A minha família era típico brasileira, da desestrutura familiar, que é mais comum no Brasil. O meu pai não me registrou, eu só vim conhecê-lo quando eu tinha 13 anos de idade, por iniciativa própria. A minha família foi educada com a filosofia trabalhista. A gente sempre viu um mundo muito s...Continuar leitura
A minha família era típico brasileira, da desestrutura familiar, que é mais comum no Brasil. O meu pai não me registrou, eu só vim conhecê-lo quando eu tinha 13 anos de idade, por iniciativa própria. A minha família foi educada com a filosofia trabalhista. A gente sempre viu um mundo muito simples, sob a ótica da minha mãe e minha avó. Os bons trabalham, chegam em casa e vão dormir. Elas sempre tinham muito medo, sempre nos diziam para sermos submissos aos mais velhos, mais importantes.
Demorou muito para sairmos de casa, para ir para o mundo, eu e meu irmão, filhos de pais diferentes. A gente pegava o trem Estudantes e ia fazer faculdade. E eu sempre fui muito ativo, quebrava as regras da minha mãe de não sair e íamos para a cidade. Quando a gente estava trancado, a gente arrombava janela. Elas não tinham consciência que o mundo não era tão ruim quanto elas viam, e São Paulo já era muito violenta, já havia muita droga, mas a gente sabia se defender desde muito cedo. Eu era bastante medroso, estrategista, planejando tudo o que eu ia fazer.
Eu e meu irmão crescemos muito bem, mesmo sendo filhos de mãe solteira, morando em apenas um cômodo, num bairro como o de Guaianazes, de baixa renda. E desde pequeno eu sempre fui muito sonhador, pensador, querendo mudar de vida. Eu imaginava que estudando eu ia crescer. Eu era o único letrado da minha família, e era um guia da família, lendo as placas para eles. Isso me fazia com que eles me achassem muito especial, uma pessoa que iria fazer uma revolução global. Mas eu era muito comum perante o resto do mundo.
Mas hoje eu vejo que eu tinha que ser visto assim para precisar ter força de sair daquele lugar, para melhorar. Foi quando eu fui pra Minas Gerais que eu me senti mais livre, com os primeiros namoros, os primeiros prazeres de estar livre no mundo. Foi quando eu fui trabalhar nas obras e entrei no que eu fiquei até hoje, que é a classe trabalhadora.
Quando eu voltei para São Paulo, estava trabalhando em emprego pesado muito cedo, estava ganhando muito pouco, e a vida estava muito difícil. Fui pego e criminalizado com maconha, e acabei que dali a minha vida ficou uma miséria e eu fui morar numa favela. Ali eu dei valor para o dinheiro, porque eu estava desempregado, não tinha dinheiro nem para pegar trem.
Mas eu continuei lendo, lendo bastante. Eu precisava de sentido na vida. Eu fui fazer História também, e fui encontrando o porquê daquilo tudo na minha vida. Mas eu estava num mundo onde a brutalidade era a força, e eu parecia fraco.
Olha, eu só saí disso pensando positivo, tendo certeza da minha vitória. Agora, eu sou graduado em História. Se a minha vitória não chegou ainda, ela está chegando.Recolher