Entrevista de Priscilla Veras
Entrevistada por Luíza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 06/09/2021
Projeto Mulheres Empreendedoras - Ernst & Young
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista número: PCSH_HV1009
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Ghirardello de Oliveira
P/1 – Vamos lá...Continuar leitura
Entrevista de Priscilla Veras
Entrevistada por Luíza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 06/09/2021
Projeto Mulheres Empreendedoras - Ernst & Young
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista número: PCSH_HV1009
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Ghirardello de Oliveira
P/1 – Vamos lá! Pra começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Ana Priscilla Veras Leite Silva, eu nasci em 22 de maio de 1982, em Fortaleza, Ceará.
P/1 – E quais os nomes do seus pais?
R – O nome do meu pai é Edílio Lopes Leite e a minha mãe, Fernanda Lúcia Veras Leite.
P/1 – E a atividade profissional deles?
R – Então, o meu pai já é falecido, ele era engenheiro e a minha mãe, hoje, é dona de casa.
P/1 – E como você os descreveria?
R – Então, o meu pai, a gente perdeu a convivência com ele cedo, né? Mas a minha mãe, eu diria que ela é uma pessoa muito humana, que gosta muito de ajudar e, assim, ela tem uma sensibilidade de ouvir as pessoas e ajudar, assim, de uma forma bem profunda.
P/1 – E você tem irmãos, irmãs?
R – Eu tenho um irmão e uma irmã. Meu irmão... eles são mais novos que eu, são três anos mais novos que eu. Ele é três anos [mais novo] e minha irmã quatro anos. Meu irmão mora no Canadá e minha irmã mora em Fortaleza.
P/1 – Como é a relação de vocês?
R – Então, acho que a gente, quando foi ficando adulto, cada um foi indo tanto pra cuidar da sua própria família, das suas próprias coisas, que a gente se fala, mas a gente acabou adotando essa coisa de cada um cuidando muito da sua própria família. Hoje quando eu olho a minha família, olho muito o meu marido e o meu filho. Então, assim, a gente acaba que é próximo, mas não tão próximo mais, assim. Não tem aquela coisa de: “Ah, todo fim de semana, a gente vai se encontrar”, não existe mais isso. Até porque a gente mora longe, né, um dos outros.
P/1 – E na infância, como que era?
R – Na infância... eu sempre fui a mais velha. Como a diferença de idade de minha pra eles era muito grande, acabava que eu era muito mais próxima da minha mãe e eles eram os dois muito mais próximos um do outro. Como eram quatro anos de diferença, acaba que na vida adulta é normal, é tranquilo, mas na infância fazia muito diferença. Então, eu acabava meio que eu era a líder, a mais velha e eles eram os menores, acabou que sempre foi assim.
P/1 – E, Priscilla, você sabe a história dos seus avós, assim, um pouquinho, você chegou a conhecê-los?
R – Eu acho que a história da minha vó contribui muito pra pessoa que eu sou hoje. Minha avó, na década de 1930, com vinte e quatro anos, era uma mulher que dizia que não queria casar, porque queria ser professora, ela queria ser uma profissional. Então, todas as irmãs dela casaram com dezessete, dezoito anos, quem casou mais tarde. E ela, com vinte e quatro, dizia que não, que queria ser professora, ela queria ter a profissão dela. E aí, um belo dia, nessa coisa de: “Quero ter minha profissão”, meu avô era jogador de futebol e ele estava se recuperando de uma lesão e foi se recuperar na cidade que ela morava, em Pernambuco. E ela conheceu o meu avô e se apaixonou por ele. E eles namoraram um ano por correspondência, certo? Só que, o que aconteceu? Jogador de futebol, naquele tempo, era visto como uma pessoa malandra, que não tem futuro na vida. Então, os pais dela não queriam que ela casasse com ele de jeito nenhum e ela resolveu fugir com ele. Foi pra um convento, para um retiro espiritual, porque desse convento, ela já ia embora pra Fortaleza com ele, fugida. Então, ela foi se confessar com o padre e o padre conhecia o pai dela, chamou o pai e disse: “Você tem que abençoar esse casamento, porque eles se gostam muito e eles vão se casar”. E aí, o pai abençoou esse casamento, eles se casaram e saíram de Pernambuco e vieram morar em Fortaleza. E minha avó abriu mão da carreira profissional dela pra cuidar das filhas, de cinco filhas, ela teve cinco mulheres. Então, o meu avô, jogador de futebol, viajava pra caramba, depois virou técnico, viajava pra caramba e ela abriu mão de tudo, pra poder ficar em casa, cuidando das filhas e ela foi começando a ter filho, um atrás do outro, cinco mulheres. E ela sempre dizia pra mim o seguinte: “A pior coisa que existe” – minha avó: “É você precisar comprar uma linha e você não ter dinheiro e ter que pedir pro seu marido”. E eu cresci escutando minha vó falar isso, que todo mundo tinha que ter um trabalho, que todo mundo tinha que ter o seu dinheiro. Ela falava muito isso. Só que as filhas, as cinco mulheres, nenhuma era igual a minha avó. Todas são dona de casa, todas abriram mão de tudo, pra poder ficar em casa, cuidando dos filhos. Todas fizeram faculdade, meu avô dava carro, quando elas tinham 18 anos, imagina isso: década de 1960, 1970, minha mãe tinha carro com dezoito anos, porque o meu avô fazia isso. Só que todas elas não quiseram ser profissionais, elas quiseram ficar em casa, cuidando dos filhos e beleza. E aí vieram as netas e as netas eram a realização da minha avó, porque as netas se casaram tarde, as netas tiveram filhos tarde, as netas eram grandes profissionais. E a alegria da minha avó era saber que as netas tinham conseguido quebrar esse ciclo, né, da mulher ser só a dona de casa ou ela ter outras opções, eu acho que o lindo é isso: você ter a opção, não tem problema em ser dona de casa. Mas a gente ter a opção de poder escolher também ser profissional. Então, isso fazia a minha avó brilhar os olhos, ela achava incrível a gente conseguir isso.
P/1 – Uau! E seu avô, assim, como era a relação de vocês? Tem alguns momentos marcantes com a sua avó?
R – Então, meus pais se separaram muito cedo e aí, quando se separaram, a gente foi morar na casa dos meus avós. E o meu avô, não que ele era a figura do pai, mas sabe aquele avô que faz tudo por você, que.... a minha família brinca, disse que eu era a preferida dele, mas não era não, a gente tinha uma relação muito incrível. Ele era aquele avô, que você ligava pra ele no meio do dia e eu fazia muito isso: “Vô, sabe o que é? É que eu tô precisando de uma bola de vôlei”, aí ele fazia: “Mas minha filha, você não joga vôlei, pra que você quer uma bola de vôlei?” “Ah, vô, é porque eu queria uma bola de vôlei, assim, assim, assim”. De noite ele chegava em casa com a bola de vôlei. Então, assim, a gente tinha uma relação muito, muito próxima. O meu avô foi jogador de futebol, ele se tornou técnico depois. E ele, depois, foi trabalhar num jornal, ele se tornou jornalista e se aposentou, ele já tinha acho que sessenta e tantos anos, porque não queria se aposentar, ele amava o jornal, amava trabalhar. E a gente tinha uma relação muito próxima, muito, muito, muito, muito. Tanto que teve um momento antes, perto dele falecer, que eu morava em Recife já e eu sentia, sabe aquele negócio assim: “As suas férias, você tem que ir ficar com ele. Você tem que ir ficar com ele”. Foi assim, ele estava super bem de saúde no tempo e eu fui ficar com ele. Quando eu saí, ele já foi pro hospital. A gente tinha essa relação muito próxima, muito, muito próxima. Eu tenho grandes lembranças dos meus avós, de férias, eles, os dois, imagina: dois avós com sete netos e a gente viajava de Fortaleza para Recife, pra passar dois meses com eles. E era, assim, a alegria dos netos, as férias com os avós.
P/1 – Os seus avós paternos, você chegou a conhecê–los?
R – Conheci muito pouco, meu avô paterno eu não conheci, ele já tinha falecido quando eu nasci. E a minha avó, também foi bem pouca a relação com ela, assim. Foi até o momento em que meus pais estavam juntos e depois a gente acabou não tendo tanta proximidade.
P/1 – E me conta uma coisa: tem costumes na sua família, assim, desde comida ou algum cheiro de infância, sabor ou datas comemorativas? Vocês têm algum hábito, assim, familiar?
R – A minha família, o meu avô era muito festeiro, sempre foi, né, os dois. E aí, a gente tinha muito forte o Carnaval, eles eram pernambucanos. Imagina: Carnaval em Recife é a melhor coisa que existe no mundo. E a gente tinha muito esse costume do Carnaval, de fazer coisas entre a família. E o Natal, sempre era um momento muito especial pra gente, quando ele juntava e ia dar um presente pra cada um, que fosse uma coisa engraçada, que simbolizasse cada um dos filhos e netos e genros e todo mundo. E era sempre, sempre foi uma alegria. Então, quando ele faleceu, a gente teve uma falta muito grande. E a minha família é muito ligada à comida, é engraçado isso, agora que eu tô falando, eu tô pensando nisso. É muito ligada à comida, né? A gente lembra muito da comida da vovó, o que ela fazia pra gente, que a gente chegava, sempre tinha o bolo que alguém gostava, o suco que fulano gostava, sempre tinha esse tipo de coisa. E aí, nesse ligar à comida, a gente acabou que ficou muito próximo à família, as primas e tal, em volta de comida. A gente gosta muito dessa coisa, tem muito a ver com a família, talvez a descendência italiana da minha vó, né, traz a gente muito pra perto dessa coisa da comida.
P/1 – E, Priscilla, você sabe a história do seu nascimento, como seu nome foi escolhido?
R – Então, minha mãe casou, ela tinha acabado de entrar na faculdade, ela tinha dezenove anos e eu nasci quando ela tinha 21. O meu nome, a escolha do meu nome foi por causa da Priscilla Presley, como todas as pessoas da década de oitenta, que chamam Priscilla, ainda mais quando é aquele Priscilla bem americano, com sc e dois ls. E o Anna, era porque a minha mãe gostava muito. Então, como meu pai não abria mão do Priscilla, por causa do Elvis, ela: “Ah, então vamos colocar Anna Priscilla”. E aí, foi isso, assim, muita da história do meu nascimento é uma família que se amava, que queria um filho. Quando minha mãe me teve, ela fazia faculdade. Então, ela ficou quinze dias em casa comigo e depois ela voltou pra estudar. E eu acabei ficando muito tempo com a minha vó, com babá e tal e tive sempre essa assistência dos avós, muito próximos.
P/1 – E você se lembra da sua casa de infância, da rua?
R – Eu lembro um pouco, eu morei nessa casa, acho que até seis anos, até meus pais se separarem. Eu sei onde ela fica, não é muito como eu me lembro, né? Eu me lembro, era como se fosse uma dessas ruas que são fechadas, que só entra quem é morador da rua. Então, a gente acabava brincando muito na frente da casa, mas assim: as minhas melhores lembranças de infância, de casa, são na casa da minha avó, que era o lugar onde todos os netos iam passar o final de semana. Então, quando eu penso assim: a lembrança de casa na infância, sempre a casa da minha vó, sempre a casa da minha vó.
P/1 – E quais eram as brincadeiras favoritas desta época?
R – Então, a gente amava brincar de Barbie, a gente montava, na casa da minha vó tinha um quarto atrás, a gente montava a casa inteira da Barbie e deixava as férias inteiras a casa montada porque, quem chegasse, podia brincar. A prima que chegasse... nós somos muitos netos, são quinze netos ao todo, desses quinze, dez são mulheres. Então, são muitas mulheres na família. E aí, a gente deixava tudo pronto, que quem chegasse, brincava lá, levava seu brinquedo e, né, aproveitava pra brincar lá nessa casa. A gente brincava muito, brincava muito de vôlei lá atrás, a casa da minha vó era um apartamento e tinha um espaço atrás, que a gente acabava brincando muito, os primos quando chegavam e muito assim, mas eu lembro muito de brincar de Barbie. A gente tinha muitas Barbies e essa coisa de brincar de vôlei também era uma coisa que a gente fazia muito.
P/1 – E nessa época... ah, e um pouco maiorzinha também, você pensava o que você queria fazer, quando crescesse, você já pensava sobre sonho profissional?
R – Então, eu lembro, que eu adorava, sempre gostei muito de assistir documentário. Olha que coisa: meu filho é do mesmo jeito. Eu sempre gostei de assistir documentário, eu assistia muito aquele biólogo chamado Jacques Cousteau, francês. E eu assistia muito com a minha mãe, dizia: “Ai, eu quero ser uma bióloga marinha”, até o momento que eu comecei estudar Biologia e disse: “Poxa, eu realmente não posso ser uma bióloga marinha, porque não tem nada a ver comigo”. Mas, assim, na infância, a única coisa que eu me lembro que eu queria ser, assim, propriamente dito, era isso. Mas eu sempre tive uma coisa muito forte comigo, de liderança. Então, assim, se você me perguntar, com treze anos eu já sabia exatamente o que eu queria ser. E o que eu queria ser tinha a ver com fazer as pessoas saírem da pobreza e ser uma pessoa muito relevante no mundo, tá? Isso com treze anos, eu consigo claramente dizer, era o que queria e eu organizei minha vida para. Mas assim, na infância, eu ainda tinha aquele sonho, eu ainda tinha aquele sonho de fazer, de ser uma bióloga e tal. Mas nada muito sério, eu sabia que eu era... eu sempre fui muito líder, né? Então, acabava que eu dizia: “Eu quero fazer algo muito grande”. Mas na infância eu não sabia o que era esse muito grande, com treze anos eu descobri o que era.
P/1 – E qual é a sua primeira lembrança da escola?
R – Minha primeira lembrança da escola, eu acho que foi de um aniversário, que eu tô com uma coroa dourada na cabeça e eu lembro que a gente estava brincando na escola e tinham muitos coelhinhos no parquinho da escola. Era uma escola só pra criança pequena e tinha muitos coelhinhos. E eu me lembro muito disso. Eu sempre gostei muito de relações humanas, de pessoas e eu comecei a estudar, imagina: década de 1980 eu comecei a estudar, eu tinha um ano e meio, porque minha mãe estudava, trabalhava e eu precisava ir pra escola, isso não era comum, nessa época. Hoje é muito comum, mas naquela época não era comum. Então, eu comecei a estudar muito nova. Mas a lembrança que eu tenho, acho que a primeira lembrança que eu tenho, é essa: de um aniversário meu, na escola, eu estava com coroa dourada e tinha muitos coelhinhos, a gente brincava com os coelhinhos, assim. É o que eu mais me lembro. (risos)
P/1 – E teve algum professor que você se recorda, marcante, nessa escola?
R – Não, tem quando eu já estava acho que na quarta série, eu tinha uma professora que eu gostava muito, que ela chamava Alzira, chamava tia Alzira. E era aquela professora que era dura o suficiente e amorosa o suficiente. Então, assim, eu gostava muito, muito, muito, ela era uma professora incrível, lembro muito dela, não me lembro nem o sobrenome, só pra você ter uma ideia. Mas ela, enquanto professora, a figura professora, me marcou muito. E quando eu comecei a estudar Pedagogia, eu lembrava muito de algumas coisas, essa coisa de você trazer o rigor suficiente e o amor suficiente dentro da educação, né, pra que a gente consiga ter o equilíbrio, isso foi bem importante.
P/1 – E tem alguma história marcante dessa época, que você se lembra? Pode ser com amigos, professores.
R – Então, eu lembro essa época, mais ou menos quarta série, que eu gostava de cantar, mas eu era muito desafinada, mas eu queria, porque queria aprender a cantar, que eu queria cantar, porque todo mundo cantava, por que eu não cantava, né? (risos) E aí eu lembro que eu cheguei pro professor de música na escola, eu disse: “Professor, eu quero aprender a cantar. Eu acho que a gente está fazendo aula de música, o senhor devia ensinar a gente a cantar”. Tá, eu já fui bem pra resolver a situação. E aí ele começou ensinar a gente a cantar aquela música “Como uma onda no mar”, lembra, do Lulu Santos, né? E ele ensinou a cantar mesmo, com a pausa, com a respiração e tal. E eu aprendi a cantar. Eu lembro que essa foi uma coisa bem legal, porque eu era muito ruim e chegou alguém que disse assim: “Tá”. Eu pedi: “Você precisa me ensinar”, a pessoa ensinou e eu aprendi, eu disse: “Puxa, eu posso aprender muita coisa, né?” Porque eu era muito ruim nisso. E foi, assim, uma experiência bem legal e marcante.
P/1 – E você se formou nesta escola?
R – Não, eu fiquei nessa escola acho que até a sexta série e aí, minha mãe casou novamente e eu mudei de escola, a gente foi morar numa cidade menor, próximo a Fortaleza. E eu acabei mudando de escola e foi um outro momento da vida. Foi uma outra escola, outros amigos, outras histórias, mas eu já estava ficando adolescente nesse momento.
P/1 – Mas como foi, pra você, essa mudança de cidade?
R – Então, eu digo que eu sou muito resiliente. Eu acho que o lugar bom é o lugar que a gente está bem, independente de eu estar numa casa ou numa escola ou cidade ou mudar, sempre tive isso muito forte, de não me: “Ah, me mudei, me mudei. Ok. Vamos agora fazer o melhor, aqui nesse lugar”. Então, não foi tão difícil. Foi um recomeço pra família. Você imagina: minha mãe já tinha três filhos, ela casou novamente e a gente mudou de cidade. Foi uma adaptação pra todo mundo, mas foi uma adaptação que a gente conseguiu ir bem com ela, não trouxe problema. E me traz boas lembranças, essa outra escola que eu estudei também, que foi essa fase de adolescente, de já, realmente, encontrar liderança, né? Nesse momento, era engraçado, mas neste momento, todo ano eu era líder de sala. Todos os anos eu era líder de sala, porque eu ia resolver as coisas, não deixava injustiça, eu sempre tive horror à injustiça. Então, foi, assim, uma experiência muito boa essa transição também de escola.
P/1 – E como era a juventude? Como você se divertia, como saía com os amigos, como era essa época?
R – De adolescente? Então, na minha adolescência, eu sempre fui muito estudiosa, eu conseguia transitar entre conversar com os melhores alunos e tirar uma nota boa, porque era essa, mas eu também gostava de sentar lá atrás, no fundão, pra fazer bagunça, eu era as duas coisas. Os professores ficavam assim: “Puxa, como é que a pessoa tira nota e gosta desse tipo de coisa?” Porque eu gostava dessa relação, eu achava que não existe um grupo ou outro grupo, eu queria que todo mundo fosse junto. Eu tinha meio que essa habilidade de trazer todo mundo pra perto, né? E, nessa relação, de escola e de adolescência, eu me divertia muito estudando, adorava estudar. E tinha muitos amigos assim, nunca fui assim: “Ah, vamos pra um show”, não tive muito isso. Acabava que meus pais não deixavam muito a gente fazer esse tipo de coisa. A forma como a gente se divertia era muito: “Ah, traz os amigos pra casa, vem todo mundo pra casa”. E aí, a gente conseguia ter essa relação bem legal com os amigos.
P/1 – E nessa época, tinham namorados?
R – Não, tinha paquerinha, aquele namoradinho, com quinze anos: “Ah, o amor da minha vida”. Dá três meses, né, não é mais o amor da sua vida. Então, assim, não teve... nessa época de adolescente mesmo, até o colégio, não teve nenhum namorado que: “Puxa, esse namorado”, não teve não. Mas também, assim, eu estava tão preocupada em pensar no que eu queria da minha vida e no meu futuro, que eu acabava que eu não ficava atrás disso, entendeu? Se eu me apaixonasse, ok, estava ótimo, mas também não era o que me movia. Eu digo assim que eu descobri com treze anos o meu propósito de vida, com treze. Eu sabia que eu existia para fazer as pessoas saírem da pobreza. Então, todos os meus primos, pra você ter uma ideia, são médicos, são advogados, são juízes e eu resolvi fazer Pedagogia. Desde os treze eu estudava um horário e eu trabalhava em projeto social, no outro horário. Eu não ganhava um real, mas eu ia todos os dias ter isso como um trabalho, porque eu queria entender como é que era essa coisa da pobreza. Por que isso existe, o que é que eu podia fazer pra resolver esse problema. Então, assim, a vida inteira, até o terceiro ano, estudando pra fazer, pra entrar na faculdade, eu estudava um horário e trabalhava o outro horário, sem ganhar um real, mas porque eu queria ajudar as pessoas, porque eu entendia o meu propósito de vida.
P/1 – Ah, tem algum projeto que você queira compartilhar, que tenha sido marcante?
R –
Então, eu fiquei muitos anos nesse mesmo projeto, que é um projeto nessa cidade que eu morei, próxima de Fortaleza, que era um projeto para crianças carentes. Ele era apoiado por uma ONG (organização não governamental) americana, que inclusive depois eu fui trabalhar nessa ONG americana, depois de já formada, casada e tal. E foi um projeto, pra você ter uma ideia, eu dava aula pra criança pequenininha e dava aula de inglês para crianças maiores, mas na ideia de poder ajudar as crianças a terem oportunidades diferentes da que elas tinham normalmente, na sua casa, na sua vida.
P/1 – E no colegial, você continua nessa escola ou também mudou?
R – Não, eu continuei nessa escola. Então, foi muito legal, porque não era uma turma grande, era uma turma pequena. Acabava que a gente se ajudava muito, era aquela turma que a gente, se alguém tivesse com dificuldade, em alguma matéria, sempre tinha alguém que ajudava. A gente conseguia fazer muito essa coisa conciliadora, era uma turma muito unida. E eu lembro demais, demais, demais disso: no terceiro ano eu queria estudar, eu não queria ser líder de sala. Então, eu combinei com os colegas: “Não, vamos eleger o fulano”. Era tipo aquele aluno mais terrível da sala e a gente o elegeu. E a diretora foi na sala, fez: “Ah, como é que vocês fazem isso?” E foi tão interessante, porque esse cara, no momento que ele assumiu a liderança da sala, ele acabou mudando tanto o comportamento dele, que ele teve uma mudança de vida muito grande. Então, eu fico pensando: “Puxa, se nunca tivesse alguém dado a oportunidade pra esse cara, né, como é que seria a vida dele?” Então, são algumas coisas que a gente pensa assim, que moldam muito quem a gente é hoje, mas que a gente já era aquilo ali de alguma forma e que aquilo foi se transformando, crescendo ainda mais. Eu sempre tive essa coisa de fazer com quem está perto de mim crescesse também, de poder ajudar quem está perto, de ter essa coisa de fazer as pessoas realmente encontrarem outros caminhos de vida. E eu comecei isso já com treze anos, muito engraçado.
P/1 – E a época de vestibular, escolha profissional, como chegou na Pedagogia?
R – Então, eu lembro até que meu avô ficou bem chateado comigo quando eu escolhi fazer Pedagogia porque, como eu sempre fui muito liderança, ele imaginava que eu ia fazer Direito ou alguma coisa do tipo. Eu entendi que a educação é a chave pra maioria das coisas, dos problemas que a gente tem. Eles são muito baseados na qualidade da educação, na falta da educação ou que a educação poderia abrir portas muitos grandes. E aí, como eu trabalhava nesses projetos sociais, eu comecei a me apaixonar um pouco por essa área de educação, do ensino. Então, quando eu resolvi fazer Pedagogia, pra vocês terem uma ideia, eu passei no vestibular, que no meu tempo era vestibular, com a nota tão alta, que eu teria entrado nos cinco primeiros lugares de Direito e aí que motivou mais a chateação do meu avô: “Puxa, como que você não fez Direito?” Mas eu sabia o que eu queria. Então, assim, foi muito importante ter feito Pedagogia, porque eu acho que isso me levou a tudo, inclusive a empreender hoje, porque muito do que eu acredito, tem a ver com o quanto eu consigo transformar, ensinando às pessoas algo, seja uma profissão, seja... pra mim, tudo tem a ver com educação. Se você me perguntar se eu sempre trabalhei em escola, pouco tempo eu trabalhei em escola. Eu sempre trabalhei muito mais com gestão do Terceiro Setor, mas eu acredito que a educação é base disso tudo.
P/1 – E como foi a época da faculdade?
R – Ah, eu diria que foram os melhores anos, assim. Acho que faculdade é incrível, né? Eu acho que a gente se relaciona bem, a gente encontra professores que abrem a mente da gente, para um mundo que a gente não conhecia e era muito engraçado, eu sempre fui muito eclética com os meus gostos. Na escola, eu gostava de Física e gostava de História. Na faculdade, eu gostava de estudar Estatística e gostava de estudar Psicologia. Então, assim, eu aproveitei muito esse período de faculdade. Eu fiz alguns amigos na faculdade, mas na faculdade eu comecei... tive um namorado que era tudo com ele. Até o intervalo da faculdade a gente estava junto, a gente era muito próximo. Então, acabava que eu tinha muitos amigos, eu ajudava muito as pessoas. Eu estava perto de muitas pessoas, mas, assim, foi um momento muito legal, acho que foi um dos melhores momentos. O momento da faculdade é o melhor momento da vida.
P/1 – Teve alguma aula muito marcante ou algum professor muito marcante?
R – Eu tive, na faculdade, um professor de Psicologia Infantil e que esse professor mexia muito com algumas coisas, pré–conceitos meus. Quando a gente entrou na disciplina dele, que ele começou a falar de algumas coisas, de Complexo de Édipo, de comportamento, eu comecei a entender o que estava por trás da nossa personalidade e o quanto a infância fazia com que isso acontecesse. E aí foi muito legal, porque onde, a disciplina que ele estivesse dando aula, eu procurava fazer aula com ele, porque ele trazia muito forte esse conceito do real com o estudo que a gente estava fazendo na Psicologia. Então: como é que a vida é hoje? O que eu tenho hoje? E como é que isso se traduz em conhecimento, dentro da Psicologia. Eu gostava muito dessa coisa da teoria com a prática e eu acho que ele ajudava, ele fazia muito isso com a gente, eu gostava muito dele.
P/1 – E quais eram as suas expectativas de carreira, nesse momento?
R – Então, eu sempre quis trabalhar no Terceiro Setor. Então, assim, desde o começo na faculdade. Aí, quando eu fazia colégio, né, eu estudava de manhã e trabalhava de tarde, sem ganhar um real. Eu fui fazer faculdade, aí eu estudava de noite, trabalhava de tarde e fazia outra faculdade de manhã. Então, minha vida na universidade era dentro de ônibus, almoçava e jantava dentro do ônibus. E aí, já trabalhava, né, trabalhava numa escola, exatamente pra aprender como era, nunca em sala de aula, eu sempre trabalhei muito mais na coordenação, nessa parte mais de gestão. Eu estudava de manhã, fazia de manhã Ciências Políticas, de tarde eu trabalhava e de noite eu fazia Pedagogia. Então, foram quatro anos da minha vida inteira, fazendo isso e estágio no final de semana, pra conseguir chegar onde eu queria. E o meu objetivo sempre foi esse, fazer as pessoas saírem da pobreza e eu entendia que o caminho era a educação pra isso e eu queria trabalhar no Terceiro Setor. Sempre me organizei para estar no terceiro setor.
P/1 – E como foi essa experiência de trabalho nessa escola?
R – Foi uma boa experiência. É engraçado, porque eu sempre trabalhei com crianças muito pobres e, nessa escola, era uma escola de classe média alta, em Recife, eu já morava em Recife, nesse tempo. E era muito diferente a vivência das crianças. Então, eram crianças que, por exemplo: não existiam crianças negras na escola. E aí chegou uma criança negra e teve todo um trabalho, de conscientização e tal. Então, assim, era muito discrepante da realidade de educação que eu conhecia. Eu conhecia uma realidade de educação de crianças muito carentes e eu fui pra trabalhar numa escola, onde as crianças iam, no feriado, pra Disney, era bem discrepante. Mas foi muito legal pra gente entender que, na verdade, a necessidade humana é necessidade humana, né? O fato de você não ter tido oportunidades na vida, porque a pobreza é uma privação de oportunidades, fez com que aquela criança tivesse, talvez, menos poder de escolha, mas que eram crianças. As duas são crianças, as duas, a psicologia é igual. Mas a necessidade dessa outra faz com que a gente precise ter um olhar diferenciado, né? Como a necessidade dessa aqui, ela vai ter um outro olhar, mas talvez são outras questões que, pra essa aqui, são mais importantes no momento.
P/1 – E Ciências Políticas, como que foi isso, essa escolha, essa faculdade?
R – Então, eu sempre gostei muito dessa parte de política. O que eu achava, tá? Pra gente fazer as pessoas saírem da pobreza: ou a gente tinha que fazer algo no Terceiro Setor ou a gente teria que trabalhar em algo que fosse de governos, né, público e tal. E aí eu acabei entendendo que a ciência política entra muito forte nas nossas relações sociais. Não a política como política, mas a política de verdade, a política na essência. E aí, isso casava muito com a ideia da educação, de quanto a educação e a política se complementam, né? E quanto a educação pode ser política e quanto a política pode virar educação para todo mundo. Então, complementava muito, eu gostava muito. Mas, assim, acabava complementando, tinha matéria que eu fazia aqui e conseguia usar aqui e essas duas coisas eram importantes demais. Mas, assim, eu entendo a política muito mais como uma questão voltada para essa coisa da pobreza, sabe? Como que ações políticas poderiam reverter casos de pobreza? Pra mim, sempre foi... isso foi como eu olhava, né, a situação da política naquele período, naquele momento.
P/1 – E, Priscilla, eu tô pensando aqui: você consegue identificar o que é que aconteceu aos treze anos, assim, que você virou essa chavinha, que você entendeu o que você queria fazer e por que trabalhar com pobreza, enfim, com uma outra... ah, com uma diferença tão grande, né?
R – Eu não sei se eu consigo dizer o que foi, mas quando a minha mãe casou novamente, a gente mudou de cidade, acabou que o marido da minha mãe trabalhava com projetos sociais. Então, eu acabei me envolvendo com isso. Só que nesse ‘eu acabei me envolvendo’, porque eu queria me envolver, eu acabei encontrando um caminho que sempre foi, acho que era o meu caminho, eu precisava daquilo. Então, foi o momento que eu tive uma oportunidade e eu entendi: “Puxa, isso aqui faz parte do que eu quero pra minha vida no futuro”. Eu também tive outras oportunidades, né? Eu venho de uma família que tinha condição financeira, mas aquilo me chamou a atenção de uma forma, que eu não conseguia mais viver sem aquilo. Imagina: você estudando pra fazer vestibular e eu não deixava de ir pro meu trabalho que não ganhava um real, porque eu tinha encontrado aquilo. Eu acho que eu tive uma oportunidade e aquela oportunidade era exatamente o que eu precisava. Eu tive várias outras oportunidades, mas era aquilo ali que eu precisava fazer. Então, eu acho que eu aproveitei uma oportunidade e eu acabei descobrindo, né, o que eu queria da minha vida.
P/1 – E como foi desenrolando, a partir desse trabalho na escola, a sua trajetória profissional, mesmo?
R – Aí, eu sempre trabalhei no Terceiro Setor, né? Eu trabalhava, depois da faculdade eu comecei a trabalhar em escolas particulares, mas a minha visão sempre foi voltar pro Terceiro Setor. Eu não conseguia mais trabalhar, porque eu só tinha um horário, porque o restante eu estudava. E eu sempre trabalhei para estar ali.. Então, eu já fiz várias consultorias para ONGs (organizações não governamentais), de pesquisas, de ONGs brasileiras e ONGs americanas. E aí eu mirava muito em trabalhar em ONGs internacionais. Então, em 2007, eu fui trabalhar em uma ONG americana e eu comecei nessa ONG com um cargo mais baixo, eu visitava os projetos sociais, para fazer avaliação se estão usando recurso direito, a parte educativa está correta, está seguindo os padrões e tal. Depois de dois anos, eu virei supervisora do time. Eu liderava – eu tinha o quê? 26 anos – um time de pessoas muito mais novas do que eu, muito mais novas do que eu. E aí, depois de dois anos, eu assumi uma outra área e, sempre depois de dois anos, eu dava uma crescida, uma crescida, uma crescida, né? Sempre trabalhando com pessoas muito mais velhas do que eu, com muito mais experiência. Nessa ONG americana, eu consegui ser um desses cargos de gerência interno de mais novas, eu tinha acho que 29 anos quando eu assumi um cargo muito alto dentro da organização. Mas eu sempre estudei muito, sempre e fui muito preparada pro que eu queria. E aí eu me lembro que, em 2016, eu comecei a questionar algumas coisas de valores, porque no Terceiro Setor, a gente acaba que a gente coloca muito dinheiro e muita força em alguns projetos e o retorno que aquilo gera é muito pequeno. E como eu gosto muito de resultado, eu quero fazer alguma coisa que me gere um resultado. Se eu não fizer e não gerar resultado, está errado. E aquilo estava começando a me desgastar muito, né, dentro dessa organização que eu trabalhava, muito grande, de nível internacional, eu viajava muito, muito, muito. E, nessas viagens, eu estava num summit, nos Estados Unidos, num encontro de líderes e eu conheci sobre negócios sociais. E eu conheci um cara indiano que dizia que ele era professor de Economia e ele tinha criado um modelo, que era o modelo do microcrédito e como que foi a motivação pra esse modelo de microcrédito existir. E aquilo mexeu muito comigo, porque eu consegui entender que a gente conseguiria criar negócios, que resolvessem problemas sociais reais. Então, assim, foi tão assim, saiu tanto da caixa, pra mim, essa coisa de: “Como assim, as empresas conseguem fazer o bem”, né? Se você acredita que a educação, você acredita em política pública, você acredita... aí vem alguém e diz assim: “Puxa, mas eu também posso criar um negócio, que pode resolver a vida de muita gente”. E aquilo mexeu comigo de uma forma tão grande, tão grande que, em 2016, eu estava numa reunião em Campinas, eu liguei pro meu marido e disse: “Eu não tenho mais condição de trabalhar aqui, preciso sair agora. Porque, se eu não sair agora, eu não vou ter condição de fazer isso mais, porque eu vou ficar com medo”. A gente já tinha filho, nesse tempo. E em 2016 eu saí, larguei tudo. Consegui que eles me demitissem. Então, peguei todo o dinheiro que eu tinha e comecei um negócio do zero, sem conhecimento nenhum, sem a habilidade, de: “Ai, quantas vezes você já empreendeu?” As pessoas perguntam, a mãe do meu marido: “Você já teve quantas empresas?” “Uma” e a gente está chegando até aqui. Então, assim, eu acho que é fruto de muito esforço, mas de muita percepção, sabe, de quem eu sou, do que eu vim fazer e do que eu quero fazer. Eu brinco assim, que eu nunca quis passar por esse mundo de qualquer jeito, eu queria que as pessoas lembrassem de mim, lembrassem do que eu fiz e o que eu fiz, que pudesse impactar muitas pessoas. Então, eu acho que, quando eu comecei a descobrir isso, aí eu comecei a dizer: “Puxa, isso aqui eu digo não, isso aqui eu digo sim”. E eu comecei a traçar o meu caminho nessas escolhas, pra eu poder conseguir chegar aonde eu queria chegar. Eu fico muito feliz de dizer que eu cheguei, sabe? Eu cheguei aonde eu queria chegar. Então, foi muito esforço, assim, muita determinação, mas deu tudo certo. (risos)
P/1 – Antes de saber mais detalhes desse processo de mudança, que eu imagino que deva ter sido bem significativo, queria que você contasse como você conheceu o seu marido.
R – Ai, legal. Então... espera, só um momento. Eu, na faculdade, tinha um namorado que eu gostava muitíssimo dele, sabia que ia casar com ele, até o momento que ele decidiu fazer uma coisa que não combinava com o que eu queria da minha vida. E aí, quando ele tomou essa decisão, ele também sabia o caminho dele, que ele queria seguir e eu sabia o meu e aí a gente rompeu esse relacionamento, né? Foi muito doloroso, nesse período. E aí eu comecei a me abrir pra outras pessoas. E, nesse abrir pra outras pessoas, eu acabei conhecendo o meu marido. Ele era músico, tocava bateria numa igreja que eu frequentava, nesse tempo. E aí, quando eu o vi tocando bateria, eu achei tão incrível, porque é muita habilidade, né? E eu sou muito ruim de habilidade manual, tipo, eu sou muito ruim. E quando eu vi a habilidade, eu ficava olhando e fazia: “Como é que a pessoa consegue fazer um negócio desse?” Me chamou muito a atenção e a gente começou a ficar muito amigo. E nessa de a gente ficar muito amigo, a gente acabou se apaixonando. Então, assim, foi um namoro que começou tão despretensioso, tão amizade, tão tipo assim: eu tinha deixado o amor da minha vida e estava aqui, vendo como é que isso ia acontecer. E foi tão incrível, porque a gente sempre teve uma trajetória de muito cuidado um com o outro. Eu sou uma pessoa que sempre teve muita oportunidade na minha vida e o meu marido nunca teve oportunidade na vida. Então, ele vem de uma família muito pobre, vem de uma família que tinha muita dificuldade. E a gente sempre foi esse complemento, eu lembro a primeira semana que a gente estava namorando, eu disse: “Olha, eu faço duas faculdades, eu sei o que eu quero da minha vida, você sabe o que você quer da sua vida”? E aí ele dizia: “Olha, eu sei, mas, assim, você me ajuda”. E a gente sempre foi essa coisa de um ajudando o outro, sabe? A gente namorou quatro anos, antes de casar. Foi uma relação assim de muito companheirismo e eu me sinto muito assim hoje, sabe? Eu acho que uma das maiores dificuldades das mulheres hoje empreenderem ou serem grandes profissionais, é porque às vezes elas não têm suporte, para que elas possam fazer isso, né? Quando o homem decide esse tipo de coisa, sempre a mulher está em casa, para cuidar dos filhos, para ajudar e o homem nunca faz isso. Então, eu encontrei no meu marido esse homem, que ele entende quem eu sou, onde eu quero chegar e ele me apoia. A gente brinca que ele fica atrás cuidando, enquanto eu vou correndo na frente, se eu precisar, eu paro: “Ó, tô precisando disso”, mas ele me apoia, para que eu consiga correr o tanto que eu preciso e quero correr. Isso é muito legal e essa sempre foi a nossa relação. Então, a gente se conheceu em 2003, eu tinha acho que 22 e eu casei com 25. Então, foram três anos, eu casei super nova. Mas a gente queria ficar junto, a gente sabia que a gente tinha encontrado alguma coisa muito legal ali e aí, a gente casou super jovem.
P/1 – E como foi seu casamento?
R – Então, a gente, quando resolveu casar, não tinha muito dinheiro, né? Eu trabalhava e estudava, nesse tempo eu fazia mestrado e trabalhava e ele fazia faculdade, trabalhava também, não ganhava tanto assim. E tocava, ele tocava também como músico profissional, em Recife. E a gente resolveu casar e as nossas famílias meio que não podiam nos ajudar em muita coisa. Então, a gente disse: “Poxa, a gente vai casar com o que a gente tem, o que a gente pode fazer?”. E aí, a nossa festa de casamento foi muito simples, mas assim: era o que a gente podia. E tipo: foi integralmente a gente que fez tudo. Desde a nossa casa, eu lembro que a gente vendeu o carro dele, olha a situação do carro: a gente vendeu o carro dele e com o dinheiro do carro, a gente comprou uma cama, um guarda–roupa, um fogão, um rack e uma sanduicheira, todo dinheiro do carro deu pra comprar tudo isso, vejam o quanto valia este carro. Então, assim, foi uma construção muito legal, porque assim: a gente casou com o que a gente tinha e um ano depois, a vida começou a mudar, né? A gente começou a dar passos maiores profissionalmente, começou a ganhar mais dinheiro junto. A gente meio que... como casamos muito jovens, a gente construiu isso juntos. Teve essa coisa de: “Puxa! A gente não ganhou nada de ninguém, nunca tivemos nada que alguém deu, assim, sempre foi o nosso esforço. É claro que sempre tivemos amigos que, poxa, nos apoiaram sempre, muito forte. Por isso que eu falo assim, quando você pergunta : “Ah, família e tal”, eu acho que o momento que eu casei, ele se tornou tanto a minha família, que sempre foi muito nós dois, sabe? O que a gente construiu, o que a gente conquistou. E aí, quando eu casei, eu também não sabia se eu queria ter filho, porque eu queria ser uma grande profissional, tá? Eu queria que o mundo lembrasse de mim. Então, eu não sabia se eu queria ter filho, ele também foi super compreensivo. Ele queria ter filho, ele disse: “Ah, eu sei quem ela é, eu vou dar um tempo, que ela mesmo vai tomar a decisão”. E aí, depois de cinco anos de casados, que já tinha viajado muito, curtido muito, chegando onde a gente queria profissionalmente, aí ok: “Agora eu tô preparada pra ter filho”, mas foi uma construção, sabe? Sempre foi uma construção de apoio mútuo, de eu apoiá-lo quando ele precisa de alguma coisa, mas ao mesmo tempo também dele me apoiar em tudo que eu preciso e não me tolher e nunca: “Ah, você não vai porque...”, não existe isso. Quando eu trabalhava nessa ONG americana, eu viajava muito, muito, tipo, às vezes, eu passava o fim de semana só em casa e eu sempre tive o apoio integral dele, pra fazer esse tipo de coisa. Então, assim, sempre foi essa relação de apoio mútuo, muito grande.
P/1 – Ah, teve alguma viagem com essa ONG, que você queira dividir?
R – Ah, eu tive muitas viagens, mas uma viagem, eu lembro muito uma vez, o meu filho já tinha nascido, que eu fui pra Guatemala e a gente teve um terremoto. No primeiro dia, começou o chão a tremer um pouco e aí eu lembro que eu olhei para uma colega que estava do meu lado, que era haitiana e eu perguntei: “É um terremoto, né”? em inglês, aí ela disse: “É, mas é fraco”. Eu fiquei pensando: “Pô, ela é haitiana, né, ela sabe o que é terremoto. Eu sou brasileira, eu nunca nem vi isso aqui”. E o primeiro dia, eu lembro que eu fiquei muito em crise, porque eu estava sem o meu passaporte e sem dinheiro nenhum e eu disse: “Se acontecer qualquer coisa e eu estou sem meu passaporte e sem dinheiro, o que é que eu vou fazer?” E aí eu comecei a andar, nesse dia, subi no quarto, a gente estava numa reunião no próprio hotel que a gente estava hospedado, subi no quarto, peguei passaporte e dinheiro e fiquei com eles o tempo inteiro. No outro dia, teve um terremoto mais forte e aí, nesse terremoto mais forte, a gente ficou sem comunicação com o Brasil. E eu vou dizer uma coisa bem besta, mas que aconteceu: neste dia que ficamos sem comunicação do Brasil, era final daquela novela que estava todo mundo assistindo, Avenida Brasil. E eu não assisti o final do último dia da novela, até hoje eu não assisti o último dia da novela e eu e as amigas brasileiras estávamos desesperadas, porque a gente não tinha comunicação com o Brasil, a gente não podia assistir o final da novela (risos) e foi um sofrimento danado. Então, foi uma experiência, assim, assustadora, porque a gente vive um terremoto, né, a gente não tem costume, a gente não está preparado pra isso. Mas, ao mesmo tempo, me fez refletir sobre essas outras características de lugares. Então, eu aprendi a viajar pra esse tipo de país que tem terremoto e saber o que eu preciso fazer e, às vezes, a gente não sabe, né? Eu brinco que, depois disso, eu criei planos de emergência pra tudo, todo lugar que eu esteja na minha vida. Qualquer lugar que eu esteja, eu tenho um plano de emergência, de saída, que a gente tem esses planos de emergência. (risos)
P/1 – E, Priscilla, como foi se tornar mãe? O que a maternidade representou na sua vida?
R – Eu nunca pensei em ser mãe, nunca foi meu sonho, o meu desejo, eu nem sabia se eu queria, algum dia, ter filhos. Depois que eu fiz trinta, eu já estava com trinta e um, eu comecei a analisar: “Puxa, eu cheguei onde eu queria, nessa idade. Eu acho que eu poderia agora ter um filho”. E, quando eu resolvi engravidar, eu liguei pro meu marido e disse: “Amor, o seguinte: tô parando de tomar o meu anticoncepcional, eu preciso engravidar...” – porque eu sempre fui muito planejada, né? – “... até junho, porque o bebê precisa nascer em fevereiro, porque eu volto pra trabalhar em julho. Então, eu só perco o primeiro semestre do ano”. E ele começou a rir, porque ele sabe que eu sou muito de agenda, muito organizada, planejamento estratégico. Mas aconteceu exatamente isso: eu engravidei em junho, meu filho nasceu em fevereiro e eu voltei a trabalhar em julho. Mas mudou muita coisa em mim. Eu sempre fui muito de viajar, trabalhei e viajei a gravidez inteira e viajei depois que ele nasceu. Mas era diferente porque, quando eu viajava, se eu ficasse fim de semana fora, se eu fosse pra outro país, eu aproveitava o fim de semana para conhecer outro país. E eu me organizava para só sair na segunda-feira de manhã e sempre voltar pra casa na sexta-feira à noite, por causa dele. Então, assim, eu digo que a maternidade só foi possível porque eu tive um companheiro que também exerceu a paternidade, de verdade. Então, eu consegui exercer a maternidade, continuar sendo profissional, porque o meu marido também fez o papel dele enquanto pai. Então, se eu viajava, ele estava em casa, o nosso filho ficava com a babá de manhã e de noite era com ele, sempre foi, desde muito bebê. Foi uma transformação muito grande, porque a gente acaba pensando os valores da vida que eu tô ensinando, pra essa pessoa. Hoje, quando eu vejo meu filho, olhando, se perguntar – ele tem nove anos, vai fazer dez, né, em fevereiro – o que ele quer ser quando crescer, aí ele diz assim: “Ai, eu queria ser youtuber e presidente do Brasil, mas eu também queria fazer uma empresa que pudesse ajudar as pessoas, assim, assim, assim” e ele diz. Eu fico olhando o quanto o nosso exemplo e o que a gente faz da vida, tem influenciado tanto ele. Então, eu acho que a maternidade me fez uma pessoa mais... com escolhas mais corretas, sabe? Eu acho que eu aprendi a dizer não pro que eu precisava dizer não, porque eu dizia sim pra tudo, eu queria abraçar tudo e fazer tudo e eu acabei dizendo: “Puxa, mas não sou só eu, tem agora um outro ser, que depende de mim”. Então, eu dizia sim pro que eu acreditava que fosse, eu não abria mão do que eu achava que deveria que ser o correto, porque eu sempre imaginei: se eu for uma mãe frustrada e infeliz, no futuro eu vou ser dessas, que vai dizer: “Ah, eu abri mão de tudo, por causa de vocês” e eu nunca quis isso. Eu sei o que eu quero da minha vida. Então, eu queria que meu filho fosse sempre muito feliz. Então, eu sabia dizer não pro que não era necessário, pra poder ter tempo de qualidade com ele, mas trazer também essa coisa de: “Poxa, eu tô preparando uma criança para um mundo. Eu não tô preparando só um mundo pra ele, eu tô preparando-o, para que ele cuide desse mundo, quando eu parar de cuidar”. Então, assim, isso sempre foi muito verdadeiro pra mim.
P/1 – Priscilla, como foi dizer sim para agricultura familiar, pro seu negócio, pensando um negócio que resolvesse um problema social? Como foi essa transição, a partir desse indiano, né? Mas como foi isso, como foi pensar nesse negócio e dizer não pra esse outro cargo que você estava muito bem estabelecida, como foi essa dualidade, assim?
R – Eu acho que foi uma das decisões mais difíceis porque, quando se tem uma jornada: puxa, a minha vida inteira foi no Terceiro Setor, porque eu achava que ali era o único lugar que eu podia fazer as pessoas saírem da pobreza, que era o único. E aí, quando eu comecei a entrar em crise, nessa coisa de resultado, do que a gente está fazendo, que tipo de resultado a gente está gerando de verdade, eu sabia que, se não tomasse a decisão naquele momento, eu não ia mais ter coragem, porque eu ia ficar mais velha, porque iam existir outras situações na vida, que eu não ia ter coragem de fazer aquilo. Então, eu precisava fazer aquilo, naquele momento. E aí eu abri mão de tudo, inclusive de um salário fixo, pra pegar todo o meu dinheiro e começar um negócio. Eu acho que a agricultura familiar tem a ver com a parte de pobreza. Quando eu viajava, que eu ia muito pra esses países e no interior do Brasil, eu comecei a ver muitos produtores e esses produtores, nessa ONG que eu trabalhava, eram pessoas que viviam em situações de extrema pobreza. Ele produzia, mas ele era pobre. Ele vendia, mas por que isso acontecia? E quando eu chegava no supermercado, pra comprar comida, era uma discrepância tão grande de preço, que não dava pra entender como é que aquela pessoa é tão pobre e como é que esse produto está tão caro no supermercado? E aí eu fui querer entender o que acontecia. Eu também digo assim, que a minha família sempre foi muito focada em comida, porque a minha questão não era resolver o problema do produtor nesse momento, mas era resolver o problema da comida: por que as pessoas não poderiam ter comida acessível? Por que era tão caro? Por que não chegava pra todo mundo? Por que uma pessoa em situação de pobreza não pode comer uma alface orgânica? Então, isso mexeu muito comigo, essa coisa da comida que vem da família e a pobreza. E aí, minha irmã estava sem trabalhar nesse tempo, há um bom tempo e ela disse: “Eu queria fazer alguma coisa com mulheres”, era como uma ONG. Eu disse: “Olha, a ONG eu não faço, mas eu queria que a gente estudasse sobre negócios sociais, negócios de impacto, porque eu acho que esse é um caminho muito legal”. E aí eu fui pra São Paulo estudar, fazer curso sobre isso, estudar sobre isso, conhecer empresas que estavam fazendo isso também e aí a gente voltou querendo começar um trabalho. Então, no começo, o que a gente fazia? Feirinhas, trazia produtores do interior, para comercializar nessa feirinha e fazia cestas e entregava nas casas das pessoas, nessa ideia de aproximar o produtor com o cliente final. Isso foi legal, muito legal, a gente fez isso em 2017 e 2018. Então, tudo que eu tinha de dinheiro, eu injetei no negócio: 2016, 2017, 2018 e deu tudo errado. O negócio não saiu do lugar, tipo: acabou o dinheiro, o negócio não conseguia andar de jeito nenhum, porque pensa comigo, tá: a gente gosta da feira, muito legal: "Aí, a gente vai pra feira, que coisa legal”. É. Mas no dia que você não vai pra feira, o produtor não vende. Se chover e ninguém for pra feira e o produtor tiver vindo e colhido o produto, ele vai voltar para casa com aquele produto e aquilo é um prejuízo, porque ele não replanta e o produto se perdeu. E aí eu comecei entender que, na verdade, essa coisa da feira não gerava pra essa recorrência, porque o que vai fazer a pessoa sair da pobreza, de verdade, é ela constantemente ter dinheiro através do trabalho dela. E a feira não conseguia fazer isso, a feira era um dia sim, um dia não, um dia mais, um dia menos, não sabe dessa recorrência. E aí, quando deu tudo errado em 2018, que a gente não conseguiu chegar em canto nenhum, a minha irmã saiu fora do negócio e eu virei 2019 pensando o que era que eu podia fazer, pra tornar isso real. E aí, eu tinha duas opções: ou eu largava tudo e voltava a trabalhar no Terceiro Setor, que eu conseguiria emprego fácil, com certeza ou eu mudava a forma como a gente estava fazendo negócio. E aí, quando eu estava tomando essa decisão, nesse final do ano, naquele período do ano, né, Natal, que a gente começa a avaliar a vida, os planos, eu comecei a dizer pro meu marido, eu disse: “Amor, seria muito mais fácil se eu abandonasse tudo e voltasse a trabalhar no Terceiro Setor. Mas eu não posso fazer isso com o produtor, porque o produtor acreditou no meu sonho. Eu falei pra ele que a gente ia conseguir. Então, eu não posso simplesmente abandonar, eu preciso encontrar um outro jeito de resolver esse problema sozinha”. E eu comecei 2019 sozinha, com Canva na mão, estudando o mercado, estudando o negócio, fazendo um monte de análise, isso sem dinheiro, sem ganhar nada. Eu estava dando aula, comecei a dar aula nesse período, num MBA e eu entendi que, no momento em que a gente olha pra necessidade do produtor, de verdade, a gente consegue entender o que é, realmente, que a gente pode fazer pra resolver esse problema, porque eu acho que uma das coisas que eu aprendi no Terceiro Setor, é que, às vezes, a gente chega com algo pronto, em uma determinada comunidade e a gente quer que aquilo ali funcione, mas aquela comunidade é diferente daquela outra. Então, se funcionou pra essa aqui, pode não funcionar pra essa aqui. E, às vezes, a gente chega com esse pacote pronto, querendo colocar. Quando eu comecei a entender qual era o problema do produtor de verdade, que era recorrência, que não era só vender uma vez por semana, ele precisava vender sempre, precisava produzir sempre, precisava de dinheiro sempre. Quando eu comecei a entender isso, aí a gente mudou o modelo de negócio totalmente, aí você imagina: mudar o modelo de negócio totalmente, sem um real pra dizer: “Vamos testar isso”. Eu brinco nesse tempo que eu era CEO de mim mesma, porque só era eu na empresa. Eu era a única funcionária de mim mesma. E aí eu comecei a conversar com uma amiga, dizendo o que eu estava pensando em fazer, ela já sabia de tudo que estava acontecendo, ela disse: “Ah, mas eu posso te ajudar, me diz quanto que você quer”. E ela se tornou minha investidora–anjo, ela e o marido e me ajudaram nesse processo de reorganização do negócio. Então, foi um momento muito importante de transição, mas que a gente entendeu realmente o que era necessidade do problema do produtor e a gente conseguiu resolver esse problema, através de uma empresa de tecnologia. Então, eu fico muito orgulhosa de onde a gente está chegando.
P/1 – Mas como foram essas descobertas, como funciona hoje o negócio?
R – A Muda Meu Mundo é hoje uma solução, que ela consegue conectar diretamente pequenos produtores com os supermercados. E a gente faz isso, analisando toda a cadeia produtiva e trazendo dados focados em impacto socioambiental, que a gente chama hoje muito forte de ESG Enviromental, Social and Governance. Eu trago esses dados pro supermercado. Só que não se trata de comprar um produto e trazer pro supermercado, nós somos uma plataforma. Essa plataforma soluciona os principais problemas do produtor e os principais problemas do supermercado, por exemplo: o comprador do supermercado não consegue entrar em contato com trinta produtores ao mesmo tempo e dizer: “Ó, você tem cebolinha? Você tem cebolinha? Você tem cebolinha?” Ele não vai fazer isso. Ao mesmo tempo que o produtor não tem carro, para poder levar o produto pro supermercado, não sabe emitir uma nota fiscal, não consegue esperar o prazo de pagamento do supermercado. Então, a gente criou uma plataforma que consegue resolver todos esses problemas, tanto da capacitação do produtor, é onde vem a minha via de educação, né? A gente tem um aplicativo que o produtor tem várias videoaulas, que são desenhadas para a realidade do pequeno produtor no Brasil, ensinando pra ele como ter melhores técnicas de agricultura sustentável, como trabalhar a qualidade do produto, a gente avalia esse produtor e o traz para comercializar, através da nossa solução. Então, o produtor se preocupa em produzir com qualidade, a gente tem assessoria técnica e o supermercado vê o que tem disponível e compra aquilo do produtor. Então, a gente funciona com uma tecnologia que faz essa união entre essas duas pontas. Só pra você ter uma ideia: em 2020, foi um ano muito difícil para agricultura familiar, onde eles perderam as feiras, né e muitos clientes, os problemas de compra pública. Os produtores que comercializavam através do Muda Meu Mundo, conseguiram aumentar 107% da renda deles em um ano. Então, foi uma transformação muito grande para esse produtor, que trouxe muito desenvolvimento para eles e a gente entendeu, que a gente encontrou o caminho, tanto pro negócio se tornar lucrativo, como para o produtor conseguir, realmente, sair da pobreza, através da comercialização.
P/1 – Como foi a escolha do nome?
R – Engraçado, a escolha desse nome, o pessoal me pergunta, mas foi um insight, eu tenho muita essa coisa de acordo no meio da noite, pensando, nas coisas do dia a dia, do que eu preciso resolver e tal. E eu comecei a pensar que, ao ter aberto mão de uma carreira, vamos dizer assim, no Terceiro Setor e me fechado para outras oportunidades, eu tinha mudado o meu mundo. E aí, eu tinha mudado o meu mundo de uma forma tão: “Ai, gente, mas eu não mudo o mundo de ninguém. Quem muda sou eu. Eu sozinha, mudo o meu mundo. Preciso de pessoas perto, que me ajudem, mas se a gente trouxesse toda essa solução pro produtor, ele poderia dizer: ‘Não quero’. Então, se ele não mudasse o mundo dele, propriamente dito, a gente não conseguiria sair do lugar”. Por isso que o nome da empresa é Muda Meu Mundo, porque eu primeiro tenho que ter consciência de que eu vou precisar mudar o meu mundo. E no momento que eu mudo o meu mundo, eu consigo mudar o mundo de quem está perto de mim. Então, foi muita dessa experiência minha e de conhecer essa realidade do campo, sabe, de que eu não consigo mudar o mundo de ninguém, eles têm que querer. E a gente queria que eles entendessem que essa poderia ser uma oportunidade, se eles quisessem, por isso eles mudam o mundo deles, a gente só apoia.
P/1 – Como foi conhecer a realidade do campo, conhecer grupos de agricultores, como foi esse processo? Você tem... não sei agora, mas você teve contato direto com eles?
R – Então, todos os produtores, inicialmente eu ia pessoalmente na casa deles, pra conhecer, muitos hoje eu ainda conheço. De vez em quando eu faço visita aos produtores. Minha equipe tem uma hora na minha agenda, que eles marcam pra algum produtor conversar comigo. Então, eles escolhem o produtor que eles quiserem: “Ai, Priscilla, eu quero que você converse com não sei quem, ele está precisando assim, assim, assim”. E aí eu converso com esses produtores, continuo conversando com eles, muito. Eu conheci a realidade deles quando eu trabalhava no terceiro setor e, assim, foi muito duro entender que eram pessoas, imagina: você trabalha, o fruto do seu trabalho, você ainda não consegue ganhar dinheiro com isso para manter a sua família. Então, aquilo era muito duro. E aí, quando a gente começou realmente esse trabalho com a Muda Meu Mundo, eu comecei a visitar os produtores mais profundamente, comecei a entender a realidade dele de verdade. Quem é essa família, a criança não estuda, não estuda, por que não estuda? Por que você não estudou? Que falta de oportunidade você teve? E teve uma coisa que me marcou muito, que foi em 2018, quando eu comecei em parceria com o governo do Estado, conhecer mulheres produtoras, de assentamentos da reforma agrária. Eu sempre fui uma pessoa urbana, de cidade. Pra mim, como eu falei, eu falei no começo, né: pra mim tanto faz morar em Fortaleza, em Recife, em São Paulo, eu moro em qualquer lugar, eu não tenho isso. Eu moro nesse apartamento, daqui a pouco eu mudo pra outro, eu sou super tranquila com isso. E quando eu conheci essas mulheres, elas me ensinaram sobre amor à terra, aquela terra que é minha terra, que eu conquistei aquela terra, que eu passei um tempão assentado do lado de fora da terra, até que liberaram pra gente entrar na terra e eu comprei a minha terra, porque as pessoas acham que os assentamentos, simplesmente o governo vai e dá. Nem sempre. Muitas vezes o produtor paga pra ter aquela terra, o governo compra e refinancia pro produtor. Então, assim, foi tão incrível entender o amor que aquelas mulheres tinham pela terra, que não tinha tido essa experiência ainda na vida, isso me mudou muito, sabe, de: é o meu, a minha terra, a minha propriedade, isso foi muito transformador pra mim. Eu acho que as mulheres me ensinaram muito isso e eu acho que eu também trouxe pra elas um bom ensinamento, que era dessa: “Sejam profissionais, vocês podem ser” e aí, a gente teve vários casos, né, de mulheres que eram agredidas pelo marido, mas que ela se submetia a estar naquela relação, porque ela não tinha como se sustentar. No momento que ela conseguiu se manter, através da agricultura, ela começou a dar um basta nisso e são mulheres que estão muito felizes com os seus filhos hoje e têm uma condição de vida digna.
P/1 – E nesse primeiro contato, como foi pra você, você sentiu algum tipo de resistência ou eles foram muito acolhedores? Como foi essa primeira experiência, mesmo?
R – O produtor, principalmente o pequeno, é muito desconfiado, porque ele já é tão explorado no dia a dia, que ele acha que todo mundo que chega perto dele, de alguma forma quer tomar alguma coisa, prejudicá-lo em alguma coisa. Então, o que eu aprendi nessa relação com eles, é que a primeira coisa que a gente tem que conquistar é a amizade. Ele tem que entender e confiar no que a gente está fazendo, ele tem que me sentir uma pessoa próxima. À medida que eu ganho essa confiança dele, aí eu consigo dizer: “Puxa, olha só, eu ainda posso fazer isso. A gente ainda pode fazer isso aqui”. Isso foi muito, muito, muito interessante, porque essa experiência baseou tudo que a gente faz hoje no Muda Meu Mundo. Desde a forma da gente capacitar um produtor. Então, ele tem acesso a fazer capacitação gratuitamente, ele só entra lá e ele está sendo apoiado pela gente. Então, essa relação de confiança faz com que ele entenda: “Puxa, eles são diferentes, eles querem fazer alguma coisa diferente comigo”. E aí, eles começam a comercializar através da nossa tecnologia, mas a gente já oferece esse suporte pra eles, antes. A gente já ganhou a confiança deles, já mostrou pra eles quem a gente era de verdade. E aí a gente os traz, para comercializar através da gente.
P/1 – E esse outro lado, com comerciantes e mercados, quais foram os desafios e os aprendizados?
R – Eu, às vezes, paro: “Meu deus, por que eu resolvi trabalhar com varejo?” O varejo é muito duro, é mal–acostumado, na verdade. Ele é mal–acostumado a ter fornecedores que resolvam todos os problemas deles. Então, eles acabam tipo: “Ah, eu não vou evoluir na minha operação, está bom desse jeito. Porque, se eu não fizer isso, o fornecedor vai ter que me dar”. E aí, foi muito... sempre é, a gente fala assim: do mesmo jeito que a gente ensina pro produtor, a gente acaba ensinando pro varejo também. A gente acaba ensinando pra ele: “No momento que você diz isso aqui ou que diz assim: ‘Você tem que pagar tal coisa’, isso está encarecendo toda a sua cadeia. Encarecendo toda a sua cadeia, está prejudicando o menor. Como a gente está aqui pra tirar essa intermediação e fazer uma relação entre vocês, você não pode pedir isso”. Então, já aconteceu de a gente chegar no supermercado e o supermercado dizer assim: “Ai, eu tô precisando de cestinhas para colocar aqui, pra botar o produto, né, dos agricultores”, a gente fala: “Tá, eu vou ter que pedir cestinha para o produtor? Vocês não têm cestinha? Aí faz: “Ah, a gente tem”. Então, a gente acaba ensinando muito pro varejo também, tem sido uma relação incrível. Eu digo que eu tive muita sorte de começar num supermercado que eu acho que abriu as portas e me acolheu pra errar tudo que eu precisava errar, porque eles permitiram que a gente testasse todo o modelo de negócio com eles. Eles foram, assim, muito compreensivos com os nossos erros iniciais. Acabou que essa relação foi uma relação que eu prezo muito, eu acho que é o supermercado que eu mais prezo, que quando a gente não tinha nada, a gente conseguiu testar lá. Então, eu vejo o varejo hoje, não só como uma excelente oportunidade de desintermediação de cadeias, o varejo é essa pessoa, mais de 70% da população do Brasil consome nos supermercados. A gente precisa fazer com que o supermercado seja mais inteligente, mais eficiente, custe menos, pra que isso barateie o produto pras pessoas e consiga pagar mais ao produtor. Então, do supermercado grande... porque hoje a gente atende grandes redes de supermercado e médias, do grande ao pequeno, o que eu encontro hoje são supermercados querendo fazer algo diferente do que eles estavam fazendo, querendo encontrar um caminho, eles não sabem, mas eles estão dispostos a encontrar esse caminho. Eu acho que é uma porta muito aberta para outras empresas conseguirem conquistar o varejo com tecnologia, de uma forma diferente.
P/1 – E, Priscilla, como foi começar a desenvolver essa plataforma, para capacitar pequenos produtores e essa sua veia educacional, como surgiu isso?
R – Quando a gente começou o trabalho com o produtor, a gente começou a entender que a gente precisava capacitar esse produtor de alguma forma e aí eu comecei a desenhar lições. Eu, pedagoga, não entendo nada de agro, né, aprendi. Mas, assim, não entendia. E aí eu desenhava as lições e pedia pros agrônomos completarem essas lições, com conteúdo de agro. E a gente ia nas propriedades, juntava grupos de produtores e aplicava as lições com eles. Então, essas mulheres que eu conheci, eu ia pessoalmente fazer com elas as lições, junto com uma estagiária de agronomia que trabalhava com a gente: duas mulheres, para trabalhar com mulheres. E aí, quando a gente resolveu... quando a gente entendeu, na verdade, que a gente não podia ficar indo até a casa do produtor o tempo inteiro, porque isso gera muito custo, isso não é escalável, eu não consigo atender muitos produtores, eu vou precisar de muita gente. Aí a gente entendeu que a gente precisava de tecnologia para. E fomos atrás de uma plataforma e desenhamos uma plataforma, a gente desenhou vinte videoaulas, que são divididas, cada videoaula, em três vídeos curtinhos, de três minutos, cinco minutos, com conteúdo que o produtor consegue entender e identificar esse conteúdo, entender esse conteúdo e aí trazer esse conteúdo pra sua realidade prática. Isso tem sido tão importante porque, por exemplo: a média de desperdício do campo ao varejo é cerca de trinta por cento. Como a gente trabalha qualidade com o produtor e essa parte de aprendizagem, do pós-colheita e tal e o produto sai da casa do produtor direto pro supermercado, a gente não tem CD, não tem nada, a gente só tem a tecnologia, a gente consegue ter um desperdício de 2.9, para trinta. Então, olha a educação voltando aí. O fato de a gente trazer a educação para o produtor, faz com que esse produtor consiga ter, realmente, resultado nesse processo de comercialização e a gente consiga trazer desenvolvimento socioambiental pro mundo, porque é isso que a gente quer.
P/1 – Maravilha. Ia te perguntar, ao longo dessa sua trajetória como empreendedora, quais foram ou são, os maiores desafios que você enfrenta?
R – Eu acho que o maior desafio do empreendedor, principalmente de inovação, é porque a gente não tem um modelo pra nada, ninguém fez isso que você está fazendo muitas vezes e você tem que testar e fazer acontecer uma coisa que não existe um padrão. Então, quando... eu diria que esse é um grande desafio porque, assim, ninguém foi antes de mim e disse: “Vamos conectar o produtor com o supermercado, trazendo tecnologia”. Ninguém fez isso, né? E não tem padrão, quando não tem um padrão, como é que vou fazer? A gente vai muito no erro e tentativa, e fala muito pra nossa equipe: “A gente pode errar, pode errar, mas precisa errar pequeno, rápido. Porque, se a gente erra rápido, corrige rápido e consegue entrar no rumo mais rápido”. Então, não tem tempo de: “Ai, será que deu, será que não?” A gente tem que estar sempre em constante avaliação, para que consiga, o mais rápido possível, acertar o modelo. Então, é o maior desafio do empreendedor. Quando eu digo assim: “A mulher empreendedora, qual é maior desafio dela?” Eu sempre falo que o maior desafio da mulher empreendedora é ter uma rede de apoio, para que ela realmente possa ser empreendedora. Porque no momento que eu passo, às vezes, quinze dias em São Paulo, volto pra Fortaleza – a gente está em processo de mudança – o meu filho precisa ficar com alguém, ele precisa do pai fazendo papel de pai. Então, sem rede de apoio, a gente não consegue sair do lugar e esse é o maior problema das mulheres, hoje, empreenderem. Não é nem que elas não se achem capazes, eu acho já que a gente se acha muito capaz, a questão é: o que é que eu vou fazer, nos outros aspectos da minha vida? Porque eu também quero ter filhos, eu também quero casar, eu também quero... se você quer tudo isso, você precisa de uma rede de suporte, para que você também consiga empreender.
P/1 – E você sente, você já sofreu algum tipo de preconceito?
R – Eu já sofri vários tipos de preconceito, tanto por ser mulher, como por ser nordestina. Vou dar um exemplo muito... é tão assim, a pessoa nem percebe, mas por exemplo: a Muda Meu Mundo começou em Fortaleza, tá? E, no ano passado, quando a gente começou a captar o primeiro investimento, com fundos e tal, os fundos olhavam e faziam assim: “Ah, então, eu vou esperar você validar o modelo, pra ver se vai dar certo e tal”, aí eu dizia: “Mas eu já validei o modelo, já tô operando dois anos em Fortaleza” “Ah, não, então, é porque a gente precisa ver e tal”. Não é maldade, é porque como não está em São Paulo, que é o lugar onde as startups estão, eles não conseguem entender que o modelo pode ser validado em um outro lugar. Então, não deixa de ser um preconceito, né? Ao mesmo tempo, eu pego todo esse preconceito e eu boto dentro de um saco, amarro, balanço e eu faço disso uma coisa muito melhor do que o que eles estão esperando, porque aí eu digo pra ele: “Então, você vai ter a oportunidade de investir numa mulher nordestina, que está fazendo um negócio inovador, que não existe no Brasil”, aí eles ficam: “Puxa”. Então, assim, a gente sofre muito esse tipo de coisa, né, de alguém sempre perguntar: “Ah, mas você vai viajar tanto e como é que vai ser com o seu filho?” Não interessa, eu tô aqui conversando com você sobre investimento, não é a minha vida pessoal. Se eu tô dizendo que eu preciso de um investimento, é porque eu vou fazer acontecer”. Assim, sempre existe esse tipo de coisa, mas a gente também, eu acho que a gente já está tão calejada, a mulher hoje, a gente já está tão dura nesse tipo de coisa, que a gente entra num ouvido e sai pelo outro e a gente segue, fazendo o nosso melhor. Eu só espero que as mulheres, no futuro, não precisem passar por isso.
P/1 – Quero saber quais foram e são os maiores aprendizados, ao longo da sua trajetória.
R – Eu diria que o maior aprendizado é a gente tentar entender e resolver um problema pela ótica da pessoa que tem o problema. Tanto no Terceiro Setor, quanto nas empresas, a gente coloca na nossa cabeça um modelo, que a gente acha que é um modelo incrível e a gente aplica esse modelo com essa pessoa, sem essa pessoa realmente dizer: “Puxa, isso faz sentido pra mim. Ou isso não faz sentido pra mim”. Quando eu comecei a trabalhar com startup, né, com negócio realmente, com tecnologia, eu comecei a fazer a pergunta inversa e ao invés de eu dizer: “Ai, pensei nisso, é muito legal, vou fazer aqui”, eu preciso: “Não, espera aí, eu não sei nada, qual é o teu problema? Teu problema é como? Como é que você se sente e tal? Como você acha que poderia resolver?” Então, entendendo o problema, a gente tem como criar soluções e não primeiro a gente cria a solução, entendeu? Então, quando eu consegui entender isso e quando eu olho, por exemplo, para o futuro, eu tenho ideia de muitos outros negócios, eu tô sempre olhando pro problema: “Qual é o problema, o que é que você precisa resolver?” E aí, quando eu entendo o problema, a gente volta e pensa na solução e essa solução pode mudar, como a gente mudou. Eu achava que a solução antes eram as feirinhas, eram cestas. Não era. A solução para esse grupo de produtores que a gente trabalha era o varejo. Então, o problema continua o mesmo, a gente mudou a solução, que as soluções mudam e elas precisam olhar pro problema.
P/1 – E tem alguma história marcante, com algum agricultor ou agricultora, que tenha te tocado de alguma forma ou até com algum cliente, comerciante?
R –
Ah, tem algumas, vou dizer uma agora, há pouco tempo: em São Paulo a gente conheceu uma produtora, que o marido dela faleceu o ano passado, de Covid. E era ele quem mantinha a casa, que sustentava, através da produção de alimentos. E aí ela se viu, quando aconteceu tudo isso, ela ficou um tempo bem mal e ela viu: “Puxa, agora sou eu que preciso fazer isso, pra poder sustentar os meus filhos”. E, quando a gente a conheceu, ela estava nesse momento de dizer: “Agora sou eu” e a gente disse: “A gente quer te ajudar”. E aí ela vê na gente esse apoio grande, talvez, que ela, pra conseguir um processo de escoamento, ia precisar, sei lá, se desgastar muito mais e a gente resolve pra ela o problema dela, que é a comercialização. Então, ela continua focada na produção. E aí, ela estava falando que puxa, o momento mais difícil da vida dela, a gente apareceu. Então, assim, eu entendo que não é... essa coisa do propósito, né? Eu entendo que muito mais do que gerar dinheiro, porque é obrigação da empresa gerar dinheiro, a gente quer gerar transformação e a gente está conseguindo fazer isso.
P/1 – E como é o seu dia a dia, hoje em dia?
R – Então, o meu dia a dia é uma loucura, eu tô há três, quase quatro anos sem tirar férias, sem ter nem uma semana de pausa, porque a gente está numa intensidade tão grande, que a gente não consegue. Essa semana eu ia ter uma pausa de uma semana na praia. E aí meu gerente de São Paulo ficou doente e eu estou tendo que parar tudo e viajar e ir embora pra São Paulo, pra poder dar conta das coisas. É intensa a minha agenda, ela é muito focada hoje em captação de novos clientes, ela é muito focada na conversa com os investidores, no olhar pro futuro, na parte estratégica, no que a gente está construindo, na liderança macro dos times que estão chegando na Muda Meu Mundo. Então, assim, é muito intenso. Eu trabalho, eu estava vendo hoje de manhã, meu computador dizendo: são catorze horas por dia de computador ligado e trabalhando. Então, é muita coisa. Mas eu fico muito, muito feliz, porque a gente está construindo algo que não é qualquer coisa, não é só comercialização. A gente faz algo que é muito transformador. Então, assim, eu entendo que tudo isso que a gente está passando agora, de correr, né, pra deixar o negócio pronto, faz parte. Daqui a pouco eu consigo ter pelo menos uma semana de férias. (risos)
P/1 – E as horas de lazer?
R – Minhas horas de lazer são aos domingos com a família, às vezes, sábado à tarde eu já consigo, né, ter mais tempo. E à noite, a gente sempre tem um momento que a gente janta junto e assiste algum filme. Então, agora a gente está assistindo um seriado de mágica, muito legal. Então, são esses os momentos. A gente procura estar junto, apesar de eu estar em casa, né porque, quando eu tô em casa, trabalhando de casa e meu filho está em casa, a porta fica aberta, eu tô apoiando na tarefa, né? Eu tô em casa, mas eu tô trabalhando. Então, assim, a gente tem horas de lazer, que são muito boas, mas eu também entendo que a gente está num momento muito intenso de crescimento e a família entende isso também. Então, a gente valoriza os momentos que a gente tem.
P/1 – E a pandemia? Quais foram os impactos, desde esse aspecto pessoal mesmo, até o profissional? Quais foram os impactos causados?
R – Em termo profissional, a pandemia trouxe pra gente muito crescimento porque, se a gente pensar, os supermercados foram os lugares que não pararam de jeito nenhum durante a pandemia. Então, em 2020, a gente cresceu 430% por cento em relação a 2019. Isso foi muito bom, porque a gente conseguiu gerar renda ao produtor e fazer com que esse produtor não parasse de produzir e aumentar o quantitativo que a gente comercializa, ele comercializa através da gente. Em termos emocionais, foi muito duro porque, como a gente estava em casa, trabalhar em casa, não poder sair de casa, não poder nem descer na academia. Como isso aconteceu, acho que isso trouxe um estresse muito grande, né? Eu lembro do meu filho, no começo, nos primeiros meses ele dizia: “Eu não aguento mais ficar dentro de casa”. A gente o colocava dentro do carro e dava uma volta dentro do carro, assim, o máximo que a gente conseguia, só pra, pelo menos: “Vamos ver a rua”. Então, eu acho que emocionalmente foi muito desgastante, né? E a gente acabou mergulhando mais fundo no trabalho, que a gente acabou vendo uma oportunidade muito grande durante a pandemia. Foi duro, mas foi muito bom profissionalmente. E hoje a gente já está saindo mais equilibrado, se é que a gente está equilibrado ainda, mas a gente já consegue ter uma vida mais... Consigo sair pra ir na academia, por exemplo.
P/1 – E, Priscilla, você falou bastante que, com treze anos, você queria fazer algo grande, né? Como você avalia, assim, você mulher nordestina, hoje, fazendo o que você faz, como você se sente? O que isso representa, pra você?
R – Eu acho que eu cheguei onde eu queria chegar, nessa coisa de fazer algo grande, né, de fazer algo que não existe, de conseguir ter resultado com isso e de mostrar pra outras mulheres nordestinas, que elas também podem fazer e também podem pensar em algo grande. Então, assim, não é... eu acho que essa é a minha trajetória, a minha trajetória de vida nessa terra tinha que culminar nisso. Eu não sabia o que era, né, o que seria esse algo grande. E eu encontrei na Muda Meu Mundo esse algo grande. Então, quando eu olho pro futuro, eu digo: “Puxa, a Muda Meu Mundo, um dia vai poder ser vendida para outra pessoa e okay, eu vou ficar tão feliz, porque eu acho que eu fiz algo muito legal. E eu posso fazer outras coisas muito legais, porque eu já aprendi como é que fazia”. Então, eu quero ser inspiração, eu não quero passar por essa terra assim, de qualquer jeito, sabe? E eu acho que eu posso trazer isso, com essa coisa da liderança, da garra, do não desistir, da gente fazer junto, eu acho que isso é bem legal.
P/1 – Alimentação, essa questão é a base, né, a base da vida, nutrir e você falou, no comecinho, que a sua família se ligava muito através desse momento. O que representa pra você, assim, trabalhar com isso e fazer com que outras pessoas consigam independência financeira, consigam melhorar de vida através da alimentação e a alimentação acabar ocupando um espaço na sua vida, né, de trabalho e de relação familiar, como que é?
R – Eu digo que a alimentação, quando eu alimento bem a minha família, eu me sinto tão feliz porque, às vezes, eu tô viajando e eles comem, do jeito deles. E quando eu chego, eu começo a dizer: “Ah, a gente vai tomar um suco assim, fazer uma salada desse jeito”, que eu trago essas coisas, eu sinto que eu tô cuidando deles. E aí, quando eu trabalho com alimentação e eu digo: “Puxa, eu quero gerar riqueza através da alimentação, do produtor, mas eu também quero que essa alimentação chegue acessível pras pessoas”. Quando a gente faz isso, é algo tão grande, é como se a gente estivesse pegando o melhor o que a gente faz no dia a dia, na nossa casa e fazendo assim ó: “Beleza, não tô fazendo só pra mim, tô fazendo pra um monte de gente ao mesmo tempo”. Então, eu me sinto muito feliz nessa relação, sabe? Eu acho que a gente vive sem muita coisa, muita coisa, mas sem comida a gente não vive. E a gente precisa de comida, a gente precisa de comida pra todo mundo. E a gente só vai ter comida pra todo mundo, se o produtor continuar produzindo. E esse produtor que produz a nossa comida é pequeno, ele não é médio e grande. Então, se a gente incentivar, para que ele continue produzindo, o filho dele vai querer continuar produzindo e a gente continuar tendo comida, porque se o filho dele sair e vier pra cidade, quem vai produzir comida pra gente, no futuro?
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Eu tenho tantos sonhos! Eu sonho que a Muda Meu Mundo vai chegar bem grande um dia e virar algo internacional, ao ponto de poder ajudar muitos produtores, em vários lugares do mundo. A gente está desenhando o modelo que esteja pronto para internacionalizar, em breve. Meu sonho de vida, eu brinco que eu vou trabalhar até oitenta anos, com oitenta e um é que eu vou parar, porque eu já, talvez esteja cansada, mas eu tenho sonho de fazer muitos outros negócios. Eu tenho algumas ideias de negócios que eu queria colocar em prática, mas eu também tenho um sonho muito grande, que é de, no futuro, conseguir ajudar outras mulheres a empreender, porque a gente sabe da dificuldade que tem, né? Por exemplo: mulher, seis por cento de todo o investimento captado no Brasil, vai para empreendedoras, pras mulheres, a maioria vai pros homens. Eu quero ter algum tipo de apoio para empreendedoras, no futuro. Então, é um dos meus grandes sonhos, também.
P/1 – E o que a Muda Meu Mundo representa, na sua história?
R – A Muda Meu Mundo representa eu ser a mudança de verdade. Engraçado que, quando eu tomei essa decisão, quando eu já estava em crise, eu fiz uma tatuagem: “Be the change”. Essa tatuagem era exatamente o que eu queria ser, queria ser a mudança. Então, a Muda Meu Mundo é muito a concretude disso, né, de eu conseguir realmente ser a mudança, mas uma mudança consistente, uma mudança que: “Puxa, eu tô mudando de verdade, não tem nenhum produtor que não se aproxime da gente, que não tenha resultado, que eu não transforme a vida dele”. Então, eu quero ser essa mudança e a Muda Meu Mundo me ajuda a mudar o meu mundo, mas eu também consegui ser a mudança pro mundo de muitas pessoas.
P/1 – Priscilla, você gostaria de acrescentar alguma coisa, contar alguma história que eu não tenha instigado ou deixar alguma mensagem?
R – Ai, não sei, acho que eu já disse tanta coisa. (risos) Acho que eu falei tanta coisa, eu não sei. Vocês acham que faltou alguma coisa, que eu não disse? Acho que não.
P/1 – Aí é com você.
R – Acho que não, acho que está bom.
P/1 – Então, pra finalizar, gostaria de saber como foi, pra você, ter passado um pouquinho dessa manhã com a gente, ter contado um pouco da sua história, dividido, como foi a experiência?
R – Então, faz tempo que eu não olho pra trás, assim, ao mesmo tempo. Eu tô olhando tanto pra frente, pra frente, pra frente, que eu não paro de olhar pra trás. E, às vezes, eu estava falando com vocês aqui e vinha coisa na minha cabeça: “Poxa, por isso que eu faço isso, olha isso aqui”. Então, assim, foi bem interessante, sabe? Vai me fazer refletir o resto do dia, em algumas coisas.
P/1 – Que legal! Quer falar alguma?
R – Não, então, essa coisa da relação com a comida, eu nunca tinha parado pra pensar que isso tem muito a ver com que a família é. Eu lembro no cartãozinho da missa de sétimo dia da minha vó, que tudo que a gente falava era de comida: “A vovó fazia isso, a vovó não sei o que, a vovó...”. A família sempre teve essa relação, só que eu nunca: “Puxa, por que comida?” Eu sempre coloquei muito meu filho como sendo precursor dessa coisa da comida, mas na verdade não é, sempre foi a minha avó, essa pessoa que trouxe essa relação com a comida, né, de comida o tempo todo, de comida saudável, de comida carinhosa, aquela comida que puxa, foi feita só pra mim. Então, isso vem muito dessa relação com os meus avós.
P/1 – Que demais! Muito obrigada, foi muito gostoso. Quero te agradecer demais pela disponibilidade, imagino que esteja numa correria maluca, mas foi muito gostoso pra gente.
R – Não, me desculpem ter desmarcado antes, porque, às vezes, acontece, é tão intenso, que a gente não consegue dar conta e parar duas horas assim, gente, é difícil! (risos).
P/1 – É. (risos)
[Fim da Entrevista]Recolher