Correios – 350 anos aproximando pessoas
Depoimento de Raimundo Nonato Farias
Entrevistado por Karen Worcman
Cachoeira de Santo Antônio, 26 de julho de 2013
HVC058_Raimundo Nonato Farias
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
História de vida:
P/1 – Seu Curupira, eu vou começar a nossa história lá, o senhor vai me dizer de novo o seu nome, o local e a data do seu nascimento.
R – Sou do dia 31 de agosto de 1940.
P/1 – Onde foi que o senhor nasceu?
R – Eu nasci num lugarzinho chamado Cruzeiro, no município de São Bento.
P/1 – Onde é Cruzeiro município São Bento? Em que estado e perto do quê?
R – Ele fica entre São Bento e outra cidade que tem chamada Peri Mirim, é a estrada que vai daqui a Pará-Maranhão, hoje ela passa lá onde mesmo eu nasci, no Cruzeiro, aí de lá já vai direto a São Bento.
P/1 – O Cruzeiro é uma cidade perto do mar? Perto do rio?
R – Hoje ela já é uma cidadezinha, ela fica na beira do campo, lá é campo, campo geral.
P/1 – Como é que é esse campo, Seu Curupira?
R – O campo geral no Maranhão, onde chama, é aquela parte alagada, que é só campo.
P/1 – É alagado?
R – São Bento ele já fica já perto do mar, próximo do mar, de São Bento a São Luís é um dia de viagem de barco.
P/1 – Um dia de viagem de barco?
R – De barco, hoje já tem através da estrada, aí já tem a balsa que faz o transporte.
P/1 – Quando o senhor nasceu não tinha estrada nenhuma?
R – Não, quando eu nasci não tinha nada disso.
P/1 – E, aí, nessa cidade quantas casas tinham?
R – Ah, era muita.
P/1 – Ah, é?
R – Era muita, a cidade lá São Bento é grande.
P/1 – Já era assim?
R – Já era grande, hoje ela está grande, muito grande.
P/1 – Como é que era na época que o senhor era criança essa cidade?
R – Na época que eu era criança, ela já era uma cidade já, já era município.
P/1 – De que viviam as pessoas da cidade?
R – Na época eu era pequeno, morava no Cruzeiro, aí eu com idade de 15 anos, eu fui para São Bento, eu trabalhava, lá tinha um empresário por nome João de Quirina, eu tinha um tio que trabalhava lá com ele, aí comecei trabalhar com ele.
P/1 – O que é que o senhor foi fazer? Trabalhar fazendo o que para esse empresário?
R – Lá era uma fábrica, lá descaroçava o arroz, o algodão, ele exportava arroz para São Luís, Seu João de Quirina, era um empresário.
P/1 – Ele era de lá mesmo ou ele era?
R – É, de lá mesmo, ele era de lá mesmo, de São Bento mesmo.
P/1 – Agora conta para mim, como é o nome inteiro do seu pai e da sua mãe?
R – O nome do meu pai é Antônio Lúcio Farias, o nome da minha mãe é Maria da Conceição Farias.
P/1 – O seu pai nasceu lá em Cruzeiro mesmo?
R – É ele nasceu, ele nasceu num lugarzinho chamado Mormorana lá, mas era tudo perto.
P/1 – Ele fazia o quê? O que o senhor lembra dele?
R – Trabalhava, ele trabalhava como carpinteiro, agricultor, ele trabalhava.
P/1 – E a sua mãe?
R – A mamãe também trabalhava na roça.
P/1 – O que vocês plantavam?
R – Ela trabalhava, plantava mandioca, macaxeira, batata, tudo isso ela fazia.
P/1 – Ela que plantava?
R – É, plantava junto com o pessoal, junto com a família, eu era pequeno na época.
P/1 – O senhor ia plantar mandioca junto?
R – Não, ficava em casa, era moleque.
P/1 – O que o senhor lembra de fazer em casa pequeninho?
R – Aí depois, aí, eu já estava com idade de oito anos, eu já ficava com meus irmãos pequenos em casa.
P/1 – O senhor que cuidava?
R – Era.
Eu cuidava.
P/1 – Então o senhor é o mais velho?
R – Eu sou o mais velho.
P/1 – Então, me conta como que se chama e quantos irmãos o senhor tem?
R – Nós somos, nós éramos oito irmãos, morreu três, nós somos cinco irmão vivo.
P/1 – Então era o senhor, Raimundo Nonato.
R – Era eu, Luiz Fernando, que é esse aqui, José Lobato, Francisco e Rosalina, o Francisco mora no Maranhão ainda e a Rosalina mora em Belém.
P/1 – E os outros?
R – Os outros são falecidos, já morreram pequeno também.
P/1 – Ah, morreram pequenos.
R – Morreram pequeno.
P/1 – Eles morreram de que, Seu Raimundo?
R – Bom, na época, eu não lembro, um sei bem que ele teve um ataque de verme e ele chegou a falecer.
P/1 – Ele era muito pequenininho?
R – Era, ele era pequeno.
P/1 – O que acontecia quando morria um irmão, um filho assim, o que a família fazia?
R – Na época a senhora já sabe, era atrasado, não tinha médico, às vezes quando tinha ficava distante, às vezes a família não tinha nem como levar, e aí adoecia, morria e aí fazia o velório e noutro dia já.
P/1 – Fazia o velório dentro de casa?
R – Era em casa mesmo.
P/1 – Porque eu ouvi dizer que nessa época, nessa região, as crianças quando já estavam assim bem doentinha segurava uma vela, o senhor lembra disso?
R – Justamente.
P/1 – Como é que era?
R – Quando estava morrendo botava uma vela na mão até do adulto também.
P/1 – Para que era a vela?
R – Eu não cheguei a ver, assim, a pessoa morrendo, mas aí eu escutava meus avós falar, como era.
P/1 – O que eles diziam?
R – Às vezes se ele estava morrendo, aí pegava uma vela, acendia, botava na mão dele, ficar seguro ali, aí até dar o último suspiro.
P/1 – Isso era, assim, o pessoal achava normal ou chorava muito, o que o senhor lembra?
R – Chorava, chorava.
P/1 – O senhor lembra da sua mãe e do seu pai chorando pelos seus irmãos?
R – Lembro e bem.
P/1 – É mesmo, como é que foi, o senhor lembra desse dia? Conta para mim.
R – Na verdade o meu pai, ele não viveu, assim, com a mamãe tempo, eles se abandonaram, eu fui o primeiro, eles se abandonaram, aí ela teve outros maridos.
P/1 – Quer dizer que os seus irmãos não são filhos do seu pai?
R – Não, não, só é eu mesmo dele, eu fui o primeiro.
P/1 – Ele foi embora?
R – Foi embora.
P/1 – O senhor chegou a conhecer ele?
R – Conheci, ele já faleceu depois que eu cheguei aqui, ele estava trabalhando em São Luís, numa construção lá e uma parede desabou em cima dele e ele faleceu.
P/1 – Mas até que idade ele viveu com a sua mãe?
R – É, não passaram muito tempo, não.
P/1 – Quer dizer, ele nunca morou na sua casa?
R – Não, não, nunca morou.
P/1 – E os outros que ela casou moravam com vocês ou era só?
R – Não, nós morávamos junto.
P/1 – Quem?
R – Aí eu com idade já de 15 anos, aí eu já fui me embora para São Bento para a casa de um tio que morava lá.
P/1 – Mas deixa eu entender uma coisa, os seus irmãos todos tinham um pai só ou cada um tinha um pai diferente?
R – Não, é só eu, eu tenho, o meu pai é diferente, o José Lobato também é diferente, agora, o Luiz Fernando, eles são os três irmãos vivo, os outro tudo era só com ele, os dois que morreram.
P/1 – Como é que ele chamava?
R – Um me lembra bem, que era José, um que morreu, a outra era uma menina, era Luisa também, essa faleceu.
P/1 – Dos seus irmãos?
R – O outro eu não lembro o nome dele, porque.
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P/1 – Por quê?
R – Esse outro eu já não lembro o nome dele, porque ele não chegou nem ter nome, ele já morreu, já.
P/1 – Esse que é o pai dos seus irmãos, o senhor lembra dele?
R – Lembro, era João Abreu o nome do pai do Luiz Fernando, ele já é falecido também.
P/1 – Ele é falecido também?
R – Já.
P/1 – O senhor conviveu com ele muito tempo?
R – Convivi, ainda convivi uns tempo ainda com ele.
P/1 – Era bom?
R – Era, legal ele.
P/1 – Era legal, não era, assim, não batia em vocês?
R – Não, não batia, não.
P/1 – Quem que batia?
R – A mamãe, ela batia muito na gente, mereceu, apanhou.
P/1 – Ela batia como?
R – Ela pegava um galho de mato assim e dava pisa daquela criada, eu me lembro bem.
P/1 – Como é que era?
R – Ela pegava, nego errava, fazia alguma coisa errada, ele ia para taca, não tinha conversa, e aí quando apanhava um todos apanhavam.
P/1 – Juntos?
R – Juntos, não tinha conversa, não tinha disso, eu acho que por isso hoje eu criei seis filhos e até hoje eles me obedecem.
P/1 – O senhor também dava pegada neles?
R – Quando merecia apanhava.
P/1 – Também com taca?
R – Não, eu fazia uma palmatória, e aí eu dava seis bolinhos em cada um, conversando.
P/1 – Enquanto conversava ia dando os bolinhos?
R – Era, conversava, dava um bolo e ia conversando com eles: “Olha, meu filho, você apanhou por causa disso, para você não fazer mais”, era assim, nunca bati na cabeça, no corpo também não, eu dava bolo.
P/1 – E a sua mãe?
R – A minha mãe já não, a mamãe era com corda, era com galho de mato, era com o que ela tivesse na mão, só não ferro.
P/1 – Mas vocês ficavam parados ou saía correndo?
R – Paradinho, ficava paradinho, apanhava quieto, não chorava, era quietinho.
P/1 – O senhor lembra da sua primeira surra?
R – Ah, não, não lembro.
P/1 – Mas uma, a mais forte delas?
R – Duas eu lembro.
P/1 – Conta como é que foi.
R – Uma eu estava na casa do meu padrinho que morava próximo, eu estava numa briga com uma filha dele, já estava mocinha ela, nós começamos teimar, começamos brigar e aí o pai dele já estava com cabelo branco assim, que nem o meu, aí ele veio e ralhou com nós, aí eu disse assim para ele: “Vá-se para merda, seu velho”, eu não olhei que a mamãe estava chegando lá, ela não contou dia santo, ela me pegou na taca, me jogou embaixo, botou o pé no pescoço e meteu taca.
P/1 – Quantos anos o senhor tinha?
R – Eu tinha uma faixa de uns doze anos mais ou menos, eu me lembro, é tão bom como fosse hoje.
P/1 – E aí o senhor ficava com raiva dela, o que o senhor sentia?
R – Não, Deus defenda, não ficava, ela batia e: “Ô, mamãezinha, não me bata”, aí era mamãezinha, apanhava mesmo, não tinha porque a gente reclamar e nem contava para os outro que apanhou.
P/1 – Dava vergonha, tinha vergonha de ter apanhado?
R – Não, não é vergonha porque ele ia apanhar de novo, eu peguei outra surra um dia de domingo, eu saí com dois primos meu, hoje é, chama estilingue, para nós na época era baladeira, fomos passarinhar pelo mato, cheguei era umas quatro horas da tarde, eles não sabiam nem para onde eu estava, para onde a gente estava, isso me custou caro, eu apanhei bem.
P/1 – Também da mesma maneira, ela pegou?
R – Ah, essa eu apanhei bonito, lá no Maranhão tem um mato que a gente chama moita de Nossa Senhora, um galhinho nessa grossura ela tem para mais de 100 galhos nas pontas e aquilo eles traz e bota assim na beira da casa, ela cai a folha, aquilo ali, meu pai, é um Deus nos acuda.
P/1 – Dói muito?
R – Deus defenda.
P/1 – Por que, cada vez que bate aí entra agulhinha assim?
R – É, ela fica, ficava o calombozinho.
P/1 – E, aí, depois essa ferida não infeccionava não, Seu Raimundo?
R – Não, não, terminava de apanhar, botava a gente para tomar banho ainda.
P/1 – Para tirar o?
R – Para tirar, ia, tomava um banho e servia de exemplo.
P/1 – Então, quem que mandava mesmo na casa, era a sua mãe?
R – Era, ela que era mandona mesmo, os filhos respeitavam os pais, mãe dizia: “Olha, meu filho, você não faça isso”, você não teimava, porque as coisas era complicada, é diferente de hoje, hoje a gente não pode disciplinar um filho, não é verdade? Ele cresce, ainda grita em cima dos pais, o pai fica até calado, que não pode bater, não pode fazer nada, e é o quanto os pais perde muito com isso.
P/1 – O senhor acha que então era bom apanhar?
R – Na época era.
P/1 – Agora me conta um pouco da sua casa, essa casa que o senhor viveu com a sua mãe lá em Cruzeiro, ela era parecida com essa, de madeira?
R – Não, não.
P/1 – Como é que ela era? Me descreve.
R – Ela era coberta com a palha do babaçu, tapada com a palha do babaçu, o piso era de barro mesmo, fazia o aterro, quando acabava tinha um sebo, batia ela bem batida, que ficava, parecia cimento.
P/1 – O chão?
R – O chão.
P/1 – E a parede era de quê?
R – A parede era de palha, tapada de palha, depois a gente tapou de barro, a gente varou ela todinha e tapou de barro, era tapada de barro.
P/1 – Vocês dormiam aonde?
R – Dentro dela mesmo.
P/1 – Eu sei, mas numa rede, no chão?
R – Na rede.
P/1 – Era rede?
R – Só na rede.
P/1 – Só tinha rede?
R – Era só rede, cama nesse tempo ninguém falava.
P/1 – Cada filho tinha uma rede?
R – Cada filho tinha uma rede.
P/1 – Pendurava a rede aonde?
R – Tinha os atador dentro de casa, mesmo que nem essa aqui.
P/1 – Era só um quarto ou era quarto, cozinha, tudo junto?
R – Depende da família.
P/1 – Mas na sua família como é que era?
R – Tinha quarto, cozinha.
P/1 – E a comida, Seu Raimundo, o que vocês comiam?
R – Ah, a comida era peixe, era carne ou frango, ela criava, mamãe criava muita.
P/1 – Criava o quê?
R – Galinha caipira criava, às vezes, a gente criava um porco, dois, para comida.
P/1 – E para acompanhar?
R – Comprava, eles trabalhavam.
P/1 – Eles trabalhavam aonde?
R – E recebia, tinha o pessoal lá que eles botavam roça, no canavial plantando cana, Cruzeiro, plantava cana.
P/1 – Eles iam trabalhar na cana?
R – É, aí no trabalho, aí matava o gado lá mesmo, vendia para todos os trabalhadores, a vida era boa também.
P/1 – Era boa, o senhor lembra?
R – Era boa.
P/1 – O senhor não lembra de ter sentido fome, nada disso?
R – Não, às vezes acostuma da gente passar, hoje, até hoje, que as coisas tem uma facilidade, às vezes a gente não tem, às vezes, por exemplo, hoje era dia da nossa viagem para Laranjal do Jari, fazer compra, a gente faz compra, aí de lá traz a carne, o frango, porque aqui a gente não cria, nós não criamos nada.
P/1 – Vocês não criam nada aqui?
R – Não.
P/1 – Por quê?
R – Nós tivemos uma criação aí do frango caipira, mas a gente acabou com ele.
P/1 – Mas por quê?
R – Aí deu mal, e a gente está deixando as coisas enxugar mais para gente continuar, a gente tem a casa lá, ali, tudo para criação.
P/1 – Deu doença?
R – Deu, foi bom, a gente manda buscar, comprar o pinto em Belém, e aí a gente cria.
P/1 – E plantar, lá na época, o que vocês comiam, o que plantava, fora a carne?
R – Aqui?
P/1 – Lá.
R – Lá plantava mandioca.
P/1 – Quem que plantava?
R – A mamãe com o pessoal tudo plantava.
P/1 – E o senhor, a sua função pequenininho era cuidar dos irmãos?
R – Era cuidar dos irmãos.
P/1 – O que era cuidar dos irmãos?
R – Cuidar dos irmãos, que a mamãe saía para trabalhar, eu ficava com eles em casa reparando, dava banho na hora certa, fazia comida.
P/1 – O senhor que fazia a comida?
R – Fazia e faço até hoje.
P/1 – Que comida o senhor fazia?
R – Ah, fazia o peixe, a carne, quando tinha.
P/1 – Como, me explica, assim, como é que fazia o peixe?
R – Cozinhava, botava para ferver, o mesmo que hoje, fogão à lenha.
P/1 – Aí temperava o peixe ou não?
R – Temperava tudo, hoje, meu Deus, só não aprendi a ler e escrever, mas da cozinha eu faço tudo, eu lavo roupa, se for possível passar no ferro eu passo, faço a comida.
P/1 – Tudo isso o senhor aprendeu nessa época?
R – Tudo aprendi com a minha mãe.
P/1 – Não tinha essa coisa que homem não faz?
R – Não, não, não tinha nada, a mãe botava mesmo para fazer, hoje eu não lavo a minha roupa, hoje tem a senhora ali, a Ornélia, é quem lava a minha roupa, mas antes disso quem lavava era eu, certo.
P/1 – E a temperar o peixe, quem que ensinou o senhor?
R – A minha mãe, tudo isso eu aprendi.
P/1 – Me diz como é que tempera um bom peixe.
R – Eu aprendi com a minha mãe, com a minha avó, porque lá tinha, não faltava cebolinha, o cheiro verde, até a cebola de cabeça plantava, que é aquela cebola branca, aquelas cabecinha pequena, isso tinha tudo.
P/1 – Isso era comida no almoço e no jantar o que comia?
R – Era, fazia o almoço, às vezes, quando às vezes não tinha janta, mas a gente, como fazia um mingau de farinha e tomava e ia passando.
P/1 – Ia passando, aí foi passando, passando, o senhor saiu de lá com que idade mesmo?
R – Vinte anos.
P/1 – Mas com 15 o senhor falou que foi para outro lugar.
R – É, de lá de São Bento eu já vim para cá, com 20 anos, cheguei aqui com idade de 20 anos, quando eu saí de lá.
P/1 – Mas o senhor ficou em São Bento até 20 anos?
R – Foi.
P/1 – Até 20 anos?
R – Até 20 anos, completei 20 anos lá e foi que o meu tio chegou daqui, aí eu vim com ele.
P/1 – Por quê? Me conta, o senhor estava fazendo o que lá quando o seu tio chegou?
R – Estava trabalhando, eu trabalhava lá nessa fábrica lá com esse senhor lá, o João de Quirina, era um empresário lá, ele chegou a ser até prefeito lá na cidade, aí, de lá eu deixei e vim para cá.
P/1 – O senhor continuou a trabalhar em casa? Não, aí o senhor já trabalhava?
R – Não, lá eu já trabalhava mesmo, era só mesmo trabalho, que aí o meu tio tinha a esposa dele, ela fazia tudo.
P/1 – E o seu trabalho lá como é que era, o senhor explica para mim, o que o senhor fazia ainda lá no Maranhão?
R – Lá?
P/1 – É.
R – Lá com esse senhor que eu trabalhava, lá era uma fábrica de beneficiar arroz, algodão, que ele comprava e lá tudo isso a gente fazia, trabalhava lá, aí carregava.
P/1 – O que é que é, por exemplo, tirar o caroço do arroz, como é que faz?
R – O arroz, lá tem a máquina para beneficiar o arroz, a máquina para beneficiar o arroz, lá muito mesmo, era toneladas e toneladas, a gente tinha vezes de trabalhar noite e dia.
P/1 – Sem parar?
R – Parava, só parava para descansar a máquina um pouco e mandava brasa.
P/1 – E, aí, o salário era bom?
R – Era, na época, o salário era bom, fazia 20 cruzeiros por semana.
P/1 – O que dava para comprar com os 20 cruzeiros?
R – Ah, dava para comprar muita coisa, comprava roupa, ajudava, tirava para despesa, que ajudava o meu tio também, que ele tinha família, quando era no fim de semana eu recebia, aí, eu tirava aquela quantia ali para ajudar na despesa da casa e o resto eu comprava roupa.
P/1 – Roupa?
R – É, calçado.
P/1 – O senhor já namorava?
R – Ainda não, não sabia nem o que era namoro.
P/1 – O que o senhor fazia fora trabalhar, nessa época?
R – O que eu fazia quando parava? Ah, ia na praça com os amigos, ia olhar uma festa para ali, não bebia, não fumava, ia só olhar.
P/1 – O senhor ia na igreja já?
R – Ia, sempre fui.
P/1 – Quando que o senhor começou a ir na igreja?
R – Olha, eu desde idade de oito ano, eu fui batizado com oito ano, mas a minha mãe já levava a gente para igreja, era quase um hora de viagem, mas a gente ia, todo domingo a gente ia.
Aí, depois que eu mudei para São Bento, aí pronto eu caminhava direto mesmo para igreja, aí, ela mudou também para São Bento, veio embora para lá, e aí quando eu ia daqui.
P/1 – Ela era muito religiosa?
R – Era, a mamãe era, ela não perdia missa, na missa da seis horas da manhã ela já estava para missa, e quando era das sete horas já a galera pequeno ia para missa, já o Luiz Fernando, o Francisco, eu já estava para cá, eu já estava para cá, aí, mamãe morreu, nunca trocou a religião dela.
P/1 – E aí o senhor estava lá nessa coisa e o seu tio já estava aqui?
R – Já, ele já trabalhava para cá, ele veio para cá com 16 anos ele saiu do Maranhão, ele passou muitos anos, ele passou 16 anos sem ir lá, com 16 anos que ele estava para cá e ele foi.
P/1 – Ele dava notícia? Mandava carta? Como é que você sabia?
R – Mandava não, na época era difícil.
P/1 – Não tinha carta, não tinha nada.
R – Não tinha nada, quando ele apareceu lá foi já com 32 anos que ele tinha saído, com 16 anos que ele tinha saído.
P/1 – E aí ele chegou lá e falou o quê? Como é que foi?
R – Aí ele chegou lá e isso foi uma surpresa muito grande, a chegada dele, aí ele foi, aí voltou para cá de novo, aí quando foi em 60 ele foi no Maranhão novamente, aí eu já vim com ele, quando ele foi lá nós ainda era pequeno ainda.
P/1 – E, aí, quando ele foi lá ele chamou você para vir para cá?
R – É, convidou.
P/1 – Por quê?
R – Convidou para mim vir com ele para trabalhar.
P/1 – Ele disse que aqui era bom de trabalho?
R – Era bom, ele já trabalhava com agricultura aqui, trabalhava muita gente com ele, tinha até 16 anos trabalhava com ele aí.
P/1 – A terra era dele?
R – Não, as terras hoje continua sendo, era da empresa na época, que era os português, aqui era dos português as terras.
P/1 – Então vocês vieram para cá.
R – Aí viemos.
P/1 – Como é que o senhor fez para vir para cá? Veio de ônibus? Veio de barco?
R – Não, a primeira vez que eu vim para cá, que eu vim em 60, veio eu e mais dois primos meu, nós viemos por terra, caminhando.
P/1 – Andando?
R – Andando, nós viajamos 12 dias de São Bento a Bragança, Estado do Pará.
P/1 – É mesmo?
R – É.
P/1 – Mas pelo mato ou pela?
R – Só tinha trilha, na época era a Estrada do Fio, era o telégrafo, a gente aqui acolá saia debaixo do fio.
P/1 – Tinha um fio de telégrafo em cima?
R – Era.
P/1 – Aí vocês guiavam pelo fio?
R – É, porque tinha trilha, o caminho nessa largura, onde passava animal, carro de boi, aí a gente veio, veio embora até Bragança.
P/1 – Veio o senhor, seu primos?
R – Veio eu, um tio e um primo meu para cá na época primeiro.
P/1 – Vocês dormiam aonde?
R – Aí nós viajava até encontrar uma casa, quando era cinco hora a gente encontrava uma casa e pedia agasalho, lá a gente dormia, pernoitava, aí no outro dia a gente.
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P/1 – Andava mais.
R – Queimava o chão de novo.
P/1 – E comia o quê?
R – Comia, a gente comprava, passava no comércio, comprava o peixe, a carne.
P/1 – Parava na estrada para comer?
R – Conserva.
Aí, quando dava o negócio de 11 horas a gente parava, merendava um pouco, aí, bafuretava um pouco, aí no mato mesmo, não no caminho mesmo, aí pisava novamente.
P/1 – Quanto, muito longe, 12 dias?
R – Doze dia de São Bento a Bragança.
P/1 – E, aí, em Bragança como é que vocês fizeram?
R – Em Bragança, aí, a gente pediu agasalho lá, que tem um igarapé que chamam lá, esse igarapé lá e tinha uma ponte lá, a Ponte do Sapucaia, em Bragança, lá tinha um senhor, ele andava atrás de um porco dele que tinha fugido, a gente topou com ele umas três horas da tarde, aí a gente veio com ele.
Aí, já se conversando, ele já convidou já a gente para ficar lá na casa dele, já perto de Bragança, era só atravessar a ponte e já era Bragança, já começava a vila de Bragança, aí ele já morava do outro lado da ponte, Bragança, no Estado do Pará, e lá a gente dormiu.
Aí, tinha um comerciante lá que ele era de São Bento, lá em Bragança, aí de manhã a gente foi lá era conhecido do meu tio aqui, a gente foi lá com ele, conversou, lá a gente até almoçou lá com ele, quando foi no terceiro dia nós viajamos para Belém de trem.
P/1 – Aí vocês pegaram o trem?
R – Aí já foi no trem de Bragança para Belém, porque o meu tio tem uma irmã que mora em Belém, uma tia nossa, ela morava lá na casa de uma família lá e desde pequena, ela veio do Maranhão e ficou nessa casa com a idade de 16 anos, e hoje ela é a dona do prédio lá.
P/1 – Ela foi lá fazer o que? Trabalhar?
R – Ela trabalhava lá, porque a Agma, que era a mulher do Seu Smith, ele era um telegrafista da Panair na época, e ela tinha duas lojas no Ver-o-Peso, aí a titia Raimunda cuidava da família, ela quem criava os filho dela, criou os filhos dela quase todo.
P/1 – A Tita?
R – A minha tia.
P/1 – Chama Tita e a Raimunda, quem era?
R – Era Raimunda o nome dela.
P/1 – Tita Raimunda.
R – É, Raimunda.
P/1 – A Raimunda, e ela criou todos os filhos desse casal?
R – Os filhos da Dona Agma, ela passava uns quatro dia, era o máximo com os filhos, a tia Raimunda que tomava conta da casa e tudo, e hoje ela é a dona do bangalô lá, são dois andar a casa lá.
P/1 – Eles deixaram para ela a casa?
R – Ela que é a dona hoje, eles morreram, morreu primeiro o Seu Smith, que era o marido dela, aí ficou os filhos, tudo formado, e aí o último foi ela que morreu, e aí eles deram a casa para ela com tudo.
P/1 – Ela mora lá até hoje?
R – É, ela mora até hoje em Belém.
P/1 – Ela fica com os filhos?
R – Não, os filhos já tão tudo, já casaram tudo, e hoje ela mora ela e uma sobrinha dela.
P/1 – Ela não casou?
R – Não, nunca casou.
P/1 – Não teve filho dela então?
R – Não teve filho nenhum, não teve nenhum.
P/1 – Ficou por conta dos filhos do.
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R – É, ficou por conta da família lá.
P/1 – Aí vocês pousaram lá com essa família?
R – É, quando a gente vinha, quando nós viemos, aí já viemos direto para lá, de lá nós ficamos, quando eu vim para aqui, quando eu vim a primeira vez, eu e esse primo e o tio, aí de lá nós fomos trabalhar na Copala, que era da empresa Jari.
P/1 – Aqui já?
R – Dos portugueses, em Belém, trabalhamos 18 dia lá, aí quando o navio subiu, aí a gente veio.
P/1 – O que vocês ficaram fazendo lá?
R – Ficamos lá, lá quando nós trabalhamos lá estava em construção, tinha muitos prédios lá em construção, a gente trabalhava lá, cimento, fazia, serrava madeira lá para fazer caixa para concreto, tudo isso a gente fez.
P/1 – Mas, Seu Raimundo, conta aqui, o senhor nunca tinha visto uma cidade grande, já?
R – Não.
P/1 – Como é que foi?
R – Isso aí foi uma surpresa, que a gente quando nunca foi num lugar, é uma cidade que é capital já, que nem Belém, que hoje Belém já mudou muito, daquela época de 60 para cá, cresceu mais, e então isso aí, a gente abriu os olhos.
P/1 – O senhor gostou de ver ou o senhor achou.
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?
R – Gostei muito.
P/1 – O senhora já tinha trabalhado em obra?
R – Não, não, lá trabalhava assim, porque lá em São Bento eu trabalhei de ajudante de pedreiro, construção, às vezes não estava fazendo nada e aí o chefe vinha lá, falava comigo, eu ia trabalhar, ajudante de pedreiro, fazendo massa, cimento, era assim.
P/1 – Aí depois de 18 dias vocês pegaram um barco?
R – Dezoito dia a gente pegou navio, era o Rio Jari na época aqui, aí viemos para cá.
P/1 – E aí vieram descendo de navio, quanto tempo que demorou?
R – Três dias de viagem, três dias de Belém para cá, porque ela vinha encostando, todas essas bibocas aí da empresa, ele vinha encostando.
P/1 – Vocês paravam, vocês dormiam na rede?
R – Era em rede.
P/1 – Aí veio de barco, três dias e chegaram aonde?
R – Chegamos, desembarcamos aqui.
P/1 – Aqui aonde?
R – Aqui na Cachoeira já, aqui no porto, era lá em cima, tem aquela casa lá, dois andar, na época que eu cheguei aqui ainda não tinha ela, aí ali tinha um trapichão, um barracão, o navio encostava lá, era o Rio Jari.
P/1 – E, aí, era a empresa dos portugueses?
R – Era os português.
P/1 – Como é que foi, o senhor chegou e aí, o que aconteceu?
R – Aí quando chegamos aqui o meu tio já estava esperando nós aqui, aí daqui a gente chegou, desembarcou, passamos uma hora mais ou menos aqui, aí fomos embora para lá para o setor onde ele trabalhava, quatro quilômetros daqui.
P/1 – Para cima do rio?
R – É acima, aqui, do lado, aqui para estrada aqui.
P/1 – O que tinha nesse lugar que ele estava trabalhando?
R – Lá era só roça, lavoura, roção, que plantava o feijão, o arroz, a mandioca, tabaco, feijão, era tudo.
P/1 – Aí vocês chegaram e ficaram trabalhando nessa?
R – Aí fui trabalhar para lá.
P/1 – Trabalhava para ele?
R – É, para ele.
P/1 – Ele pagava vocês?
R – Pagava, pagava.
P/1 – E aí, Seu Raimundo, o que aconteceu? Você fez casa, o que aconteceu na vida?
R – Eu?
P/1 – É.
R – Não, eu primeiro, quando eu vim para cá em 60 trabalhei um ano e seis meses, aí eu fui no Maranhão, fui no Maranhão, em 61 eu fui no Maranhão.
P/1 – Visitar a família?
R – Fui lá com a família, aí na época aqui eu saldei um dinheirão aqui, 36 cruzeiro era dinheiro demais.
P/1 – O senhor levou esses 36 para lá?
R – Levei, fui receber em Belém ainda, no escritório da Jari.
P/1 – Mas era seu tio que pagava ou era a Jari que pagava?
R – Não, ele vinha, prestava conta do trabalhador aqui, aí chegava aqui no comércio, aí o gerente aqui dava uma carta de ordem, a gente ia receber em Belém.
P/1 – Então eu preciso entender, na verdade ele estava trabalhando para Jari?
R – Ele trabalhava, a lavoura era dele, todo o produto dele era entregue aqui no comércio, aqui, para o gerente aqui, pesava tudo, prestava conta, aí ele pagava todos os trabalhador que ele tinha, aquele que tinha saldo, não ficava devendo, não.
P/1 – E aí o senhor tirou 36 contos?
R – Trinta e seis contos.
P/1 – Era muito dinheiro?
R – Era dinheiro demais.
P/1 – O que o senhor fez com esse dinheiro?
R – Ah, eu fui visitar meus parentes, minha mãe, meus irmão, passei um mês e pouco lá, deixei alguma coisa para ela, um pouco, ainda viajei de avião ainda, fui e voltei de avião para Belém.
P/1 – Sério?
R – De Belém a São Luís, São Luís a Belém.
P/1 – Com esse dinheiro?
R – Sim, senhora.
P/1 – Mas aí o senhor já estava decidido a morar aqui?
R – É, aí eu voltei novamente, aí voltei em 61, trabalhei, 64 eu tornei a voltar no Maranhão, fiquei noivo lá.
P/1 – E aí?
R – Aí não deu certo, aí pintou uma aqui, eu casei com ela.
P/1 – Aqui na região?
R – Daqui mesmo, ela era de Belém ela, só que ela já morava aqui, a mãe dela morava aqui muito tempo, aí me casei com ela.
P/1 – Nessa época o senhor casou, por exemplo, onde é que ficava a igreja?
R – Era lá em cima lá, a igreja aqui, ela foi feita em 1965.
P/1 – Foi feita por quem?
R – Era o gerente aqui, era o Orlando Barreto.
P/1 – Foi feita pela Jari também?
R – A mão de obra foi a Jari, agora, a empresa aqui foi assim, aqui ela tem ajuda do balateiro, seringueiro, castanheiro, agricultor, tudo compartilhou.
P/1 – Para fazer a igreja?
R – Para fazer a igreja, aí foi comprado todo o material, a empresa ajudou, uma parte, cimento.
P/1 – Quem pôs a igreja em pé?
R – Na época era o Orlando Barreto o gerente aqui.
P/1 – Mas quem pegou a mão na madeira assim e construiu?
R – A madeira, aqui tinha carpinteiro aqui bom, tinha muito carpinteiro aqui na época, pedreiro veio de Belém, que aqui não existia, pedreiro veio de Belém.
P/1 – Vocês queriam muito ter a igreja?
R – Era, com certeza, a gente queria ela porque não tinha, a missa, quando o padre vinha, era celebrado lá no colégio, no colégio que tinha, lá próximo, ou então lá no barracão grande que tinha, era assim, até depois que foi construída a igreja.
P/1 – O senhor casou na igreja já?
R – Já, já casei aqui nela.
P/1 – Como é que foi que o senhor foi se tornando uma pessoa importante da igreja, o que foi acontecendo?
R – É, o que foi acontecendo que eu trabalhava na igreja, trabalhei como zelador, eu com a família, tesoureiro, aí de tesoureiro, foi na época que chegou aqui o Padre Luís, aí tinha uma senhora que trabalhava, que era a Vanda, era animadora, ela foi para Laranjal do Jari, e aí na visita do padre, aí, eu já fui chamado para trabalhar como animador.
P/1 – O quer dizer trabalhar como animador?
R – Animador é aquela pessoa que ele, por exemplo, aqui a Maria de Jesus é catequista, ela faz o trabalho dela, é catequista, é dirigente, e o animador, o animador, o coordenador, que tem o coordenador do setor, que são as três comunidade aqui do Rio Jari, aqui para cima.
Então o coordenador vai para lá numa reunião, quando ele chega ele passa algum trabalho que tem que é para ser desenvolvido na comunidade e o animador é para ir lá na livraria, pegar material para igreja, fazer assinatura, no material que é para igreja, e a comunicação também com o padre.
P/1 – Isso ficou sendo o senhor?
R – Esse é o trabalho do animador, e também ele chega, quando chega com o material ele entrega aqui para catequista: “Dona Maria, nós temos que fazer isso e isso e isso” e assim esse que é o trabalho.
P/1 – Aí o senhor não precisou aprender a ler, não precisou nada disso?
R – Não, não precisei, até quando o padre falou comigo eu disse para ele que não dava para mim ser o animador, porque eu não sabia ler nem escrever, ele disse que não tinha problema não, para ser um animador não precisava você ler, escrever, mas é aquela história, Deus dá a inteligência, é verdade.
Quando foi na construção dessas casas aqui, eu trabalhei na empresa executiva que prestava serviço lá no Munguba de vigilante e eu tive que fazer um curso para mim poder ser vigia.
P/1 – E aí?
R – E aí não teve jeito, para mim trabalhar eu tive que ir e graças a Deus com a boa cabeça eu passei no curso.
P/1 – Sem ler nem escrever?
R – Sem ler e nem escrever.
P/1 – Na cabeça?
R – Na cabeça, só na cabeça.
P/1 – O senhor nunca quis fazer um curso para aprender ler e escrever?
R – É que vontade a gente tem, mas aqui os nossos governantes é aquela história, os interiores são esquecido.
P/1 – Mas aqui nunca teve um curso para adulto assim?
R – Não, não, já, por exemplo, aqui foi montado, teve um Prefeito Miranda, ele botou aqui, montou aqui, mas só que o pessoal foram abandonando, abandonando, aqueles, e aí parou.
P/1 – O senhor tentou?
R – Tentei.
P/1 – É difícil?
R – Eu ainda tentei ainda, foi aonde eu consegui assinar o nome direito, que eu assinava, mas tinha falta de letra e hoje, graças a Deus, eu já não precisa mais eu botar o meu dedo lá em documento, porque identidade tem que ter mesmo o dedo, mas na época que eu tirei ela eu assinei ela um pouco mal, hoje eu tive que trocar ela, porque na época ainda era Mazagão, por Mazagão, ela foi tirada em 72.
P/1 – Aí o senhor trocou por uma nova.
R – Já troquei com outra já, graças a Deus.
P/1 – Conta um pouquinho, primeiro, o senhor é conhecido aqui como Curupira.
R – Curupira.
P/1 – Por quê?
R – Isso aqui é uma história que nem eu sei dizer o porquê, logo que eu cheguei aqui, aí que nós fomos para lá, daqui com quatro quilômetro, aí com um mês que nós estava lá, aí aqui para baixo tem muitas comunidade, que tem lá na boca do Jari, tem Jarilândia, aí vem subindo, Paraguai, aí tem o Caracuru ali com fronte o Vitória do Jari, na época lá tinha um, era uma filial da empresa.
E, aí, veio um time, vinha um time de lá para jogar, e aí na época a gente brincava uma bolazinha, eu sempre gostei de brincar uma bola, esse tempo estava novo ainda, aí o Orlando ia buscar a gente, fim da tarde ele buscava a gente para treinar para jogar, e no primeiro dia do treino que nós chegamos aqui, na primeira bola que eu, eu peguei ela, o cara me botou esse apelido, Zé Roberto o nome dele, é de Belém ele, ele me botou esse apelido.
P/1 – E ficou?
R – Aí ficou, não teve jeito, eu ainda fiquei brabo ainda, mas: “Orra, cara, tu me bota um apelido desse, que tu nem conhece, aí a raça encarna”, eu digo: “Quer saber, eu vou largar de mão porque”, aí pronto, e hoje é só como me chamam, em todo canto, até no Maranhão já conhecem como Curupira.
P/1 – Mas aí, Seu Curupira, quais que ficaram, quais são nas comunidades aqui que o senhor ajuda a fazer, as principais festas das comunidades?
R – Aqui a gente faz a festa, hoje a gente está com ela parada, a gente parou até porque uns cinco anos atrás, aí a gente deu continuidade na festa, só que aí eu tenho um filho, ele adoeceu, ele teve problema na perna dele, aí foi amputada a perna dele, ele teve que ir para Macapá, a primeira vez a irmã mais velha dele acompanhou ele, a segunda, aí foi feita a cirurgia primeiramente, a segunda foi tirada a perna dele todinha.
P/1 – O que ele teve na perna?
R – Trombose.
P/1 – Por quê?
R – Porque ele teve um baque no pé, que ele trabalhava numa firma aí do outro lado, Agrominas, e ele trabalhava com uma máquina de veneno, ele varou a perna num buraco, só que ele não falou.
Com o tempo o pé dele inflamou e aí deu essa doença no pé dele, aí, atestou trombose na perna dele, aí, teve que ser amputado a perna dele.
Aí, depois que ele chegou de Macapá, já com a perna toda amputada, aí, deu do outro lado da perna dele.
Eu acompanhei ele para Macapá, era na época da festa quase, a gente não fez, até porque o problema foi sério, e aí a gente parou.
P/1 – Qual que era a festa que o senhor organizava?
R – Santo Antônio.
P/1 – É que época essa festa?
R – Mês de junho, festa de Santo Antônio, é a festa junina aqui, só que ela é festejada em julho.
P/1 – Não é de São João então, é de Santo Antônio?
R – É Santo Antônio.
P/1 – Como é que é a festa junina aqui?
R – A festa junina, ela é com quadrilha, aí, você não vê? Na Paraíba do Norte, Pernambuco, Maranhão, esses lugares tudo, aqui também, é uma festa muito bonita.
P/1 – O senhor toca alguma coisa?
R – Não, não.
P/1 – O senhor organizava a festa?
R – Organizava, eu trabalhei na organização.
P/1 – Na comunidade?
R – Aqui na comunidade.
P/1 – Aqui mesmo a festa?
R – Aqui mesmo, é.
P/1 – Aí tem gente que toca, tem tocador aqui de sanfona?
R – Aqui não, a gente traz de fora, de Laranjal hoje já.
P/1 – O pessoal toca o quê?
R – Ah, aqui é sanfona, Laranjal já tem hoje, a cultura, que trabalha aí com essas coisas.
P/1 – Quantos filhos o senhor teve?
R – São seis.
P/1 – Seis?
R – Seis.
P/1 – E esse teve problema, onde ele está agora?
R – Mora no Laranjal.
P/1 – Ele está sem uma perna?
R – Sem uma perna.
P/1 – Ele faz o que agora?
R – Hoje ele não faz nada.
P/1 – Mas ele vive do quê?
R – É aposentado, recebe o benefício.
P/1 – E os outros filhos?
R – Os outros, tem uns que trabalha, tem uma filha que é funcionária pública tem muitos anos já, desde o primeiro prefeito.
P/1 – Lá em Laranjal?
R – Laranjal.
P/1 – E os outros?
R – Aí os outros é mãe de família, o marido trabalha, ela fica em casa, vai fazer um trabalho na casa de uma família.
P/1 – Quantas filhas?
R – São seis.
P/1 – Mas seis meninas, cinco meninas?
R – Cinco menina.
P/1 – E esse.
R – Só teve um filho homem.
P/1 – Nenhum fica aqui?
R – Não, não, eles vêm de vez em quando.
P/1 – Por que eles foram todos para Laranjal?
R – É porque aí depois que a mãe deles faleceu, aí já trabalhava, já tinha umas que trabalhava em casa de família.
P/1 – Então me conta da sua esposa, o senhor casou quando?
R – Eu casei aqui já em Laranjal, aqui na Cachoeira, já com ela.
P/1 – O senhor ficou com ela casado ou o senhor separou dela também?
R – Não, ela é falecida, depois do casamento foi 22 anos, aí ela adoeceu.
P/1 – O que ela teve?
R – Ela morreu de ataque cardíaco.
P/1 – Ela tinha problema do coração?
R – Tinha.
P/1 – Faz tempo que ela faleceu?
R – Está com 21 anos.
P/1 – Nossa, faz muito tempo!
R – É, 21 anos que ela faleceu.
P/1 – O senhor não casou de novo?
R – Não, arranjei uma e não deu certo, foi embora, aí eu não quis mais, porque aí já era problema para mim, eu pensei assim, se Deus quisesse que eu tivesse uma outra, arranjasse uma outra família para botar dentro de casa ele não teria tirado a minha, então eu me quietei também, arranjei uma, quase me dá problema, aí antes de dar problema eu.
.
.
P/1 – Qual que é o problema que ela ia dar?
R – É que ela, passamos dois meses, aí ela achou que não dava mais, ela inventou que um dia ela tinha gostado de um cara lá, ela foi em Laranjal, quando chegou já veio com uma conversa diferente, aí também já fui tirando o time de campo.
P/1 – Só essa daí que o senhor arrumou, nenhuma outra?
R – Nenhuma outra mais, para botar dentro de casa não, de jeito nenhum.
P/1 – Só namoro assim na rua?
R – É, para não dar certo, dá uma namoradinha lá, vem embora para casa, pronto.
P/1 – Lá em Laranjal?
R – Sem compromisso.
P/1 – Sei, o senhor só vai lá, tem uma namorada aqui.
R – Os filhos já tão tudo criado, às vezes quando eu quero arranjar uma, aí os filhos: “Ah, papai, essa pode não dar certo” e aí também para não dar confusão eu.
P/1 – O senhor me conta agora um pouquinho quando o senhor chegou aqui o Jari era dos portugueses?
R – Era dos português.
P/1 – Depois, quando chegou o americano, o que é que mudou? O senhor lembra da chegada dele?
R – Já, quando eles compraram aqui eu já morava aqui.
P/1 – Que ano que foi isso?
R – Parece que foi em 72 quando eles chegaram para cá.
P/1 – E eles compraram dos portugueses?
R – Compraram dos portugueses.
P/1 – O que mudou aqui nas comunidades? Como é que foi?
R – Olha, na época dos portugueses aqui não faltava nada, o comércio aqui era sortidão, era um casarão, não faltava nada, e depois dos americanos ele teve um ano, dois, eles estavam aqui, o comércio continuou, aí depois eles começaram arrendar já o comércio aqui para outras pessoa, aí as coisa foi mudando, foram mudando, mudando, até que hoje a gente vive por conta mesmo, acabou o comércio daqui, a concorrência hoje é Laranjal do Jari.
Mas os americanos, eles foram muito bom também, até a chegada aqui da EDP aqui tudo era por conta deles, a manutenção, eles fizeram essa vila aqui, deixaram o motor, o gerador, ainda deram óleo aí uns meses para gente, depois a prefeitura começou dar manutenção, mas os americanos, a Jari era quem cuidava da manutenção do motor aqui, todo problema aí levava para lá, hoje nós estamos a cargo da EDP, mas o combustível é o governo, o governo repassa mil e 80 litros de óleo todo mês.
P/1 – Para funcionar o gerador?
R – Para funcionar o gerador.
P/1 – Quem que trouxe, assim, tem escola agora nas comunidades aqui?
R – Escola tem, sempre teve, sempre teve um colégio do governo aqui.
P/1 – Aonde que fica essa colégio?
R – O primeiro era lá, ali acima da igreja um pouco, que a vila era para lá, hoje o colégio é aqui, tem aqui tem a vila, ela sobe aqui, tem aquela casa verde lá é o colégio.
P/1 – Ele é do governo?
R – É do governo.
P/1 – Então nem os americanos, nem os portugueses, nem a EDP, ninguém tem nada a ver com a escola aqui?
R – Não, não, a escola é do governo, só que era uma outra escola e quando a empresa fez a vila, que tirou de lá, ela fez outro do mesmo jeito.
P/1 – Por que a empresa tirou? Por que é que a vila saiu de lá e veio para cá?
R – Era porque o canteiro de obra, ele ia ser da igreja para lá, aí a vila ficou para cá.
P/1 – Esse é o pessoal dos americanos ou é a EDP já?
R – Não, quem fez foi a empresa Jari, quem fez as casa, ela que fez todas essas casa.
P/1 – Para fazer o que lá?
R – De lá para frente? É porque era o canteiro de obra, ele ia ficar acima da igreja, então a vila ficou abaixo da coisa e já fizeram aqui também essas casas aqui, já no estilo da hidroelétrica não atingir nada aqui as casas, entendeu?
P/1 – E a hidroelétrica, isso que está acontecendo aqui está mudando alguma coisa aqui, Seu Curupira?
R – É aquela história, de um lado ela mudou muito, porque devido o emprego, que quase todo mundo aqui da comunidade está empregado, pessoas que não tinham ganho de nada, hoje tem uns empregado, outros também já saíram de conta, hoje, por exemplo, aqui tem o grupo, as mulheres aí já tão tudo já em aviso que vai começar a secadeira, novamente elas vão trabalhar, tem 40 e poucas mulheres já fichadas, já.
P/1 – O que elas vão fazer lá?
R – Elas vão pegar o peixe, que quando secar elas vão pegar o peixe que fica do seco para jogar para água.
P/1 – O trabalho o que é que é? Pegar o peixe e jogar na água?
R – É.
P/1 – O peixe morto?
R – O peixe vivo, vivo, eles pega o peixe vivo, faz um processo nele, já tem outra equipe já botando eles para onde está a água.
P/1 – Para tirar quando inundar?
R – É, tirar para não morrer.
P/1 – Mas como é que pega o peixe no meio da água? Explica para mim.
R – Fica seco, fica bem pouca água.
P/1 – Aí fica seco, ela pega o peixe com a mão assim e joga para o outro?
R – Pega com a mão, eles têm material para pegar.
P/1 – Essas mulheres daqui que vão fazer isso?
R – Essas mulheres aí, mulheres aí dão capote em certos homens aí que eles trazem, elas é 10% mais trabalhadeira do que muitos, que não trazem nem do beiradão de Laranjal para ir, porque não dá quase resultado e elas pegam direto.
P/1 – Elas pegam para tirar o peixe, que mais que tem de trabalho para fazer?
R – Elas? Trabalho delas é esse mesmo só.
P/1 – E do resto da comunidade, que mais que a comunidade?
R – A comunidade, aqueles que não tão empregado têm o seu trabalho, por exemplo, eu tenho trabalho aqui, eu ainda boto minha rocinha ainda, planto banana.
P/1 – O senhor planta banana?
R – Só banana agora, serviço mais leve, é a banana.
P/1 – Mas o senhor vive do quê?
R – Aposentado já.
P/1 – O senhor é aposentado, aí o senhor planta uma banana?
R – Aí planta banana para ajudar.
P/1 – Vende a banana para quem?
R – Para Laranjal também, leva para vender, vendo aqui também, pessoal que trabalha aí, eles compram muito.
P/1 – Tem muita gente de fora daqui lá na.
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?
R – Trabalhando na obra?
P/1 – É.
R – Tem, tem muita gente de fora.
P/1 – Isso trouxe alguma coisa ruim também?
R – Olha, aqui para comunidade esse pessoal não dão problema para gente, até porque eles passam aí de manhã, retorna de novo para Laranjal do Jari, eles encostam por aqui, vem comprar um refrigerante aí de quem vende, cigarro, mas até agora eles nunca criaram problema dentro da comunidade.
P/1 – Eles criaram problema aonde?
R – Eu acho que aqui nesse setor aqui não.
P/1 – Lá no Jari talvez?
R – Também não sei, não, mas eu acho que não, que a maioria do pessoal trabalha tudo é no Laranjal, o pessoal que trabalha aí é Laranjal, Vitória do Jari, Monte Dourado, tem bem pouca gente que vem de fora.
P/1 – Não vem mais gente do Maranhão, não está chegando?
R – Vem, vem, têm muitos deles aí, mas aí quando ele sai de férias ele vai embora, vai para lá com a família dele, quando retorna vai para o trabalho, esses moram para lá mesmo, para Laranjal, eles vão para lá, mas eles têm quarto alugado, aluga quarto e já fica para lá, eles não criam problema dentro da comunidade, com certeza.
P/1 – Então o senhor acha que é uma coisa que está chegando que não vai mudar tanto assim a vida de vocês.
R – É, porque como diz aquela história, o pessoal diz assim: “Ah, muita gente de fora traz destruição para dentro da comunidade, para as famílias”, mas até agora ainda não deu isso aqui, com certeza.
P/1 – Seu Raimundo, para falar com os seus filhos e com a, a sua mãe já faleceu?
R – É, mamãe já.
P/1 – O senhor tem família ainda no Maranhão?
R – Tenho, ainda mora meu irmão ainda, tem irmã.
P/1 – Lá?
R – Irmã por parte de pai ainda tem para lá.
P/1 – O senhor fala com eles? Vocês se comunicam?
R – Não, com esses que tão para lá muito difícil, eu me comunico mais com a minha irmã que mora em Belém, a minha tia.
P/1 – Como que o senhor se comunica com ela?
R – É só pelo telefone.
P/1 – Telefone?
R – É.
P/1 – O senhor nunca manda uma carta para ela, nem ela?
R – Não, hoje, depois que tem o celular, hoje, porque o meu esculhambou.
P/1 – Mas antes do telefone vocês mandavam carta uns para os outros?
R – Antes disso eu mandava para o Maranhão, mandava escrever e mandava.
P/1 – Quem escrevia a carta para o senhor?
R – Era, tinha gente aqui, amigo meu mesmo, pedia para escrever, parente, escrevia uma carta, mandava.
P/1 – O que o senhor escrevia nas cartas?
R – Ah, eu mandava dizer muita coisa.
P/1 – Diz uma coisa.
R – Saber como é que estava, como é que estavam por lá, e aqui também a gente estava bem.
P/1 – Eles respondiam?
R – Respondia.
P/1 – De quanto em quanto tempo que vocês se falavam?
R – Era às vezes seis em seis mês, passava até anos.
P/1 – Mas era importante para o senhor saber alguma notícia de lá?
R – Com certeza, depois da comunicação ficou mais fácil, aí quase todo mês a gente estava entrando em contato, a mamãe sempre vinha em Belém, ela esteve aqui também uns anos atrás, com a gente, aí tenho uma irmã que mora em Belém, aí a gente liga para lá, às vezes, eu tenho uma filha que mora em Monte Dourado, às vezes eu vou para lá, de lá eu ligo.
P/1 – O senhor lembra antes do telefone se tinha, assim, chegou alguma carta que o senhor estava esperando muito, alguma notícia muito ruim ou muito boa?
R – A notícia mais ruim que chegou para mim foi quando o meu pai faleceu.
P/1 – Ela veio por carta, essa notícia?
R – Foi por carta.
P/1 – Como é que foi?
R – Ah, isso foi já depois de uns três meses que ele tinha falecido, aí a mamãe escreveu de lá que ele tinha falecido, aí já sabe, foi a perda do pai, não deixei de não ficar, apesar de eu não ser criado com ele, mas era o meu pai.
P/1 – O senhor falava com ele por carta também ou não, só com a sua mãe?
R – Não, era difícil, difícil de eu comunicar com ele, mas sempre quando a mamãe escrevia de lá mandava notícia dele.
P/1 – A sua mãe, quando escrevia, ela que escrevia de próprio punho ou alguém escrevia carta?
R – Não, eu acho que era o filho dela, o que mora lá com ela, que ele teve como estudar.
P/1 – Os Correios chegava aqui, ele subia pelo?
R – Não, não.
P/1 – Como é que fazia?
R – Daqui não tinha os Correios, aqui na época que eu cheguei para cá não tinha nada, 60 quando eu cheguei aqui não existia Laranjal, não existia Monte Dourado, só era uma casa lá no Monte Dourado, era Olho D’Água, chamava lá o local, aí, depois que os americanos compraram, foi que começou criar lá o Beradão, primeiro era Beradão, aí começou surgir os primeiros moradores, aí começou trabalho mesmo no Jari, aí o pessoal foram chegando, Laranjal a maioria do povo de Laranjal é de fora.
P/1 – Veio da onde a maioria?
R – É de todo canto, é Maranhão, Ceará, de Belém.
P/1 – Veio para trabalhar na Jari?
R – Aqueles mais, uns vieram trabalhar, aí ganharam dinheiro aí, foram montando comerciozinho, foram crescendo, crescendo, e hoje têm muitos deles aí, instalado aí em Laranjal do Jari.
P/1 – Mas o senhor conhece muita gente do Maranhão aí?
R – Não, eu conheço, tem muita gente que eu conheço, uns que já foram embora, outros que já morreram.
P/1 – Ninguém volta para terra, para o Ceará, para o Maranhão?
R – Se eles volta? Uns volta, outros já morreram por aqui, o pessoal que vieram trabalhar nessa empresa morreu muita gente aí.
P/1 – Morreu?
R – Deus defenda, aí morreu muita gente.
P/1 – Morreu como?
R – Morreu que a segurança no trabalho, às vezes pau caía por cima, aí era essa coisa.
P/1 – Aonde, aqui na EDP?
R – Não, aqui não.
P/1 – Na qual?
R – No tempo do desmatamento aí da Jari aí.
P/1 – Morreu muita gente?
R – Morreu, aí morreu muita gente, na época aí morreu muita gente, outros vinham, pegavam o dinheiro e vinha para esse Beradão aí e vinha só se derrotar.
P/1 – Beber?
R – É, na bebida aí, não voltava mais.
P/1 – Como, caia no rio e sumia?
R – Às vezes era.
P/1 – Seu Raimundo, só me conta uma última coisa, o senhor, ouvi dizer que o senhor ajuda às vezes se a pessoa está com doença ou alguma coisa para acalmar, como se fosse uma benção, o senhor ainda faz isso?
R – (risos).
P/1 – Explica para mim.
R – Não.
P/1 – O senhor nunca fez benção em ninguém?
R – Não, às vezes a gente, o que acontece às vezes é doencinha assim, uma diarreia, a gente ensina um remédio, um chá, uma coisa, mas isso aqui é coisa comum.
P/1 – O que o senhor sabe das ervas ou das rezas?
R – Hoje, por exemplo, tem o cumaru, ela é muito, pega ela, pessoas com pneumonia, é muito bom, tira aquele leite dela, bate ela, tira um pouco daquilo e dá para pessoa tomar.
P/1 – Aquilo faz bem para pneumonia?
R – Às vezes um baquezinho pequeno na perna, às vezes a pessoa trava, puxar um dedo, eu faço aquela massagem por ali, às vezes ele fica bom, dá tudo certo.
P/1 – Como é que o senhor faz? O que? Batida, o senhor ajuda, o senhor sabe puxar o dedo?
R – É, às vezes o cara desmente o dedo, a gente vai puxando por aqui, rapaz, tem um nervo torcido aqui, vai passando óleozinho aqui, puxando, dá uma puxada, aí o dedo estala, rapaz, foi para o lugar, às vezes ele está até fora do lugar, que ele estala, mas fazer assim mesmo não, eu não.
P/1 – Que mais, o pé, por exemplo, se furar o pé o que o senhor faz?
R – Furar? Bom, aí só o enfermeiro para dar jeito, porque o meu, isso aí tirando açaí, o açaizeiro caiu comigo, eu parti daqui até aqui, entrou um dedo, aqui ó.
P/1 – Rasgou mesmo.
R – Rasgou, isso aí rasgou.
P/1 – Aí o que o senhor fez?
R – Passei 18 dias internado no hospital lá na Jari, aí fui dando ponto, com três anos, eu fui tirar cipó para fazer paneiro, aí eu puxei o cipó, não olhei, estava quebrado o pau em cima, ele desceu aqui, olha aí esse gordo.
P/1 – Aí o senhor foi para o hospital também?
R – Aqui, aqui tinha uma enfermeira, o posto estava funcionando, aí eu cheguei, aí ela ponteou.
P/1 – Por exemplo, se a pessoa aqui, quando ela fica com muita dor de cabeça, com isso, o senhor sabe ajudar? Quais são as coisas que o senhor mais sabe fazer sem a pessoa ter que ir no hospital?
R – Isso aí eu nunca fiz, não.
P/1 – Nada, nada?
R – Às vezes tem, por exemplo, aqui tem um cipó que a gente chama o cipó curimbó, eu sempre ensino, assim, que ele é bom, porque eu tinha dor de cabeça, era forte.
P/1 – O senhor?
R – É, eu tinha uma dor de cabeça forte, aí eu ando no mato, eu cortava o cipó, botava água na cabeça dele, ele é cheiroso, e com isso foi acabando e a gente pega ele também, tira, rapa a casca dele, aí pega a casca dele, bota na água, bota no sereno.
P/1 – Para fazer o quê?
R – Para banhar a cabeça de manhã, é muito bom.
P/1 – Faz bem para quê?
R – Para gripe, dor de cabeça também, a pessoa que tem dor de cabeça, faz efeito porque é a fé.
P/1 – É a fé ou é o cipó?
R – É a fé e o cipó também, ele é bom, mas tudo que a gente faz tendo fé se torna tudo mais fácil.
P/1 – Mas quando o senhor põe assim o cipó o senhor reza junto?
R – Não, não.
P/1 – Não precisa rezar, não, só vai na fé?
R – É, só faço ensinar, rezar só mesmo a rezar só para mi mesmo, quando eu vou me deitar, quando me levanto, aí eu faço a minhas oração.
P/1 – Sempre?
R – Sempre, isso eu não esqueço, é toda viagem, minhas oração antes de eu me levantar, antes de eu me deitar eu assisto aqui minha televisão, o jornal, hoje, por exemplo, desde segunda-feira, está passando uma coisa muito importante aqui no nosso Brasil que é o Papa Francisco, que é um papa do pobre mesmo, não tem, é uma coisa muito bonita.
P/1 – O senhor está contente com esse papa?
R – Ah, eu acompanho direto, a hora que liga o motor já estou sentadinho ali.
P/1 – Para ver o papa?
R – Para ver e todos os detalhe, estou longe, mas eu estou, parece assim que eu estou perto dele, de ver aquela emoção, fico mesmo com aquela emoção, de ver o papa acenando para todo mundo, pegando na mão do outro, é beijando uma criança.
Isso para mim faz uma grande coisa, é uma grande alegria, ele não tem distinção com ninguém, é todo mundo, porque hoje são mais de 170 países que tem gente para ver a chegada do papa, para ver ele, a juventude esses dias, que coisa bonita, muito lindo mesmo, a juventude aí.
P/1 – Seu Raimundo, deixa eu perguntar para o senhor, agora o senhor ainda tem um grande sonho, daqui para frente o que o senhor quer que aconteça?
R – Olha, o sonho é aquele que a gente nunca perde a esperança, a esperança é a última que morre.
P/1 – Qual que é a sua esperança maior?
R – É, por exemplo, quando a gente via falar numa hidroelétrica? Hoje nós estamos vendo, isso era um sonho que eu tinha para mim ver de perto, eu estou vendo, coisa na minha vida, hoje eu com 72 anos, eu nunca pensei na minha vida que o Rio Jari, essa cachoeira ia ficar seca, sem ela cair um pingo d’água, eu digo: “Não, aí só Deus para fazer isso”, mas não, o Deus dá o poder para o homem também, que secaram essa cachoeira grande aí, que ela ficou seca.
O pessoal andando bem pela beirinha, máquina trabalhando lá em cima, essas mulheres pescando ali, pegando peixe aí, e essa água parada aqui desde lá, que ali era uma cachoeira bonita também, aqui era uma queda d’água, isso aqui ficou seca, está seca aqui, hoje essa água, ela corre só por aqui, só pela cachoeira, e ela vai ficar seca novamente, então isso aí era um sonho.
P/1 – Mas o senhor queria ver isso?
R – É, porque os homens querem, então, a gente teve que concordar com isso aqui também, de ver, e hoje estamos vendo, hoje ela novamente caindo essa água, e que a gente ficou, assim, com uma impressão de não cair mais água nela aí, mas não, é diferente, ela vai ficar do mesmo jeito que era.
E a esperança é aquela, de melhora, a gente ter uma melhora da energia, o que a gente espera é isso, por exemplo, a gente pega o peixe, a gente compra a comida gente chega, bota aí numa geladeira, no freezer, cabeça fria, isso aqui a gente não tinha antes, não é verdade? E hoje, graças a Deus, eu quando me aposentei o meu sonho era comprar uma geladeira, um freezer para casa e quando eu me aposentei foi a primeira coisa que eu fiz, comprei, recebi e comprei e hoje eu tenho, por exemplo, já tenho cinco neto, já bisneto dois, três.
Isso aí é um sonho que eu tenho de ver meus netos, meus bisnetos, meus filhos, não só o meu, eu sempre aconselho o jovem, tanto jovem por aí jogado fora e no meu trabalho, nas minhas oração eu peço isso para Deus, que ilumine o passo de cada jovem, não só da minha comunidade, mas do mundo inteiro, isso é um sonho que a gente tem, por exemplo, na comunidade, de ver todo jovem estudando, toda criança estudando.
P/1 – Mas a vida quando o senhor era jovem é muito diferente de hoje?
R – Muito.
P/1 – Quais são as principais diferenças?
R – Primeiro, quando eu fui jovem, o jovem ele não assistia um filme de terror, só de maior idade, 18 anos, era respeitado, o filho, o jovem não teimava, o jovem, por exemplo, ele não levava até meia noite lá num salão de festa, ele tinha horário de ir, tinha horário de chegar.
Hoje a nossa lei do nosso Brasil, o adolescente, aí vem o conselho tutelar te dá o maior apoio, nós não podemos, hoje você pega um filho nesse tamanhinho, se disser que vai bater nele, ele diz para os pais, diz: “Me bata que eu vou lhe entregar lá no conselho” e por isso vai ficando.
Aí, eles vão crescendo com aquilo, aí fica difícil, é difícil para os pais, por exemplo, criar uma família hoje, no interior a gente ainda faz, está vendo, a gente ainda cria ainda, eles ainda demoram dentro de casa, mas eu vejo tanta jovem com 14, 12, 13, 15 anos, 16 já com uma criancinha no braço, isso é triste, eu não queria ver isso assim.
Hoje tantas jovens, aí de repente sai grávida, aí toma remédio, mata aquela criança, às vezes nem sem saber, isso tudo hoje eu fico triste, sou contra, não sou muito a favor não, da destruição, as droga, às vezes o cara, vem um jovem que ele é viciado na droga, ele chega já oferece aqui para o meu filho: “Ô, meu filho, não faça isso, isso não serve para você”, lá na frente já tem dois, três que diz: “Que nada, rapaz, ele diz isso porque ele nunca fez”, então, isso eu fico triste quando eu vejo.
Quando eu passo, que eu vejo um jovem jogado, mesmo um adulto, que eu não posso, se eu não posso ajudar, isso é uma tristeza, é muito triste, no nosso Brasil hoje a gente vê muito essas coisa, muita tristeza, eu estou assistindo aí pela televisão, aquele senhor já de idade que está naquela cadeira de roda, o cara chega empurra, joga ali aquelas pessoas que tão jogado por ali, enquanto nós podemos ajudar essas pessoas, tirar ele dali, mas infelizmente fazer o quê?
P/1 – Isso piorou, e alguma coisa melhorou?
R – É, pelo um lado uns procuram melhorar e outros não, hoje as nossas autoridade, nossos governante cada que chega é pior, aí fala em tanta mudança, o eleitor é que sofre, porque hoje tem a lei da ficha limpa, mas o candidato não traz uma estrela na testa, a gente confia nele.
Hoje, por exemplo, no gestor que está hoje, nós estamos sofrendo, ele aqui fez uma série de propaganda na campanha política dele, não está cumprindo, hoje nós temos um barco que é pela prefeitura desde o primeiro prefeito que teve, botou um barco aqui, que o meu irmão é funcionário público, trabalhava nesse barco.
Hoje nós não temos e esse, o prefeito hoje, esse está pior, hoje era dia de a maioria está lá em Laranjal, levando alguma coisa, o meu irmão cortou banana essa semana todinha aí, carregando de longe, já teve que arranjar um transporte para ele não perder, e o barco vai para Porto de Moz, é uma festa que vai ter para lá todo ano, o barco vai para lá e não fez a viagem daqui, isso aqui é lamentável, isso é um sofrimento grande para gente.
Meu irmão semana passada cortou aí um bocado de banana, eu não estava nem aqui, que eu estava ali para Padaria que teve um encontro, três dias eu estava para lá, ele teve que arranjar já no sábado um transporte para ele levar a banana dele para não perder, que era muita, por quanto o barco não veio.
P/1 – Então isso está pior também.
R – Isso aí é uma das coisas pior, porque nem todo mundo tem um transportezinho, o que tem um rabetazinho aqui, ele encher de banana aqui é um sacrifício hoje, com o trabalho da empresa aí, essas lancha aí, navegando, mas são as coisas a gente espera acontecer.
P/1 – Está bom, Seu Raimundo, então está, muito obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
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