O meu nome é Manuela, tenho dezenove anos, nasci e moro no estado do Rio Grande do Norte.
Minha mãe se separou cedo do meu pai, eles não moram juntos, minha mãe foi um tipo de pessoa que quando ela se separou ela não quis saber mais de nada, jogou tanto eu como minha irmã mais velha nas cost...Continuar leitura
O meu nome é Manuela, tenho dezenove anos, nasci e moro no estado do Rio Grande do Norte.
Minha mãe se separou cedo do meu pai, eles não moram juntos, minha mãe foi um tipo de pessoa que quando ela se separou ela não quis saber mais de nada, jogou tanto eu como minha irmã mais velha nas costas da minha avó, e graças a Deus que eu tive a minha avó para criar a gente, porque se não fosse isso só Deus sabe que poderia ter acontecido até algo pior, quis muito o amor da minha mãe e não tive, mas tive o amor da minha avó que correspondeu, que foi bem carinhoso.
Quando eu morava com meus avós, minha mãe só nos visitava de vez em quando, ela vivia mais no meio da rua, porque minha mãe, no tempo que surgiu o crack, ela usava. Só logo no começo, graças a Deus hoje ela não usa mais, mas nesse tempo foi quando ela não quis saber da gente. Meu pai ele até hoje ainda é alcoolista, ele é um tipo de pessoa que não está nem aí, nunca esteve.
Eu fui para a escola com sete anos, porque quando meu pai me registrou eu já estava perto de fazer os sete anos. A escola era perto da minha casa, alunos normais, tanto os bagunceiros como os alunos bons. Foi muito bom, porque eu sempre tive vontade de estudar quando eu era pequena, eu sempre ficava falando para a minha avó que eu queria estudar, e ela nunca me colocava por não ser registrada. Eu tinha que estar registrada porque até naquele momento eu não existia, foi quando ela conseguiu falar com meu pai, tentou, se esforçou, aquele negócio todo, me registrou, então ela me colocou na escola.
Da escola eu lembro da minha primeira professora, era muito boa, muito boa mesmo, carinhosa, atenciosa… Tinham os momentos de intervalo, que eram os recreios. Como eu estudava de manhã, eram às nove e meia… Tinham as provas e ela ensinava bem, na primeira série eu já fui começando a aprender a ler, ela ensinava muito bem, era uma escola pública.
Bem, continuei frequentando a escola, quando eu cheguei no oitavo ano foi quando eu estava querendo as coisas, nem tudo a minha avó estava podendo me dar, minha mãe nunca me deu… Foi quando eu comecei a ter outras amizades, que eu conheci na escola. Amizades que eram erradas, lógico, outras amizades, comecei a sair, comecei a descobrir coisas novas, mas que não prestavam e comecei a usufruir.
Eu tinha uma amiga na escola para quem eu dizia tudo, desabafava para ela, o que eu estava precisando, o que eu estava passando. Um dia ela me disse: “Ó, tem uns cantos que dá para ir, para esquecer as coisas, que não sei o que, vamos”. Isso eu dizia que ia para escola e não ia, eu ia para outros lugares, depois de um tempo minha avó já não foi mais conseguindo me prender em casa, eu comecei já a sair à noite. Depois conheci um namorado que era errado, ele era traficante, minha avó não queria, ninguém queria e se mudaram até de Maria Luiza, foram morar na zona norte. Eu queria ficar com ele então eu fugi de casa, foi aquele negócio todo. E depois disso, quer dizer, antes disso eu passei um tempo morando com minha mãe, eu e minha irmã, mas minha mãe tinha um marido que teve relações sexuais com minha irmã, ele estuprou minha irmã. Minha mãe, o único tempo que minha mãe nos pegou para criar aconteceu isso, isso tudo foi perturbando-a, houve um tempo que ela estava entrando em depressão, foi quando minha irmã também conheceu o namorado, fugiu também.
Mas meu namoro não deu certo, eu ia à casa dele, na casa não, porque na casa dele não existia isso, ia na casa onde ocorria as coisas, tinha droga, tinha de tudo. Depois comecei a pegar a droga para ele. O crack, a maconha, cocaína, ele me dava o dinheiro, eu ia lá onde ele mandava, pegava aquele negócio todo, trazia, ele dizia: “Já como você é menor fica mais fácil, se for pega não vai ficar presa” e eu fazia.
Eu nunca vi ele acertando negócio não, mas ele andava armado, até porque ele tinha inimigos, tanto polícia como outros iguais a ele, traficantes, então ele sempre andava armado. Ele me bateu, foi o tempo que ele começou a me bater muito, me espancar, foi aquele negócio todo, foi quando eu comecei a sair dele, quando eu comecei a ir para outro meio pior ainda também, que foi o meio da prostituição. Foi quando eu comecei a me prostituir porque eu era assim, gostava muito de "luxar"
(consumir coisas luxuosas), muito mesmo de "luxar", então queria dinheiro, eu queria muito dinheiro, tinha que ser muito dinheiro porque dinheiro pouco também não dava, foi quando eu comecei a fazer outras coisas.
Eu lembro do meu primeiro programa. Foi horrível, porque você fazer algo com uma pessoa que você não sente nada é terrível. Mas foi como a minha colega que estava comigo disse: “Quando você for, feche os olhos e imagine que é a pessoa que você gosta, que não sei o que, que vai ser totalmente, vai ser diferente”.Por mais que eu tentasse fechar meus olhos e imaginar que era outra pessoa, que era a pessoa que eu queria estar, foi muito horrível, mas com o passar do tempo vai se acostumando.
Eu queria morrer, no momento eu queria morrer, depois, quando eu via que o dinheiro estava na minha mão, era aquele negócio todo, parece que passava tudo para mim, eu dizia: “Ah, vou comprar agora o que eu quero para espairecer”. Esquecia mais quando eu ia me satisfazer comprando o que eu queria comprar, era assim que eu me sentia.
Uma amiga minha que começou a me levar, ela começou a me levar por um tempo, só que depois no que eu fui pegando os contatos dessas pessoas eu já não ia mais, eles só ligavam e já marcava um canto e eu saía.
Na fase em que fazia programas comecei a usar algumas drogas, eu usava muito quando eu estava com os clientes, quando eu estava em festas, nunca cheguei a pegar meu dinheiro para ir pegar e usar em casa, não, isso eu não fazia não, eu me controlava nessas partes.
Fui morar sozinha e dormia muito pouco, muito pouco, dormia quando eu chegava e acordava, tinha que me ajeitar, tinha que ajeitar as coisas, apesar de fazer isso, eu queria tudo limpo dentro da minha casa, tinha que arrumar minha casa para eu depois poder sair. Mas não era toda noite que eu saía, porque eles pegavam os contatos da gente e eles mesmo ligavam, então a gente não precisava mais estar saindo como era antes, então não era toda noite que saía, às vezes de dia mesmo a gente saía, de vez em quando eu estava dormindo, ligavam para mim, eu tinha que me levantar para ir, porque eu dependia daquele dinheiro, então tinha que ir.
Minha avó, depois de um tempo, começou a desconfiar. Ela sempre vinha me falar, porque o que eu dizia era aquela mentira, ela dizia: “E como é que você vive isso aqui?”, “Não, é um namorado que eu tenho que ele me dá e eu pago”, eu dizia para ela. Mas depois ela descobriu mesmo, foi aquele negócio terrível, triste e eu vi que a minha avó estava sofrendo, então eu botei um negócio na minha cabeça: “Eu tenho que mudar de vida, eu tenho que sair dessa, eu sou nova, eu tenho como alcançar os meus objetivos, então para que estar nessa?”. Foi quando eu já fui colocando o negócio mais na minha cabeça, fui tentando sair, aquele negócio todo, pedi ajuda a ela, falei a verdade, o que estava acontecendo, foi quando ela começou a me ajudar mais, foi quando fui começando a tentar sair disso, dessa vida, e foi quando a mulher do meu tio falou do projeto ViraVida.
Aí eu fui saindo aos poucos da prostituição, saindo de um, fui saindo, minha avó começou a me ajudar a pagar o meu aluguel, e foi no tempo que surgiu mais ainda o projeto para mim, foi quando eu comecei a sair de uma vez, até no começo do projeto, quando eu comecei, ainda saía, depois eu saí de vez.
Depois do projeto eu mudei muito. Bem, eu era uma pessoa desligada da vida, foi no tempo que eu comecei a querer sair, como eu disse a vocês, mas hoje em dia é diferente, eu sou uma outra pessoa, uma nova Manuela.
Mais carinhosa, aprendi a ter carinho aqui, mais atenciosa, mais prestativa, mais organizada, agora essa é a Manuela.
Nesta entrevista foram utilizados nomes fantasia para preservar a integridade da imagem dos entrevistados. A entrevista na íntegra, bem como a identidade dos entrevistados tem veiculação restrita e qualquer uso deve respeitar a confidencialidade destas informações.Recolher