Mestres do Brasil: Suas Memórias, Saberes e Histórias
Entrevistado por Winny Choe e Julia Basso
Depoimento de Cristiane Guimarães Dantas
Rio de Janeiro, 29/09/2008
Realização: Museu da Pessoa
Depoimento número: OFMB_HV034
Transcrito por Bruno Menucci
Revisado por Luiza Zambrana e Luiza Gallo Favareto
P/1 – Cristiane para começar eu gostaria que você falasse o seu nome todo, o local, e a data de nascimento.
R – Meu nome é Cristiane Guimarães Dantas, nasci em quatro de dezembro de 1973, no Rio de Janeiro.
P/1 – Quais são os nomes dos seus pais?
R – Fátima Guimarães Dantas e Carlos Alberto do Nascimento Dantas.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã, Daiane Guimarães Dantas.
P/1 – E você cresceu aqui no Rio de Janeiro na sua infância?
R – Sempre, desde que nasci. Nasci em Realengo, na capital, e desde que nasci... Depois casei e continuei morando no mesmo local, só uma rua diferente.
P/1 – E o que os seus pais faziam quando você era pequena?
R – Meu pai era mecânico de carro, depois passou a ser mecânico eletricista, que conserta máquinas, furadeiras e a minha mãe é professora.
P/1 – E você lembra como era a casa da sua infância?
R – Lembro, porque até hoje eu frequento. Antigamente, tinha um quintal grande na frente e dois coqueiros. Depois a minha tia casou e fez uma casa na frente e acabou com as árvores e com o quintal, mas ainda ficou um quintalzinho. Em cima, o meu tio construiu, mas da minha infância mesmo eu lembro que era um quintal bem grande. As crianças da rua se reuniam, a rua pequenininha, amigos de infância, a gente se reunia para brincar de casinha, boneca, quintalzão.
P/1 – Tinha muita criança na sua rua?
R – Tem muita criança até hoje.
P/1 – E como que vocês se juntavam para brincar?
R – Cada dia era na casa de um. A gente combinava quando voltava da escola, geralmente, era mais na minha casa porque eu tinha o quintal maior e uma varanda coberta muito...
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Entrevistado por Winny Choe e Julia Basso
Depoimento de Cristiane Guimarães Dantas
Rio de Janeiro, 29/09/2008
Realização: Museu da Pessoa
Depoimento número: OFMB_HV034
Transcrito por Bruno Menucci
Revisado por Luiza Zambrana e Luiza Gallo Favareto
P/1 – Cristiane para começar eu gostaria que você falasse o seu nome todo, o local, e a data de nascimento.
R – Meu nome é Cristiane Guimarães Dantas, nasci em quatro de dezembro de 1973, no Rio de Janeiro.
P/1 – Quais são os nomes dos seus pais?
R – Fátima Guimarães Dantas e Carlos Alberto do Nascimento Dantas.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã, Daiane Guimarães Dantas.
P/1 – E você cresceu aqui no Rio de Janeiro na sua infância?
R – Sempre, desde que nasci. Nasci em Realengo, na capital, e desde que nasci... Depois casei e continuei morando no mesmo local, só uma rua diferente.
P/1 – E o que os seus pais faziam quando você era pequena?
R – Meu pai era mecânico de carro, depois passou a ser mecânico eletricista, que conserta máquinas, furadeiras e a minha mãe é professora.
P/1 – E você lembra como era a casa da sua infância?
R – Lembro, porque até hoje eu frequento. Antigamente, tinha um quintal grande na frente e dois coqueiros. Depois a minha tia casou e fez uma casa na frente e acabou com as árvores e com o quintal, mas ainda ficou um quintalzinho. Em cima, o meu tio construiu, mas da minha infância mesmo eu lembro que era um quintal bem grande. As crianças da rua se reuniam, a rua pequenininha, amigos de infância, a gente se reunia para brincar de casinha, boneca, quintalzão.
P/1 – Tinha muita criança na sua rua?
R – Tem muita criança até hoje.
P/1 – E como que vocês se juntavam para brincar?
R – Cada dia era na casa de um. A gente combinava quando voltava da escola, geralmente, era mais na minha casa porque eu tinha o quintal maior e uma varanda coberta muito grande, ainda tem a varanda só que o meu pai usa hoje para trabalhar em casa. A gente combinava cada dia era na casa de um, a gente chegava da escola, almoçava, brincava um pouco, depois a mãe chamava para estudar, fazer trabalho de casa, essas coisas.
P/1 – Você lembra qual era a sua brincadeira preferida?
R – Casinha, brincar de boneca.
P/1 – E você lembra das comidas que você gostava quando pequena?
R – Eu sempre gostei muito de comer batata frita e bife, sempre. Até porque eu era muito ruim de comer. Para comer legumes eu era horrível, para comer verduras eu era horrível, então era o mais gostoso. Eu acho que toda criança gosta de batata frita e bife. E a minha filha é igualzinha a mim, para comer tem que suar.
P/1 – A sua mãe que cozinhava?
R – Minha mãe que cozinhava.
P/1 – Você lembra do dia-a-dia da sua infância?
R – Minha mãe me arrumava dormindo, porque eu sempre fui muito dorminhoca. Tem até um fato interessante, a minha tia é que me levava para a escola, minha tia que morava com a minha mãe, porque a minha avó morreu muito cedo, e a minha mãe que criou os irmãos. Eu cheguei na padaria para comprar o lanche, a gente passava na padaria para comprar um Mirabel e a moça olhou para o meu pé e falou assim: “Ih, o sapato dela está trocado.” E a minha tia: “Ah meu Deus, é porque a gente arruma ela dormindo.” Porque eu estudava muito cedinho e era muito dorminhoca, então era assim, acontecia essas coisas engraçadas. Depois voltava da escola e almoçava. Tinha sempre um amigo meu, que era muito pobre, ele ficava tomando conta para ver se eu estava chegando, quando eu chegava ele entrava, almoçava comigo e ficava na minha casa o resto da tarde.
P/1 – Aí vocês ficavam brincando?
R – Isso. Depois ele dava um tempo. Minha mãe pedia para ele ir para eu estudar, mas sempre ele conviveu muito comigo. Passeio, minha mãe ia passear e levava ele também. Era muito legal.
P/1 – Qual é o nome dele?
R – Marcio.
P/1 – E o que mais você fazia quando era pequena?
R – A gente ia muito para um sítio, porque o amigo do meu pai tinha. Nas férias íamos para esse sítio e convidávamos os outros parentes, os primos iam junto, e ficávamos na piscina. Tinham muitos animais, tinha tipo uma fazendinha, eu lembro que eu gostava muito de ficar no balanço e o meu padrinho ficava me balançando quase a tarde toda.
P/1 – E você lembra como era a primeira escola que você entrou para estudar?
R – Lembro. Eu vou nessa escola até hoje quando têm danças e quando tem festa junina, porque é uma escola tradicional no bairro. É uma escola de freiras e os meus primos estudam lá também, os filhos dos primos vão estudando lá. Era uma escola de freiras e tinha muitas festas. Eu adorava dançar, sempre gostei muito de dançar naquelas festas em que você botava uma roupa bonita para se apresentar no palco. Era uma escola muito disciplinada e eu sempre fui muito quietinha, então não me incomodava com isso. Sempre tinha muitas brincadeiras na hora do recreio. Eu pulava muito elástico, rodava bambolê, isso que eu me lembro da escola. Tenho uns amigos até hoje do primário que eu conheço, que moram perto da minha casa, porque a escola é pertinho e a gente se fala até hoje.
P/1 – E você tinha algum lugar que você mais gostava na escola, ou uma aula, ou um intervalo?
R – Eu tinha uma professora que eu gostava muito, a Irmã Gema. Ela era muito carinhosa, sempre atenciosa e é dela que eu me lembro com mais frequência. Até quando eu vou às festas ela ainda está lá, velhinha tadinha. Mas eu sempre vou lá, falo com ela, ela lembra de mim. É uma professora assim... Da escola eu lembro que tinha um espaço que era o espaço onde a gente fazia tipo um catecismo, era um momento de refletir e a gente ia. Era dentro da igreja, porque a escola era ligada na igreja, e a gente ia com o grupo. Tinha aulas muito divertidas porque eles ensinavam religião, mas não daquela forma tradicional, sempre muito divertido, contando história e era um momento que eu gostava muito.
P/1 – Você usava uniforme?
R – Uniforme.
P/1 – Como é que era?
R – Era saia de prega. Até o jardim tinha um aventalzinho na frente, depois do jardim ficava só a saia de prega com a blusinha da escola de golinha assim. Não era de malha como é agora.
P/1 – Você estudou nessa escola até quando?
R – Até a quarta série. Depois, no ginásio, eu fui estudar em uma escola mais longe da minha casa. Depois, no normal, eu fui para a pública.
P/1 – E você lembra de alguma coisa que você tenha aprontado? Você falou que era muito quietinha na escola, né?
R – Eu lembro de uma vez. A minha mãe fazia esses famosos bolinhos de chuva e eu levei um potinho cheio para a hora da merenda. Isso ficou registrado, porque eu fui com uma vontade de comer e quando eu fui comer o primeiro bolinho um colega passou correndo e derrubou a minha merenda toda. Teve outro episódio na escola, a gente pulava muito elástico. Um dia, eu estava pulando e estava com o elástico na perna, eu tenho a marca até hoje, o colega passou correndo, levou o elástico junto e queimou a minha perna. São lembranças que ficam registradas, porque ficou a cicatriz até hoje, atrás do joelho aqui.
P/1 – Você lembra da sua infância algum livro, música, algum filme que você tenha gostado, que tenha te marcado?
R – Não, eu me lembro que a minha avó contava muitos “causos”, minha avó por parte de pai. Éramos muitos netos e aos domingos a gente tinha o hábito de ir para a casa dela. Ela era a rainha da casa. Ela ficava quietinha com as crianças, tomava conta das crianças e as mulheres, as noras, e as filhas, iam para a cozinha. A gente sentava ao redor dela e ela contava muitos “causos”. A gente brigava para sentar no colo e ela sempre muito atenciosa, pegava um de cada vez, cada hora um. Mas “causos” que agora eu não me recordo, mas história mesmo, na época, não tinha muito livro de história, essas coisas. Só os contos de fada que a minha mãe contava muito para mim, até por ser professora ela contava muitos contos de fada e até hoje eu adoro a Branca de Neve, eu pedia sempre para ela repetir a Branca de Neve. Eu comprei a Branca de Neve original da Disney para poder passar para as minhas filhas, porque eu adoro.
P/1 – E ela sentava com você antes de dormir e contava?
R – Minha mãe contava histórias antes de dormir e minha tia também. Ela dormia na cama de baixo e eu na de cima, então tinha que contar alguma coisa, conversar ou bater papo até eu pegar no sono. Ou era a minha tia ou era a minha mãe que contavam as histórias.
P/1 – O que mais você lembra lá da sua casa?
R – A gente ia muito ao zoológico, na Quinta da Boa Vista, meu pai tinha uma Kombi e levava os primos todos. Uma vez, a Kombi enguiçou no meio do caminho e a gente teve que ficar lá de molho esperando alguém ir buscar. Isso foi mais divertido do que o próprio passeio em si, até que a gente conseguiu consertar a Kombi e chegar na Quinta da Boa Vista. Mas eu gostava muito dessa farra de primo, um primo ir dormir na casa do outro e fazer bagunça. Agora, o passeio mesmo a gente ia mais para a Quinta e ficava a tarde toda, fazia piquenique, levava aqueles panos grandes e sentava todo mundo. Era legal.
P/1 – Você gostava de praticar algum esporte?
R – Não, eu sempre quis fazer balé. Eu sempre gostei muito de dançar, minha avó dizia que eu era um bicho carpinteiro. Antes de eu estudar nessa escola do primário, eu estudava em uma escola jardinzinho e uma Kombi ia me buscar. Depois, a minha mãe ficou desempregada e eu fui para uma escola mais próxima de casa e a minha avó que me arrumava e dizia: “Eu não consigo arrumar essa menina, porque ela fica dançando em frente o espelho, não para de dançar.” Mas a minha mãe, na época, não tinha condições, também não tinha muitos cursos próximos, aí eu não fiz balé. Mas as minhas filhas fazem agora.
P/1 – E depois do primário, como é que foi na outra escola?
R – No ginásio eu fui para uma escola mais longe de casa e meu pai me deixava lá porque era caminho do trabalho dele. Eu fiz grandes amizades, mas perdi todas. Eu não tenho contato mais, porque era um bairro diferente do meu, então eu não tenho muita recordação. Eu tenho mais recordação de uma professora, a Deusiana. Ela era uma professora bem diferente, ela ensinava Português de uma forma bem diferente, não se prendia muito a Gramática. E uma professora de Ciências que eu tive, a Deise. Ela fazia muitos experimentos, a gente trabalhava muito no laboratório e era muito gostoso, porque botávamos a mão na massa e aprendíamos muito mais do que ficar só naquele curso tradicional. Agora, os amigos eu perdi todos. Não tenho mais contatos com nenhum e me lembro que nós fazíamos muitos trabalhos em grupo, um ia na casa do outro fazer os trabalhos, mas não tenho mais contato com nenhum deles.
P/1 – Você lembra nessa idade se você tinha algum sonho de criança?
R – Eu sonhava e sempre sonhei em ser bailarina. Mas nunca tive a oportunidade de estudar.
P/1 – Você gosta de dançar?
R – Gosto muito de dançar.
P/1 – E aí quando você foi entrando para o colegial, você foi para onde?
R – No colegial, eu tive muita influência da família da minha mãe, porque as minhas tias e as primas da minha mãe são todas professoras. Na época em que elas estudaram para serem professoras, essa era a única profissão em que você saia, se formava e já tinha um emprego garantido. Então eu tive muito essa influência. Fiz o concurso, na época a gente fazia concurso, eu acho que ainda faz uma prova para entrar em uma escola normal, e passei. Depois eu comecei a fazer estágio, eu me apaixonei por educação e vi que aquilo era a minha praia mesmo, que eu estava no lugar certo, e não tive vontade de sair para fazer outra coisa.
P/1 – Você se lembra do momento em que foi percebendo que você estava interessada em seguir a carreira de professora mesmo?
R – Quando eu comecei a fazer estágio, porque eu tive contato, realmente, com alunos. Quando eu dei a minha primeira aula de estágio, eu achei que ia ser um caos ter a professora lá assistindo, mas foi tudo muito bem e eu tirei dez na aula, os alunos participaram ativamente, deram um feedback muito positivo e ali eu vi que eu nasci para isso e que eu tinha aquele dom de estar ali, que ali era o meu lugar.
P/1 – Nessa época você estava estudando e fazendo estágio?
R – Eu estudava e fazia estágio. No segundo e no terceiro ano começavam os estágios.
P/1 – E o que você fazia na época de colegial fora da escola?
R – Saia com os amigos e ia muito à baile, sempre gostei muito de dançar e tinha muitas discotecas perto da nossa região. A gente ia muito para baile ou ficávamos na rua batendo papo, brincávamos muito. Eu sempre brinquei muito na rua, então tinha pique bandeira, pique esconde, pique ladeira, essas brincadeiras que hoje as crianças não conhecem mais. A rua da minha mãe é muito pequena e as crianças nasceram ali, então eram amizades muito fortes, e a gente brincava todo dia. Até depois de grande, adolescente, a gente brincava de pique sem nenhum problema.
P/1 – Você acha que mudou muito a rua que você cresceu para hoje?
R – Mudou um pouco, porque todo mundo foi casando e se mudando. Mas alguns domingos eu vou para a minha mãe e estão os filhos dos nossos filhos. Os nossos filhos se reúnem e brincam, mas não brincam como era antigamente. Antigamente, a gente inventava brincadeiras, inventava brinquedos e ficava horas ali. Agora, fica um pouquinho e tem que ir embora, porque a mãe vai, porque tem compromisso, a correria do dia-a-dia, isso mudou um pouco.
P/1 – No tempo do seu colegial você falou que dançava, também saia para os bailes com os amigos. E para a praia você ia?
R – Muito. Minha mãe sempre levou a gente muito à praia, até porque a praia era próxima. De Realengo, onde eu moro, é um ônibus só, são vinte minutos. Então a gente sempre ia à praia. A praia era a diversão.
P/1 – A família inteira ia?
R – Meu pai não gostava muito, porque ele era muito branco e dizia que ele ficava um camarão. Minha mãe, os primos e a minha tia gostávamos mais. A gente pegava o ônibus e ia numa boa, fazendo bagunça.
P/1 – Qual praia que era?
R – A Barra ou Recreio.
P/1 – E mudou muito? Você tem ido à Barra, ou no Recreio agora?
R – Agora eu vou mais ao Recreio, porque é mais tranquilo. A Barra, como tem mais ônibus, fica muito cheia no verão e não tem lugar na areia, não tem nada. O Recreio já é um pouco mais reservado, porque não tem muito ônibus, só vai o pessoal que tem carro, então eu acho mais tranquilo até para ficar na areia, essa questão de sumir a criança, de estar olhando.
P/1 – Tinha muita paquera nesse tempo com o pessoal?
R – Não, porque eu ia mesmo para o baile para dançar. Eu gostava muito de dançar. Eu tive dois... Fiquei no baile, como dizem agora, mas ficava e depois não namorava mais. Eu só namorei um rapaz, porque ele pediu para minha mãe para namorar, eu não queria namorar. Fiquei com pena dele e acabei namorando em casa, fiquei um mês e acabou. O meu atual marido eu namorei mais tempo. Agora ele é o meu atual marido, porque eu comecei a namorar com quinze anos e ficamos juntos até hoje. Eu não fui muito de namorar um e outro.
P/1 – E como é que foi que você conheceu o seu marido?
R – Quando eu o conheci ele já era casado e eu era adolescente. Ele é um pouco mais velho que eu, dez anos mais velho que eu. Ele frequentava a minha rua, porque ele morava próximo, então sempre estava nas rodas de conversa. Um dia ele chegou e falou assim: ”Eu estou separado, e queria ficar com você.” Eu relutei, até porque ele era mais velho e tinha resistência da minha mãe também. Um dia ele foi me levar na escola, na época eu fazia normal, e acabamos ficando juntos até hoje.
P/1 – Qual é o nome dele?
R – Marcos.
P/1 – Mas você casou quando?
R – Casar eu não casei, a gente juntou os trapos, como se fala. A gente já estava se programando para morar junto, mas aí aconteceu a Bruna, foi em 2000 que a Bruna nasceu. Em 2000 a gente se juntou para que a Bruna já nascesse em uma casa com pai e mãe. A gente adiantou um pouco o que íamos fazer depois.
P/1 – E a escola normal o que você lembra mais dela?
R – Eu lembro das amigas. A gente fugia muito para matar aula, para ir para ao shopping. Na época de normal, eu me liberei um pouco mais de ficar quietinha e me juntei com a turma da bagunça. A gente ia para o shopping, porque a aula era integral e ficava cansativo. De vez em quando, no final da tarde, a gente fugia e ia para o shopping bater perna. Era muito legal, porque uma ia na casa da outra. A gente marcava, às vezes, uma festinha de sábado e cada uma levava uma coisa, só para distrair, bater papo, mas esse grupo especificamente eu não saia para dançar, para ir a outros lugares, só ficava ali na escola ou marcava de uma ir à casa da outra, até porque era muito distante do meu bairro, ficava distante para elas saírem comigo à noite ou para eu sair com elas.
P/1 – Você falou que ia muito passear no shopping com as suas amigas. Como eram as roupas?
R – A gente ia de uniforme, porque a gente fugia da aula, então ia de uniforme do normal.
P/1 – E como era o uniforme?
R – Era uma saia de prega e blusão de manga comprida, era o uniforme de gala, tinha a estrelinha do ano, da série, o brasão, a abotoadura na blusa, e quando a gente ia para o shopping a gente dobrava. Na escola, tinha que andar de manga comprida, mas quando a gente saía da escola dobrávamos. Algumas dobravam a saia, porque a saia tinha que vir até o joelho, mas eu nunca gostei de dobrar, ficava com ela compridinha mesmo.
P/1 – Como eram as roupas que vocês gostavam de usar?
R – Eram roupas iguais a que a gente tem agora, jeans e malha. Nunca usei muita roupa de marca, porque a minha mãe, além de ser professora, é costureira. Então eu demorei um pouco a usar calça jeans, eu achava que eu ficava feia porque era muito magra e a calça nunca ficava legal em mim. Minha mãe fazia minhas roupas, eram vestidinhos e sainhas de tecido. Minha mãe costurava muito para mim, a maioria das minhas roupas a minha mãe que fazia. Depois de um tempo eu comecei a usar jeans e comecei a comprar mais em shopping, mas também não comprava nada de marca, até porque a minha mãe não tinha situação e o meu pai ficou desempregado na época. Eu ia me adaptando a situação que a gente tinha.
P/1 – Você lembra de alguma roupa que a sua mãe fez para você para alguma ocasião mais especial?
R – Tinha um vestidinho que a minha mãe fez que eu guardei até pouco tempo. Foi um aniversário de quinze anos que eu fui da minha prima. Ela fez um vestidinho muito bonitinho, rodadinho e eu guardei um bom tempo esse vestido, eu usei muito, mas ficou velhinho. Eu ia guardar para uma filha, porque a gente tem essa tradição na família, a gente vai passando a roupa para o outro, são muitos primos. Eu ia guardar, mas acabei me desfazendo, mas era um vestido que eu gostava muito, era floridinho e rodadinho.
P/1 – Quando você se formou no normal, como foi?
R – Eu não fiz formatura, porque na época o meu pai estava desempregado e tinha que pagar uma taxa todo mês, eu acabei não pagando e não participei da formatura. O pessoal fez uma festa à parte para quem não teve condições de pagar a formatura, uma festa americana, como se dizia antigamente, cada um leva uma coisa. Também não fui à formatura como convidada, porque eu fiquei chateada, recebi convite, mas nem quis ir, porque eu ia estar lá assistindo e os meus colegas iam estar se formando e eu preferi não ir.
P/1 – Quando você se formou como foram os próximos passos?
R – Eu comecei a estagiar e fui contratada pelo estado assim que me formei para trabalhar num CIEP, na época, o CIEP era o dia todo. Fiquei um ano trabalhando no CIEP e fiz concurso para Caxias, que é onde eu trabalho atualmente, e fiz concurso para o Estado também. Para Caxias, a minha colocação foi muito alta, chegou a quinhentos e pouco e eu nem esperava ser chamada. Já estava no segundo ano que eu tinha feito concurso, ia caducar e eu achava que não ia ser chamada. Fiz o concurso do Estado e passei. No mesmo dia que chegou o telegrama do Estado, chegou o de Caxias também, só que no estado eu ia trabalhar o dia inteiro com um salário menor que o de Caxias. Em Caxias você trabalhava quatro horas e o salário era melhor, então eu fiquei em Caxias, saí da escola em que eu trabalhava, porque eu ia ficar na mesma escola em que eu era contratada e comecei a trabalhar em Caxias.
P/1 – E como é que foi antes de entrar em Caxias a experiência no CIEP?
R – Foi muito boa, porque a gente era contratado e era um convênio com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a UERJ. Então metade do período nós estudávamos e a outra metade a gente ia para a sala de aula. Foi muito legal porque eu tive a oportunidade de complementar o que eu aprendi no normal, recebi um certificado da faculdade e ainda coloquei em prática aquilo que eu estava aprendendo. Foi muito legal. Foi a minha primeira experiência como professora, então a gente dividia a turma, não ficava uma sozinha na turma, ficavam duas pessoas. A dinâmica do CIEP era muito legal, porque, além das atividades dentro de sala de aula, eles tinham as atividades extra classe, que era educação física, aula de dança e sala de leitura. Eles não ficavam o tempo todo dentro da sala de aula e a gente participava, porque uma semana eu ficava dentro de sala de aula dando aula como professora e na outra semana eu estudava, nesse horário que eu estava em sala de aula, e outra pessoa assumia a sala para eu ir a esses outros espaços interativos. Ali que eu aprendi como trabalhar em sala de leitura e trabalhar com vídeos, a gente trabalhava muito com vídeos, fazia atividades diversificadas, tinha o animador cultural, que eles chamavam. Então eu aprendi a trabalhar mais o lúdico com as crianças.
P/1 – Quais eram essas aulas que você frequentava no CIEP?
R – Eram aulas de pedagogia, da questão de formação do professor, didática, pedagogia, didática da matemática, como trabalhar a questão filosófica da educação.
P/1 – E qual era a disciplina que você dava no CIEP?
R – Eu dava aula de primeira à quarta.
P/1 – Você lembra do primeiro dia de aula no CIEP?
R – Foi assustador. O que deu mais força no primeiro dia foi o trabalho em dupla. A gente entrou na sala e não sabia o que fazer, mas a gente conseguiu conquistar a turma. Era uma turma de alfabetização, outro desafio, e no final do ano apenas um não conseguiu aprender a ler, mas ele tinha outros problemas que comprometiam a aprendizagem dele. No primeiro dia, você treme, a perna treme, você não sabe o que fazer e você acha que se eles brigarem você não vai saber como resolver esse problema. Então é um desafio muito grande, mas a gente consegue, a gente vai aprendendo, vai praticando e consegue.
P/1 – Você se juntou com o seu marido logo depois que você se formou?
R – Não, foi na faculdade. Quando eu me formei na faculdade, eu já estava grávida de três meses. A gente já estava junto.
P/1 – E você já estava dando aula em Duque de Caxias?
R – Já estava dando aula em Duque de Caxias.
P/1 – O que o CIEP têm de modelo diferente das outras escolas?
R – Na época, agora não, porque ele voltou a ter horário de metade do turno, mas, na época, ele era integral. O que tinha de diferente no CIEP eram essas atividades mais dinâmicas, fora de sala de aula. A gente tinha muito material didático, muito material para expor na sala, muita cartolina, muita canetinha, porque foi na época que surgiu o CIEP. Então a gente tinha bastante material, a gente tinha apoio pedagógico, porque tinha as pessoas da UERJ que estavam lá para assessorar a gente na parte pedagógica e quando a gente tinha uma dúvida, a gente chamava. Eu aprendi muito ali, foi o meu alicerce mais do que o normal, porque eu estava experimentando. O que eu aprendi na teoria, eu experimentava ali na prática.
P/1 – Qual foi o CIEP?
R – Tem tantos anos, foi há muito tempo. Só de prefeitura de Caxias eu tenho doze anos, têm quatorze anos que eu trabalhei no CIEP, eu não me lembro. Eu só lembro do bairro, eu acho que o bairro era... Não vou me lembrar, tem muito tempo. Era em Nova Iguaçu, antiga estrada Rio - São Paulo, agora o nome do CIEP não lembro. Até porque ele não tem nome, era numeração. Então, na época, não tinha um nome, não sei se agora ele tem um nome, mas na época era numeração. CIEP 104, CIEP não sei o que... Lagoinha era o nome do lugar, do bairro. Era legal, porque para trabalhar ali tinha que ter vontade, porque a gente estava a dois quilômetros de distância da estrada onde passava o ônibus, então a gente tinha que descer na estrada e andar dois quilômetros de barro. Quando chovia a gente ia na boléia de caminhão, porque não conseguíamos andar. Depois, a gente conseguiu alugar um ônibus e esse ônibus ia tal hora pegar a gente na escola e quatro horas, quando se encerrava o expediente, ele pagava.
P/1 – Então era uma aventura, às vezes.
R – Já andei muito em boléia de caminhão, carroça. A gente pegava carroça e não tinha como sair de lá de dentro, não tinha ônibus lá para dentro.
P/1 – E aí quando você entrou no Duque de Caxias como foi?
R – Quando eu fui para Caxias, eu fui para um bairro que não é bem no centro, mais interior. As crianças tinham a mesma carência que as do CIEP, era roça mesmo. Então eles têm uma atenção mais especial para a escola do que as crianças que estão ali no centro da cidade. Eles dão mais valor à escola, a gente sente que eles valorizam mais você, enquanto profissional. Até pela carência que eles têm. Se você pede uma coisa, eles vão te atender na hora, eles vão dar um jeito para poder te agradar. Bem diferente da cidade, porque eles já têm tudo então nada é novo para eles. Então assim, na clientela foi a mesma coisa, porque as crianças eram bem parecidas, a experiência de vida delas era bem parecida, eram bem carentes, os presentes que eu ganhava eram jacas e aipim e para levar a jaca para casa de ônibus era difícil, eu tinha que comer na escola. Eles se apegavam muito a gente. O que era diferente era que a carga horária, que era menor e não tinha esses espaços mais interativos. Mas quando a gente foi para essa escola, ela era do Estado, e tinha sido municipalizada, então foi uma leva grande de professores do município para lá. Professores novos, inovadores, pensavam de maneira diferente, então a gente conversava muito, trocava muito, era um grupo muito bom e a gente começou a inovar aquilo de sala de aula o tempo todo, criando outros espaços na escola. A gente conseguiu, junto com a direção que também apoiava muito a gente, montar uma sala de leitura, conseguiu fazer um cursinho de teatro, conseguiu ter outros espaços que aquelas crianças precisavam. Montamos uma sala de vídeo, porque eles não iam ao cinema, não sabiam o que era cinema. Então saía um filme e eles não conheciam, eles não tinham esse acesso à cultura. Depois, quando começou a vender a fita, na época era fita, a gente comprava para que eles pudessem ter acesso a essa cultura.
P/1 – E você acha importante esses outros elementos na escola?
R – Acho que sim, é uma forma de instigar mais o aluno, de chamar ele mais para a escola. A escola precisa ser interessante como é o mundo aqui fora. Se a escola for só sala de aula, todo mundo sentadinho atrás do outro, é ilusão e eles não vão aprender, eles não vão ter prazer de estar ali.
P/1 – Essa escola de Duque de Caxias é a Olga Teixeira?
R – Não, essa escola que eu te falei era a primeira escola que eu trabalhei, ela era no interior e a Olga Teixeira já é mais no centro.
P/1 – Você ficou quanto tempo nessa primeira escola em Duque?
R – Eu fiquei nessa escola de 94 até 98. Em 98, eu recebi um desafio nessa escola para a segunda matrícula. Eu queria ficar na mesma escola, porque na época não tinha carro e eu fazia faculdade no Rio, pegava cinco conduções por dia, por isso, eu não tinha como sair de uma escola correndo, chegar na outra correndo e ainda chegar na faculdade atrasada. Levava falta no primeiro tempo. Decidi aceitar o desafio que a escola me propôs, eles tinham uma turma para mim no horário da tarde, só que era uma turma de surdos, esse foi o meu primeiro contato com alunos surdos. Era uma turma muito seriada, tinham alunos de seis anos até quatorze anos e eles precisavam estudar, por isso, a escola abriu esse espaço para eles, só que não tinha ninguém que quisesse dar aula para aquela turma. Foi quando a escola me falou: “Olha, a gente tem essa turma, já está formada, já está matriculada, mas não tem professor que queira aceitar esse desafio.” Fui até a Secretaria de Educação, porque na prefeitura de Caxias a gente tem muito apoio da Secretaria de Educação em formação, e o pessoal falou: “Se você tiver vontade você assume que a gente vai te ajudar.” Foi um desafio muito grande, foi ali que eu percebi que eu tinha que estar no mundo para ajudar alguém. Foi um trabalho muito difícil, porque eu só tinha uma aluna que sabia linguagem de sinais, que era a mais velha. Ela me ensinou a língua de sinais e ensinou para os colegas por meio de desenhos, quando eu não conseguia entender ela escrevia a palavra ou mostrava na televisão, na época não tinha computador, ou pegava nos livros de história para eu poder entendê-la e poder passar para ela. Mesmo com toda essa dificuldade, de ter alunos de seis a quatorze anos dentro da sala e não tendo a linguagem que era necessária para poder ensiná-los, eu consegui alfabetizar essa mais velha, que hoje trabalha na prefeitura, e os outros conseguiram um desenvolvimento. Nesse momento, a prefeitura me convidou para fazer um curso de especialização. Em 99, eu fiquei afastada da sala de aula e fiz essa especialização em educação de surdos. Eu me aprimorei mais e fui para a Olga Teixeira quando voltei, porque lá estavam começando um trabalho com alunos de pré-escola surdos e, como eu estava voltando fresquinha da especialização, eles falaram assim: “A gente está te convidando para pegar essa turma.” Então eu fui com as duas matrículas para lá, mas deixei uma pessoa no meu lugar para atender aquela minha primeira turma da outra escola.
P/1 – Quando é que você entrou para a graduação?
R – Eu não queria fazer faculdade de início, porque eu já estava trabalhando. Até que as colegas do CIEP falaram: ”Vamos fazer. Você consegue.” Eu falei: “Ah, não vou fazer não.” No dia da inscrição elas me arrastaram e eu fiz a inscrição. Elas estudaram muito e eu não peguei nem um caderno, nem um livro, não li nada, fui fazer a prova de onda mesmo, porque eu não queria começar a fazer faculdade. Acho que porque eu queria ficar mais um tempo trabalhando, não sei. Fiz a prova e no dia em que eu fui ver o resultado eu vi o meu nome. “Ih o meu nome está ali, deve ser porque eu não passei.” E uma menina disse: “Não, aquela lista ali já é a turma formada.” “Então eu passei?” “Passou, você já está na turma. Amanhã você tem que vir fazer a matrícula.” Nesse momento, eu me desesperei, porque eu não tinha separado documento, não tinha separado nada e já tinha que fazer a matrícula no dia seguinte. Cheguei em casa e minha mãe ficou super feliz por eu ter passado em uma universidade pública sem ter estudado nada. Eu não me preparei para fazer o vestibular, eu não estudei mesmo, e consegui. Minha mãe ficou super feliz, o meu pai... E aí fiz a matrícula e comecei a estudar pedagogia.
P/1 – E conciliar as idas para Duque de Caxias...
R – Eu acordava quatro e meia da manhã, saía às cinco e meia e pegava dois ônibus para ir para escola. Quando eu perdia o ônibus da Avenida Brasil, eu tinha que fazer baldeação e pegava três ônibus para ir para escola, porque o ônibus tinha o horário certinho e depois voltava. Nesse período, eu consegui ficar nessa escola o dia todo, então não saía correndo na hora do almoço, ficava lá descansando. Depois, para a faculdade, eu pegava mais dois ônibus para voltar para casa eu pegava um ônibus só, porque a faculdade era no Rio, era mais fácil. Eu chegava em casa por volta de onze e meia, meia noite. Eu saia quatro e meia e chegava meia noite.
P/1 – E a vida social nessa época?
R – Nessa época não dava muito. Final de semana era estudando, fazendo trabalho. Sábado e domingo eram os dias que eu tinha que fazer alguma coisa e durante a semana eu me dedicava mais a escola, tinha que preparar trabalho, planejar aula, então o sábado e domingo eram para a faculdade.
P/1 – Você falou que você teve um desafio muito grande de entrar em uma turma de alunos surdos. Você estava estudando ainda na graduação quando você pegou essa turma?
R – Estava fazendo graduação ainda. Em 99, eu fiquei um ano afastada e ficava o dia todo no INES, que é o Instituto Nacional de Educação de Surdos, aqui em Laranjeiras, no Rio. Eu ficava o dia todo lá e de lá eu ia para a faculdade.
P/1 – Quando você pegou essa primeira turma muito seriada, como é que foi essa coisa toda?
R – Eu tive que ler muito. Quase toda a semana eu ia para a porta da Secretaria de Educação, porque eles que me davam subsídio, textos de como trabalhar e eles iam muito à escola me ajudar. Eu ia pegando as dicas com eles e essa minha aluna, a Daniele, que me ajudava muito, porque como ela era uma surda quase adulta, tinha quatorze anos, ela tinha um domínio muito grande de linguagem de sinais. A Daniele me ajudava muito na comunicação com os outros alunos e quando eu não sabia passar alguma informação para eles eu passava para ela e ela passava para os menores. Foi assim que eu consegui ir seguindo. A escola me apoiou muito também, as coordenadoras pedagógicas apostaram em mim. Quando elas encontravam alguma coisa, algum material, levavam para mim, uma idéia nova, levavam para mim. A escola me apoiou muito e isso foi fundamental.
P/1 – Você lembra de uma aula em especial?
R – Nessa escola, eu já tive a honra de já começar trabalhando com projetos. Nós tínhamos projetos temáticos e o grupo era muito afinado, então a gente sentava toda semana, planejava junto o que uma turma poderia fazer, o que outra turma poderia fazer. Eu tive essa oportunidade muito boa de já começar em uma escola que trabalhava com projetos e trabalhávamos muito o tema do cotidiano, eu lembro que um tema que foi muito bom de trabalhar foi a Copa, porque eles gostam de esporte. Então a gente fez atividades esportivas na escola, campeonatos, campeonatos de português, campeonatos de matemática e levamos um pouco mais para a didática também, não só esportes na prática, mas praticar um pouco a língua. Esse foi um projeto em que eles conseguiram desenvolver muitas habilidades. Um momento específico, eu não sei te falar, porque a gente trabalhava muito com projeto integrado com outras turmas. Às vezes, eles iam apresentar algum trabalho para outra turma ou a outra turma vinha apresentar algum trabalho para eles. Então eu não tenho como lembrar um momento específico de uma aula.
P/1 – E quando você foi fazer especialização, você pode contar para a gente como foi?
R – O Instituto Nacional de Educação de Surdos é federal, ele tem educação de surdos desde a educação precoce, quando é bebê, até a educação adulta e agora já tem até faculdade. Foi uma época muito boa, porque a gente tinha um horário de aula e tinha estágio também. Então, na hora do almoço, a gente encontrava os alunos, conversava com os professores e também tinha esse contato com a escola, porque tinha um prédio que era para a formação, oficinas, capacitação de professores, porque esse instituto é referência em educação de surdos. Tinha o outro prédio que era a escola e a gente fazia estágio nesses ambientes. Foi ali que eu tive o meu primeiro contato com informática, porque a gente teve aula de informática para surdos e aí eu fui visitar o laboratório, teve que preparar uma aula com informática para eles e eu não tinha computador na época, foi ali que eu tive o contato com o computador também.
P/1 – Quais foram os primeiros cuidados que você descobriu que eram necessários na educação dos surdos?
R – Acho que o primeiro cuidado é respeitar a identidade deles, respeitar a língua deles, porque teve uma época em que as pessoas queriam orgalizá-los, eles eram proibidos de fazer sinal, eram proibidos de se comunicar, eles tinham que falar. Eles faziam dez e quinze anos de fono para aprender a falar e depois poder aprender alguma coisa. É muito sacrificante para eles, é muito exaustivo ficar treinando a fala, e tal. É doloroso e eu acho que esse respeito pela língua, pela identidade do aluno surdo é fundamental. Se você for trabalhar com um aluno surdo, você tem que ter esse respeito.
P/1 – Existe mais alguma coisa que pedagogicamente você aprendeu?
R – Você tem que ter muito visual, trabalhar o visual o tempo todo. Tudo que você for trabalhar com eles, você tem que colocar na parede, tem que estar mostrando livros, porque o visual deles é muito mais aguçado do que o nosso. Por eles não ouvirem, eles se prendem na visão, então você tem que ter uma sala com um visual muito bom, com um visual alfabetizador. Ter muitas palavras, ter muitos textos, trabalhar muito com textos de rótulos. Coisas da vivência deles, porque eu também não posso soltar uma palavra no meio do nada que eles não vão entender, então tem que ter um contexto, tem que ter coisas que sejam da vivência deles.
P/1 – Cristiane, para alguns outros educadores que têm interesse em fazer esse tipo de trabalho, que tipo de dica você pode dar?
R – Tem que gostar e tem que ser apaixonado por educação, se não vai sair de lá de cabelo em pé, você desiste, você sai correndo. Tem dias que dá vontade de você falar assim: “Ai meu Deus, eu vou desistir”, porque a aprendizagem deles é muito mais lenta do que um aluno que é considerado normal, um ouvinte, a gente diz que tem o surdo e o ouvinte. Então, é uma aprendizagem mais lenta, mas eles têm uma sede de saber que te suga, por quê? Porque a escola para eles é o único canal de comunicação. A maioria dos nossos alunos surdos têm pais ouvintes, que não falam a língua de sinais. O filho que ouve não vai te perguntar por que está passando aquilo, ele está ouvindo, ele está entendendo. O surdo vai perguntar para você, “O que é aquilo? O que ele está falando?” e se você não der respostas ele vai se fechando, se fechando e vai chegar uma época em que ele não vai perguntar mais. Por isso, ele tem uma sede muito grande por informação e a gente é o único canal para dar essa informação para ele. A gente não pode nunca negar uma informação para eles e deve respeitar mesmo, respeitar essa identidade surda deles, e tentar levantar a autoestima, porque muitos, às vezes, chegam para a gente achando que não são capazes, que não vão conseguir, e essa auto estima deles tem que estar elevada, a gente tem que mostrar para eles que acreditamos neles e que eles precisam acreditar neles também.
P/1 – Como é que foi depois que você acabou a especialização?
R – Foi outro desafio, porque eu peguei uma turma de pré-escolar de surdos que nunca tinham ido à escola e eles foram para escola sem linguagem nenhuma, eles só gritavam: “ah!!” quando queriam alguma coisa e apontavam. Eu tive que fazer todo um trabalho com os pais e com os alunos, porque os pais achavam que eles eram coitadinhos, doentinhos e deixavam as crianças fazerem tudo que eles queriam, eles não tinham limites. Eu tive que educar os pais e educar os filhos. Fazíamos muitas palestras com os pais, mostrávamos do que eles são capazes, o que eles podem fazer, trazíamos surdos adultos para dentro da escola, surdos bem sucedidos, ainda tem uma pessoa surda adulta que dá aula de linguagem de sinais. A gente tentava seduzir esse pai para vir assistir a aula de língua de sinais, para poder se comunicar com esse filho, para poder ajudar em casa. Antes de passar qualquer conteúdo pedagógico para eles, eu tive que fazer todo o trabalho de linguagem, porque se eles não falavam, se eles não se comunicavam, eles também não pensavam, eles não expressavam o seu pensamento. Eles não tinham como raciocinar, eles não tinham como formar conhecimento. Primeiro eu tive que fazer todo o trabalho de linguagem e eu não podia fazer esse trabalho sozinha, porque o surdo aprende língua de sinais com outro surdo. Mesmo que eu tivesse domínio em língua de sinais, eu não posso ensinar língua de sinais para outro surdo. Um surdo só aprende com outro surdo. A gente tinha, e ainda tem na escola, os monitores surdos. Na época, era só uma pessoa contratada de fora da prefeitura, que não era da escola, e ia todo dia e ficava passeando pela sala ajudando nessa questão linguística. Agora, a gente tem os nossos alunos surdos que se formam no nono ano, antiga oitava série, e os melhores alunos passam por uma capacitação na prefeitura, são contratados e voltam para escola ganhando, recebendo para fazer esse trabalho de monitor de língua de sinais.
P/2 – Por que um não surdo não pode ensinar a língua de sinais para um surdo?
R – Porque a língua de sinais tem uma característica própria que a língua portuguesa não tem. Ela tem toda uma gramática diferente da língua portuguesa. O surdo tem uma identidade que é dele, conceitos que só um surdo consegue passar para outro. Eu não posso ensinar língua de sinais, se eu não tenho totalmente um domínio de língua de sinais. Eu não tenho o trejeito que o surdo tem, eu não tenho as gírias, eu não sei as gírias que eles utilizam, eu não tenho nada característico de surdo para poder ensinar a língua de sinais para outro surdo. Só um surdo pode ensinar língua de sinais para outro surdo, e também não é ensinar, é o convívio. Ele vai conviver com um surdo adulto e vai aprender. Não aprender, “Senta aí que agora eu vou te ensinar que isso é casa, que isso é água”, mas aprender conversando, batendo papo, contando histórias, vendo um filme, explicando em língua de sinais com a vivência. A gente não senta a nossa filha no colo e fala: “Hoje a gente vai aprender ‘água’, ‘água’, ‘água’. Fala ‘água’. Fala ‘água’” é a mesma coisa com o aluno surdo, ele não vai sentar e vamos aprender hoje “casa”, vamos aprender hoje “pai”, “mãe”, não, conforme ele vai vivenciando aquilo, conversando com outro surdo, ele vai aprendendo.
P/1 – Me conta um pouco mais da turma do pré.
R – Foi um desafio, porque a gente teve que primeiro impor limites e comunicar os pais, porque eles chegam muito sem informação. Eles acham que eles vão ali só para depositar o filho, para eles ficarem aquelas horinhas livres, porque eles dão muito trabalho, porque eles não conseguem conversar com eles, eles gritam muito, eles incomodam. Temos que fazer todo um trabalho com a família, ela tem que estar muito presente. No primeiro semestre, foi meio complicado mesmo até eles darem aquele estalo: “Eu estou na escola. O que eu estou fazendo aqui? Eu posso aprender”. No segundo semestre, a gente já teve o apoio dos pais, alguns pais já estavam fazendo os cursos, já apoiavam o nosso trabalho e fazíamos muitos eventos para que o pai fosse à escola e esse apoio família-escola é muito importante, porque se o pai não acredita na escola e não acredita no filho, a gente não consegue seguir adiante. Agora, se ele tem um olhar diferenciado para educação, se ele acredita naquilo, a gente vai embora numa boa.
P/1 – Você acompanhou uma turma do pré até...
R – Eu fiquei com eles só dois anos, no pré-escolar e na classe de alfabetização, que é o antigo CA. Se ficar muito tempo, eles vão criando hábito com o professor e a gente não tem oportunidade de conhecer outras práticas pedagógicas. É muito difícil dizer: “Eu alfabetizei um surdo em dois anos.” É muito difícil, é quase impossível, porque eles têm muita dificuldade com a língua portuguesa, a língua portuguesa para eles é o inglês, é uma língua estrangeira, é como se fosse uma língua estrangeira para a gente. Eles não tem esse feedback auditivo e o nosso alfabeto é fonético, é de fala. Ela aprende bala, ela sabe que aquele BA pode formar, baleia, ele pode formar barraca, então aquele BA vai servir para formar outras palavras. O surdo não tem isso, porque ele não ouve, ele não tem a questão do fonético, do som. Então ele não sabe que o BA da bala vai servir para formar baleia. Ele praticamente grava o desenho daquela palavra é como o analfabeto que sabe pegar o ônibus para Botafogo porque ele gravou aquele desenho da letra do Botafogo. Só que a gente tenta não deixar que ele grave aquele desenho, para ele gravar na memória “Aquela palavra ali é Botafogo, então toda a palavra que comece com “b”, é Botafogo.” A gente tenta trabalhar dentro de um contexto, com temas, com coisas do interesse deles e eles vão adquirindo aquele vocabulário com o tempo. Eles precisam muito da ajuda do professor o tempo todo. Até para fazer diferenciações, porque no português a gente diz: Eu vou para a casa e o surdo diz: “Vou casa”. Eu já inverti, eu primeiro fiz a casa e depois vou, já inverti. Eles não têm os conectivos “eu” e “pra”. Quando ele escreve, ele escreve: “Casa vou” essa é a nossa interferência, explicar para eles que em português é diferente, que precisa do “eu”, do “casa”, do “para”, precisa do ponto final. A gente vai interferindo nesse sentido o tempo todo, trabalhando muito com escrita, muito. É nesse sentido que a informática ajuda muito, porque eu trabalho com eles também no laboratório de informática. Agora eu estou trabalhando com eles o e-mail e eles sabem que no e-mail tem que escrever para alguém. Por isso, eles não podem escrever errado, eles querem escrever bonito. Então eles ficam perguntando o tempo todo: “Como eu escrevo isso? Eu preciso botar o ‘a’? Eu preciso botar o ‘de’?” Ali brincando, se divertindo, mandando mensagem para alguém, eles vão aprendendo a estrutura da língua portuguesa.
P/1 – E conta então um exercício que você andou aplicando neles sobre ler.
R – A gente está fazendo agora, a professora deles está trabalhando com eles cartas. Como escrever uma carta, o que precisa no envelope, endereço. Eu puxei o gancho para o e-mail, porque o e-mail também é como se fosse uma carta, a gente tem um endereço, só que é virtual, um endereço eletrônico, então eu pedi para que eles fizessem um recadinho para o colega. Fiz o e-mail deles, eles preencheram a ficha de cadastro, demora um pouco mais do que um aluno ouvinte, porque a gente tem que explicar para o que serve o nome, o sobrenome e o ano em que você nasceu. A gente faz tudo com calma para eles poderem entender que aquilo é um cadastro e que eles precisam fazer aquele cadastro. A senha a gente pediu para que eles não esquecessem, colocar o nome da mãe, porque eu não posso saber a senha deles, eu não posso mexer no e-mail deles, porque eu falei que era particular, como eu não lembrava o nome da mãe de ninguém ali, então bota o nome da sua mãe, porque você vai gravar que a senha é o nome da sua mãe e você não vai esquecer mais. Nome de mãe e pai eles sabem com certeza. A gente montou um endereço de e-mail mais padronizadinho, o nome deles e a sigla da escola, para que até a gente gravasse, porque se eles esquecessem a gente passava para eles. Nesse dia, eu pedi para eles escreverem um recadinho um para o outro e eu expliquei essa diferença de que na carta você tem que escrever uma carta, botar o endereço daquela pessoa e enviar pelo correio e no e-mail não, você pode mandar um convite para um monte de pessoas ao mesmo tempo, é só colocar a vírgula e ir inserindo o endereço de todo mundo. Eles pegaram o endereço dos colegas e começaram a enviar: “Oi, tudo bem? Como você está? Agora eu tenho e-mail.”. Depois eles mandarem, eu mandei na mesma hora para eles voltarem para a caixa de entrada para ver se eles tinham recebido, quando eles viram, tinha um monte de mensagens de todos os colegas que estavam ali e eles queriam ler tudo, foi uma farra. “Pois ele mandou agora, e já chegou. Como? Como que pode? Ele digitou agora.” Eles queriam entender como podia haver esse processo de que ele mandou agora e já chegou tão rápido. Se fosse o carteiro era diferente, era um dia para chegar. Eles vão percebendo isso e vão querendo melhorar a escrita, porque ali tem uma função, ali tem um significado para eles e querem fazer bonito, querem se comunicar também. Eles sabem que não precisam se comunicar só com surdos, eles podem se comunicar com outras pessoas. Agora, eles estão ansiosos, porque a professora da sala falou que ia mandar um e-mail para eles e estão esperando a próxima aula para ler o e-mail que a professora vai mandar.
P/1 – Como é que você consegue fazer toda essa dinâmica?
R – Eu acho que a informática por si já seduz muito o aluno e por eles terem essa sede de informação e o visual deles ser muito aguçado isso é mais especial para eles. Você olha uma tela de computador e, às vezes, pelos ícones, você não precisa ler, o que significa que você já sabe o que é para fazer naquele determinado desenho, você não precisa ler embaixo o nome daquele ícone. Essas imagens de computador ajudam muito nessa questão. O computador por si só já seduz muito esse tipo de aluno, acho que até os ouvintes ficam fascinados, eles descobrem, eles vão descobrindo e eles querem descobrir mais e mais e eles ampliam o conhecimento deles. Com essa sede de querer saber, de querer aprender, de dominar, eles vão ampliando, ampliando e eles aprendem muito rápido a mexer no computador, você fala uma vez: “Já gravei. Já sei. Não precisa me ensinar de novo.” Eles são assim, eles são metidos, “Eu já sei, não precisa me ensinar de novo. Quer ver?” Ele vai lá e faz para a gente ver que ele aprendeu mesmo.
P/1 – E essa formação sua com informática, você falou que você pegou um pouco no CIEP, um tanto de interdisciplinaridade, e depois...
R – Meu contato com informática foi no Instituto de Surdos. Eu aprendi como a gente poderia usar a informática com os alunos surdos e, até então, eu não tinha usado nem com os ouvintes, porque nem eu tinha computador. Quando eu tive a minha segunda menina e eu voltei para a escola, não tinha turma para mim. À tarde era uma professora que estava no meu lugar e, como já estava no final do ano, a gente não quis tirá-la, porque ela já tinha se programado para receber aquele dinheirinho. De manhã, não tinha turma, só tinha professor de matrícula e não tinha nenhuma dobra no meu lugar. Então a diretora Lídia me convidou para ficar na informática com a Rose ajudando, mas antes eu já ia com a turma para o laboratório, só que eu não ministrava as aulas, a Rose é que ministrava e eu só ajudava na questão da linguagem. Foi nesse momento que eu comecei a ficar com a Rose para poder suprir essa carência da escola e no ano seguinte a Lídia me convidou para ficar no laboratório de vez. Foi quando eu comecei a trabalhar com as turmas no laboratório.
P/1 – E foi assim que você entrou no “ToNoMundo”?
R – Foi assim que eu entrei no “ToNoMundo”, porque eu fiquei efetiva no laboratório e a Rose me colocou como formadora de tecnologia.
P/1 – E você fez um curso de formação?
R – Não, tudo que eu aprendi foi com os alunos, junto com alunos, porque eles iam para lá ter aula com a Rose e ela me ensinava para eu poder ensinar para eles na linguagem de sinais. Depois, nesse período que eu fiquei com ela só ajudando, ela me ensinava tudo: “Faz isso. É assim.” Então, ela foi a minha grande mestra. A Rose é minha grande mestra na área de informática.
P/1 – E você gosta de projetos como o “ToNoMundo” na escola?
R – Claro. Esses projetos são uma oportunidade do aluno ter um contato com a informação, com a comunicação, amplia os horizontes deles, são novos links que vão surgindo, é muito importante.
P/1 – O que a escola Olga Teixeira tem em Duque de Caxias como recursos pedagógicos para poder dar aulas diferenciadas?
R – Nós temos laboratório de ciências, onde as crianças fazem experiências. Nós temos um projeto de reciclagem de papel, um projeto de horta, uma sala de vídeo super equipada e os professores estão sempre fazendo reuniões e dando sugestões de que filme trabalhar e de que forma trabalhar. Não ir para sala de vídeo, assistir o filme e acabou, mas fazer um trabalho com aquele filme que tem a ver com a matéria deles. A gente tem uma sala de leitura, que eu também sou responsável na parte da tarde, tem educação física, onde eles fazem muitas competições até com a comunidade. Agora, a gente está tentando começar um trabalho de teatro. Algumas atividades que chamem a atenção deles e que eles gostem. Esse ano, estamos trabalhando com um projeto de música na escola, então a Lídia está empenhada em comprar alguns instrumentos. A gente tem a rádio escola, coisas que mexem muito com a realidade dos jovens e que eles gostam.
P/1 – E qual é o perfil do aluno do Olga Teixeira?
R – Lá é muito misturado, porque é uma escola no centro de Caxias e é uma escola muito tradicional no bairro, é muito conhecida. A gente tem clientela de municípios vizinhos, não tem só aluno de Caxias. Temos alunos de São João do Meriti, Nova Iguaçu, porque lá tem do primário até o ginásio. Nós temos desde alunos muito pobres, até alunos que têm acesso a vários tipos de recursos. Então é muito complicado. A escola é no centro de Caxias, por isso tem favelas próximas, então é muito diversificado.
P/1 – Como você administra a distância da sua família?
R – Como agora é no centro, se não tiver engarrafamento na Avenida Brasil, eu gasto meia hora para chegar à escola, é muito mais rápido do que vir para o centro da cidade. Então eu passo praticamente o meu dia inteiro na escola. Eu gosto muito de lá, é uma escola muito boa, a direção apóia muito o nosso trabalho e os professores estão muito abertos a coisas novas, idéias novas, um ajuda o outro. É uma escola que eu gosto muito e é uma experiência nova para mim também, porque eu sempre trabalhei muito de primeira a quarta série, com os alunos pequenininhos, e lá eu comecei a trabalhar com adolescentes, porque, como eu comecei a trabalhar na sala de informática e na sala de leitura, eu atendo todos os alunos da escola, inclusive o ginásio, que são adolescentes. Então é um público diferente. Eu aprendi a trabalhar com esse público, porque com os pequenininhos, agora não, porque com esse acesso à informação eles sempre querem coisas novas, mas é muito mais fácil você inovar com um pequenininho do que com um adolescente, que já tem acesso a lan house, acesso à informação, mp3, eles têm muitas coisas novas. Para você seduzir esse aluno para dentro da escola, para fazer atividades interessantes dentro na escola é difícil, mas eu consigo, de certa forma eu consigo. Eles entrarem na sala de leitura é muito mais difícil, porque muitos dizem assim: “Leitura, livro, vou ter que ler”, mas a gente tenta ao máximo fazer trabalhos diferenciados para que aquela leitura seja um momento de prazer para ele, não um momento em que eles vão ler um livro e fazer uma prova. Nós lemos com prazer, a gente faz roda de leitura, faz sarau de poesia, faz projetos sobre algum autor e eles pesquisam sobre a vida dele e constroem paródias e outras poesias a partir de algum autor. A gente tenta fazer daquele espaço um espaço diferente. É uma conquista quando você está com um tempo vago, porque faltou um professor, e eles entram na sala de leitura e falam assim: “Posso ficar aqui lendo um livro?”, com aquilo eu ganho o meu dia, porque é muito difícil você encontrar um aluno dizendo: “Posso ler um livro?”, porque é muito difícil você ver um aluno lendo um livro, lendo por prazer, não por obrigação de que tem que fazer uma prova, e quando a gente consegue isso dentro do ambiente da escola, sentimos uma satisfação, uma alegria. Quando ele entra em contato com o livro, ele vai trabalhar a criatividade, a imaginação, desenvolvendo melhor a língua portuguesa, porque quando mais a gente lê, melhor a gente escreve, melhor a gente tem novas idéias. Na sala de leitura, você sabe que ele está tendo esse contato e esse contato no futuro vai ajudá-lo, porque ele vai precisar muito ler se ele for fazer uma faculdade. Então isso vai ajudá-lo.
P/1 – Atualmente quais são os espaços que você dá aula?
R – Eu dou aula no laboratório de informática e na sala de leitura.
P/1 – E está com alguma turma de educação de surdos?
R – Eu atendo todas as turmas da escola. Desde os pequenininhos, até os maiores, inclusive educação de surdos.
P/1 – Sua família não fica com ciúmes?
R – Não, eles até gostam. Eu chego em casa contando muitas coisas. As minhas filhas querem aprender língua de sinais, pedem para eu ficar ensinando. Quando eu chego em casa, eu pergunto à elas como foi o dia na escola e elas perguntam se eu fiz alguma coisa diferente na escola também, que história eu contei, em que site eu entrei com eles, o que eu fiz no computador, é uma troca muito grande. Elas sabem que eu preciso trabalhar e que é o que eu gosto e elas sentem que eu sinto prazer no que eu faço, então para elas está muito bom, eu chego em casa bem. Eu tento passar para elas que a gente precisa trabalhar, precisa desse tempo fora de casa, mas também tento reforçar a atenção para elas dentro de casa.
P/1 – O que mais você gosta de fazer?
R – Eu gosto muito de ir ao cinema e gosto muito de dançar. De vez em quando, eu deixo as crianças na mamãe, na vovó e saio com o meu marido para dançar. Eu gosto muito de sair com elas para passear, mas eu também gosto muito de brincar com elas de casinha de boneca, porque eu acho que essa infância não pode ser perdida, esse gostar de brincar. O mundo está muito evoluído, vemos muitas coisas na televisão e as crianças, de certa forma, amadurecem mais rápido do que antigamente. Eu tento ao máximo fazer com que elas brinquem de jogos, de boneca e de casinha. Eu sento, leio uma história, desenho e rabisco. Eu tento brincar ao máximo com elas até para suprir essa defasagem que fica durante o dia e é muito legal.
P/1 – E quais são os seus planos, e expectativas? Algum sonho que você queira realizar?
R – Por enquanto, eu prefiro ficar quietinha. Queria fazer uma pós, mas se eu for fazer uma pós eu vou ter que ficar mais tempo fora de casa e as duas requerem muita atenção de mim. O marido também cobra, eu já faço muitos cursos a distância e, às vezes, eu fico no computador e eles dizem: “Não, já acabou o horário do expediente, sai do computador.” Eu estou sempre me atualizando, fazendo vários cursos a distância, porque elas estão muito pequenas e ainda precisam muito de mim. Às vezes, a gente até se culpa, se cobra por não estar muito com a família, por estar mais tempo no trabalho do que em casa. Então até elas terem uma certa idade, já estarem maiores, eu pretendo ficar só estudando virtualmente e me dedicando mais a elas e a minha família, ao meu marido, porque elas precisam. A gente precisa dessa base familiar, dessa atenção, desse carinho, porque daqui a pouco já vão estar grandes e a gente olha para trás e diz: “Porque eu não fiz isso?”
P/1 – Cristiane, você trabalhou, e tem um conhecimento muito específico sobre educação de surdos. Você queria falar alguma coisa para as pessoas que não conhecem isso, mas que, às vezes, querem trabalhar também. Sobre as ferramentas pedagógicas, ou o interesse que você tem que ter, a paciência, a dedicação.
R – Tem que ter paciência e tem que ter paixão. Tem que gostar, se você não gostar, caía fora. Você tem que gostar muito. Como eu já falei da outra vez, às vezes, você tem vontade de sair correndo, porque você acha que eles estão lentos demais e que você não está conseguindo, mas cada passo que eles dão é uma conquista muito grande para a gente, é um crescimento muito grande, tanto para a gente quanto para eles, aprendemos juntos. É um aprendizado cúmplice. Nós somos cúmplices um do outro e eles sabem que a gente é a fonte de informação deles, o apoio deles, e que não podemos nunca negar informação, recusar estar mais perto deles e sanar essas dificuldades, porque, às vezes, na família eles não tem esse feedback, esse apoio, essa coleta de informação, esse aprendizado, até o carinho. Um carinho, um abraço, às vezes, eles não têm isso na família, porque até a família se distancia por não conhecer, não saber como lidar com isso. Então para estar nessa área tem que gostar muito, tem que ter paixão pelo que está fazendo, se não você sai correndo mesmo.
P/2 – Você disse quando falou da educação de surdos que dentro dessa turma que você começou, você teve que trabalhar também com os pais.
R – Isso.
P/2 – Você dá aula para surdos e não surdos?
R – Não. Lá na minha escola temos as turmas de educação de surdos, que seriam o antigo CA, até a quarta série, que é o primeiro ano, até o quinto ano de escolaridade. Nesse período, nós temos turmas específicas de surdos. Têm dez surdos por sala, o professor que está na sala fala língua de sinais e tem um monitor surdo em cada sala. O aluno que é surdo, formado, que está lá dando apoio na questão da linguagem.
P/2 – Nas turmas digamos “comuns” só tem surdos?
R – Não, do primeiro ano de escolaridade ao quinto ano não, são só ouvintes. Quando eles chegam no sexto ano que é a antiga sexta série, eles são incluídos. Só que a gente tem um intérprete de língua de sinais na sala de aula para ajudar o professor. Por exemplo, o professor de matemática está dando aula e o intérprete está o tempo todo interpretando a aula para eles.
P/2 – Como era trabalhar com os pais?
R – Era necessário. A escola atual precisa ter mais essa integração família-escola. A família precisa acreditar mais na escola, porque se a família não acredita na escola, o aluno não vai acreditar e ele vai lá só para encher a sala de aula, só para enfeitar, ele não vai lá para entender, para querer conhecer alguma coisa, porque ele gosta, porque ele está com prazer, ele vai lá por obrigação, porque a família disse para ele que aquelas quatro horas ele tem que ficar na escola, porque a família também não acredita. “Ah não liga não, é só para ter um diploma, daqui a pouco você sai e vai ser doméstica, vai ser motorista de ônibus”, eles não têm muitas expectativas para a vida daquela criança. A família tem que estar muito interligada com a escola, se a família não tiver falando a linguagem da escola, a educação não acontece. Eu acho que o grande fracasso da educação é esse rompimento que existe, a escola está aqui e a família está lá do outro lado, em outro pólo. Então, a escola tem que estar sempre trazendo a família.
P/1 – Eu queria que você me falasse o que você achou de participar dessa entrevista com a gente?
R – Foi legal. Vem na nossa memória como se fosse uma retrospectiva da nossa vida. A gente se emociona, às vezes, dá vontade de chorar quando fala de algumas coisas, de algumas conquistas pessoais, porque damos muito duro para chegar onde a gente está. As pessoas olham e falam: “Puxa, ela tem um trabalho fixo, é efetiva na prefeitura, ela tem um carro, ela tem uma família, ela tem a casa”, mas não sabe a nossa história, não sabe tudo que a gente passou. Eu saía às cinco e meia de casa e só chegava a meia noite. Até hoje fico o dia inteiro fora de casa e quando chego ainda tenho as obrigações de mãe, de mulher e de esposa. Tudo a gente consegue com muito trabalho, com muito esforço e com muita dedicação. Essa entrevista ajuda a perceber: “Puxa, eu estou aqui. Eu consegui pelo meu esforço, pela a ajuda das pessoas que gostam de mim, que estão ali me apoiando”. E isso é muito importante, valorizarmos as pessoas que estão sempre com a gente e nos valorizar nessa caminhada que a gente teve.
P/1 – Queria agradecer muito pelo Museu da Pessoa. Dizer que você está de parabéns por todo esse trabalho, essa atuação e torcer para que tudo dê certo daqui para frente nessa caminhada.
R – Graças a Deus, amém.
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