretoria foi justamente fazer a integração desses diversos sistemas. Quer dizer, você ter a mina integrada com ferrovia, e a ferrovia integrada com o porto, e esses sistemas operarem com objetivos únicos. Porque às vezes esses objetivos, por mais que se procurasse melhorar cada vez mais, até pela concepção original que existia no sistema, poderiam ser melhores e acabavam não sendo atingidos. No Sistema Sul, por conta disso, né, era o sistema mais antigo da Vale, e nós tínhamos na época um contingente enorme de pessoas em fase de aposentadoria, muito próximas de se aposentar, então foi feito um trabalho enorme, também, de desligamento voluntário das pessoas, né? A Vale naquela época implantou um programa de demissão voluntária, então, de uma hora para outra, o sistema que tinha oito mil e oitocentas pessoas foi enxugado em três mil pessoas. Esse foi um outro problema que a gente acabou tendo, porque ninguém esperava que houvesse uma saída tão grande de pessoas como efetivamente ocorreu. Então, a gente foi obrigado naquela época até admitir pessoas novas dentro do sistema para repor essas pessoas que estavam saindo.
P/1 - Por que aí acabou saindo gente demais?
R - Isso.
[Pausa]
P/1 - Vamos lá, voltar para o Sistema Sul. Aí você estava falando que no final vocês tiveram que acabar contratando novas pessoas, porque aí enxugou demais?
R - Enxugou demais o sistema, então foi necessário você fazer contratações de gente nova.
P/1 - Mas enxugou demais ou vocês precisavam contratar uma mão-de-obra nova?
R - Não, porque realmente houve uma saída maior do que esperado. Evidentemente a necessidade de colocação de pessoas novas no Sistema Sul era uma necessidade que havia sido detectada naquela época, mas o motivo da contratação, quer dizer, quando a gente está falando de contratação está falando da contratação de mil pessoas num prazo muito curto. O motivo dessa contratação foi em função de uma saída muito grande de pessoas que estavam ou próximas de se aposentar ou tinham interesse mesmo de sair, aproveitar o benefício do desligamento, né, atrativo que foi criado pela empresa, e acabaram saindo. Então, houve a necessidade da gente chamar novas pessoas e oxigenar o quadro, e aproveitou-se com isso daí para fazer uma oxigenação da estrutura como um todo.
P/2 - Você sentiu muitos contrastes, assim, com sua experiência com o Sistema Norte, com novos projetos e ir para o Sistema Sul? A diferença foi muito grande?
R - Olha, o Sistema Sul tem uma cultura própria, né? A Vale nasceu ali, aquilo lá tem sessenta anos que está operando. Nós fizemos sessenta anos agora, então tem sessenta anos de operação. O Sistema Norte foi inaugurado em 1985, a gente está falando de dezessete anos de operação. E o Sistema Sul foi um sistema que nasceu e foi crescendo gradativamente. O Sistema Norte já foi implantado dentro de uma concepção nova dentro de uma filosofia nova, né, de tecnologia, de trabalho. Quer dizer, procurou-se agregar no Sistema Norte tudo aquilo de bom que havia no Sistema Sul, tudo aquilo de positivo que existia lá, e procurou trazer para cá. Você tem aqui no Sistema Norte, sempre teve uma faixa etária muito mais baixa, você sempre tem uma juventude, muitos jovens trabalhando aqui, é muito comum isso aqui. O Sistema Norte acabou se tornando um fornecedor de mão-de-obra para as outras áreas da empresa. Porque é natural isso, os jovens sempre estão querendo novos desafios, então a gente está sempre fornecendo e transferindo essas pessoas para outras áreas da empresa, para agregar valor a essas áreas. Mas o Sistema Sul tem características bem próprias mesmo. Você tem uma cidade igual Itabira, que é uma cidade que praticamente nasceu e cresceu no entorno daquela mineração, entendeu? Então você não tem como desassociar a vida do Itabirano com a Vale do Rio Doce, é uma coisa extremamente difícil isso daí, é diferente, por exemplo, de qualquer outra atividade nossa. Nós temos uma atividade aqui em uma cidade como São Luís do Maranhão, mas a Vale é mais uma empresa aqui, pode ser a empresa mais importante, mas ela não é a única empresa que está aqui. Itabira não, Itabira são os empregados que trabalharam lá, são os filhos, são os netos, são os bisnetos, entendeu? Então tem toda uma história extremamente entrelaçada com a vida da empresa. E é muito difícil você separar essas duas coisas, e às vezes você que chega de fora demora um pouco de tempo para sentir essa relação, que eu costumo dizer, a relação de amor e de ódio ao mesmo tempo, que o Itabirano tem em relação à própria empresa. Ao mesmo tempo que ele tem um orgulho enorme da Vale estar lá, de ser a empresa o que é; às vezes o Itabirano tem raiva da empresa, por um motivo ou por outro, e não entende muito bem determinadas atitudes que a empresa possa tomar, tá certo? Então, esse é um mundo completamente diferente do mundo que a gente vive em outras áreas da empresa. Vitória também é uma cidade com características muito próprias, né? A gente tem uma grande concentração de atividades em Vitória, principalmente as plantas de pelotização, e essas plantas foram implantadas às cerca de, foi em 1968 a primeira implantação de uma planta lá em Vitória, ainda numa fase que a preocupação ambiental era uma coisa muito incipiente no Brasil, entendeu? Então, o pessoal de Vitória sempre colocou a Vale como responsável por todos os problemas de poluição que a cidade possa ter, apesar dela não ser responsável, mas isso foi um trabalho que ao longo de todo o tempo, todos nós que passamos por Vitória sempre procurou mostrar que não era bem isso, e hoje a tecnologia é uma tecnologia totalmente diferenciada, e da preocupação que a empresa sempre teve, passou a ter com relação à questão ambiental.
P/1 - Que começou com Carajás?
R - Que começou com Carajás. Mas eu acho que, também uma grande marca que ficou em todos nós foi essa preocupação de você estar implantando um projeto com respeito enorme à parte ambiental. Então a gente tem, desde nós que participamos do projeto, até as crianças que lá moraram, todas elas tinham desde cedo aulas dentro da escola, palestras sobre a parte ambiental, sobre preservação ambiental, os cuidados que devia ter. Então, todas elas que lá moraram, né, elas guardam isso de uma maneira muito forte. Eu me lembro que quando eu mudei para o Rio, quando eu saí de Carajás e fui para o Rio, os meus meninos saiam de casa e chegavam com o bolso cheio de papel de bala, porque eles tinham aprendido lá em Carajás que eles não jogavam papel na rua. Então eles compravam bala e às vezes não encontravam lixo e colocavam no bolso, e a primeira tarefa era tirar o papel do bolso deles, porque isso ficou forte na memória deles. Até hoje eles guardam isso como um valor individual que eles têm de preservação e de respeito à natureza em função dessa filosofia que foi implantada em Carajás desde o princípio.
P/2 - Essa filosofia foi fácil implantar? Quer dizer, como que foi implantar essa filosofia?
R - Olha, eu acho que mudança cultural elas só ocorre quando vem desde o top da empresa e ela começa a permear da empresa como um todo. Se você não tiver isso, você tem efetivamente uma dificuldade muito grande. Nós tivemos, a Vale teve a sorte de ter uma pessoa, que foi o doutor Eliezer Batista como presidente, e foi ele o grande articulador do Projeto Carajás, o pensador do projeto, foi ele que efetivamente articulou toda a parte, não só de implantação do projeto, mas a parte financeira, e ele tinha naquela época uma preocupação ambiental extremamente forte. Desde sua implantação foi criado um grupo de assessoria ao presidente, onde as pessoas mais notáveis na área ambiental do Brasil deram assessoria de como implantar um projeto ambientalmente correto. Então, a gente também teve essa sorte de ter uma pessoa top de empresa, o presidente da empresa preocupado com essa área ambiental, que pôde também, assessorado por pessoas extremamente capazes - que ao longo da implantação do projeto transmitiram para todos nós que desconhecíamos isso. Isso era novidade no Brasil, na década de 1980 essa preocupação ambiental era uma coisa muito incipiente para todos nós, né? Então eles transmitiram esse tipo de conhecimento e a gente pôde transmitir para toda uma geração de pessoas que ainda estão dentro do projeto. Eu acho que foi uma coisa extremamente positiva hoje, e cada vez mais a gente nota como essa filosofia de implantação do projeto foi uma filosofia, foi uma prática extremamente acertada, né, porque quem viaja hoje no Sul do Pará, o que a gente tem de floresta remanescente é justamente a área de Carajás, o restante daquela área já foi toda tomada por queimadas, aquilo acabou, você não tem mais floresta nativa naquela região. Então, hoje nós ocupamos menos de 2% da área total do projeto, que é uma área considerada reserva dos índios Xikrin, dá uma área de 1 milhão e 100 mil hectares, quer dizer, é muito pouca coisa, e o restante está preservado em função principalmente dessa preocupação que existiu desde o princípio.
P/2 - E esse respeito à natureza, no empregado, por exemplo, que vinha das mais diversas regiões do país, com as mais diferentes culturas, como é que era lidar com tudo isso no dia-a-dia, no cotidiano.
R - Olha, é aquele negócio que a gente vê em qualquer país, os chamados países civilizados do mundo, entendeu? Se existe regra, a regra é para ser cumprida, se não for cumprida tem punição por ela. Carajás, como isso estava muito sob a nossa responsabilidade, né, isso efetivamente era uma coisa levada extremamente a sério. Por exemplo, a caça lá era terminantemente proibida. Então, nós tínhamos uma vigilância florestal, se por acaso se detectasse ou se descobrisse que alguma pessoa tivesse caçado dentro da área, era demitida no mesmo dia, não se questionava. Então, além de existir regras muito claras, e isso a gente fazia questão de vincular para todos os empregados que lá trabalhavam com relação a essa preservação ambiental, existia também a parte de educação ambiental mesmo, né, as crianças já entravam dentro da escola já tendo uma matéria de educação ambiental. Então já criava uma consciência nova desde de criancinha. Eu acho que isso que foi fundamental para que a gente tivesse resultado e sucesso nessa implantação do projeto, além desse apoio que veio de toda a estrutura da empresa e do top da empresa para isso ocorrer.
P/1 - No Sistema Sul essa preocupação começou mais no final dos anos 1980? Já tinha sido estruturado de outra maneira?
R - É, foi implantado dentro de uma outra realidade, né. E o Sistema Sul, que principalmente a partir da implantação de Carajás, começou então a se adequar a essa nova realidade, que não é uma realidade só da Vale, era uma realidade, eu diria que era uma consciência, essa consciência ambiental era uma coisa nova no mundo inteiro, no Brasil principalmente, né? Então o Sistema Sul foi se adequando gradativamente a essa nova realidade. Hoje também a gente tem exemplos fantásticos, principalmente em Vitória, as plantas de pelotização hoje têm um sistema se controle, de monitoramento de poluição do lago, que é um sistema que funciona muito bem, entendeu? Quer dizer, em todas as áreas, lá em Itabira também é da mesma maneira. Então, essa preocupação do que foi implantado em Carajás e que depois acabou se disseminando em toda empresa como um todo, acho que foi de extrema relevância, não só para a empresa, para a sua imagem à nível de mercado, à nível de pessoas, à nível de população, como também a sua imagem à nível de uma empresa que trabalha na área de mineração, que por si é uma área que degrada, é uma área que sempre está degradando, sempre está cavando mais, está abrindo mais buracos etc. E você consegue formar em uma atividade igual a essa, uma imagem de uma empresa preocupada com toda a parte ambiental.
P/1 - Aí depois do Sistema Sul com essa reestruturação?
R - Aí eu vim para o Sistema Norte, entendeu? Novamente eu voltei aqui para São Luís. (Riso)
P/1 - Você é fundamental para empresa, assim, para a reestruturação, você foi tendo essa carreira?
R - É, eu acho que dentro da empresa eu participei sempre de coisas que foram desafios grandes. Essa é uma característica pessoal que casa também com a demanda da própria empresa, e no fim você gosta de ter esses desafios e essas coisas novas para enfrentar. Então, posteriormente eu vim aqui para São Luís, já conhecia a região porque eu tinha morado nesse período de Carajás, depois de quase quinze anos eu retornei para cá, estou em São Luís há dois anos e meio. Para mim o Maranhão agora se tornou uma grata surpresa, né, sobre outros aspectos, os aspectos de conhecer melhor a cultura local, que naquela época era difícil, até o acesso aqui para São Luís era muito complicado, a gente tinha muito pouco contato, porque morava em Carajás, então, está sendo extremamente agradável estar morando em uma cidade igual a São Luís, pelas características que tem a cidade, principalmente sob o aspecto cultural. Acho que é um Estado extremamente rico, muito pouco conhecido a nível do Brasil, né? Só agora é que a gente está começando a ouvir falar lá fora em outros estados, sobre essas riquezas culturais, sobre o que tem aqui, sobre algumas riquezas naturais, como é o caso dos Lençóis Maranhenses. Os Lençóis só agora está sendo descobertos como opção de turismo à nível de Brasil. Então, está sendo uma descoberta muito interessante, muito boa.
P/1 - Posso dar um rewind na entrevista? Você pode voltar um pouquinho lá no começo?
R - Pode.
P/1 - Você morou em Minas, sua infância foi em Minas?
R - Sim.
P/1 - Até quanto tempo você ficou lá, em qual cidade?
R - Montes Claros. Eu fiquei em Montes Claros até os 15 anos.
P/1 - Como é que foi a sua infância lá, você tinha quantos irmãos?
R - Olha, eu sou de uma família grande para dedeu, eu tenho dez irmãos, é gente que não acaba mais. Meus pais têm origem italiana, então, é aquela família enorme, aquele negócio de almoço em que a família toda se reúne, né? Então, filhos, netos e tudo mais, quando estão por lá, obrigatoriamente quando eles estavam vivos todo mundo tinha obrigação de almoçar na casa dos pais nos domingos. Então, em Montes Claros foi um período que eu diria, quer dizer, eu vivi pouco da realidade de Montes Claros, porque saí de lá muito cedo. Eu saí aos 15 anos para ir a Belo Horizonte estudar e depois de Belo Horizonte eu comecei a tomar rumos...
P/1 - Tem algum tipo de educação religiosa?
R - Olha, minha família sempre foi extremamente católica, e por conta disso a minha juventude, quando adolescente também fui muito católico de frequentar a Igreja, de ser coroinha, de ajudar padre a celebrar missa, essas coisas que aconteciam em cidade do interior.
P/2 - Seu pai fazia o quê?
R - Meu pai era agrimensor e fazendeiro ao mesmo tempo. Depois de algum tempo ele largou essa atividade e passou a cuidar só de fazenda. A minha mãe sempre foi professora primária, a vida inteira, trabalhou vinte e cinco anos lecionando para alunos, numa época que existia uma grande valorização das professoras primárias, né? O ensino público tinha uma relevância fundamental, em toda a minha vida eu estudei em escolas públicas, era um ensino diferenciado. Então, a vida inteira ela trabalhou como professora.
P/1 - E política? Na sua casa se discutia muito?
R - Olha, política se discutia muito, meu pai foi inclusive prefeito de uma cidadezinha chamada Brasília de Minas, que fica próxima de Montes Claros. Passou a ser chamada Brasília de Minas até em função da Brasília capital. Ela se chamava Brasília. (Riso) Quando surgiu Brasília capital do Distrito Federal não podia ter duas Brasília. (Riso)
P/2 - Podia ter mudado a outra.
R - É, devia ter falado para mudar a outra.
P/1 - Olha que história ótima,
estava fazendo a exposição de aniversário de Brasília, mas já saiu. (Riso)
R - Aí teve que mudar o nome de Brasília para Brasília de Minas, para não ficar duas cidades no país com o mesmo nome. Essa cidade fica a cerca de oitenta quilômetros de Montes Claros, e meu pai foi prefeito dessa cidade, e prefeito na linha daquela antiga UDN, né, aqueles políticos tradicionais, entendeu? E a vida inteira a gente ouviu dentro da minha casa uma linha política muito voltada à defesa de valores, de retidão política, de postura ética muito grande, tá certo? Acho que é uma coisa que gente perdeu muito na nossa política do Brasil como um todo. Mas, o que eu sentia naquela época que ele foi prefeito e depois por muito tempo, ele não sendo mais prefeito, mas teve alguns contatos políticos, depois também largou isso de lado, mas sempre com uma postura ética muito forte que existia. Acho que isso, depois os filhos começam a crescer e começa a questionar, não à nível de postura ética, mas principalmente pelo aspecto de mudança. O PT estava surgindo de uma maneira muito forte na década de 1970, então eu lembro que a gente tinha calorosas discussões com relação a se associar ao PT e a resistência que eles colocavam de você estar querendo se filiar em um partido que não tinha nada a ver com aquilo que era a antiga UDN, partido tradicional. Eu lembro que havia muita discussão dentro da família nesses almoços que tinham nos finais de semana sobre esse aspecto político.
P/2 - Você aprendeu as primeiras letras com a sua mãe? Sua mãe mesmo te ensinou ou foi na escola?
R - Ela como professora de curso primário na época não tinha muito tempo, porque é um negócio danado, ela lecionava durante o período da manhã inteira e tinha dez filhos para criar. Então, você imagina como que era esse negócio de dez crianças dentro de uma casa, né? Todo mundo mais ou menos numa faixa etária muito próxima, diferença de um ano, dois anos um do outro, então, eu me lembro, como eu sou o nono da escala dos filhos, quem dava muita cobertura para a gente eram os filhos mais velhos, principalmente as minhas irmãs, e algumas delas também foram professoras, hoje são diretoras de faculdades lá em Montes Claros.
P/2 - E essa convivência com os dez irmãos, como é que era isso, as brincadeiras, as brigas, como era um pouco isso?
R - Ah, o pau quebrava. Eu vou te contar, eram seis homens e quatro mulheres, né? Então essa convivência do dia-a-dia era um negócio, assim, de ter muita confusão. Não sei como ela conseguia administrar, porque a gente hoje, tem um filho e começa a reclamar do trabalho e o diabo a quatro, imagina que é administrar dez filhos dentro de uma casa, colocar comida, escola, tudo mais e administrar isso em faixas etárias diferenciadas, porque quando um estava chegando ou passando da adolescência os outros estavam lá embaixo ainda. Sei lá, acho que era um trabalho de tirar o chapéu. Eu particularmente como pai não me sinto competente de maneira nenhuma para assumir uma empreitada dessa.
P/2 - Enfrentou Carajás, mas essa?
R - Mas essa daí eu estou fora. (Riso)
P/1 - E a adolescência, as coisas de adolescência, bailinho, como é que foi?
R - Ah, isso foi o tradicional daquela época. Eu morava em Belo Horizonte como estudante, Belo Horizonte sempre foi uma cidade que tem muita opção, acho que é a cidade que tem mais bares do Brasil, ainda hoje. Então era isso que rolava mesmo, festinhas de final de semana, de bares etc.. Como eu morava em república, lá existia esse negócio de morar em república, eu morei durante todo o meu período em Belo Horizonte na república com outros estudantes, então, as atividades eram as atividades comuns mesmo. E participamos dos períodos revolucionários. A revolução de 1968 a gente estava cursando o primeiro ano da universidade, então, foi uma cidade que teve uma efervescência e uma participação muito grande, principalmente dos estudantes com relação ao movimento da tomada dos militares naquela época. Então era aquilo de passeata, de sair correndo de polícia. Eu me lembro que eu morava no centro da cidade, e morava no décimo oitavo andar do prédio, e o pau quebrava todo ao redor desse prédio, que justamente o grande ponto de encontro de todos os estudantes era nessas áreas centrais. Então, o que a gente fazia? A gente aprontava todas e quando vinha a polícia a gente corria para o prédio e saia subindo as escadas, porque sabia que ninguém ia dezoito andares correndo atrás de ti. Foi um período rico sob esse aspecto lá em Belo Horizonte.
P/2 - Seu período na faculdade foi todo lá em Belo Horizonte?
R - Lá em Belo Horizonte.
P/2 - Qual curso?
R - Eu fiz engenharia mecânica na PUC de Belo Horizonte.
P/2 - Nesse período de faculdade teve algum momento mais marcante, ou algum grande professor que tenha marcado?
R - O que mais me marcou de faculdade acho que foi justamente esses períodos de movimentos estudantis, né? Isso era muito forte nas faculdades. Eu não cheguei a participar diretamente dos diretórios acadêmicos que se formavam nas universidades, mas o engajamento político dos estudantes naquela época era uma coisa muito forte, todo mundo participava, discutia, e eu senti que isso foi muito marcante em toda essa geração que participou desses movimentos.
P/2 - Você conheceu sua esposa nesse período?
R - Eu conheci minha esposa foi justamente nesse período. Eu estava ainda cursando a universidade, ela não estava cursando a universidade na época ainda, e eu a conheci justamente nesse período.
P/2 - Como é o dia-a-dia seu hoje? (Riso) Como é um dia seu hoje? Quer dizer, o que você faz exatamente aqui, como que é um dia seu?
P/1 - O famoso cotidiano. (Riso)
R - Olha, é interessante, porque aqui em São Luís além da parte administrativa de São Luís ou do Sistema Norte como um todo, eu sou responsável também pela implantação dos novos projetos e, coincidentemente, quando eu aqui cheguei, o Sistema Norte estava passando por um processo de aumento da sua capacidade e de investimentos muito grandes. Coincidiu com o início de implantação da planta de pelotização, de ampliação das nossas capacidades, ampliação do porto, ampliação lá da mina, e eu fiquei responsável justamente por essa área. Então, isso é um dia-a-dia extremamente atraente, quer dizer, não é por monotonia que eu vou morrer aqui dentro, tá certo? Muito pelo contrário, eu tenho atividades e essa atividade de implantação de novos projetos é uma coisa que me atrai muito, não só na sua concepção desses novos projetos que estão sendo implantados como a sua própria produção, e é uma coisa que te solicita muito no dia-a-dia. A concepção e depois o acompanhamento, quer dizer, o próprio trabalho de administração de todo projeto como um todo. A nível do trabalho é uma coisa extremamente... Eu tenho atividades para o dia inteiro aqui. Agora, fora do trabalho o que me chamou muito a atenção aqui em São Luís foi justamente essa parte cultural, que foi uma grata surpresa. Eu não imaginava que essa cidade fosse tão rica sob o aspecto cultural como é. Então eu faço questão de participar de qualquer tipo de evento que tem na cidade, eu estou lá, entendeu, sou frequentador de carteirinha mesmo. Shows, participação de artistas locais, que aqui você tem uma gama enorme de artistas muito bons. A minha casa é decorada com quadros de pintores maranhenses, também de excelente nível. E a cidade, eu acho, que aquele centro cultural de São Luís, a chamada Cidade Velha, é uma das coisas mais interessantes que eu conheço à nível de Brasil, talvez mais interessante do que isso só a cidade de Ouro Preto, sendo que isso daqui é maior. Ouro Preto possa estar um pouco mais conservado, né, a cidade de Ouro Preto, mas aqui…
[Pausa]
R - O centro cultural, a Cidade Velha de São Luís, com os casarões e azulejos é um negócio extremamente interessante que eu gosto muito de ver, de visitar, frequento final de semana, quando estou por aqui eu faço questão de andar à pé naquele centro, porque eu acho muito bonito aquilo lá...
[fim da fita I]
P/2 - A Usina de pelotização, você participou, quer dizer, você coordenou essa implantação ou não?
R - A usina de pelotização, na realidade a gente tem que separar dois segmentos, vamos chamar assim, da implantação. Você tem a usina propriamente dita, a planta, e o Sistema Norte teve que se adequar. Quer dizer, a mina lá em Carajás, aqui o porto, as nossas instalações teve que sofrer uma série de adequações para atender a usina. Então, à nível de investimento, né, essa planta aí o investimento total foi da ordem de 408 milhões de dólares, cerca de dois terços foram gastos na planta, propriamente dito, e um terço, cerca de 170, 180 milhões de dólares foram gastos no chamado Sistema Norte. Então, essa coordenação do Sistema Norte é que ficou sob a minha responsabilidade.
P/2 - O que você acha que representa essa (setorização?) para o Sistema Norte, quer dizer, começar esse processo aqui, ir para a cidade de São Luís, aí nas duas pontes, tanto para o nível empresarial como para o nível social da cidade?
R - Olha, eu acho que o Sistema Norte nem se fala a relevância disso, a gente está saindo de um estágio de venda de um produto in natura, de minério de ferro in natura para um minério já semi-industrializado, que é as pelotas, então a gente já está com um diferencial em relação ao que a gente tinha anteriormente. Para a cidade de São Luís, pela primeira vez a gente fez um programa que eu tenho o maior orgulho de ter participado dele junto com outras pessoas que estavam aqui na época, que foi a formação da mão-de-obra totalmente local. A planta de pelotização requeria cerca de 150 técnicos para operar essa planta e nós recrutamos toda essa mão-de-obra aqui em São Luís. Fizemos um convênio com a Escola Técnica Federal daqui, recrutamos maranhenses formados, com até dois anos de formados, treinamos essa garotada durante um ano, sendo que nove meses eles ficaram lá em Vitória sendo treinados nas plantas de pelotização e depois eles vieram para cá. Quer dizer, foi uma grande inovação que foi feita à nível dos nossos projetos. Lá em Carajás, nas instalações que foram implantadas nós fizemos a mesma coisa também. Nós recrutamos toda a mão-de-obra na Escola Técnica Federal do Pará, treinamos essa mão-de-obra para que eles operassem essas instalações que estão dando suporte à planta de pelotização. Então isso para nós foi extremamente importante, foi uma mudança de paradigma que a gente acabou implantando. À nível de aceitação da sociedade isso foi também muito importante para empresa. Quer dizer, a Vale pela sua atividade, pela sua importância econômica, pelo que ela representa à nível desse Estado, ela não pode ficar desassociada da sociedade, do meio em que ela está, ela tem que estar inserida dentro desse contexto da cidade e do estado, e eu acho que essa ação que foi tomada foi extremamente importante para nós, porque houve um reconhecimento formal da sociedade quando a gente tomou essa iniciativa e começou esse trabalho à nível não só de formadores de opinião, como também à nível dos próprios governantes. Governador
etc. fizeram questão, na época de formatura desses novos formados aí, depois do programa de treinamento, de pessoalmente fazer uma entrega dos diplomas para todos esses técnicos, em reconhecimento até do trabalho que foi feito. Eu achei que isso foi um trabalho novo, como eu disse anteriormente, uma quebra de um paradigma antigo que a gente tinha com relação à formação de mão-de-obra, de sempre procurar recrutar mão-de-obra no Brasil inteiro, trazer etc.. A gente começou da estaca zero, pegou recém-formados, treinou esse pessoal, evidentemente tivemos que colocar algumas pessoas experientes que estão aí, que vieram do Sul, com experiência em planta de pelotização, essa primeira que está sendo formada aqui.
P/1 - Essa medida vem de encontro com o próprio futuro da Vale aqui no Sistema Norte, com a área de aplicação e investir na mão-de-obra local, também porque ela tem (apreensão?) do número que ela representa em termos de grupo, o que é o Sistema Norte para a Vale como um todo?
R - Olha, eu acho que a gente não tem como fugir disso. Nós estamos falando de uma permanência na Vale aqui por cem, duzentos, trezentos anos, que são as nossas reservas de minério de ferro lá em Carajás, né? É uma empresa que pretende ficar durante cem, duzentos anos numa determinada localidade tem que ter uma extrema preocupação de estar inserida dentro do contexto daquela comunidade, ela não pode ser tratada como uma coisa estranha naquela sociedade. Então, o fato de a gente ter tomado essa iniciativa, ter quebrado um paradigma era uma antiga reivindicação que existia dos estados aqui do Norte, porque a Vale só estava trazendo técnicos de fora. Quer dizer, numa primeira etapa isso até se justificava, né, porque você não tinha mão-de-obra especializada para o nosso tipo de atividade, mas a partir do momento que se tomou essa iniciativa houve uma aceitação enorme por parte da sociedade. E mais do que isso, procurou se fazer também um programa - com a implantação da pelotização e desses grandes empreendimentos - um programa de desenvolvimento dos fornecedores locais, quer dizer, a gente queria ter também do nosso lado fornecedores aqui da região que pudesse acompanhar o nosso crescimento e pudesse fornecer para empresa no mesmo nível compatível com as empresas lá do Sul. Então foi desenvolvido um amplo programa de formação, de identificação desses fornecedores, de treinamento desses fornecedores, de mostrar para eles qual é o nível de exigência que o nosso tipo de serviço requer. Quer dizer, nós estamos falando de uma empresa internacional, que exporta para o mundo inteiro, então nós temos que ter um padrão de serviços prestados por todos os nossos tomadores de serviços. Então houve um trabalho enorme pra mostrar qual é o nível de exigência da Vale, o que ela queria dos seus fornecedores, e a partir disso, gradativamente a gente está tendo uma participação cada vez maior desses fornecedores locais nos serviços que estão sendo executados aqui. E acho que esse paradigma aqui da planta de pelotização, de a gente estar recrutando essa mão de obra local é uma coisa que está sendo já utilizada inclusive no Projeto Cobra que está sendo implantado lá no sul do Pará. Projeto Sossego, hoje, que está em fase de implantação, ele já está utilizando todos esses mecanismos que foram utilizados para a implantação da planta de pelotização, à nível de recrutamento de mão-de-obra local, de treinamento dessa mão-de-obra local etc., de formação para que ela venha operar suas instalações.
P/2 - Aí no caso está pegando a mão-de-obra da região de Marabá, Parauapebas?
R - É, está se procurando principalmente a região de Marabá, Parauapebas. Evidentemente o nível de qualificação nosso hoje pelo próprio tipo de atividade, das nossas atividades industriais, no mínimo de formação técnica. A gente está procurando sempre, a gente fez um convênio nos mesmos moldes que foi feito com a planta de pelotização, com a Escola Técnica Federal do Pará, e essa Escola Técnica está dando suporte à nível de treinamento desse pessoal, à nível de montar uma estrutura de treinamento para eles dentro de sala de aula e fornecimento de currículo de todos os seus ex-alunos para que eles possam ser recrutados pela empresa.
P/2 - E projetos de futuro, seus projetos de futuro?
R - Olha, eu tenho ainda muito pouco tempo para me aposentar, para me afastar, eu acho que à nível de contribuição de empresa, essas contribuições já foram dadas. Acho que o projeto meu para os próximos dois anos é tentar repassar esse tipo de experiência, entendeu, que eu tive e outros profissionais da Vale tiveram, para as novas gerações que estão vindo aí. Acho que o nosso papel é esse daí, é um papel de ser multiplicadores mesmo de uma experiência que foi bem sucedida. Então, como tal, a gente tem que ter uma obrigação nossa como profissional, como pessoa, como brasileiro de transmitir esse tipo de conhecimento o máximo possível para uma nova geração que está vindo aí, que a gente está preocupado, que a gente está formando para que venha ocupar novos cargos dentro da empresa.
P/1 - E um sonho, assim, pessoal fora da empresa?
R - Olha, eu estou começando a pensar agora nesse sonho pessoal fora da empresa.
P/1 - Marcos, se você tivesse que mudar alguma coisa na sua trajetória, você mudaria alguma coisa?
R - Eu não mudaria absolutamente nada.
P/1 - Tem alguma coisa que a gente não teria conversado e que você gostaria de deixar registrado, que a gente não perguntou?
[Pausa]
R - Eu falei até demais.
P/1 - Não, mas você tem uma história tão rica dentro da empresa. Para não fazer a final ainda, e você tocou no assunto de Carajás, como era Parauapebas, aquela (Rodoarame?), como que era naquela época aquela região? Agora vamos entrar no Bye Bye Brasil. (Riso)
R - Bye Bye Brasil mostra exatamente. Eu vi o filme Bye Bye Brasil umas dez vezes. Como eu admirei a capacidade que teve o Cacá Diégues de captar justamente aquela realidade que a gente conhecia, aquilo lá. Mas esse negócio de Parauapebas era muito interessante, porque a cidade de Parauapebas foi concebida dentro de uma idéia de que todos os grande projetos no Brasil acabaram fazendo grandes favelas no entorno desses projetos, né? E aquela massa de trabalhadores á procura de emprego etc., e essas pessoas por não terem qualificação ou ao término do projeto acabavam fazendo grandes favelões, entendeu, ao redor dos projetos e aquilo virava uma grande favela. As própria cidades satélites de Brasília é um exemplo disso. Aquilo hoje está muito melhorado, mas as cidades satélites foram, vamos dizer, um favelão que se criou em função de Brasília sem nenhum tipo de ordenação. O que se pretendeu de Parauapebas na época foi de dar o mínimo de organização de uma cidade que iria crescer. Só que Parauapebas foi pega pelo pé com o evento se Serra Pelada. Quer dizer, além do Projeto Carajás que a gente estava lá e chegou a ter 20 mil pessoas, nós tínhamos em paralelo o evento do garimpo de Serra Pelada, onde existiam 80 mil pessoas trabalhando, e a cidade mais próxima que existia era justamente Parauapebas, né, além de Marabá era Parauapebas. O garimpo de Serra Pelada fica muito próximo de Parauapebas. Então Parauapebas começou a crescer de maneira assustadora e você não conseguia mais administrar, e Parauapebas era um distrito de Marabá, quer dizer, ficava 200 quilômetros da sede principal do município, que era o distrito de Marabá. Então, aquilo cresceu de uma maneira assustadora em função disso. Lá foi criada toda uma infra-estrutura de ruas, de escola, de hospital, de cadeia etc., entendeu? Parauapebas acabou crescendo mais do que aquilo que a gente previa, mas mesmo assim Parauapebas hoje é uma cidade que tem um nível de organização, depois que ela se desmembrou de Marabá, tem um nível de organização como cidade, considerando principalmente a sua localização, considerando que é uma cidade aqui na região Norte, de padrões bem diferenciados, né? É uma cidade que tem tratamento de esgoto para 80% da população, tem água tratada para quase 90% da população, isso são indicadores de cidades do Sul, entendeu, não é aqui do Norte. Acho que Parauapebas como concepção de você ter uma coisa organizada ao término de um projeto para que aquilo não virasse um favelão, acabou se tornando uma ideia que também foi vitoriosa. Então, essa história de Parauapebas é interessante. Parauapebas tinha um negócio, que a gente estava criando uma cidade... Não sei se pode falar essas coisas aqui não?
P/1 - Pode falar. Nessa altura do campeonato. (Riso)
R - Depois vocês cortam, censuram.
P/1 - Se você não quiser depois a gente corta.
R - Parauapebas, teve a coisa mais interessante de Parauapebas, porque montou a cidade de Parauapebas e não dava para imaginar que você tinha uma cidade e não tivesse lá uma boate onde os peões iam para lá e tivessem mulheres naquele lugar, né? Então começou-se a discutir, nós discutimos, você imagina uma coisa assim, de engenheiros discutindo como seria esse negócio de montar uma boate lá em Parauapebas. (Riso) Aí nós pegamos um dos engenheiros mais antigos que tinha lá e falava: “Olha, você vai a Belém e conversa com as donas dos antigos chamados cabarés de Belém e vê quem é que tem interesse de explorar um negócio desse aqui.” Aí foi um engenheiro lá para Belém para recrutar uma pessoa que viesse a ser a responsável pelo cabaré lá de Parauapebas, né? E administrou aquilo lá, aquilo foi construído.
P/2 - Ele fez a pesquisa?
R - Ele fez a pesquisa, entendeu? (Riso) Foi em todos os cabarés de Belém, entendeu? “Olha, essa aqui era uma senhora que era dona de um deles, eu acho que essa aqui é a pessoa adequada.” O pior que a gente tinha, aquilo ali era um imóvel de propriedade da empresa, e você tinha que assinar um contrato de comodato. “Meu Deus do céu, como é que a gente vai assinar um contrato de comodato para abrir um cabaré em Parauapebas, né?” Eu sei que se resolveu lá e ela realmente explorou aquilo lá durante anos. Era o cabaré de Parauapebas usado por todos os peões no final de semana, quando descia e ia pra lá. E foi um negócio gozado, porque teve uma grande revolta de garimpeiros em uma determinada época, porque aquela era uma região, sempre foi uma região politicamente e sob todos os aspectos, muito instável, né, o sul do Pará, o norte de Goiás, hoje Tocantins, né? Você teve a época da guerrilha, a guerrilha do Araguaia foi toda desenvolvida por lá. E eu sei que aquilo lá teve um determinado período que estourou o garimpo de Serra Pelada, houve uma revolta muito grande por parte dos garimpeiros, porque eu acho que na época eles estavam tirando uma quantidade de ouro muito menor do que a que eles imaginavam, e não sei o quê? E foram, justamente a grande maioria deles desceu para a cidade de Parauapebas, e danificaram, quebraram a delegacia, e uma das primeiras coisas que eles queimaram lá foi justamente o bordel, que era o que eles mais usavam lá na cidade de Parauapebas. Eu me lembro que nessa época a gente morava lá no núcleo de Carajás e todo mundo começou a ficar com receio dos garimpeiros subirem, né? Então as mulheres não deixavam as crianças ficarem muito fora de casa, aquele negócio todo cheio de cuidados. E houve toda uma montagem de um esquema especial de segurança, porque caso ocorresse qualquer tipo de problema a gente tivesse lá com segurança máxima para as famílias que estavam morando lá. Felizmente não teve nada disso, entendeu, foi mais ameaça do que qualquer outra coisa.
P/2 - Você ficou responsável por alguma parte da estratégia de defesa?
R - Não. Tinha um grupo que era responsável. A gente sempre teve apoio da polícia militar, exército lá nesse período, mas tinha um grupo da Vale que ficava responsável para coordenar esse tipo de atividade e dar o suporte necessário para eles também, né? Eu me lembro que na subida da serra, né, Parauapebas fica mais ou menos em um patamar de 250 metros de altitude e Carajás fica em torno de 700, 650, né, então na subida da serra temos um dos nossos engenheiros lá de proteção. Para você ter uma ideia nós falamos assim: “Nós vamos colocar um portão aqui de aço.” E realmente colocou, tinha um portão de aço que ocupava a estrada de fora a fora, então aquilo lá não passava nada, entendeu? E justamente a proteção que existia era o tal do portão de aço, que existiu durante algum tempo.
P/1 - Bom, para encerrar, o que você acha dessa iniciativa da Vale de estar fazendo um projeto como esse, o Vale Memória, e dessa maneira como está sendo feito?
R - Olha, elogiar eu acho que é até cair no lugar comum, porque eu acho que uma das coisas que nós que participamos de todos esses eventos da empresa, a gente sempre estava colocando isso, né? Eu sempre conversei muito com as pessoas que estavam, inclusive que depois deram continuidade a esse projeto, da necessidade da gente ter a história dessa empresa registrada de alguma maneira. Tem muita coisa que se perdeu ao longo do tempo, muita coisa que foi feita, por exemplo, o Sistema Sul tem histórias riquíssimas, que a gente tem conhecimento que existiu por lá e que acabou, que as pessoas se foram, já não tem mais registro do que efetivamente ocorreu, então a gente está tendo a grata satisfação de ter as pessoas que viveram o momento presente dessa empresa nos últimos vinte, trinta anos dando a sua contribuição daquilo que efetivamente ocorreu. Eu acho que isso é que é história efetivamente, né, e eu acho que uma grande empresa para ela se preservar, para ela crescer e para ela se desenvolver, se ela não tiver história, se ela não tiver raiz, se ela não tiver uma cultura própria, ela tende a desaparecer muito rapidamente. Então, o que a gente está contribuindo é principalmente para que ela possa perpetuar o máximo de tempo possível. Então eu acho que esse trabalho é um trabalho fantástico que está sendo feito. Gosto, adoro isso aí.
P/1 - Ah, obrigada, foi ótima a entrevista.
P/2 - Obrigado.
R - Tudo bom?
[Fim da fita II]Recolher