Ponto de Cultura
Depoimento de Margarida Schenaider Eugido
São Paulo, 16/01/2010
Realização: Museu da Pessoa
PC_MA_HV223
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P - Dona Margarida, pra começar eu vou pedir pra senhora falar o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R - Certo. Lo...Continuar leitura
Ponto de Cultura
Depoimento de Margarida Schenaider Eugido
São Paulo, 16/01/2010
Realização: Museu da Pessoa
PC_MA_HV223
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P - Dona Margarida, pra começar eu vou pedir pra senhora falar o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R - Certo. Local São Paulo.
P - Isso.
R - Bom. eu me chamo Margarida Schenaider de Eugido e. nasci aos 24 de maio de 1934 e moro no Estado de São Paulo.
P - E você nasceu aqui em São Paulo também?
R - Nasci na. em São Paulo. no interior de São Paulo em Piedade.
P - Piedade.
R - Isso.
P - E a senhora viveu muito tempo em Piedade Dona Margarida?
R - Até os. 12 anos. Vim pra São Paulo. trabalhar em casas de família.
P - E em Pie.
R - E vim com uma família de lá. com uma moça que casou. uma turca. chamada. como é que era chamada? Eugênia. E com ela vim pra São Paulo trabalhar em frente ao Mercadão.
P - Aos 12 anos?
R - Uma. uma menina que estava acostumada a subir, ficar livre assim. fiquei dentro de uma gaiola. era o que eu me sentia porque era um apartamento (risos). foi terrível esse tempo. mas aí fui acostumando. dali pra frente fui trabalhando de casa de uma, de outra, de outra. até que. conheci o meu marido e me casei. conheci ele no serviço. quer dizer, eu numa casa. trabalhando de casa de família, e ele sendo um pintor, pintando a casa do (Zerro ?) Monteiro lá no Jardim Europa, que era em formato de um navio. É em formato de um navio. Ele estava pintando. Era pintor, e assim eu o conheci. O Eugido da família, e nós começamos a namorar e entre dois anos casamos. Há muitas brigas e tudo (risos) e vivemos muito bem graças a Deus.
P - Eu queria que a senhora falasse. me falasse um pouquinho da sua infância em Piedade.
R – Ah, eu trabalhava na roça. Adorava o meu avô porque era com ele que eu trabalhava. Minha avó não. Minha avó era muito dessas iugoslavas rígidas (risos). Terrível, mas a gente. eu convivia muito com meu avô, que eu adorava, e eu então fazia questão de ir com ele pra roça. Eu tinha que fazer um monte de afazeres, carregar lenha, pegar água e tratar das criações, que eram porcos, coelhos, galinha. Eu ajudava
meu avô a fazer isso, cavalos, tudo, cabras. Tínhamos que amarrar as cabras lá no... e aí então eu adorava fazer isso com ele e ficar com ele na roça. Sempre gostei de ficar com ele na roça porque ele me tratava assim como... ele tinha um contato muito... já minha avó não. Minha avó era difícil. Ela só. Eu era uma menina de nove, oito anos. Fazia serviços que eram de adultos, e ela exigia os serviços bem feitos. Se não fizesse bem feito, a gente tinha que fazer de novo. Então pra não fazer de novo, fazia bem feito. A gente tem até que agradecer às vezes um pouco isso, porque daí a gente faz as coisas com mais perfeição (risos). Mas na época eu era uma criança. Não aceitava muito isso não. Mas em todo caso...
P - E como...
R - E assim foi a infância. Depois meu pai mudou-se pra Ibiúna e eu... eu vou dizer uma coisa aqui que eu sempre falo
e gosto de falar. Se não fosse o Getúlio Vargas, Margarida seria uma analfabeta. Porque a gente tinha que trabalhar na roça, então o Getúlio Vargas na época que era presidente. ele forçou os estrangeiros a por os filhos na escola. Se não pusesse, cadeia. E graças a isso eu fui pra escola. Se não, hoje eu não teria nem grupo escolar e foi isso. Então eu faço questão sempre de falar isso (risos).
P - E você ainda estava em Piedade, Dona Margarida, quando você foi pra...
R - Foi. Foi. Eu fiz todo o primeiro, segundo, terceiro. E é assim mesmo. Meu pai tirava nós nas férias e ia pra roça. As minhas férias era ir pra roça plantar. Plantávamos cebola. Capital de Piedade naquela época era capital da cebola. E a gente volta. Depois voltava das férias e com isso ele atrapalhava muito o nosso estudo, mas a gente, eu pelo menos, conseguia me... os meus irmãos todos conseguiam tirar o diploma escolar. De quarto ano que na época era o básico e assim foi. Depois eu com 13 anos vim pra São Paulo. como eu já falei trabalhar. E aí não saí mais daqui de São Paulo. Aos 20 anos que me casei com meu marido. Conheci a família Eugido. Era trabalhando em casa de família. Era assim minha vida. Tinha parentes em São Caetano, os parentes da minha mãe e os fins de semana eram lá. Tinha um clube alemão e como nossa família toda é dançarina, a gente ia pros clube dançar. E eu comecei a dançar muito cedo. Eu com 13, 14 anos já dançava nos clube lá do... chamava-se Teuto. Acho que ainda existe até lá. Hoje. E meu tio era diretor desse clube. Era assim muito familiar e a gente... eu... era a minha diversão até que me casei e foi assim.
P - E vocês dançavam o que, Dona Margarida? Como que era?
R – Ah, tudo da época, baião, valsa, samba, marchinha. As coisas da época, baião. Essas coisas.
P - E você lembra dos bailes. Como é que eram?
R – Ah, eram maravilhosos. Eu tinha uma obediência cega. Nessa época eu não conhecia o meu marido ainda. É. O meu tio era diretor e ele falava assim pra mim: “Vamos, eu vou levar você. Dez horas a gente volta”. Então a gente entrava às oito. Às dez horas em pontinho, era religioso, ele falava: “Vamos” e eu “Vamos”, porque, senão, da próxima vez, se eu não obedecesse, eu não ia. É que tinha que ser assim (risos). E era assim, mas era muito gostoso. A gente tinha uma amizade muito legal. Era assim tudo familiar. Todos. Iugoslava. Alemão. Era um clube alemão, vamos dizer assim. E era muito gostoso. Era muita valsa. Muita. Todas essas músicas eram sempre os mesmos grupos que tocavam também. Só alemães. Tínhamos teatro ali. A gente assistia tudo em alemão. Muito bom Isso na época de de 1951, 52, 53 por aí. Até que depois eu conheci o meu marido e acabou os bailes lá no Teuto (risos). A gente, e ele também era bailarino, a gente ia nas festas da família, em aniversário, casamento e dançávamos. Ele gostava muito de dançar e eu também.
P - Deixa eu perguntar uma coisa, Dona Margarida, você falou que vocês quando se mudaram pra São Paulo, quando saíram de Piedade, passaram a morar na frente do Mercadão.
R – Ai, meu pai do céu.
P - E quais as diferenças de sair de Piedade e que que São Paulo trouxe de novo?
R - A diferença naquela época? Nossa, pra mim foi terrível. Eu me senti dentro de uma gaiola e eu não estava habituada com barulho. E ali passava em frente ao bonde da Cantareira. Aquilo ia bralham nas pedras. Era paralelepípedo. Aquele barulhão. E quem disse que eu que eu dormi? Então eu abria a janela e ficava olhando. Lá pras três e meia mais ou menos chegava as carroças. Carroças com aquele ferro na roda. Bralhambralham. Não tinha quem dormisse ali. Enchia o mercado de flores. Eram os chacaieiros que traziam flores nas carroças com burros. então o casco já tinha ferradura. a roda tinha aquele aro de metal pra não gastar a madeira. Maravilha o barulho. O barulho era intenso. Era verdureiro chegando. Era chacaieiro chegando. E eu então ficava na janela. Até que foi indo. Foi indo. Acostumei com o barulho. Eu consegui dormir, mas fiquei mais de uma semana sem dormir. Só olhando e eu de dia era que nem uma barata tonta trabalhando. Mas não tinha outro jeito, não podia dormir de dia. E o barulho era muito. Pra quem veio do interior silencioso aquilo era... Foi demais pra mim. Mas eu tive que acostumar. Porque não me perguntaram: “Você quer ir?”. Me mandaram e eu vim. A gente obedecia pais, fazer o quê? (risos) Porque meu pai é assim. Ele vinha buscar o nosso dinheiro e deixava a gente com, na época, cinco cruzeiros que dava pra mim. Pra São Caetano. O mês todo. Era só isso o meu dinheiro. Então ele não pensava se a gente tinha sapato, se tinha roupa, se precisava de alguma coisa. Nada. meu pai não era um um pai. Ele foi meu pai mas não era pai. Deixou muito a desejar. Então era assim. Até quando me casei, quando eu fiquei noiva, eu ergui bandeira. Também aprendi. Deixa eu te falar que eu aprendi. Eu aprendi com a vida. Eu pulava de um emprego pro outro não porque o emprego não era bom. Mas porque eu ia ganhar mais. Então eu inventava pra ele que eu ganhava tanto. E eu ganhava muito mais. Pra eu ter um dinheiro, poder me vestir. Eu era moça. Eu fiz isso e ensinei minha irmã a fazer porque ela também veio trabalhar. A gente fazia assim, ganhava menos. Ele não sabia o quanto que ganhava porque não tínhamos... era só assim. Não tinha...
P - Nenhum comprovante.
R - É. Não tinha nem um comprovante. Assim que nós enganávamos meu pai (risos). Foi assim até que eu fiquei noiva. Aí eu ergui bandeira. Eu não dava mais dinheiro pra ele. Falei que não dava, não dava e não dei. E fiz a minha irmã também não dar, não dar e cabou. Porque se a gente já não dava despesa em casa e ainda ajudava o tempo todo, sabe Deus se ele deixava esse dinheiro na mão da minha mãe. Sabe Deus. Que eu não acredito, entende? Ele era demais.
P - E da sua mãe Dona Margarida? ______________
R - A minha mãe foi uma heroína. Minha mãe criou nove filhos nem sei como. Ela fez uma horta imensa no... nós tínhamos um terreno e esse terreno meu pai não tinha nem juízo pra ter. Ele era construtor projetista e não tinha uma casa pra morar. Ele então fez uma construção lá e uma turca ficou devendo pra ele cinco mil réis. E essa turca não tinha o dinheiro. Deu esse terreno pra ele. E o que ele fez? Ele comprou material à prestação aqui em Pinheiros e eu e a minha irmã, o dinheiro meu e da minha irmã, ele pagava as prestações da casa. Então essa casa foi feita por nós. Ele só deu o trabalho. O material foi nós. Foi assim também que ele fez isso. Então nós tínhamos essa casa e essa casa tinha um terreno enorme. E a minha mãe então plantava. Ela tinha uma escadinha de filhos. Ela teve 17 filhos, nove vivos, oito mortos. Esses oito, oito que morreram, quatro deles foram de meningite. Por quê? Por que eles não tinham... Como vou falar assim? Eles eram muito fraquinhos. Anemia e virou meningite. Não tinham o suficiente pra se alimentar. Nem minha mãe e nem eles. Ela tinha um filho por ano pode-se dizer. Foi isso que aconteceu e então ele... Minha mãe plantava aquela horta. Tinha de tudo, milho, batatinha. Ela se virava e era essa a nossa mistura. No geral, às vezes quando meu pai ali trazia alguma coisa então era assim. Foi muito difícil. Mas era de fubá com apenas um ovo e quase nada ela fazia um bolo de fubá em cima assim do fogão de lenha pra gente tomar um café à tarde. E ela fazia muito pão. Quando meu pai assim punha alguma coisa dentro de casa, não era o suficiente pra tanta criança. Faltava leite. Faltava. Essas crianças que morreram mesmo. Minha mãe muitas vezes dava chá. Por semanas só chá pra eles. Porque não tinha o dinheiro pra comprar leite. Era um lugar que não tinha onde você trabalhar. era apenas um lugarzinho pequeno. com apenas três ruas, uma cadeia, uma prefeitura, uma igreja. Só. Naquela época. Hoje é uma cidade. E não tinha trabalho. Não tinha trabalho e meu pai era muito danado. Ele fazia um filho por ano, porque eles eram crentes. Crentes assim... Podia evitar. Ela tinha todos os filhos. O primeiro filho dela foram gêmeos e ela perdeu. Eu não sei o nome deles, porque eu sempre estava atenta a tudo. O meu avô ficou com o registro, ele nunca falou. Porque a minha mãe veio lá da Europa. Ela fugiu com o meu pai. porque. nem o meu avô queria o casamento, nem a minha avó do lado do meu pai queria o casamento. eles eram novos. aqui em São Caetano do Sul e fugiram pra. pra Sorocaba. onde meus. meus avós tinham sítio em Piedade. e foram pra lá, entende, começou assim. minha avó não gostava. Foi uma vida que ela escolheu e meu pai deixou muito a desejar. Mas ela foi uma heroína. Criou todos os filhos. Deu educação pra todos. Tanto é que ela, quando
ficou doente, ela morreu com 94 anos. 93. Não chegou a fazer 94. E parece que ela tinha um ano acrescentado pra poder vir pro Brasil. Então seriam 92. Os filhos todos sempre com ela. Quando meu pai chegava na cozinha, não ficava um filho na cozinha. Todos iam pra sala. Quando meu pai chegava na sala, nós íamos todos pra cozinha perto da minha mãe sempre. Porque ela foi a nossa base. A nossa educação, a nossa religião e tudo, nenhum filho da minha mãe errou. Todos são casados, tem seus filhos, suas moradias. Todos eles. Graças a Deus. Foi assim que a minha mãe dirigiu a família que meu pai deixou a desejar (risos). Assim mesmo ele ficou com ela até os 90. Aos 86 anos faleceu meu pai. E a minha mãe aos 92.
P - Dona Margarida, você falou um pouco dos seus irmãos. Eu percebo que você tinha mais contato com essa irmã de São Paulo depois. ___________ como é?
R - O irmão que eu tenho mais contato é o meu irmão Valdemar. É o mais velho. O mais velho dos irmãos, a minha irmã Vera, a minha irmã Norma, que é mais velha do que eu um ano e a minha irmã Eufrida Schenaider também. Essa daí é que eu mais tenho contato. Sempre a gente estava junto. Sempre fazendo. E a nossa família, essa união nós devemos à minha mãe. Ela não deixava a gente brigar com os irmãos. Ela falava que irmão não podia brigar. Tinham que se ajudar e ficou em nós. Nós somos muito unidos. Graças a Deus. Apesar que tem um no Paraná que chama Daniel. Tem uma em Goiânia que chama Ágda e tem um em Curitiba que chama Daniel, que é o caçula. O caçula quase e o restante está aqui em São Paulo.
P – E, Dona Margarida, agora eu vou voltar um pouquinho pra São Paulo. Você ficou um pouco trabalhando naquela casa que era em frente ao mercado. Depois você mudou de empregos. Como que foi?
R - Mudei. Nossa. Eu fui pra... a minha patroa tinha família lá, então nós fomos passar o Natal em Ibiúna. E eu estava com ela há uns meses. Eu não tenho certeza. Eu fiz aniversário. 13 anos na casa dela. Então eu devo ter ido com ela em fevereiro ou março. E no fim do ano eu fui pra Ibiúna. E ali a minha irmã já tinha vindo com uma outra família pra São Paulo. Estava aqui no Tucuruvi e ela me arranjou um serviço aí pra eu ficar perto dela. Na casa de um investigador de polícia que eu fui trabalhar. Assim, quando eu voltei, eu falei pra minha patroa que eu não ia mais trabalhar, que eu não queria mais voltar, que eu queria ficar no interior. Ela pegou e arranjou outra. Eu fiquei em Ibiúna mas assim que terminou as festas de Natal. Eu já voltei pra São Paulo com a minha irmã e fui trabalhar na casa desse investigador. Eu fui parar no Jardim América, na casa que a minha tia Madalena tinha uma patroa e arrumou um serviço pra mim lá. No Jardim América. Como é que chama? Perto da Alameda Itu. Desce. Esqueci o nome da da rua agora.
P - Não tem problema.
R - É uma alameda. E ali eu fiquei. Pedroso não sei do quê. Rocha Azevedo. Alameda Rocha Azevedo. E ali eu fiquei um ano e meio. Comecei a ficar esperta com as empregadas dali. Uma lavadeira outra coisa. Porque a gente trabalhava em casa que tinha quatro, cinco empregadas. Elas mesmas arrumavam o serviço pra gente em uma outra família. A gente foi. Eu fui ficando esperta e fui ganhando mais. Ganhando mais. Eu fui me virando sozinha. No começo foi uma que trouxe, depois a minha irmã que me arrumou esse outro emprego e logo a minha tia Madalena arrumou esse outro emprego. Então eu deslanchei sozinha. Era eu por minha conta. Era eu que arrumava os meus empregos. Fazíamos assim, deixava uma empregada que era amiga da gente naquela casa que dava a referência, como se fosse patroa. Isso nós fizemos (risos). Entende? Não era patroa. Era empregada mesmo (risos). Era assim. A gente foi indo até que eu conheci o Daniel e eu estava no Jardim Europa. Já estava no Jardim Europa. Trabalhei diversas casa ali. E ele me conheceu. Ele diz que, quando me conheceu, já estava trabalhando na rua Costa Rica, perto da rua México. Ele disse que toda tarde. Porque eu fazia isso mesmo naquela casa que eu estava era uma mansão enorme ali, na Costa Rica, no Emidio Piedade Gonçalves. Trabalhava ali. Ele passava porque ele já estava trabalhando pintando aquela casa lá e era passagem pra ir pra Avenida Europa pra pegar os, naquele tempo, bondes. Disse que já me via ali no jardim regando as plantas. Já estava de olho em mim, mas não me lembro nem de ter visto ele. Então eu fui, dei aquele pulo. Na casa que eu trabalhava, eu ganhava mil e cem reais. Pedi aumento pra patroa. Pra eu poder ficar com um pouco mais, porque cem reais era pouco. Ela disse que se era pra dar o aumento pra mim, ela tinha que dar pra todas. Nós éramos em seis empregadas ali naquela mansão. Então eu falei: “Bom. Se é assim eu”. Procurei uma casa. A vizinha falou assim pra mim: “Olha”. A gente tinha contato com as empregadas dos vizinhos ali. Então ela falou: “Olha”, pra mim. “olha cê não sabe de alguém que queira trabalhar assim, assim?” Eu falei: “Eu sei, eu” (risos). Ela disse: “Quanto que cê quer ganhar?”. De mil e cem eu passei pra mil e quinhentos. “Eu quero ganhar mil e quinhentos” e ela pagou. Assim fui. Fui trabalhar na rua Espanha. A empregada na casa dessa do Severino Silvino Pereira, que era meu patrão. Eles eram nortistas. Ela, não. Era filha de italiano. E eu fui trabalhar lá e conheci meu marido. No primeiro dia que eu abri a janela, que eu ia limpar o quarto das crianças, eu dei de cara com meu marido pintando lá a janela. Janelinha demorou pra ser pintada (risos). Toda. Eu dei. E ele falou que eu cumprimentei, então pode ser, porque eu era educada. De modo que eu abri a janela e dei de cara com ele e falei: “Bom dia”. Pronto. E ele já estava de olho em mim lá. “É essa mesma”. Ele ficou no meu pé até que a gente começou a namorar e se casou em dois anos. Um ano de namoro e um ano de noivado. Eu conheci a família Eugido. Me interessei por eles.
P - E conta um pouco pra gente do período de namoro, Dona Margarida, naquela época.
R – Ai, meu Deus do céu. Era briga atrás de briga. Era assim. Porque eu não... Ele tinha cartão. Batia cartão, certo? Ele não entendia que eu trabalhava em casa de família e que eu não tinha horário. Eu não tinha horário pra sair. Então nós marcávamos. Tinha o Cine Paulista. Naquele tempo, era cinema. Tinha o Cine Paulista pertinho ali, na rua Augusta e era um pulinho pra ir e pra vir de bonde. Depois começou ter ônibus. Eu então marcava pra pegar a sessão das nove. que acabava às 11. E ele ficava. Vinha oito e meia. Pra rápido a gente chegar no cinema e eu não saia. Não saía porque era assim. Ai, que Deus me perdoe, mas eu tinha uma raiva do Evaristo Arns, o bispo de São Paulo, que ele chegava assim. Eu estava terminando de servir a mesa, pois eu era copeira, arrumadeira também ali, e ele chegava. Eu estava terminando. Eu tinha que por de novo a mesa, fazer tudo pra aquele bispo. E ele me atrapalhava sempre. Eu adorava ele. Deus que me perdoe, mas... (risos) Ele vinha e eu tinha que, porque vinha da fazenda ovos, queijo, manteiga essas coisas, frango. Limpo. Eu tinha que arrumar pra ele queijo, ovos, frango, além de servir ele, a sobremesa, o cafezinho lá e ia pro brejo o meu horário. E eu ia sair quase nove e meia. Ah, era um coisa. Chegava ali ele já brigava. “Você o quê, você não sei o quê. Você fica se arrumando”. “Eu não fico me arrumando.” Eu punha, eu me arrumava e punha o ves... O uniforme por cima do vestido. Era só tirar o uniforme e sair. Mas ele não acreditava nisso. Ele dizia: “Não. Você fica fazendo hora. Eu fico aqui que nem um palhaço pápápá.”Sempre a nossa briga era essa. Oh, meu Deus do céu. Eu falei assim um... eu falava assim pra ele: “Eu não vou casar com você. Não dá. Não dá.” Eu pegava. Saia. Muitas vezes eu largava ele na rua e vinha, entrava dentro de casa de raiva e não saía. No dia seguinte, tocava o telefone.E era sempre. E eu não dava o telefone pra ninguém, mas pra ele... Eu estava trabalhando ali, ele descobriu o número na lista. Ele me telefonava. No dia seguinte, ele estava ali no meu pé. Muitas vezes eu larguei. Sempre por causa disso. E a maior parte do tempo era o abençoado bispo que chegava lá. Eles tinham contato. Eram amigos. Ele chegava. A hora que ele chegava. Ele não falava “eu vou”, entende? Ele chegava e já na hora da janta, na hora do almoço. na hora do almoço, tudo bem. Mas na hora da janta, era difícil. Então, eu atrasava. A briga nossa era essa. Era sempre por causa do atraso. Mas: “Não, não.” E eu falava: “Mas eu não bato cartão. Não tenho horário”. Ele não assimilava. Ele achava que não, que eu ficava fazendo hora, que realmente eu era vaidosa, mas não era isso. Era assim o namoro até que nós casamos. E depois que nós casamos nós nunca mais brigamos. Nunca. Discutimos às vezes. porque eu acho que briga é uma coisa e discussão é outra. Por causa dos filhos. Porque ele. é de ir pro baile, de ir pro cinema, de ir acampar, essas coisas. Então às vezes eu concordava, às vezes eu não concordava e então nossa discussão... Nós éramos assim. Cinco minutos. Daqui a pouco a gente estava bem. Brigar nós nunca brigamos. E nesse negócio de dormir no sofá? Nunca (risos). Não. Não também. Eu acho que eu tenho... A minha vida com meu marido foi muito legal, porque nós, naquele tempo, éramos uma caixa só, a nossa caixa. Eu também trabalhei. Ajudei ele pra nós termos a nossa casa. Mas o que eu tinha, o dinheiro guardado na caixa, naquele tempo era caixa econômica, ele não mexia em nada sem falar comigo e eu também não mexia no dinheiro sem falar com ele. Então havia muito entendimento entre nós dois. Deu muito bem. Financeiramente, nós nunca brigamos por nada. Infelizmente, com oito anos de casada ele ficou doente e. pra descobrir essa doença, eu tinha metade da minha casa feita, ia fazer a outra metade que a gente - pobre faz assim, devagar - tinha todo o dinheiro. Comecei a ir aos médicos. Gastei tudo. E não achei a doença dele. Fomos pro SUS. Era o único jeito. E em Campinas foi descoberto a doença dele. Mas já era tarde demais. Era uma doença na coluna que invalidou esse homem e tinha infecção crônica no tutano da espinha. Eu vivi com ele. O médico operou, quase ele faleceu nessa operação. Começou a complicar tudo. Complicar tudo. Mas o médico falou pra mim que ele tinha cinco anos de vida. Só. Lá em Campinas. Eu fiquei lá com ele, pedi licença do trabalho e fiquei com ele lá um mês e 20 dias no hospital, dormindo numa cadeira porque não tinha outra coisa. Mas passou. Naquela época, ele ficou assim. E eu então ia de três em três meses pra Campinas com eles pra fazer lá os exame todos. E com essa o médico se enganou redondamente que ele durou até os 78 anos. Eu fiquei ali com ele. Cinco anos ele ficou acamado, minha vida foi muito difícil. Mas a cooperação que eu tive das minhas filhas que trabalhavam e ajudavam. Até o meu marido ficar cego, que ele ficou cego por glaucoma. Eu trabalhei em firmas, mas aí ele ficou cego e minhas filhas já tinham começado a trabalhar. Ele tinha a aposentadoria dele e a gente foi trabalhando em casa. Ele trabalhou até o fim da vida dele. Até ele ficar acamado. Há cinco anos que ele fazia um joguinho que a gente já fazia quando ele tinha visão, e ele pegou tanta prática que mesmo cego ele continuou fazendo esse joguinhos de natal. Eram pisca-pisca de natal pra um firma comer aqui no Parque Novo Mundo em São Paulo. Ele continuou trabalhando até o fim com esses joguinhos e só deixou de trabalhar quando ele ficou acamado mesmo, porque não, cinco anos acamado aí. Não teve jeito. Teve muito problema, foi tudo complicando. Todos os medicamentos que ele foi tomando e que ele tinha tomado erroneamente prejudicaram muito a vida dele. Esse glaucoma. Ele ficou cego por mais de 20, 25 anos por aí. Mais ou menos. Ele ficou cego. Então era um dependente total. E posso dizer assim que eu fui uma enfermeira 24 horas. Pois ele se apegou a mim. Quando ele ficou cego, ninguém podia por a mão nele. A única mão que podia por nele era a minha, então às vezes as pessoas queriam me ajudar quando eu ia levar ele pros médicos, eu pedia: “Por favor, não ajude”. Porque ele ficava tão nervoso que ele tremia dos pés à cabeça. Era só a minha mão que
ele conhecia. E ele já era tão assim. Bacana, operou muito e não se queixava por mais dor que ele tivesse. Não se queixava. Aceitava tudo, tudo, tudo que eu fazia. Ele aprendeu a levantar as mãos e pegar assim. Por assim até o copo pra não derrubar. Ele não derrubava copo, ele não derrubava prato. Ele não derrubava nada. Ele já sabia tudo. O prato ele ia devagar assim. Pegava no prato e comia. Foi maravilhoso. Ele me deu trabalho, mas me ajudou nesse trabalho, porque ele não reclamava de jeito nenhum. Até o finzinho da vida dele, ele não reclamava, podia ter a dor que tivesse. Ele falava assim. Às vezes ele falava. Ele foi na fralda. Às vezes eu brigava com ele, ele já estava encharcado demais e não me avisava, pra não me dar trabalho. Era assim. Eu era que tinha que sempre estar olhando. Porque ele ficou cinco anos na fralda. É assim. Foi muito difícil. Mas, como ele cooperou muito comigo, e eu. enquanto ele podia... que ele primeiro ficou cego de uma visão, depois da outra. Enquanto ele podia, fazia todo o serviço da casa enquanto eu trabalhava. Quando eu chegava, era uma maravilha. A comida já estava pronta, as roupas eu deixava lavadas, ele estendia no varal. Então foi uma cooperação muito, muito boa. Não posso me queixar, não. Ele foi maravilhoso até o fim. Graças a Deus eu tive essa sorte (risos). Porque, nossa, depois com os meus pais, com os outros que eu vi, os doentes ficam irritados, xingam, brigam e batem. Não querem aquela comida. Eu vi coisas assim. Nossa. Eu fiz três anos de asilo pra eu aprender a lidar com velho, porque eu tinha muito velho em minha volta, sabe? Eram meus cunhados, meus tios, meus avós e eu ficava assim olhando. Meus pais. Eu fiz três anos asilo voluntário pra eu conhecer e conheci muita coisa lá dentro. Foi onde eu superei muita coisa. Aprendi a lidar com velho. E fiz isso mesmo com o meu marido vivo. Eu fiz tudo. Fui morar três anos na praia pra ver se ele melhorava,
porque o clima lá era outro. A irmã dele que tinha uma casa lá. Então eu fui morar com ele lá. Nesse lugar, é que eu deixava. Ele acabava de almoçar, deitava na cama e dormia até as quatro horas e, nesse pedacinho desse período, eu ia nesse asilo lá no Caiçara, que é na Vila Caiçara, que eu aprendi. Fiquei três anos trabalhando lá nesse asilo como voluntária. Eu fazia isso pra eu aprender a lidar com velhos, porque também as irmãs dele, eram três, eram duas irmãs velhas e meu cunhado velho, todo teimoso. Deixa pra lá. Eu aprendi a viver. “É. É pedra?” “É, vamos dizer que é pedra. Pronto.” Concordar com tudo é a melhor coisa desta vida. Concordar com velho, mesmo que ele esteja errado. Porque se você não concordar é briga na certa. Nossa. Da cada fuá por causa disso. Então vamos concordar, melhor. E foi assim. Até que ele faleceu. Aí sim. Quando ele faleceu. Viva a minha liberdade (risos). E fui viajar. Viajei. Tenho em Goiânia... fui muitas vezes pra Goiânia. Fui pra Cuiabá, fui pro Paraná e viajei. Eu estou parada só dois anos, só por causa de que... Agora a gente já complicou. Meus pés. Tenho tireoide. Agora está mais complicado um pouquinho. É médico, médico, médico. Mas eu assim mesmo não paro. É só melhorar um pouquinho, tenho uma brecha, eu saio pra viajar. Eu também sou voluntária, trabalho também. Voluntário trabalha quando quer (risos). Então eu vou. Nós fazemos panos de prato. Fazemos coisas na igreja pra ajuntar, arrecadar dinheiro. Bazar. É almoço. Pizza essas coisas que a igreja faz. Chás. Pra ajuntar dinheiro pra fazer cesta básica. Temos 40 e poucas famílias que vão buscar essas cesta básica na igreja Nossa Senhora de Fátima da Vila Sabrino. E também trabalho porque eu sou kardecista, eu trabalho no Lar da Família Cristã fazendo alguma coisa pra bazares. A gente faz assim.
P - Dona Margarida eu vou voltar. (risos)
R - Enche meu tempo.
P - Voltar bastante porque você falou bastante coisa interessante que agora eu...
R - Sei.
P - Queria saber um pouco mais.
R - Então sai.
P - Mas eu vou voltar um pouquinho.
R - Pergunte.
P - Você falou do Cine Paulista.
R - Falei.
P - E eu fiquei curioso pra saber como é que foi conhecer cinema. Como é que era
essa...
R – Ah, como é que é? Colixe. Coque. Como é que fala? Coqueluche.
P - Coqueluche.
R - Coqueluche da época. Meu Deus do céu. Era cinema então até os namoros.. “Vamo pegar um cinema pra gente se conhecer melhor?” Era assim. Hoje acho que é barzinho, mas antigamente era cinema. “Olha, vamos pegar um cinema, vamos assistir um filme pra ver.” Então na Rua Augusta tinha dois cinemas, o Majestic, que era pra baixo da avenida Paulista. Vindo da cidade era antes da avenida Paulista, indo do Jardim Europa era depois, e tinha o... como é que eu falei? O Cine.
P - Majestic e o Cine Paulista.
R - Paulista. O Cine Paulista era pra baixo da avenida Paulista indo pro Jardim Europa. É nesse aí que a gente ia mais. Também ia no Majestic, mas naquela época era assim. Os cinemas na cidade, Ipiranga, Marabá, o Cine. O que eu mais frequentava era esses dois. Tinha o da República que começou também. O Cine República depois tinha o mais “pulguerinha” ali no Parque Dom Pedro. Esqueci o nome daquele cinema ali. Era um pulgue... Todo mundo chamava ele pulguerinha, tinha muita pulga lá. (risos) Era tudo encarpetado. Tapetado e acho que a limpeza não era muito... Tinha o Cine Glória, tinha o Cine. Metro. Metro ia bastante também, na avenida Ipiranga o Cine Metro. Muitos filmes épicos passaram ali. Na época era só cinema então a gente qualquer coisa: “Vamos no cinema? Vamos se conhecer? Vamos. Vamos pegar um cinema?” Era assim que a gente nem... Passava no bar assim na avenida Ipiranga. Mulher não entrava no bar. Era só eles que iam comprar cigarro e a gente ficava lá na porta, ou então pra lá um pouquinho da porta do bar. A gente não entrava em bar não, de jeito nenhum. E nem entrava em carro de jeito nenhum na minha época. Carro de jeito nenhum. Quer dizer, quem se prezava não entrava. Carona de jeito nenhum. Era assim na minha época. Era assim. Tinha esse cinema e meu marido era “turrão”, sabe, quer dizer. nós éramos noivos. Teve uma. Eu fiquei estudando ele. Se eu queria ir assistir o filme do Marabá, era assim. Marabá, Ipiranga,
e eu falava: “Vamos no Marabá?” Ele falava: “Não, vamos no Ipiranga.” Era do contra, então eu já peguei o jeito. Quando eu queria assistir o filme de um, eu falava que queria ir no outro. “Ah não, vamos no outro”, era aquele filme mesmo que eu queria assistir. Então eu fazia isso (risos) com ele.
P - E você passou ______________
R - E ele nunca pescou isso, viu, (risos) pode perguntar.
P – Então você acabou conhecendo muito São Paulo, Dona Margarida?
R – Nossa, eu não vou dizer pra você que eu conheço São Paulo inteira, porque eu não conheço, mas eu sou uma pessoa que conhece bem São Paulo. Eu pego. Mas eu sou assim, eu pego o endereço, eu procuro saber que ônibus que eu vou pegar, que ônibus que eu não vou pegar, por telefone. Eu chego lá com o endereço na mão. Eu chego lá. Eu acho que até na Europa, se eu for lá, eu chego lá também (risos). Por que eu sou persistente. Eu conheço muitos lugares aqui em São Paulo. Nossa, demais. E muita gente. Pra vocês terem ideia, esse ano eu passei 65 mensagens de Natal pras pessoas. Com correio eu gasto bastante (risos). Gasto bastante no fim do ano. Meu abono eu reservo uma parte pra isso. Adoro fazer isso. Então o que mais você quer saber dos cinemas?
P - Não. Agora eu vou te perguntar...
R - Os filmes?
P - Um pouquinho sobre... Pode falar dos filmes. Vai ser legal.
R – Ah, os filmes eram assim. O maior espetáculo da terra. E no Cine Metro que eu assisti. E fiquei conhecendo o Capitão Sete e o Lima Duarte. Eles estavam atrás de mim. No cinema, eu vi eles. Eu falei com ele. Naquele tempo, a gente não podia falar, ainda mais com namorado de jeito nenhum (risos). Mas eles estavam atrás de mim, o Lima Duarte e o Capitão Sete da televisão. Assisti muitos filmes épicos: O monte sagrado, O sinal da cruz, Rainha virgem, Ivanhoé, todos esses filmes assim. Esses filmes épicos que passaram na época eu não perdia um. A gente não perdia. Filme da semana a gente não perdia. A dama e o vagabundo. Um monte de coisa. Um monte. Filme de quando saiu os desenhos da Branca de Neve. Eu assisti três vezes a Branca. A Cinderela foi um que eu gostei mais. A branca de neve é muito bonito, mas eu achei mais interessante A Cinderela. Eu assisti. Eu fui três vezes assistir esse mesmo filme. Então eu assisti muitos filmes gostosos naquela época, filme de guerra, com a Ingrid Bergman, com aqueles artistas, Charles Boyle. Filme, deixa eu ver, eu conhecia quase todos os artistas daquela época.É _______ Lamore. Grace Kelly. Deixa eu ver que mais. Ah, eu gostava muito do ______ Lamore. Deixa eu ver quem mais que eu lembro. Claudette Colbert. Gary Cooper. Essas coisas. esses artistas e muito mais. A gente não lembra todos. Eram muito legais os filmes. Quando passava um filme daqueles artistas que trabalhavam muito bem, a gente ia assistir. Betty Davis essas coisas. Esse era o meu tempo.
P - E Dona Margarida você. só um minutinho ele vai só.
P - Dona Margarida?
R – Sim.
P - Agora que a gente vai voltar pro seu relacionamento com o Daniel.
R – Sim.
P - E você fala que vocês namoraram e depois vocês ficaram noivos?
R - É.
P - E qual era a diferença? Ele te pediu em casamento em algum momento. Como que foi?
R – Ah, sim. Tradicional. Ele foi pro interior, na casa dos meus pais e me pediu em casamento. Até teve uma coisa. Ele foi lá no interior. Pediu em casamento depois. Meus pais vieram no meu casamento. Era muito raro, porque as pessoas não tinham dinheiro. Mas eles vieram porque eles também precisaram assinar já que eu não tinha 21 anos. (risos) Eu tinha 20 e poucos anos. Casei em janeiro, em maio fiz 21. Então eles tiveram que vir. Mas foi assim, foi tradicional. Pediu e meu pai que não era muito papudo, falou que tinha muita coisa e tal. E eu já tinha falado pra ele “Olha, o meu pai é assim, não acredita nada do que ele fala porque ele é o maior mentiroso da terra. Tem nada. Não tem nada, se ele falou que tem é mentira, porque não tem”. Então já tinha dado essa dica pra ele, então foi fácil. Ele sabia que tudo que o meu pai falava não era verdade. Pediu assim: “Vim aqui pra pedir”, porque eu falei pro meu pai, como ele fez as barbaridades dele, fugiu e tudo, então ele era primeiro namorado que eu tive, não era o meu marido. Eu queria fazer as coisas direitinho. Pedir pra não fazer nada escondido. Era assim muito. Nada escondido porque ele foi falar com meu pai. Estava no jardim lá de Ibiúna. Ele foi falar com o meu pai, e meu pai falou: “Três. Minha filha três meses de casamento.” Eu falei: “Opa. Pode parar que eu não estou precisando de casar, não.” E falei assim: “Pai, eu queria fazer tudo bonitinho. O senhor pode ir embora.” Eu larguei meu pai lá no meio do jardim, peguei o meu namorado e falei pra ele: “De agora em diante nós vamos namorar escondido. Pronto.” Fiz assim e acabou. (risos) Eu quis fazer a coisa certa, mas e quando eu cheguei em casa? Quando cheguei em casa, ele falou: “Você não tem vergonha? Sua irmã mais velha aí nunca namorou e você...”, eu tinha 16 anos naquela época e a minha irmã 17, nós temos só um ano de diferença. “Nunca namorou. É um exemplo. Você está aí com 16 anos já está querendo namorar?” Não sei o quê, não sei o que lá. Como eu não tenho boca grande, eu falei e não sei como eu não apanhei: “Com 16 anos a minha mãe já era mãe.”
Fiz assim:
“Mas eu não preciso casar”. Quis fazer tudo direitinho. Agora acabou. Falei pra minha mãe só. “Mãe, só a senhora vai saber. O dia que eu trouxer um homem aqui dentro da minha casa, pra esta casa é pra casar”. E eu fui namoradeira, ah, fui. Eu fui namoradeira mesmo. Porque eu não tinha dinheiro. Então eu namorava pra ir assistir os filmes da semana (risos). É verdade. Eu fazia isso. Eu só namorava pra ir. É a primeira coisa que eles faziam. “Vamos pegar um cinema pra se conhecer melhor?” “Ah?” Eu não dava telefone, não deixava me levar pra casa, eu nunca andei sem uma condução dentro. Meu dinheirinho dentro da bolsa pra ir e pra voltar. Até um pouquinho mais. Economizava. Eu era assim danada. E namorei mesmo. Namorei bastante e nunca escondi isso do meu marido. Eu falei: “Olha”. Ele também. namorou bastante. então deu certo. Mas não. Não. Namorei mesmo. Bastante e só levei o meu marido lá quando foi pra casar mesmo. Fiz o que eu prometi pra minha mãe, que pro meu pai já não contava mais nada. Era assim. E casei com o Daniel. O que mais você quer saber?
P - E o casamento, Dona...
R – Ah, foi muito bom. E, apesar de que quando ele ficou doente, acabou tudo. Nós tínhamos oito anos de casamento quando o casamento acabou. Sabe que a espinha inutiliza um homem. E ele ficou impotente. Nossa, foi difícil essa fase. Ele esmurrava a parede. Foi muito difícil. Mas superei. Eu tive a paciência. Superei essa fase. Quando ele viu, ele acalmou tudo. Mas foi muito difícil pra ele. Isso foi levando, levando e eu fiquei com ele até o fim. Nesse tempo todo. O tempo todo.
P - Dona Margarida, eu queria que você falasse um pouco. Você teve filhos, você já comentou. E...
R - Três. Três filhas mulheres.
P - E como foi ter sem _________?
R - Ai meu Deus do céu. Quem disse que meu marido deixava eu ir pro hospital? Tinha acontecido na época na (Leonor Mendes de Barros ?), que era ali que eu ia ter. Porque a gente era pobre, eu fiz. Fazia a ficha tudo, mas ele não deixava eu ir. Era parteira em casa. Porque tinham roubado uma criança lá. Desapareceu uma criança da Leonor Mendes de Barros. Nossa. Ele ficou apavorado: “De jeito nenhum”. Eu fazia tudo, deixava tudo lá. Então ele arrumou uma parteira, que
trabalhava com médico. Quando ela precisava, ela trazia o médico. Com essa eu tive os três filhos... As três filhas em casa e ele ali junto comigo. Vendo tudo. Eu acho que isso ele valorizou muito. Eu. por causa disso, o sofrimento de uma mulher quando ela tem um filho... ele ali junto comigo, porque os maridos antigamente não ficavam junto com as mulheres. Mas ele ficava. Ficou ali comigo. Então foi ele. A vontade dele sempre. Eu tive os três em casa. As três com parteira. E graças a Deus deu tudo bem. Saiu tudo certo, não tive problema nenhum. Tudo por causa dele. Por mim eu tinha no hospital, mas ele não. Então foi assim que eu tive as três filhas. E elas cresceram. Sempre na dificuldade porque um homem doente e eu ganhando muito pouco... A gente quando não tem estudo, então eu fui tecelã no início, mas depois por causa da minha visão já não dava pra eu passar os fios no (listo?). Então fui obrigada a pegar qualquer coisa pra trabalhar. Trabalhei no Esporte Clube Corinthians depois de casada. A minha casa, graças a Deus, eu tenho ela pela Alpargata que eu trabalhei lá. Era tecelã. Ganhava mais do que ele. E quando eu fui indenizada porque eles me mandaram embora. Eles mudaram pra Ribeirão Preto. Acho que é. Eu faço confusão com Ribeirão Preto e Rio Preto. Acho que foi pra Ribeirão Preto que eles mudaram e eles mandaram todos os novatos embora. Eu caí nessa malha. Fui mandada embora e recebi um bom dinheiro. Já tinha um terreno, que eu tinha comprado. Nós tínhamos comprado os dois. Construí minha casa. Trabalhei nessas duas casas aí.
P - E essa foi a casa que a senhora disse que construiu até a metade.
R - Construí. Até a metade.
P - Depois.
R - Isso. Eu o ergui com o dinheiro que eu recebi. Foi meu pai e meu irmão que me ajudaram bastante também. Eles ergueram. Porque meu pai é pedreiro. Nesse ponto ele me ajudou. Meu irmão também veio e trabalhou. Então eu não paguei eles. Mas como meu pai era muito safado, eu dava dinheiro pra ele fazer a viagem de volta. 15 dias. E dava o dinheiro pra ele dar pra minha mãe fazer a compra da. pras crianças. Antes de trazer ele eu já fiz isso, já deixei uma quantia na mão da minha mãe pra ela ficar se sustentando. Porque eu tinha recebido um bom dinheiro e pra se sustentar e trouxe os dois aqui. Pois meu pai só bebia e estava sem serviço na época. Eu dei essa força pra ele. Toda vez que ele voltava pra lá eu mandava o dinheiro e já avisava a minha mãe pra pegar. Ele não tinha como gastar porque depois logo ele tinha que voltar pra continuar o trabalho. Foi assim. Ele me ajudou num ponto. Depois eles moraram na minha casa por dois anos. É. Dois anos. Eles moraram na minha casa porque minha sogra morreu e a minha... Eu morava com a minha cunhada, no início da minha vida foi pra lá. Fui morar com a minha cunhada, com o meu cunhado com cinco pessoas. Nossa. A liberdade da gente foi pro brejo. Mas eu vivi dois, três, quatro anos com eles lá. Até que eu fiz a minha casa. Então
eu dei a casa pro meu pai morar pra tirar ele duma situação que ele bebia. Ele veio pra cá e a gente já ajunta aqui toda a família. Foi até o meu marido que falou: “Vamos trazer eles pra cá”. Falou com o meu irmão mais velho: “Vamos buscar eles lá, porque lá não dá pra ficar”. Bebendo e a criançada toda passando necessidade. Tinha. Quer ver? Tinha seis crianças lá. Eram seis. Dois, espera. Quatro. Cinco. Cinco crianças lá. A gente ia ajudando minha mãe. Ajudando até que, quando ele veio pra São Paulo, ele melhorou com a bebida. Ele melhorou porque a minha mãe fez uma coisa. Ela punha aquele pozinho na comida. Tem um bendito pó aí que a gente, naquela época, tinha um pozinho de por na comida, não tinha sabor, mas a hora que a pessoa bebia ficava ruim pra morrer. E isso tirou o meu pai da bebida. Não matou. Isso foi um farmacêutico que com pena da minha mãe de ver tanta criança, era muito amigo da nossa família, falou: “Faz. Não vai acontecer nada.” E de fato tirou o meu pai da bebida. Ele começou trabalhar, melhorou a situação. Começou a trabalhar e já ______________ por que não tinha como escapar já estava velho. Dava um pouco de dinheiro em casa. Ainda dava um pouco de dinheiro em casa, e o resto ele guardava na caixa (risos). Ele era triste meu pai. Mas foi indo, foi indo. Deu tudo certo.
P – E, Dona Margarida ,você comentou do trabalho como tecelã. Então você deixou de trabalhar nas casas de família?
R - É.
P - E passou a trabalhar em...
R - Quando eu entrei na Alpargatas, eu fui limpar tear. Eu parecia uma mecânica, vivia cheia de graxa meu uniforme. Eu era muito branquinha e ficava suja de graxa. Mas eu trabalhei uns quatro meses na limpeza dos teares, porque juntava muito algodão tinha que engraxar. Fazia isso, serviço mais sujo da tecelagem. A chefe lá apareceu com uma vaga... Carimbo era assim, quando o rolo de (fazenda?) tinha um certo tamanho, tinha que carimbar pra cortar e começar outro, não podia passar daquela metragem. Eu peguei o carimbo, era um serviço mais limpo, era só carimbar, ajudar ela a tirar a coisa. Vinha, tirava, colocava outro. Era assim. E com isso eu tinha tempo. Eu tinha tempo. Eu ficava rodando. Era 700 e poucos teares. A gente se comunicava por gesto, por que o barulho era muito alto. Então passei pro carimbo. No carimbo, eu tinha tempo. Comecei a aprender a trabalhar nos teares, a ajudar as tecelãs. Elas iam no banheiro, eu ficava tomando conta dos teares delas. Aprendi o serviço. Então saiu uma da... Eram seis teares de lona, de lona daquelas que faziam cadeira de preguiçosa, aquelas que tinham aquelas listinhas. As lonas que faziam sacolas, tapetes, passadeiras. Era nisso. Eram oito teares daquilo. Era um serviço muito pesado. Mais pesado que o algodão, do que os outros. Então ela falou pra mim: “Tem. Tem oito teares. Você quer pegar?” Eu falei: “Quero.” Eu peguei. Então fui promovida como tecelã na minha... passei como tecelã. Eu trabalhava. Não tinha tempo nem... Sabe que é? Era muito rápido pra acabar a trama, que era fio grosso e os calos aqui. Eu tinha calos aqui, eu tinha uma facilidade pra desmanchar os. panos que às vezes tinha uma colega minha lá que
abria o rombo. Tem rombo, que a lançadeira abria. Num instante eu ia lá com ela e tu-tu-tu-tu e até hoje eu tenho guardado ele assim. Foi o mecânico lá que me fez. É uma agulha assim comprida, com ponta que tem um rolinho assim. É de fio. Mas é metal. É __________ então com aquilo a gente fazia assim e tirava a trama rapidinho. Rasgava, tirava a trama, arrumava e tinha uma prática tremenda disso. E com isso eu não me apertava nessa coisa. E eu consegui ganhar mais dinheiro que o meu marido. Quando eu fui indenizada, por que eu ganhei uma boa indenização. Naquela época, 30. Sete mil era muito dinheiro. Eu tinha férias, tinha décimo terceiro, tinha anos de casa. Foi com esse dinheiro que eu construí minha casa.
P - E aí a casa vocês construíram até onde? Porque foram muitas pessoas depois morando na casa, Dona.
R - Foi. Morou por necessidade, porque depois que meu pai saiu, eu morei mais alguns anos e, quando minha sogra faleceu, que eu sempre morei com a minha cunhada. Maria o nome dela. Francisco. Eles eram maravilhosos. A gente se dava muito bem. Quando ela não tinha filhos, os filhos dela eram minhas filhas. E ela pediu. A família toda fez reunião e pediu pra que eu voltasse a morar com ela. Eu já estava na minha casa. Foi quando eu pus meu pai. Fui morar com eles até... não sei nem quantos anos, porque eu não tenho muita lembrança quantos anos eu morei lá com eles. Porque depois disso eu aluguei a minha casa pra ajudar no orçamento. Meu marido ficou dois anos sem receber nada do INSS. Então era só o meu salário, que era um pouco mais do que o salário mínimo. Trabalhava não na Alpargatas, porque na Alpargatas a gente trabalhava os dois, isso foi na hora que ele ficou doente. Eu fui trabalhar na (Bizelli?), que era uma fábrica que tingia fios, que beneficiava fios. Na Dutra, era pouco o meu salário. Trabalhei primeiro no Corinthians, foi o meu primeiro emprego. Ali era demais. Ganhava mais que o salário. Mas não tinha sábado, não tinha domingo, não tinha. Feriado. Era direto o serviço. E só tinha duas folgas, eleição e finados. O resto a gente trabalhava. Natal, ano novo até meio dia. Tinha que trabalhar lá no clube e era muito puxado. Fiquei dois anos nessa vida aguentando firme, porque tinha que por alguma coisa dentro de casa. Ele não recebia. Foi quando eu aluguei a casa pra ajudar esse orçamento. Eu estava morando com a minha cunhada lá. E eles queriam que eu morasse a vida toda com eles porque eles não tinham filhos. Os filhos deles eram as minhas filhas. Tanto é que eles deixaram a casa de praia pras três meninas. Pra Marisa, Marilda e Maria Elisa. A casa da praia foi deixada pra elas. E fez isso em papel em vida. E a amizade que a gente tinha... Eles me ajudaram muito. Ficavam com as minhas crianças enquanto eu trabalhava. Que mais?
P - E a sua relação com as suas filhas ao longo da infância? Como...
R - Na escola, maravilhosa. No quarto ano, quando eles entraram pro ginásio começou a modificar, já não era mais tanta obediência. Porque porque a pequena tinha que trabalhar de dia e estudar de noite. E pra ela entrar na noite a diretora fez eu assinar um papel e tinha que levar e buscar essa menina. A segunda filha, a primeira tinha idade. mais a segunda filha. Então eu ia. Os colegas falavam assim: “A mamãezinha veio buscar a filhinha”. Entendeu como é que era? Começou a modificar o comportamento um pouco delas. Se elas tinham uma saia, ela era aqui. Elas enrolavam na cintura porque a saia tinha que ficar aqui. E foi. Eu era um pouco mais rígida que o meu marido, porque que ele era cego, ele nem viu as filhas dele. Viu a mais velha um pouco mais. Os outros ele não conheceu. O genro dele nem nada conheceu o primeiro, que casou com a minha filha mais velha. Conheceu pouco tempo, dois anos só. Logo ele ficou cego e essa minha filha separou desse marido. O comportamento delas foi mudando. Quando eles entraram no ginásio, passaram pro colegial e piorou o comportamento delas. Talvez eu fosse um pouco mais, como eu tinha uma educação, mais rígida. Acho que também eu falhei um pouco nessa parte. Mas não. Elas estudaram, tiraram o colegial com toda a dificuldade então eu sentei com meu marido e falei: “Vamos fazer o seguinte. Vamos usar o meio termo. Nem tudo tudo, nem pouco pouco. Um pouco nós temos que deixar pra não dar atrito.” A coisa era a do meio. a Marilda, portanto ela era assim mais liberal, queria fazer acampamento. Um dia ela veio pra mim e disse: “A senhora deixando ou não deixando, eu vou acampar.” Eu falei: “Vai falar com o seu pai.” Ele escutou. Ela chegou nele e falou: “Pai, eu posso ir não sei o quê.” Ele falou. “Eu já escutei a sua resposta. O que eu vou falar pra você? Não vai? Você já disse que vai. Vai.” Fez assim pra ela. Ela tinha uns 19 anos nisso. Ela era a mais rebelde da turma. Aí passou. Ela queria muito ir pra Espanha. “Ah, vou pra Espanha, vou pra Espanha.” Já tinham tirado o colegial e já estavam trabalhando. Falei: “Pode ir pra Espanha. Mas quando você tiver 21 anos. Agora não”. Ela fez 21 anos. E veio assim, eu estava estendendo roupa: “Mãe, eu posso ir em tal lugar?” eu falei: “Você já fez 21 anos. Você pode tudo.” Fiz assim. “Porque agora eu não me responsabilizo mais por você, nem eu, nem seu pai. O que você fizer, você pode ir pra Espanha. Pode não sei o quê.” E a outra, caçula, queria muito ir no Silvio Santos. E meu marido falou: “Você não vai no auditório de jeito nenhum.” “Quando eu tiver 21 anos você vai.” “Vai.” Ela fez 21 anos, eu falei: “Maria Elisa.” Chama Maria Elisa essa caçula. Falei: “Agora você já pode ir no Silvio Santos, filha.” Ela nunca foi. Era só pra atazanar mesmo. Hoje em dia são mães. Eu sou muito valorizada por elas (risos). Eu fiquei viúva. “Mãe, vai morar comigo?” “Mãe, vai morar comigo?” “Vai. Vai morar comigo?” “Não.” Não morei com ninguém, moro sozinha. Sozinha não. Aluguei parte da minha casa porque é grande. E eu fiquei num quarto, num banheiro e só. Minha casa. Mas estou feliz lá porque é o meu reino. Estou ali. A minha vizinhança é de 50 anos. Eu tenho uma boa vizinhança, me dou com todo mundo. e estou feliz por estar assim. Saio, fecho a minha portinha quando eu quero. Vou. O vizinho do fundo é filho da minha vizinha, porque assim que eu falei em alugar ele casou e ficou com a minha casa, me paga bem o aluguel. E dá tudo certo. Ele cuida da minha casa e saio pra onde vou, volto. Está sempre tudo em paz. Me dou com todo mundo ali. A gente fazia chá quente à tarde na casa de uma, juntava toda a velharada. Porque a gente começou aquela rua. Era uma família, todo mundo já se conhecia da... Era loteamento. E todo mundo do Jardim Japão comprou ali, na Vila Sabrino, que era perto. E a gente já se conhecia, já tinha conhecimento do Jardim Japão. Então a gente partiu pra ajudar um outro. outro que vinha. Na minha (geração?). Agora que está morrendo os velhos. Então as casas estão sendo vendidas e tem gente aqui, inquilinos. Não tinha inquilinos. Era só família. Tem terceira geração ainda na rua já morando ali. Muitos anos convivendo ali. E ali na rua cada um ajuda o outro ali. Se a gente está com a janela fechada muito tempo às vezes dorme um pouquinho mais, já vem gente apertando a campainha pra saber se está acontecendo alguma coisa. E assim a gente olha um ao outro. Porque a vizinha da frente foi a mesma coisa, ela faleceu na casinha dela, viúva também, e ela... Foi assim, deu algum problema nela. A televisão estava ligada e ela caiu no sofá, ficou e a gente lembra o dia. Nada dela abrir a porta, aí já foi no vizinho. A outra vizinha já falou: “Não. Não”. O filho dela já pulou o muro. Foi lá. A porta estava aberta. Ela ainda não tinha fechado a porta da cozinha. Ele entrou pela cozinha. Ela estava deitada na sala ainda viva, porque deu derrame nela. E a televisão ligada. Por isso que nós falamos: “Está tudo fechado, a televisão ligada. Tem alguma coisa”. Levaram pro hospital e depois ela faleceu. Mas ainda foi viva pro hospital. É assim lá. Todo mundo se olha, então estou num lugar maravilhoso, que é difícil de achar aqui em São Paulo uma coisa assim. Não é verdade? Vizinho que se cumprimenta. Nós ali não. Agora que estão entrando os inquilinos. Já tem mais gente assim. Já não é o mesmo. Nós fechávamos a rua. Fazíamos festa. Vaca. Todo mundo ajudava um pouco, fazíamos festa de São João, Santo Antônio, São Pedro, essas coisas, quando é jogo então. Todo mundo enfeita a rua. Faz essas. Até hoje ainda enfeita a rua quando é campeonato mundial e eu gosto de um futebol. (risos) Eu assisto jogos até de fora. Quando tem jogo eu assisto o jogo, não estou assistindo outra coisa não. É jogo mesmo. Dentro da minha casa. Principalmente em dia de chuva.
P - Dona Margarida, você falou que teve um período que vocês passaram na praia, na Caiçara?
R - Foi. Fui pro asilo pra conhecer.
P - Conta um pouquinho pra a gente desse período?
R - Era difícil. Tinha o meu marido doente, duas cunhadas velhas e meu cunhado velho. Assim que eu cheguei lá, ele já... Porque sempre fui eu. Eu sempre morei com eles. Eu sempre ia pra cozinha. Adoro cozinhar Meu cunhado já queria que eu cozinhasse pra todo mundo. E eu falei pra ele: “Não dá. Porque eu já tenho ele pra cuidar. E a comida dele é diferente. Ele é diabético, tem uma porção de problema, eu estou sempre com nutricionista. É bem diferente da comida de vocês. Eu não vou poder fazer duas comidas e ainda cuidar dele, porque não dá”. Ficou assim. Ele queria que eu fizesse a comida porque a minha cunhada pra cozinhar era um desastre, mas em todo caso. Então sempre. quando eu morava com eles, era eu que ia pro fogão. Mas ela ia lavar a louça, que eu não gosto muito de lavar louça. E ela a lava a louça. Eles queriam que eu fizesse muita coisa pra eles que eu não podia fazer. Mas essa minha cunhada Maria, ela era muito folgada. Coração de ouro, viu gente, mas não gostava muito de arrumar a casa nem de... Eu não sei o que que ela gostava de fazer pra falar a verdade. Ela tinha a pachorra de ficar duas, três horas sentada no sofá sem fazer nada. Nem de televisão muito ela gostava. Ficava olhando a rua. Gente passar pra cá e pra lá. Era assim. Mas era muito boa. Muito. Quando era mais nova, ela cuidou das minhas filhas. Devo muito a ela. a gente tinha uma... Eu nunca fiz questão de que ela fizesse ou não fizesse, a gente nunca brigou. Tinha uma amizade muito boa. Já com a mais velha. Nossa, ela tinha muito ciúmes. Porque, quando eu entrei na minha família, a minha sogra só faltou. É bom pra contar esse aqui. Eu tenho que contar que meu marido tinha 28 anos quando eu conheci ele. E ela tinha já 70 anos ou menos. 69 pra 70 anos quando meu marido começou a namorar comigo. E ela queria que ele casasse porque ele estava... Ela estava morando... Eles estavam morando na casa da filha, que era a Maria ______. Estava tudo morando ali. E ela queria que ele, pois ela não queria morrer e deixar ele solteiro, dá pra entender? E meu marido, eu nem sabia disso, ele era boêmio. Mas eu não. Eu só fiquei sabendo disso depois de casada, que ele era boêmio. Ou seja, depois que casou comigo nunca saiu de casa. Sempre fez tudo. Ele deixou a boemia pra lá. E eu não sabia disso. Então acontece o quê? Acontece que essa minha cunhada quando a minha sogra só me... Me olhou e falava: “Margarida sabe fazer isso. Margarida sabe fazer aquilo. Margarida faz isso. Margarida...” Porque ela falava: “Eu quero ir no cinema.” Eu levava a velha pro cinema. Ela falava: “Ah, eu vou. Quero ir lá.” Eu levava ela. E era difícil, porque o ela tinha a perninha curta, era gorda. e pra subir no ônibus era um... Então meu marido falava assim pra mim: “Como é que vai fazer?” “Você vai na frente. Pega a mão dela que deixa o resto aqui atrás.” Ele subia no ônibus, pegava, puxava ela e eu pum. Ela subia. “E dá impulso, Dona Antônia” (risos). E ela me adorava por causa disso. Tudo eu fazia. Também ela fazia tudo que eu queria. E ela me elogiava muito. Essa minha cunhada mais velha tinha um ciúmes doentio por causa da minha sogra e por causa dessa minha cunhada Maria, que a gente se dava. Era corda e caçamba. Eu e ela. Onde estava uma, estava a outra e nós fazíamos tudo junto. Nós íamos aos lugares juntas e fazíamos tudo juntas. Ela tinha um ciúmes danado e essa era a pedra. Era a mais velha da família. Era a pedra do meu sapato, e eu era a pedra do sapato dela. Era difícil a nossa convivência. Mas mesmo assim eu fazia por viver. Ela fazia os desaforos dela, ela fazia as coisas. Sempre. Um dia ela brigou tanto comigo. Ela
começou o dia todo a espezinhar. “Porque você é isso, porque você é aquilo, porque você aquilo.” E eu escutando. Então eu fui e avancei nela. Naquele dia eu avancei nela, perdi a paciência. Sou muito pacífica, mas eu peguei ela assim pelo “coiso”, comecei a chacoalhar, chacoalhar, chacoalhar. Falei assim pra ela: “Você não tem coração. Você...” E fui falando. Ela disse assim pra mim. Ela olhou pra mim e disse: “Nunca mais vou brigar com você.” Primeiro ela me atazanou até eu perder a paciência. Eu olhei pra ela. Larguei dela. E saí. Me senti tão mal. mas eu senti tão mal. Ela me desarmou. E eu me senti mal. Nunca mais nós brigamos mesmo depois disso. Nunca mais ela me atazanou. Porque eu não fiquei. Foi por isso que eu voltei da praia. Falei: “Não fico mais aqui porque eu não quero brigar com essa camarada aí. Ainda vou perder a minha existência nessa. porque eu sou kardecista, e não quero perder a minha existência nesta terra”. Então eu saí. Eu saí. Eu vim pra São Paulo de novo. mas eu fui morar lá por causa da saúde do meu marido e pra sair um pouco de São Paulo. Pra ver se melhorava a saúde dele. E fui morar depois disso no interior. Piedade. Morei três anos lá também, e só saí de lá por causa do meu marido. Eu fiquei doente, eu tive problema de hérnia por causa do umbigo. E veio
muito forte e, pra não estourar, precisei ficar de repouso e depois de uns dias eu fui operada rapidamente. A minha filha mais velha foi pra lá, pra ficar porque meu marido doente era eu que cuidava dele. Ela falou: “Não. A senhora não vai ficar mais aqui não. Porque eu não vou vir mais pra cá.” E a casa lá foi vendida em Piedade. Eu fui. Voltei pra São Paulo, dois anos depois ele faleceu aqui. Mas se eu não tivesse ficado doente eu estaria morando em Piedade. Adoro aquilo ali. É uma paz. Nossa. Eu adoro mato, eu adoro rio. Eu não gosto de praia não. Nem de areia, mas foi assim que aconteceu tudo isso.
P – Dona Margarida, e depois que o Daniel faleceu, você falou que aí começou a sua liberdade. Você...
R – Ah, aí começou a minha liberdade. Não no início quando ele faleceu, pois eu enterrei ele. Suis fazer. Acabou de por a última, a minha filha: “Mãe, vamos sair.” Eu falei: “Não, quero ver a última pazada em cima disso aqui”. Pôs. Quando pusemos uma coroa, as flores que tinham levado... Lá em Piedade foi o enterro dele, que eu paguei um. Funerária de lá. Eu morei lá, eu fiz um plano de funerária lá. Eu falei assim pra minha filha: “Agora a minha missão está cumprida.” Não. Não tenho remorso nenhum, fiz o meu dever até o fim, agora viva a minha liberdade. Ou seja, eu não me entreguei. Ficou um vazio. Porque você está acostumada a levantar e fazer isso, dar banho, fazer isso, fazer aquilo. Todos os dias. Mas a sorte foi que a minha filha caçula tinha pegado uma. Ela não tinha filhos, ela pegou uma menina pra criar, porque a primeira menina ela perdeu e foi criado nas trompas, foi obrigado a fazer algo. O juiz deu pra ela poder fazer o aborto. Criou nas trompas e era de todo defeituoso. Era uma menina. E ela deixou no Hospital das Clínicas pra estudo e depois daquilo ela não engravidava de jeito nenhum. Ela pegou essa menina Ester pra criar. Com três dias de vida e dessa menina eu me ocupei e comecei fazer a sopinha dela, dar banho nela, cuidar dela. Ela ficou agarrada em mim e era pra cima e pra baixo com a Ester, que minha filha trabalhava, isso daí nem deu tempo de eu lembrar que eu tinha todos aqueles problemas lá atrás. Esqueci. Eu comecei a viajar também. Fui pra... comecei a viajar pro Paraná, pra Goiânia. Fui até em Cuiabá, tenho sobrinho lá. Onde eu tinha parente, eu fui (risos). E viajava muito. Passeava muito e pro Paraná eu fui quatro vezes. E não são minhas famílias, são famílias da sogra da minha filha do meio. Mas como eu ia, ela chamava Rosa, e ela é sogra da minha filha e eu sou sogra do filho dela, a gente se dá muito bem apesar de que a minha filha não gosta dela. Mas isso é problema da minha filha, eu sempre fui assim. “Problema seu e não meu”. Então não tem problema. Eu vou com ela pra tudo quanto é lugar. E nós fomos lá. Nas famílias dela eu conheço tudo lá no Paraná. Ela tem irmãos à beça lá. Maringá. Em... como é que chama? Em Nova Aurora, em Formosa do Oeste, em Sarandi, em Marealva, em Cascavel, em Toledo. Todos esses lugares. E a gente quando vai lá faz assim, va,. visita um, outro, outro, outro. Então a gente fica assim às vezes 15, 20 dias. Já cheguei a ficar um mês lá. visitando, e vai pro sítio. Maravilhoso, maravilhoso lá. Ah, a gente dá vontade de ficar lá, mas só como a vida da gente é aqui, os filhos estão aqui, a gente volta. Mas é. Eu conheci peixe, eu conheci onde criam peixe lá na casa. Numa fazenda. Fui numa fazenda que cria porcos, vi lá. Os porcos são enormes, a cria deles é de 18. 16 porcos. Enormes. Mas a gente tem que limpar o pé, passar o pé no cal pra entrar lá dentro. É tudo muito. muito higienizado. Eu vi porcos. Mas porcos de uma idade, de outra idade, da idade. Eu também fui em fazenda de fruta. Nossa, é assim, a gente vai lá nas fazendas e é uma beleza. A gente não quer, mas volta de lá com três, quatro quilo a mais (risos) de tanto comer, porque o pessoal lá: “Não. Você tem que comer.” E faz. E fazem bolo de milho, e fazem isso e fazem requeijão. E faz. Meu Deus do céu. É maravilhoso. A gente só come lá. Não deixam a ficar com fome. Não tem. Eu gostaria de sentir fome lá, mas não dá. Porque eles não deixam a gente. Toda hora comendo. A gente volta lá com uns quilinhos a mais, cada vez que vou pra lá é assim (risos). Muito bom e com isso eu peguei uma amizade além. Em Formosa do Oeste. É até engraçado. Eu conheço todo mundo lá porque eu todo dia ia andar. Eu gosto muito de andar. Então ia andar na cidade. A cidade não é muito grande. Formosa do Oeste, então eu conheço a cidade de ponta a ponta. Andando, um dia prum lado, outro dia pro outro lado. E a vizinha da frente, peguei muitas amizade lá. Tanto é que eu escrevo. Eu faço correspondência com todos eles lá, mando carta. Já sei o que está acontecendo lá, eles sabem o que está acontecendo aqui. A vizinha da frente falou assim pra mim: “Vamos no cemitério? Eu tenho que limpar um túmulo lá do meu tio.” Falei: “Vamos”. Fui com ela no cemitério. Agora conheço até os mortos lá de Formosa do Oeste. Esse é prefeito, foi fulano de tal que se suicidou. Esse aqui. Esse é família de não sei quem, muito abastada daqui. Isso aqui. Esse aqui. Eu fiquei conhecendo até os mortos lá em Formosa do Oeste. A turma toda falava assim: “Poxa. A Margarida foi lá pra Formosa do Oeste, conhece até os mortos lá no cemitério”(risos). Ficou com essa brincadeira na família. Agora que você quer saber mais?
P - Dona Margarida. e você fala muito sobre cartas, você sempre escreveu cartas?
R - Sempre... foi assim.
P - Sempre teve esse hábito?
R - Começou assim, eu tinha uns nove anos de idade mais ou menos quando eu recebi um cartãozinho de natal deste tamanho, que eu tenho ele até hoje de uma irmã da minha tinha Madalena, viva até hoje, está com 86 anos. Muito querida. E ela me mandou esse cartãozinho. A minha felicidade de receber um cartãozinho de natal da minha tia. Ah, eu fiquei feliz da vida. Mostrei o cartão pra todo mundo lá em Ibiúna. “Olha, o cartão que a minha tia mandou” Isso me incentivou. Eu adoro escrever carta. Eu aprendi muito porque no meu tempo, você aprendia escrever carta. Era requerimento, fazia redação, de gravuras. A gente tinha que inventar uma história dessa gravura. É o que se fazia no meu tempo. Na escola, nós tínhamos um preparatório até pra fazer ginásio. Pra entrar no ginásio na época. No nosso quarto ano, era o meu professor que se chamava Ruy Barbosa (Guerreiro?) Lopes. Maravilhoso pra ensinar. Ensinava mesmo. Então assim... O que que eu estava mesmo?
P - Das cartas. Do cartão.
R - Das cartas. É do cartão. Eu fiquei maravilhada, escrevia muito bem cartas. Eu aprendi a escrever carta na escola. Eu comecei quando eu vim pra São Paulo. Eu comecei a mandar cartão de natal pras pessoas lá em Ibiúna, pras pessoas que eu gostava. E isso vinha de lá. Vinha. Isso me gratificava muito. E até hoje, eu tenho cartões aqui de Paris. Tenho cartões de Nova Iorque, tenho cartões da Argentina, da Espanha. Porque é o lugar que onde eu escrevo, que eu me correspondo, em Nova Iorque tenho um primo meu de segundo grau, que já faleceu. Eu tenho Nova Iorque toda. Você quer saber em...
P - Cartões.
R -
Cartões. Tudo. Ele me mandava tudo. Tenho onde jogar no parque. No Center Parque.
Eu... natais. Tenho um monte. Eu adoro fazer isso e até hoje eu faço. É uma coisa que eu amo fazer. Escrever carta. E sei escrever muito bem carta. Tenho assunto que eu arranjo num sei da onde. Mas eu tiro (risos). A correspondência nossa entre a Espanha e a coisa é assim: tempo, política, as coisas que estavam acontecendo, o que estava acontecendo com a gente. Eles a mesma coisa. Escreviam sobre política do tempo. O tempo como estava. E o que acontecia na família. Então a gente só sabe por fotografia, por escrever um pro outro sem ter conhecimento, sem ter visto nunca eles. Só mesmo fotografia. Só apareceu agora um da Espanha, que é o _____ Joaquim, que é filho de um dos sobrinhos da minha sogra. Filho dele. Ele é... Talvez a minha sogra seja a tia segunda dele. Não sei. Veio pro Brasil e. como eu escrevia, ele queria saber quem era a Margarida, quem era a Marisa, quem era a Maria Elisa, quem era a Marilda, que são as minhas filhas. Quem era o Daniel. Essas coisas e porque lógico que ele sabia que meu marido já tinha falecido. E a gente até hoje ainda está se escrevendo. Ele já veio pro Brasil. Agora eu achei nas papeladas que eu escrevi pra mais um parente desse Joaquim lá em São Caetano do Sul, que agora a gente vai vasculhar pra achar. (risos). É assim.
P - Dona Margarida, só pra quem não conhece a história então. Você começou a se comunicar com a Espanha por quê? Quem são as pessoas? Como que foi essa história?
R - Foi. Foi. Achei. Eu e meu cunhado achando uma carta. Porque do lado da minha sogra eu conhecia alguma coisa, que é... Tinha uma irmã que veio. Ah, eu posso contar essa passagem?
P - Pode.
R – Ah, essa irmã da. Espanha.
P - Só. só um minutinho.
R - Certo.
R - Bom. Está gravando?
P - Está.
R - Então assim. Essa mãe desse Joaquim escreveu uma carta pra minha sogra, que eu tenho esse conhecimento que eles se escreviam. E essas cartas iam na firma do meu cunhado, ele trabalhava na (destila?). Aqui. Na Celso Garcia aqui em São Paulo. Esse meu cunhado Francisco, que era casado com a Maria, irmã do meu marido. Ela escreveu essa carta. E chegou. O meu cunhado trouxe a carta naquela noite, que ele chegava à noite em casa do serviço. Abrimos a carta. No dia seguinte, essa irmã da minha cu... minha sogra ia passar em Santos destino a Buenos Aires. Eles iam ficar atracados em Santos por seis horas. E pediam pra nós encarecidamente pra ir lá, que fazia 30 e poucos anos que a minha sogra não via essa irmã. Essa é mãe de Joaquim que vem pro Brasil aqui agora. Ah, era mãe não. Era. era avó desse Joaquim, era mãe do pai do Joaquim. É. Vamos falar certo. E
então, cadê? Chegou a carta, a minha sogra começou a chorar. Porque era dia seguinte. “E agora?”. Fim de mês. Todo mundo duro. Eu fiquei pensando e a minha sogra chorando e eu olhando pra ela. “Poxa. 30 e poucos anos..” Não tive dúvida. Falei com meu marido: “Você vai já no vizinho.” O vizinho tinha banca no mercado. Nosso vizinho. Seu Rosário ele chamava. Falei: “Vai lá. Vai lá, explica a situação pra Dona Maria e arranja esse dinheiro. Nós vamos todos pra Santos amanhã, peça tanto”. Quanto mais ou menos a gente sabia. Ele foi. E ela arranjou dinheiro. Quando eu cheguei, essa minha sogra abraçou. Me abraçou tanto quando a chegou a notícia do dinheiro veio. Ela falou só. Por isso que ela tinha um carinho todo comigo. Tudo eu fazia. “Não. Vai ver essa irmã.” Fomos. Dia seguinte levantamos cedinho, fomos pra Santos e o navio atracou às duas horas da tarde. Lá de cima. Nós aqui tudo no porto. É até gostoso de ver isso, sabe, e o pessoal lá de cima gritando os nome. “Fulano de tal! Fulano de tal!” Um grita daqui de baixo, outro grita lá de cima. Lá vem essa mãe da... a irmã dela. A Ana. E grita: “Antonia Rincón! Antonia Rincón!” E a minha sogra foi andando. Se nós não segurássemos ela, tinha caído dentro do mar. Ela foi andando, olhando pra irmã e andando e nós seguramos. Ela era gordinha, seguramos ela assim: “Não. Não.” E ela quase caiu no mar. Por causa disso, por causa da irmã lá em cima. “Ela vai descer, ela vai descer.” Nós puxando ela pra trás. Desceu. E eu era (casadinha?) de novo. Falavam lá espanhol. Entendia nada, eles falavam mais forte ainda. Minha sogra entendia, mas eles lá não estavam entendendo nada. Então eles falaram assim: “Puxa vida. A Margarida não sabe nada. Não entende nada.” Eu falei “Não. Eu não entendo nada do que vocês estão falando aí.” E nós passamos aquelas seis horas com ela. Nós voltamos tarde da noite pra casa, mas até vir pra São Paulo tudo chegamos em casa tarde da noite. Mas foi o que eu fiz. Quer dizer. Eu fiz isso porque todo mundo ficou ali vendo a minha sogra chorar. E ninguém fazia nada. Aí eu tive a ideia e, graças a isso, nossa, a felicidade da minha sogra... Se encontraram as duas irmãs, o cunhado dela e conversaram. Ficaram lá horas e horas, almoçamos todos juntos e foi maravilhoso essa parte da minha sogra. Acontecer isso com ela... Então era por isso também que ela sempre me elogiava e os outros tinham ciúmes de mim por causa disso (risos). E o que que nós íamos falar mais?
P – E como você começa a ter o contato com a família?
R - Sim. Com eles eu sabia. E com os Eugidos, ah, sim. Dos Eugidos foi assim. Meu cunhado... Nós escrevemos. Eu estava falando dos Eugidos agora. Então nós encontramos, quando a minha sogra morreu, encontramos essas cartas do meu sogro. A minha sogra não se correspondia depois que ele faleceu. Era uma carta muito antiga. Era dos anos quando, meu Deus, não tenho noção, gente. Era dos anos 40 e pouco por aí. Aí eu falei pro meu cunhado e ele também falou: “Vamos ver se a gente acha essas pessoas?” Eu falei: “Vamos” e como ele não sabia escrever, eu, a minha filha estava no ginásio e tinha uma professora de francês, e a carta era da França. Então eu fiz a carta. Escrevi tudo. Pus toda a família Eugido aqui do Brasil. Irmãos, filhos. Tudo. Naquele tempo tinha poucos filhos casados, eram todos quase solteiros. Naquela época. Mandei pra professora de francês. Passou pro francês e a carta foi pra Espanha. Pra França. Chegou lá. Encontramos o endereço. Ainda era casa própria e eles estavam lá ainda. Todos. Foi aquela alegria. Eles mandaram a carta pra cá. Foi uma alegria. A família toda nossa. “Achamos. Achamos.” Foi aquela... Mas ninguém quis. Ninguém. Porque sabia escrever também. Foi com a convivência com a minha sogra eu mais ou menos... Ela fala. Como se fala se escreve. O castelhano, ela falava só em castelhano comigo e eu aprendi nesse ínterim com a convivência com ela. Só falava em castelhano comigo. Eu aprendi a falar o castelhano com ela. Então eu falei: “Bom, agora eu preciso fazer uma coisa.” Tinha uma amiguinha da minha filha que ela era do Uruguai, trabalhava com ela e ela começou a me ensinar o abecedário do castelhano. Frases e tudo. Eu fazia lição, ela corrigia. Pegava do brasileiro, passava pro... Alguma coisa que estava errada ela corrigia, me ensinava e eu aprendi vamos dizer no primeiro aninho. Cartilha. E com as cartas eu via alguma coisa nas cartas e ia escrevendo. Com isso até hoje eu entendo tudo em castelhano. Eu me correspondo com eles todos escrevendo em espanhol. Mal escrito. É portunhol mas sai. Eles lá entendem e eu também entendo. Eu leio duas, três. quatro vezes as cartas até que eu consigo entender o que está lá dentro. Eu faço isso. E eu que tinha que ler pra todo mundo porque nem isso eles sabiam, não sabiam nem ler em português imagina em castelhano. Eu tenho uma coisa da minha sogra. A minha sogra me deixou um catecismo.
E eu tenho ele em casa em espanhol. Está lá comigo. Foi assim que nós descobrimos esse Amador, que era lá da França e depois em seguida ele passou os endereços dos irmãos pra mim e eu fui me correspondendo com um, com outro e com outro. Ele passou o endereço do Hilário, do Marcos e da Euzébia. São os quatro irmãos que hoje vivem. O único sobrevivente é o Hilário. Os outros já faleceram. Esse Marcos, que é o mais carinhoso de todos, que eu tenho muita carta dele, esse é que faleceu uns três meses atrás. Eu tenho a carta que foi noticiado a morte dele. E o único sobrevivente é esse Hilário. Fiquei sabendo por intermédio do Flávio no computador que ele pediu. Porque ele estava tão assim velinho já e estava adoentado com a saúde abalada. E ele então o que faz? Ele relê. Ele guardou todas as cartas, ele fica relendo as cartas pra lembrar que ele ainda tem. São parentes no Brasil. Eles escrevem. Primos de Espanha. E eu escrevo primos do Brasil. Eu ponho o nome de todo mundo. Eu falo pra eles: “Olha, os seus nomes estão lá.” Porque eu ponho. Porque ninguém se interessou em escrever. Nem filhos, nem nada. Temos uma menina da Argentina que adora fazer o que nós, eu e o Flávio, fazemos e ela com 15 anos de idade o pai dela falou assim pra ela: “Você quer uma festa? Ela disse: “Eles têm um poder aquisitivo um pouco melhor do que a gente.” Ela disse: “Não. Eu quero ir na Espanha conhecer a minha família. A família dos Martins, que é o desse Joaquim.” Ela foi. E ela me mandou, como a gente se interessa, se escreve,
me mandou toda a família, os bisavós, avós e os filhos, os pais está tudo lá. Estou com eles aí. Essa se interessa. Eu, o Flávio e essa daí que se interessa pela família dos Eugidios e os Martins. E da minha família Schenaider pouco sei. Só sei dos meus bisavós e meus avós. Nada mais. Só sei que moravam na Iugoslávia, que meu pai nasceu na Áustria quando pertencia à Áustria. Pra Iugoslávia, depois com a briga não se separaram. Porque ali sempre vivia em guerra. E hoje meu pai é... Hoje a Áustria é livre. Mas ele nasceu na Áustria quando a Áustria era da Iugoslávia. Então ele era iugoslavo, mas consta que ele nasceu na Áustria. E a minha mãe nasceu na Iugoslávia. Deles pouco sei. Não. Não sei muito, não. Não falavam com a gente. Não tinha contato. E o pouco que eu sei foi ainda que eu fucei com as minhas tias lá. Porque minhas mães, meus pais. Não. Não sei nada.
P – E, Dona Margarida, essa rede de contatos que você tem por cartas ela é constante?
R – Ah, é constante. Você pode ver que eu trouxe a... Eu recebi ainda os últimos cartões da França. Da Argentina é da... Só de Nova Iorque que meu primo infelizmente faleceu. O ano passado ainda tenho o último cartão que ele me mandou. No meu aniversário. Era páscoa, era aniversário, era natal e ele falava: “Escreve em português pra eu não esquecer o português.” Ele foi com 20 anos pra lá. E faleceu lá. Se naturalizou americano. E eu tenho correspondência com ele. Tenho os cartões de natal que eles mandaram todos. Todos. Estão todos aí na pasta.
P – E, Dona Margarida, eu vou voltar agora um pouco pro Brasil. Vou voltar essa história. Você falou um pouco da Ester, que acabou, é uma das suas netas.
R - É.
P - Também. E você agora é vó. Vovozona, você acompanha? Como que é?
R – Ah, acompanho isso. Só vovozona. E sou muito cobrada. Ah, meu pai do céu (risos). Tem que ser assim. A gente é vó mesmo. Se eu dou... Eu não gosto de dar presente, porque já estão todos crescidos. Os pequenos não. A gente ainda dá brinquedos, que são os dois da mais caçula.Porque ela pegou, ela tinha nove anos de casada quando ela pegou a Ester pra criar. Ela teve em seguida o Lucas. Dois anos depois que ela tinha pegado a menina nasceu o Lucas, que é filho dela. Perfeito e muito danadinho (risos). Tem essas duas crianças. Uma vai fazer
sete anos e a outra, nove. A Ester, nove. Tem esses dois menores. Os outros já são todos crescidos. Tem uma de 11 anos, vai fazer 12 e tem uma de 17, que é da filha da mais velha e tem um filho único dessa que era mais danadinha da Marilda, que a filha do meio só. Vai fazer 21 anos, testá na faculdade, estudando. E está no SENAI também. Ele ainda esteve esses dias comigo. Tenho uma convivência muito boa. Se eu dou, eu dou dinheiro pra esses mais velhos. E quando eu dou dinheiro, um pergunta pro outro: “Quanto que a vó deu?” É assim. Então tem que dar tudo igualzinho pra não... E eu nesse Paraná que eu fui. Marealva, essa irmã da minha da sogra da minha filha, ela não tem filhos e ela pegou um menino pra criar. Esse menino chama-se Advilson. Ele não sabe da existência do pai, da mãe, não sabe quem é, não sabe da família. Nada. E ela pegou esse menino pra criar porque ela não tem filhos. Esse menino tinha 16 anos. E eu fiquei na casa deles quatro dias. A primeira vez, a segunda vez eu fiquei três dias. Nesses três dias, ele falou assim pra mim: “Eu gostaria muito de ter uma vó. Eu quero que a senhora seja a minha vó. A senhora aceita?” Eu falei: “Aceito. E você vai ter uma boa vó”. Hoje ele já vai fazer 21 anos e ele, aliás, fez dia sete de setembro. Mandei um telegrama pra ele. Ele tem as namoradas. Ele corresponde comigo. Conta tudo que se passa com ele. Desenhou uma igreja de Marealva. Ele nunca foi numa escola de desenho, ele só tem o colegial. São pobres e ele desenhou a igreja de Marealva com muita perfeição, com todos os detalhes. Está numa cartolina e eu pus num quadro. Pra mim ele fez isso. Está lá na minha casa. Dava pra ser engenheiro de mão cheia aquele menino, mas não pode estudar. Então nem eu tenho possibilidade de fazer. Estudar. Mas é um amor de criatura. É. Vó daqui. Logo que eu falei que eu aceitei é: “Bença, vó.” E quando ele escreve carta pra mim, na carta fora vem: “À minha querida vó Margarida” (risos). É assim. Esse eu tenho agregado. Eu sou uma avó que eu brinco com os meus netos desde pequenos. Sempre brinquei. Sempre. Eu brincava com eles de fazer fazenda. Dependendo de cada um que gostasse e eu ia. Invento história que é uma maravilha. Nossa. Eu vou escarafunchar lá. Eu ponho personagens, como eu gosto de história (risos). Eu eu faço isso. Então eu tenho uma convivência muito gostosa com todos os meus netos. Graças a Deus. Isso eu tenho. Agora eles vão crescendo. Aí já vó. Já sai com namorada. Esse meu neto mais velho já testá namorando, a de 17 já está namorando. Então a gente já fica um pouquinho de lado. Mas assim mesmo ainda tem.
P – E, Dona Margarida, já estamos chegando no final da entrevista. Eu queria fazer algumas últimas perguntas. Queria perguntar se a senhora tem algum sonho? Hoje ainda...
R - É. O sonho eu já não tenho, mas antes eu tinha muito. Muito. Eu queria muito estudar. Tanto é que eu fiz um esforço tremendo. Eu passei em primeiro lugar no quarto ano das meninas da minha classe. Das meninas, dos meninos foi o filho de uma professora. Também lá pra filho da professora é... O meu professor. Ele foi falar com o meu pai. Esse professor se chama Ruy Barbosa Ribeiro Lopes, um ótimo professor. Ele foi falar com meu pai... Deixa porque assim, o prefeito da cidade de Ibiúna deu uma perua pra gente. Pra levar nós que quiséssemos estudar em São Roque, pois era lá que tinha o ginásio. Em São Roque. Mas tinha que vir, tinha que levar marmitinha, tinha que passar o dia lá. Estudava e depois a perua. A perua não. A Kombi trazia a gente de volta. Éramos em dez que iam estudar, que tinham a possibilidade de continuar porque a gente era... Podia fazer o ginásio tranqüilo que a gente ia passar. Fazia um vestibularzinho. Seu tempo não era vestibular era?
P - Exame de admissão.
R – Isso. Exame de admissão. Isso mesmo. Pra passar e o professor tinha todas a certeza, porque ele deixou nós pra isso mesmo. Pra fazer o exame e passar porque a gente sabia tudo. Taxa. Tempo. Horário. Milímetro. Tudo. Ele ensinou tudo. E então meu pai não deixou. Disse que: “Não”, que filha dele não podia ir, porque não sei o quê, porque saía do bolso dele o gasto. Pra trabalhar aqui em São Paulo podia. Então nem perguntou: “Filha, você quer ir? Você vai”. Eu ia. É assim (risos). E o que mais?
P - E agora a última pergunta como é que é pra senhora lembrar de toda a sua história? Contar a sua história?
R - Sabe que eu sou uma pessoa que eu nunca, nunca, nunca fiquei com raiva. Era difícil pra mim. Tenho mágoa. Não vou dizer que sou perfeita. Eu não sou perfeita. Eu tenho mágoa de não poder ter estudado. Tenho mágoa que o que eu tive é um outro pai. Não aquele. E se não fosse a minha mãe, a gente não era tão unido com a gente como a gente é. Minha mãe sempre é glorificada na família, nos meus irmãos todos. É minha mãe, minha mãe, minha mãe. Então essa é a grande tristeza que eu tenho. Não ter podido estudar, porque o meu casamento, apesar dos pesares havia muito entendimento. E a gente não casou por casar. Casou porque se gostava mesmo. Foi um amor que foi crescendo, crescendo e criou raízes dos dois lados. Não foi aquela... A minha mãe casou por paixão. A paixão é fogo de palha. Acaba aí. Pronto. Passa os anos. Acaba aí. Ficou uma porcaria o casamento dela. Em todo o caso, o meu já não. O meu foi assim. Eu acho que das irmãs em entendimento com ele assim, a que melhor casou fui eu. Não. As outras casaram um pouco melhor que eu financeiramente. Só isso. Mas e compreensão, em entendimento e tudo só fui eu mesmo. Eu que casei assim porque a gente se entendia bem, se dava bem, havia compreensão dos dois lados. Quando um alterava, o outro ficava quieto. Assim. Então a minha mágoa é essa, de não ter podido estudar e ser alguém. É o que eu falei. Eu ia ser uma historiadora daquelas. Era o que eu queria fazer. Mas aí ficou ________. Não pude fazer, acho que não era pra ser assim. E meu marido sempre falava: “Mas se você estudasse, você não ia casar comigo”(risos). E eu falava: “Mas quem sabe você também era estudado.” Porque ele tinha uma inteligência maravilhosa pra matemática. Acho que ele tinha uma máquina aqui dentro. Era pápápá. Quando eu falava: “Ai. É tanto. É tanto.” Ele já tinha a conta somada. Aí eu pra ter a certeza, ia fazer no lápis, porque no lápis eu sou boa. Aí eu pegava o lápis e fazia. Dava certinho o que ele tinha falado. Então era isso. A minha mágoa é essa. Só isso.
P - E pra finalizar então, Dona Margarida, como é que foi contar aqui pra gente. Vir no Museu e gravar?
R – Ai, maravilhoso. Tomara que eles achem no computador tudo isso e que o que eu peço pra eles é que eles não se esqueçam da família, que os filhos lá... Eu vou mandar os e-mails. Vou fazer tudo. Pra que não haja o esquecimento. Que a família continue sabendo que tem isso lá e que tem isso aqui. E que somos uma família. Porque desde pequena eu sempre fui muito família. Eu olhava pros meus irmãos, o que eu podia fazer por eles. Coisinhas. Presentinho de natal. Eu fazia economia. Mandava, só pra eles ter um natal. Porque meu pai. Então eu fazia tudo. Eu acho que nunca quis que os irmãos fossem... Quando brigava, eu intervinha no meio. “Não quero briga. A mãe não quer briga. Vocês tem que fazer o que a mãe quer.” E assim. Porque eu sendo mais velha no meio das mais novas, porque nós tínhamos 17 filhos. Então tem uma... Mais velhos, mais novos e mais novos. Tem a caçula que chama Eliana, ela é mais nova do que a minha filha mais velha. Quando a minha mãe estava grávida, eu estava grávida, a minha irmã mais velha estava grávida, porque nós casamos com seis meses de diferença só. Usamos o mesmo vestidinho de noiva que era muito. Nós fizemos as duas, nós que fizemos com dinheiro juntado ali. Fizemos vestido de noiva. Então foi o mesmo. Estávamos nós três grávidas, a minha mãe na fase da menopausa ficou grávida dessa minha irmã. Tanto é que eu falava, olhava pra ela quando era pequena, eu levava pra tudo quanto é lugar que eu ia. E eu olhava assim pra ela e eu falava: “Você tem que me obedecer. Você é minha caçulinha, caçulinha das minhas irmãs, mas eu sou que nem sua mãe.” Então ela falava: “Ai, eu não aguento a mãe.” Porque ela ficou moça. E eu falei: “Também quem manda vir tão tarde assim. E aquela ela não é sua mãe, ela é sua avó. Podia ser sua avó.” E é. Ela era novinha. Então é vovó. E as minhas filhas pra atazanar ela entravam no ônibus quando elas trabalhavam. Via ela lá no ônibus, gritavam: “Oi, tia”. Ela ficava pê da vida (risos). Mas foi assim. É isso aí.
P – Ok, ótimo Dona Margarida. Então a gente agradece.
R - Não. eu que agradeço vocês porque eu quero que todo mundo saiba. E que faça o mesmo que eu faço. Porque eu acho que família é muito importante, pelo menos pra mim. É muito importante. Vocês não sabem porque na hora duma necessidade, numa coisa, a família que ajuda. Se não existir família, acaba tudo. Não existe uma vida boa. Não existe não.
P – Ótimo, Dona Margarida. Obrigado.Recolher