Memórias dos Brasileiros
Depoimentos de Vicentina Dalva Lyra de Castro (Dalva)
Entrevistado por Winny Choe e Julia Basso
Piaçabuçu, 08/10/2007
Realização: Museu da Pessoa
MB_HV064
Transcrito por Luany Promenzio
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P/1 – Dalva, eu queria pra gente começar,...Continuar leitura
Memórias dos Brasileiros
Depoimentos de Vicentina Dalva Lyra de Castro (Dalva)
Entrevistado por Winny Choe e Julia Basso
Piaçabuçu, 08/10/2007
Realização: Museu da Pessoa
MB_HV064
Transcrito por Luany Promenzio
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P/1 – Dalva, eu queria pra gente começar, você falasse seu
nome completo, a
cidade que você nasceu, data do seu nascimento.
R - Bom, meu nome é Vicentina Dalva Lyra de Castro. Eu nasci em Penedo, cidade aqui vizinha, em 18 de novembro de 1971. Aqui em Alagoas.
P/1 – E qual o no me dos seus pais?
R -
Meu pai é José de Castro Silva, minha mãe é (Gislene?) Castro de Lyra e Silva, mas eu tenho mais além dela. (risos) Eu tive o
privilégio de ter muitas mães. Assim, eu tenho a Baunga, Maria Domingos. Ela me criou. Quando eu nasci ela já morava em casa e até hoje vive comigo, cuida dos meus filhos. È uma avó assim dedicada. E ainda teve a madrinha Sofia, que era madrinha de minha mãe também e que é uma lembrança muito forte em minha vida. Até quando eu casei, ela já era bem velhinha. E assim ela também foi uma referência muito forte. Então eu tive muitas mães.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho cinco irmãos. Tenho duas mulheres e três homens. As mulheres são mais novas que eu e os homens são mais velhos. É tudo
"divididozinho", três e três.
P/1 – Você está meio no meio ali.
R – É, bem no meio.
P/1 – E você cresceu em Penedo na sua infância?
P/1 – Minha infância eu passei em vários lugares. Meu pai, ele viajava pra um local e pra outro. Ele era técnico agrícola de acordo com o local pra onde ele ia. Assim, ele ia trabalhar em local tal, então, a gente ia junto. Eu passei um tempo em Penedo, morei lá, estudei, depois passei um tempo em Pindorama, depois eu passei aqui em Piaçabuçu. Acho que a maior parte eu passei aqui em Piaçabuçu.
P/1 – E é tudo aqui no Estado de Alagoas?
R – Tudo em Alagoas.
P/1 – Seu pai como técnico de Agricultura, ele fazia tipo consultoria?
R – É, ele foi presidente da cooperativa de Pindorama, e depois a gente foi pra lá. Foi. Ele era chefe de um..Era um local que plantava lá, era muito pequeno, aliás tem mais de “escutar”. Acho que eu nem morei lá. Eu fui mas na verdade eu não morei de fato lá. Eu ia lá depois que meu padrinho era de lá. E, então, quando eu já estava morando em Piaçabuçu, eu passava minhas férias lá. Das lembranças que eu tenho, são mais os meus irmãos que falavam, porque de fato eles moraram na localidade, mas era assim, era um espaço de terra que era do governo e ele foi pra lá pra cuidar pra tornar a terra mais produtiva. Foi lá onde a gente conheceu a Baunga, que veio morar com a gente. Ela trabalhava com ele lá também na agricultura. Ela foi ajudar minha mãe, com os afazeres domésticos. E acabou ficando com a gente.
P/1 – A Baunga, ela ficou com vocês até hoje cuidando de vocês?
R – Até hoje. Meus pais separaram eu tinha 13 anos e ela que cuidou da gente. Aliás, ___ bem interessante em relação a Baunga, porque quando meu pai separou, ele casou com um outra mulher e começou a ter choque, porque a Baunga cuidava da gente. Começou a ter alguns choques e teve uma hora que ficou complicado Baunga ficar aqui. Tinha muita discussão. Então papai achou melhor ¬____ (reforço?) e ir pra casa dela. Todo mundo se revoltou, foi uma guerra dentro de casa. Tiramos
as coisas do guarda roupa: “Esses lençóis foi minha mãe que fez”. “Então __ leve pra sua casa que a gente não quer aqui, não. ___não vai ficar aqui”. Assim, teve muita confusão por conta disso. Eu acho que..Eu tento entender a posição do meu pai. Realmente era muito difícil ele viver uma..É..Guerra dentro de casa, mas não foi justo, não. Não era justo essa ação. A gente terminou tomando um partido de umas..Depois se ajeitaram as coisas. (risos) Ele mesmo___ vamos buscar, está errado isso”.
P/1 – E como era na infância essa cidade onde você morava? Como que era as ruas, as casas?
R – Eu não lembro muito das ruas. Eu lembro de algumas casas, mas assim, eu lembro que minha infância sempre teve muita relação com a terra. Até porque “meus pais vivia” com a terra.Então sempre tinha plantação, sempre tinha muita coisa. Por exemplo: criava porco. Eu lembro que eu ia tomar banho no chiqueiro dos porcos..Todo dia tinha que lavar os porcos, e
a gente __ uma mangueira enorme que tinha que lavar os porcos todos os dias. A gente ia olhar e terminava tomando banho. (risos) Não era dentro do porco, mas a mangueira servia pra lavar os porcos e pra lavar a gente também. Então eu sempre tive uma relação assim com a questão da agricultura. Pindorama era onde tinha a ___ dos porcos também, também tinha uma bica, acho que água __ foi muito forte. Assim, eu..a gente saía no fundo da casa da gente. Não no fundo mesmo, saía por trás da casa e ia dar nesse espaço. Ela tinha uma nascente, um minadouro bem pertinho. E
desse minadouro tinha uns canos, assim que iam pra um local mais baixo e formavam uma bica. E a gente ia tomar banho lá. Era constante, era uma festa tomar banho. Além do desafio de querer pular na nascente, porque a nascente não era pequenina. Era uma nascente grande ou eu era muito pequenina,
também tem essa questão. E a gente ficava com medo porque a água ia puxar a gente. A ideia que a gente tinha é que ia puxar, sugar a gente pra dentro da terra. Então ficava: “Ei, tu não vai cair daí, não?” Ficava aquela brincadeira em relação a isso. Quando eu morei em Penedo, foi quando eu tive menos ligação, porque já era num bairro. Embora tinha muita brincadeira de rua. Era um bairro, mas era um bairro mais afastado do Centro e eu lembro que a gente brincava pegando tanajura assim. É, brincava na rua, de pique, de esconde-esconde, esse tipo de coisa. Mas era em relação à terra que era o que era mais distante. Quando eu vim morar em Piaçabuçu, ficou muito mais forte, porque pra vir morar aqui meu pai comprou um terreno. Já era dele que já foi na ilha, e meu avô
tinha uma propriedade lá. Ele comprou “uma vizinha meu avô” e a gente sempre no final de semana estava lá. Quando tinha festa com uma família, era toda lá. Ah, também antes dele vir pra cá, ele tinha um..Em Pindorama, quando
ele foi pra _____, todo mundo que faz parte da cooperativa tem um terreno. Na verdade você tem um terreno e você é cooperativado porque você produz. E seu produto a cooperativa compra e transforma em suco, em polpa. Então a cooperativa funciona dessa forma em Pindorama. E lá também a casa era dentro de um terreno, lógico. E a gente vinha plantar, tinha uma pontezinha que passava embaixo da água. A água estava sempre muito presente na minha..Até aqui na beira do rio. Tinha uma pontezinha que a gente ficava olhando os “girinozinhos” crescer __ sapinho. A gente acompanhava a vida do sapo, o desenvolvimento. (risos) Quando eu vim pra cá, ele vendeu esse lote lá em Pindorama e veio morar aqui. Ele comprou um terreno que é numa Ilha do (Gundim?), vizinho meu às vezes eu lembro quando a gente foi pra lá. Primeiro chegava eu; minha mãe; meu irmãos; meu pai. Tinha uma casa, uma casinha lá e a gente ia pra lá, mas não tinha nada ainda. Até assim eu lembro do dia que eu fui pra conhecer esse espaço.Ficou muito marcado. Assim, não teve nada, não tinha nada de especial, mas foi uma coisa muito gostosa. Meu pai estava muito feliz. Ele
queria muito isso. Ele, o espaço que ele comprou aqui era bem menor do que ele tinha precisado vender não sei o quê. Mas ele queria por estar aqui, por que a infância dele foi aqui. A família já, os pais deles estavam aqui. Então isso tinha uma importância muito grande pra ele, eu acho que isso terminou passando pra gente. E
a gente foi pra lá. Depois ele foi ajeitando a casa. A gente plantava coqueiro, que é na verdade, hoje o que mantém
basicamente a propriedade. Mantém mal, muito mal, mas assim é o que mantém. Mas tem um monte de frutíferas também. E a ilha foi muito importante porque, acho que eu em termos
de infância, acho que foi a parte que eu vivi mais foi aqui em Piaçabuçu e o que eu mais lembro. Assim, todo final de ano tinha festa na ilha. Meus avós tinham 13 filhos vivos. E estavam todos os filhos no final do ano. Então era uma festa enorme. Imagina 13 filhos, cada um com filhos. Então assim a interação entre a família era muito grande. Ainda hoje eu sinto ___ uma relação muito boa. Já não consegue se juntar porque meu avô morreu, minha avó morreu, depois meu pai morreu. Quando meus avós morreram, meu pai assumiu essa coisa de referencial da família e, depois que meu pai morreu, a gente terminou se dispersando mesmo. Mas ainda se junta em alguns momentos. Mas na minha infância era muito forte isso. Então em todo final de ano, a gente ia pra ilha. E a gente passava o ano lá, rompia o ano na ilha. Não tinha energia, não tem ainda energia, tinha só lampiões, candeeiros e tinha o rio. E rio era um desafio. A propriedade que era do meu avô, ela fica num braço de rio e eu fico me perguntando ainda hoje: “Como é que a gente saía da casa do meu avô e saía nadando do trecho inteiro do braço do rio até chegar num espaço maior desse rio?” E era um espaço longo, que hoje a gente faz ainda, faz de barco. Eu não sei como a gente fazia, sinceramente, ainda. Que era tudo criança, mas a gente aproveitava as amigas na beira___ que era uma vegetação nativa que ela boia. A gente ___ pra ajudar nessa travessia e um monte de menino. Chegava na beira do rio - quer dizer - na ilha do rio, (contemplava?) um pouco o rio e voltava (risos) na verdade o prazer mesmo estava no deslocamento. Ia todo mundo junto, ia um ajudar o outro, porque tinha..Lógico que a gente só ia quando a maré já estava baixa. E quando a maré vazava é que a gente ia. Quando começava a encher, a gente voltava rápido porque senão a gente não conseguia nadar espaços muito longos. Quando com maré baixa, a gente tocava os pés em uma parte a ia em uma parte mais funda, a gente nadava. Então ia conciliando isso. Mas quando enchia, não alcançava os pés mais em canto nenhum, então a gente não podia, a gente ficava assim. A gente ia pra calha do rio. Quando a gente percebia, estava enchendo, começava a criar um desespero porque tinha que voltar, tinha que voltar pra ir embora pra casa. E assim, lá também. Já depois, já na parte de meu pai, eu lembro muito das portas d’água. As ilhas, elas são uns terrenos que têm muitas lagoas, muitos baixios, e a gente não tem mais isso..Das questões de hidrelétricas. Mas sempre aqui em Piaçabuçu foi um espaço de plantio de arroz. E eu acompanhei muito o plantio de arroz. Meus irmãos foram plantar arroz. Eu nunca plantei, não. Meu pai botava eles pra plantar arroz, todas férias.
P/1 – Como que era?
R – Planta arroz? É assim: a lagoa é..a lagoa enche; o rio ele enche as lagoa e já prepara antes, uns ____. O arroz parece um capinzinho. E faz aqueles _____na lagoa você enterra no fundo, na lama e deixa lá. A gente, algumas pessoas hoje já plantam. Você joga o arroz só. Mas o que a gente fazia lá era desse jeito. Então, ou pra plantar ou pra cortar depois. É preciso ir cortar lá embaixo, tirar pra botar pra secar e bater. A minha mãe ficava revoltada que meu pai botava os meninos pra plantar porque tem as sanguessugas. Eles chegavam às vezes com sanguessuga e tinha que tirar e ficava com aquela mancha vermelha. A gente não plantava arroz, mas eu acompanhei. E a gente fazia (coivara?), não é? Todo mundo fazia coivara. Coivara é nos pés de coqueiro. Tem que juntar as palhas. ____ e limpa e depois junta os espaços tanto no pé do coqueiro, quanto no caso quando tira o coco, você tem que juntar as palhas, que fazia muito pra queimar. Hoje __________, mas assim, na época era juntar pra limpar o terreno. Então a gente ajudava a juntar os cocos. Quando tirava, ia fazer as coivaras pra deixar o terreno limpo. Isso era nosso trabalho na época de férias. E como brincadeira, a gente brincava de criar gado. (risos) Mas o gado era o caranguejo, era um _____, era um caranguejo pequenininho, que é muito comum aqui. A gente ia nas... Assim por conta das lagoas de arroz, as ilhas são rodeadas por muros. Que aqui é o muro aqui a gente chama de... Eles fazem do barro, tiram o barro da própria lagoa e fazem um espaço mais alto que evita que a maré encha. Mesmo quando está a maré grande, não enche. Nos espaços... Tem o muro e no meio. Por exemplo: meu pai fez várias barragens. Barragem é portas d’água. Então isso é muito comum. Se faz com cano, um cano grosso que fica na parte debaixo e usa o saco com areia pra fechar. Então o saco de um lado tem um feixe. Quanto que você quer que aguente, puxa o saco, a água entra. Mas tinha uma que meu pai fez toda de cimento. Então no espaço que tinha cimento, cimento___ construção e na parte do meio em vez dos sacos era madeira. A madeira da ____, você puxava a madeira, a água entrava; você baixava, a água ficava presa dentro da lagoa. E a gente tinha muita dessa porta d’água. A gente ia tomar banho dentro da porta d’água e ia pegar os caranguejos lá, porque tem os ____ todo do lado.(risos) Pegava um monte de caranguejinho, levava pro porto da casa, que era mais areia pra tomar banho, era bem mais gostoso. E a gente fazia os murinhos de areia mesmo. Os caranguejinhos ficavam dentro. E a gente prendia, cuidava do caranguejo _____. A gente tinha que prender o gado de novo. Então a gente brincava muito com os caranguejinhos que viravam bois. O barro servia também pra fazer panelinha de barro. A gente fazia muito boizinho de barro, brincava muito com essa coisa do barro.
Ainda tinha as árvores. Eu sempre fui muito medrosa. Eu fui medrosa muito. Assim de... A não ser na água. Na água eu nadava, parece que a água me dava mais segurança. Mas fora, subir em árvore eu não era muito segura, não. Tinha por exemplo as goiabeiras. Eram mais fácil de subir, então eu subia nas goiabeiras. Tinha muita goiabeira, muita. Então a gente brincava muito nas goiabeiras, nas mangueiras. Nas mangueiras eu já não subia muito, não, algumas só. Mas a gente ficava pra tirar manga. E assim, tinha algumas cenas que até hoje são fortes, que era___. Quando a gente vinha pra no final do ano ___ de manga. A gente andava por baixo das mangueiras. Era assim: o chão fica forrado de manga. Eu fico pensando que assim a gente ficava: “Essa manga está ruim, essa manga está ruim”. A gente ficava escolhendo qual era manga que a gente queria porque era manga demais. A fartura assim em termos de alimento sempre foi muita na minha casa_____ meio exagerada pra essas coisas. Então era um monte de coisa sempre e como _____ dava com isso, então tinha mesmo. Tinha macaxeira, tinha a manga. A manga tinha assim. O caju era... Sempre tinha alguma coisa que vinha da terra mesmo que ele cultivava. Paralelo a isso, ele também tinha barcos de pesca e pescava camarão no alto mar. Aqui na verdade era o que mantinha a família. _____ era uma coisa mais de prazer, de afinidade. Ela basicamente como até hoje ela se sustenta assim. Hoje a gente _____ do coco, até pro meu pai ficava mais dentro assim, a gente não consegue, mas assim, ela basicamente se mantém. Mas o que mantinha a gente - digamos assim - eram os barcos de pesca. E tem outras cenas muito fortes que eu lembrava, que eu lembro que eram os barracões de fumo de camarão. Porque meu pai ele ____. Hoje poucos até fazem, ainda tem muitos barracões, mas o camarão teve um declínio também aqui na região, pela influência do rio, que já não tem muitos nutrientes. Então a falta de nutrientes na água do mar faz com que o banco de camarão, que era o maior do Nordeste, fosse diminuindo a produção. Mas na época em que eu era criança, era o maior ___. Então era o camarão. Tem cenas que são muito fortes pra mim. O primeiro barco chegando. Então quando o barco chega, ele fica parado uma certa distância, ele não chega onde a gente chega, na beira, na praia. Ele fica distante por conta do ___ do barco, da profundidade do barco. E vão pegar a produção, o camarão, os peixes, os (capines?), que são barcos menores, que vão lá pegar os seixos, balaios de camarão. Quando esses barcos chegam, os (capines?) chegam na beira do mar pra trazer a produção da beira da praia pra os barracões de camarão, então chegam as carroças. E as carroças, elas ficam na minha cabeça como uma imagem, sabe daquelas ... Grécia, os... As arenas greco-romanas. Então o povo em pé, o povo ficava em pé mesmo assim. E a carroça andando. E não era uma carroça, eram várias carroças, cada uma trazendo um cesto de camarão, várias, com os balaios enormes, cobertos de camarão, peixes. Então são cenas que ficaram muito... É... Cinematográficas. Assim, eu fico imaginando coisa cinematográfica mesmo. E dentro do barracão a gente ficava esperando lá. O cheiro era muito forte. Se eu tivesse lá com meu pai, tudo bem, quando não, quando ele chegava em casa, a gente: “Ai, painho, tira essa roupa”. Porque empreguina toda roupa, cabelo, os camarões, os peixes, é muito... É bom de comer. Mas o cheiro é muito forte. Mas lá dentro do barracão, o (defumo?) do camarão é assim... O (forro?) do camarão, já viram o defunto do camarão? Então o forro fica embaixo e em cima. A uma distância fica o varal. O camarão é colocado sobre esse varal.
P/1 – Tipo uma rede?
R – Tipo uma rede. E quando o camarão chega, ele vai pra uma água com sal, depois ele é tirado. Tira bastante a água e vai pra esse varal. Então o camarão na verdade ele não cozinha, ele não torra, ele
vai secando, por isso ele é defumado. E isso era muito importante, porque a produção era muito grande e eles precisavam juntar pra levar pra Salvador, toda a Bahia, de forma geral. O Salvador ele era abastecido pelo ___. Ainda hoje tem muito isso, mas principalmente na época ele era abastecido pelo produto daqui. Então toda semana levava pra viajar, era caminhonete de camarão que ia pra Salvador. E a gente ficava lá comendo camarão defumado. E o peixe, o peixe chegava do mar, o papai dizia: “Oh, veja isso aqui”. Escolhia um que fosse mais bonito e os pescadores mesmo tratava na hora. A gente assava o peixe lá. E acho que uns dos peixes mais maravilhosos que eu comi assim fresquinho e a forma de tratar, que até hoje assim ____. O mesmo peixe quando ele é tratado por um pescador, por alguém que tem essa prática, ele fica de um jeito. Quando é uma outra pessoa, ele fica de outro. A questão é: tem peixe pequeno, os maiores não. Os peixes pequenos pelo menos tem a questão de retalhar. Eu mesma não sei retalhar. E você vê “tititi”. Os retalhos são tão pequeninos que você não percebe a espinha. Se uma outra pessoa vai fazer, eu tenho peixe que eu não consigo comer por conta das espinhas e eu sei que tem a ver com essa questão da forma, do tratar ele, que é muito forte. A gente morava aqui mas tinha uma casa também no Peba, que era lá onde meu pai ficava. Então as férias dividiam-se entre estava lá e estar na Ilha. No Peba, as coisas vão aparecendo... Tinha umas coisas muito boas, muito belas também, que eram as dunas. Vocês chegaram a ver as dunas por aqui? Vocês perderam muita coisa minha gente. (risos) E estavam bem pertinho. Era só uma meia hora a gente chegava nas dunas. Então a gente saía de casa pra ir brincar nas dunas. Primeiro na frente de casa tinha uma duna que
não existe mais. Era na cidade mesmo. Então a gente brincava de bandidos (risos) e policiais; os bonzinhos e os maus; virávamos gangues. A gente brincava nas dunas de se esconder e abaixava. Ficava brincando um monte de menino nessas dunas. Ou então a gente ia nas dunas muito maiores lá no Morro do Vigia. E essas dunas do Morro do Vigia, no meio das dunas nasce um monte de pé de caju, são vários cajueiros. A gente aproveitava a sombra do cajueiro pra descansar do sol, pra chupar caju e brincava nas dunas. Então a gente ficava rolando na terra “chiuuuu”. Subia e lá de cima descia rolando de bunda assim, escorregando. Então brincava muito com isso, sempre tomando cuidado com horário. Eu já queimei meu pé inteiro de ficar cheio de bolha por causa da areia. A gente pensou em ir pras dunas perto de meio dia. Chegou lá e voltou, já não aguentava. Mas quando chegou na praia, botei os pés na água, parecia que ouvia aquele negócio: “Chiiiiiiii”. (risos) Eles criaram bolhas, bolhas mesmo. Mas a gente brincava muito lá. A água também era interessante. Até hoje na Pixaim, me lembra isso. Na época não tinha água encanada, mas a gente comprava água que vinha de lá do Morro do Vigia, porque água vinha de lá. Então _______ cavadas na terra, a profundidade pequena e a gente tomava essa água. E na cidade a gente tinha outras cacimbas, mas que era pra uso assim: pra tomar banho, pra lavar roupa, mas pra beber tinha que vir de lá porque era melhor qualidade. Bom, e é interessante isso, porque é uma sabedoria popular. Questão de qual água eu posso tomar, qual água que era pra lavar roupa. Mas até hoje, já depois de grande a gente fez um trabalho, sei lá uns dez anos, mesmo. E hoje tem uma história de dengue, mas teve umas epidemias de várias questões e foram feitas análises de água. A dengue não era por conta da água, mas eu lembro muito da ___ que eu trabalhei me envolvendo com isso. Mas na época foi analisada a água da cidade inteira, de vários pontos e a única água que não deu nenhum problema foi uma água de uma comunidade, que é chamada comunidade Pixaim, que fica no meio das dunas e lá ninguém filtra água, ninguém ferve. Ele simplesmente abre um buraco no meio da terra e tira uma água com um metro de profundidade. E foi a única água que não deu problema nenhum. Então essa água aqui está limpa porque a terra filtra. E eles lá no Pixaim tinham esse mesmo cuidado que a gente tinha no Peba. Eles têm... são várias cacimbas, e tem cacimba que é pra tomar banho e pra lavar roupa, e tem outra cacimba que é pra tomar água.
P/1 – Cacimba é tipo caixa d’água?
R – Não, é tipo um buraco. Um buraco na terra. Lá na Pixaim é buraco mesmo. No (Pebatinha?) tinha dois tipos de cacimbas. Tinha essa cacimba que era pra tirar água de beber que era só areia. Inclusive, ela se fecha depois e abre; tira água, tira água. Com o tempo você acaba outro buraco. Aquele buraco, depois com o tempo ele vai fechando. A gente sempre percebe que dói cavado algum ali, porque fica um pouco mais de (baixo?), mas a terra é como... Porque a água está minando ali embaixo, então ela, a areia, vai descendo e vai fechando aquele espaço. E é...a cacimba que ficava já no caso; no povoado mesmo; cavava, mas depois fazia uma parede já com tijolo. Faziam a parte de cima e àss vezes tinha... A gente usava balde pra tirar porque já era mais fundo, a água já não _____ com facilidade. Então era assim.
P/1 – Me explica uma coisa, vamos voltando assim, certo? Quando você na ilha ficava brincando, era com seus irmãos, tinha muitos vizinhos? Porque você falou que “cortava” uma árvore que flutuava. Como que era essa árvore? Qual que é o nome dela? Como que ela é?
R – (Aninga?). Bom, se tem um nome científico, eu não sei, mas é Aninga. Ela é muito comum. Se vocês tivessem ido para fora, vocês iam ver muitas aningas. No caminho das Ilhas tinha muitas aningas. Ela é uma vegetação nativa, que não tem só aqui, tem em vários lugares. Geralmente nessa área que tem parte mais _____. Mas isso já aprendi depois. Eu sabia que tinha aqui, mas por conta da ___ do mar. E ela nasce em toda região assim, na beira do rio. Algumas pessoas chamam assim, que é Mata Ciliar mas não é na verdade Mata Ciliar aqui basicamente não existe hoje. Tem pouquíssimos espaços, mas ela é uma planta nativa e ela é frágil e ela é assim, mais grossinha na base e fininha com as flores bonitas em cima. E ela é mesmo como um isopor. A gente corta e ela flutua. O que a gente fazia? Um tronco mais grosso ____ e vai ficando fininha. Então pegava o mais grosso e _____ o outro. Então ficava sempre o mais fino com o mais grosso. A gente prendia com pedaços de pau mesmo e fazia uma espécie de jangada. A gente ficava brincando com essa jangada. E depois deixava pra lá, porque rapidamente ela se recompõe, não criava____.
P/1 – Você encontrava muita criança lá? Vocês brincavam muito... Porque vocês e seus irmãos já dão um belo de um grupo.
R – É , mas assim, a gente sempre quando ia mais pra ilha, a gente ia em períodos que a família estava de férias, então - como eu falei – por exemplo, final de ano não ia só a gente, já ia muito dos meus irmãos. Sempre lógico na passagem de ano mesmo chegava todo mundo. Mas, um tempo antes, no mês anterior, tinha gente indo e vindo. Então sempre tinha os primos. Brinquei sempre muito com meus primos, mas eram muitos primos, então já era um monte de gente, além das pessoas que já trabalhavam lá. Porque a Ilha tem vários proprietários e, além dos proprietários, tem as pessoas que vão plantar na terra dos proprietários. É muito comum a prática aqui da sessão da terra. Eu tenho um ____, então eu dou pro outro plantar. E a pessoa planta, colhe. Por isso essa coisa. Na época
tinha a questão ____ do plantio de arroz, então os barcos que são usados pra turismo aqui em Piaçabuçu, eles eram barcos de transporte de pessoas. Lógico que hoje já tem outros que fizeram, por exemplo o turismo, mas assim a estrutura desses barcos maiores era pra transporte. Então dos dias de manhã saíam barcos cheios de pessoas que iam pras lagoas de arroz, plantar arroz, colher o arroz, bater, plantar coco. Basicamente era o arroz que ocupava a maior parte da mão de obra e também assim, as casas de farinha. Eu lembro também das casas de farinha. A gente...
P/1 – Tinha lá na Ilha?
R – Tinha na Ilha.
P/1 – Mandioca? Farinha de mandioca ou farinha de arroz?
R – É, farinha de mandioca. Farinha de arroz também tem, mas lá não tinha, não. Fábrica não. As fábricas até hoje são aqui. Muitas fecharam, mas ainda tem. Mas lá na Ilha tinha _____ de farinha que era no terreno de meu avô, a gente... Cada pessoa plantava sua mandioca. Quando chegava perto de plantar arroz, _______ porque era... Que o rio que era parte da cheia, alagava a mandioca toda. Então não pode deixar senão ela (puba?). Então tinha que arrancar de pé, ____ nós passamos ____, tirávamos toda mandioca senão ela estragava. E embaixo de um pé de mangueira, assim tem um perto da casa de meu avô, um pé de mangueira e a casa de farinha. Então embaixo do pé de farinha ficava aquele monte de mandioca assim, de macaxeira, de mandioca tudo misturado lá. Mais a mandioca nesse caso. Mas também tirava a macaxeira, porque quando enchia não ia dar pra comer depois. Então tinha que tirar mesmo, fazer farinha com tudo. A gente ficava sentado, descascando a macaxeira, conversando à noite inteira, cantando. Não lembro de nenhuma canção. Na verdade lembro da cena, mais da imagem e da casa de farinha. A gente depois ia lá passar a moer. Nunca tirou gomo que eu lembre. É uma coisa que eu fico perguntando, nunca tirou gomo. Sempre era farinha d’água. É muito gostoso. A farinha quentinha saindo do forno, a gente ia comer farinha d’água. Meu pai fazia assim com muito coco. A gente tinha muito coco lá, então ficava uma farinha muito gostosa, porque ficava com muito coco. E a gente fazia bolo, essas coisas assim. A gente ficava mexendo a farinha. Era muito... Era uma imagem muito legal também que eu tenho.
P/1 – Que mais você comia na infância que você lembra? Tipo no dia-a-dia assim que você gostava. Quem preparava assim?
R – A minha mãe. (risos)
P/1 – Qual das duas? (risos)
R – A minha mãe biológica. A minha mãe ela sempre teve muita gente ao redor dela em casa, não tinha Baunga. Tinha a madrinha que ajudava, mas assim, ela nunca, até hoje, ela não fica em casa sem fazer nada. Então ela que fazia tudo. Todo mundo ajudava, mas ela que era o centro. A minha mãe cozinha muito bem. Então ela sempre fazia coisas diferente. Sempre tinha feijão, arroz, verdura, suco, mas ela fazia um monte de sobremesa. Era um problema. Fazia muito pavê. (risos)
P/1 – Feijão é feijão escuto mesmo.
R – É feijão caseiro que a gente chama. Não é feijão verde, é feijão com líquido, com caldo.
P/2 – Dalva, só uma curiosidade. Qual a diferença entre a macaxeira e a mandioca?
R – A mandioca ela é amarga. Ela é própria pra fazer a farinha mesmo. E a macaxeira ela já não tem nenhum amargo, então ela é pra comer. É o que a gente come, o aipim é macaxeira. Difícil você comer a mandioca. Mas assim você pode fazer muito bem a farinha com a macaxeira. Não tem problema.
P/1 – O que vocês comiam nessas festas de fim de ano?
R – Nessas festas de fim de ano, era um problema. Porque comia alguma coisa de animal, assim, comia carneiro, comia porco, comia boi.
Mandava matar uma cabeça de boi. Matava não sei quantos carneiros, galinhas. O problema na verdade é que criava uma coisa de ver matar e era muito ruim aquilo. É, isso não é ____não é todo mundo que achava, mas eu lembro que sempre eu, minha irmã, a gente assim, a gente nunca ia ver. Também se fosse ver, ninguém comia mais depois. Então tinha uma... Meu pai... A gente foi crescendo e isso foi ficando tão forte que _____ a comer carne. (risos). Mas até matar uma galinha, se eu visse matando, a gente não comia mais a galinha depois. Então ____ a gente brincava com a galinha, então depois se vê matando minha gente, é uma coisa muito triste.
P/1 – Mas eles deviam fazer muita comida, porque era muita gente.
R – Ah, era muita. A gente botava assim, as mesas ficavam do lado de fora tudo, e muita comida, muita.
P/1 – O pessoal fazia um forró lá? Fazia um sonzinho?
R – Sempre tinha muita festa. Eu não lembro muito das músicas. Engraçado, eu não lembro muito das músicas que eram
feitas, mas eu lembro que era muita festa. E a festa era de manhã, de tarde, de noite, manhã, tarde, noite. Assim, era uma coisa que ia emendando.
P/1 – Você falou que lá tinha um porto, como que era esse porto?
R – Oh, na casa de
eu avô, o porto... Ele fez um porto acimentado que eram degraus grandes. Então a gente fazia de piscina, era muito bom pra quem era criança, porque realmente. Então - digamos – hoje acho que devia ser uns, sei lá, cinco metros assim, por 1,5 mais ou menos, os degraus.
P/1 – Porto é tipo essas escadas aqui?
R – É, só que as escadas aqui elas são pequenas e lá era – digamos- eram três escadas grandes. Então____ a água está lá embaixo. Então__________ vamos esperar encher a maré. Quando a maré enchia, ela ia cobrindo os degraus e ficava um espaço tipo piscina mesmo. A gente pisava e pra criança era mais seguro isso, mais raso. E subia uns dois degraus, já que era menor, ficava nos de cima e os maiores nos degraus de baixo. E quando a gente também já sabia nadar, ia pro meio do rio. O meio era o braço do rio. Tem também as (croas?). Que hoje está assim, o tempo de você ver croas. Os barcos... Mas a gente nadava, chegava do outro lado, quando tinha uma croa, podia botar pé e descansava pra nadar de volta. Ficava essa brincadeira. Brincava de remar, de barco também. Os barcos à vela era uma coisa interessante. Eu não usei tanto barco à vela nem a remo, mas ainda pequenina. Depois meu pai mandou fazer____ comprou um barco, primeiro barco que o _____, está lá na Ilha se acabando, ainda, meu Deus, é uma tristeza. Mas o primeiro barco motorizado aqui foi meu pai que mandou fazer. Ele já comprou usado, ele “aptou” pra aqui. O primeiro barco daqui da região. Lógico que já existia um monte de barco a motor por aí. Isso é uma coisa _____ até recente mas a travessia comum era em barco à vela, o barco a remo. Eu também ____. A gente sentava no chão, na cadeira, com medo de virar, porque um monte de gente, menino. Minha mãe ficava “aperriada” (risos) e o barco lá “xiiiiiii”. depois a gente só ia de barco a motor. Já e era mais seguro. Mesmo assim, é tão engraçado isso, porque é como se a coisa fosse repetindo. Assim pra mim hoje eu vou pra Ilha, meu filhos vão, todos eles vão, entram no barco e vão embora. A minha sogra quando chegou aqui: “Esse menino, cadê o (colete?)?” Eu digo: “Meu Deus, o barco não vai virar”. É porque eu cresci nesse espaço então pra mim é tudo muito simples. Mas pra quem vem de fora fica muito assustado às vezes. É um mundo de água, um barco no meio ali. A criança bota, vai lá e bota a mão.”___________”.
Aquela coisa assim. Então, é lógico que a gente tem que ter cuidado. Com criança é perigoso, mas a relação é muito diferente. Se você cresceu e se você não cresceu, se chega, tem uma... Hoje minha sogra já vai tranquila, mas nos primeiros dias, ela tinha que botar colete. A gente tem colete no barco, mas nunca usa. É até uma displicência, mas é um erro.
P/1 – A sua infância está muito ligada à água. Se for ver você tem o privilégio de um
dos maiores rios e o mar.
Aqui, o mar. Você acha que isso influenciou muito você? O que você acha que mudou muito nesse rio?
R – Eu acho que a mudança do rio, a gente percebe, por exemplo na questão do arroz, na falta das cheias periódicas. A própria relação com o rio que eu acho que às vezes ____ diminuindo, embora acho que não seja muito forte aqui ainda. Mas eu acho que eu, por exemplo, ontem aqui estava falando da questão de tomar banho, não é? Eu cresci tomando banho de rio. Minha mãe ia pra beira do porto ou na ________, sempre. Às vezes mais ali, porque a casa de minha avó era bem ali pertinho, então a gente ficava muito na casa de minha avó e ia tomar banho de rio lá. E assim de pular de aqui de cima e “tchumm”, nadar. Já ia morrendo afogada algumas vezes e minha mãe me puxava pelos cabelos. Então essa relação com o rio é uma relação muito, muito forte. É
tem uma preocupação muito grande, porque eu fico me perguntando: “Até quando a gente vai poder tomar banho de rio?” Hoje a gente vê muito mais a questão de poluição por exemplo. A questão do peixe, a pilombeta é um peixinho assim bem pequenininho, não sei se vocês viram. É, tem outro nominho ___ não sei se você lembra? Manjuba. E assim, ainda hoje ela é muito forte na economia. Você via chegar (balaio?), pilombeta, que ninguém comprava pilombeta. Você vendia pelombeta fora, mas era mesma coisa do peixe nos barcos de camarão. A economia era o camarão, o peixe ele era distribuído. Às vezes até o camarão espigão era distribuído quando chegava. “Ah, me dá um saco?” Enchia o saco assim de camarão. Hoje você não faz isso. O camarão espigão ele é muito defumado, mais rosinha que
é o intermediário. O espigão que era muito pequenino, o pessoal ia dando. Com a água, eu acho que ela tem uma influência muito grande em minha vida. Tanto no que se refere hoje , (por exemplo?) preocupação com a questão do rio, quanto assim. Eu fui passar, por exemplo, vinte dias em Brasília, tive que fazer uma... Eu voltei desesperada, não eu fiquei. Eu estava lá na casa de uma amiga, eu dizia assim: “A gente precisa ir pra um ligar que tem água”. Então a gente foi atrás de cachoeira.(risos). O local mais próximo tem muitas cachoeira ali. Então a gente...
P/1 – Mas é raso. (risos)
R – É raso. Mas assim eu voltei, engraçado que eu (fico?) aqui na beira do rio, não ____ dificilmente eu tomo banho de rio aqui. Eu tomo quando vou pra Ilha. Mesmo assim eu vou lá, boto um biquíni, chego lá, passo o dia inteiro, volto e não tomo banho de rio. Meus filhos têm que tomar toda vez, lógico, mas assim eu viajei. Só pra finalizar aquela história de Brasília. Então quando eu cheguei aqui, eu disse assim: “Jasiel”. Já namorava com ele. “Eu preciso ir pra praia”. E já era de tarde ____ era de noite. Eu fiquei no mar assim olhando. Parece que traz uma tranquilidade, uma paz, uma interiorização que eu acho me acompanha em todo canto. Pelo menos de alguma forma, com certeza isso tem influenciado.
P/1 – E como você foi se aproximando da arte assim?
R – Meu pai é um artista. (risos) É engraçado isso porque é assim, meu pai e minha mãe são contradições e assim se completam. Meu pai era explosivo, eu pareço muito com ele às vezes, eu acho. Mas grosso, muita gente tinha medo dele, ele tem uma cara trancada assim_____. O pessoal morria de medo dele assim, todo mundo, criança, adulto e os filhos também. Ele olhava e todo mundo já... Minha mãe sempre foi a delicadeza de conversar. Meu pai não conversava com filho. É pronto. Minha mãe sentava, conversava, essa coisa mesmo de mãe, de cuidar. Procurava intervir junto com meu pai nessa relação. E, assim, nenhum dos... Meu pai terminou o ensino médio, minha mãe não, porque meu pai não deixou, porque ele tinha ciúme dela. Quando ela casou, ela casou muito nova e terminou tendo que parar de estudar porque tinha muito problema com meu pai, que era muito ciumento. Mas assim são meus pais. Costumava sentar na rede, ele sempre gostou muito de rede. Então ele sentava, botava os filhos de lado e cantava. Eu sei um monte de música assim, que aprendi com ele, assim músicas de boemia, músicas mais... E ele cantava muito pra gente. A gente que sofreu porque ele achava que era... Depois eu vim a entender que minha voz era muito aguda em relação à dele. (risos) Mas na época tinha que cantar e ele dizia... A voz era diferente. Ele tinha um vozeirão, não cantava em canto nenhum, não. Não era isso, mas assim, nós costumávamos cantar com a gente no balanço da rede. Minha mãe e eu... Tive a minha mãe, a Baunga,, que cantava canções de ninar desde que a gente era bebê. Então tem músicas que ficaram minha memória também, de canções de ninar. Eu...
P/1 – Canta aí.
R – Cantar...
P/1 – De ninar. Só uma de ninar e uma do seu pai.
R – Está bom. Uma de ninar que eu lembro sempre, sempre de minha mãe, minha mãe biológica, é... Não sei de quem é, nem ela sabe, mas eu acho linda, eu cantava pra os meus filhos também, que é assim: “Silêncio, ele está dormindo, veja como é lindo, sua majestade, o bebê. A casa já tem novo dono, novo rei e trono, sua majestade, o bebê, Parece com o papai com a mamãe também. Parece com a vovó, não. Não parece com ninguém. Ele é ele só, sua majestade, o bebê”. Acho ela muito poética e além das
inúmeras que a Baunga cantava. A Baunga era assim. Os ______era mais de fulia. Até hoje ____com ela então. Juntava a gente no colo e ficava pulando. Faz com meus filhos a mesma coisa, assim, e ficava brincando.________ (risos). Então eu cresci assim com essas coisas de música. Do meu pai era mais boêmia. Foi uma música que aprendi com ele: “Boemia a quem em tem de regresso e suplicado te peço a minha nova inscrição”. Assim inúmeras, que são bem mais comuns e que aprendi com ele. Ele não escutava assim disco, não sei, não lembro assim sempre LP em casa, mas....
P/1 – E o coco da Baunga, hein?
R – Ah, o coco da Baunga. Minha mãe também cantava esse depois a gente veio
descobrir. Na verdade aprendi com a Baunga depois de grande e depois aprendi que minha mãe também sabia. Que é, ai, espera aí _______até me deu um branco agora. “Ai, menininha”. Tem o verso. “Lá detrás da minha casa. menininha corre água sem chover. Menininha bem assim está meu benzinho. Menininha correndo para me ver. Mandei fazer um vestido pra mulher, sapato pro pé, uma carreira de botão, um colchete, pressão. E eu pergunto quanto custa e levo pra Dona Augusta com os (calo branco na mão?). Mandei fazer um vestido...” As músicas eram
mais alegres, digamos assim. E uma outra coisa que a gente, depois de adolescente, veio a descobrir, era que meu pai ele era um... Ele era realmente, vi muitas vezes, um _____. Meus filhos não puxaram muito a ele assim. Mas ele tinha uma eloqüência na fala, e ele recitava muito poema. Por exemplo, tem um poema que eu encontrei escrito esse ano e que eu aprendi todo por tradução oral, ouvindo meu pai recitar e minha mãe. Meu pai que recitava nas escolas e ele diz que uma vez,
ele contava isso com muito orgulho, assim que dia das mães, a escola inteira, as mães todas ali e ele recitou o poema e as mães terminaram o poema chorando. Então ele conta isso com... (risos) E a minha mãe aprendeu os poema talvez com ele. E a gente, depois eu consegui escrever uma parte. E ele é um poema muito forte mesmo. E eu nunca consegui encontrar porque ele dizia que era de Augusto Pessoa, não, Augusto dos Anjos. Ele gostava muito de Augusto dos Anjos, aquele trágico, mas assim ele gostava muito. Achava muito forte. E a gente procurava, compramos livros ainda quando ele estava vivo pra poder achar esse poema que ____ a gente nunca encontrava. Depois a gente viu que não era dele. Então esse ano encontrou eu e minha irmã. Eu estava______ na Internet aqui e ela em Maceió quando a gente se encontrou, as duas tinham chegado com o poema. Foi muito interessante isso. A gente recitou ele completo nos dias das mães. É muito legal isso. E, além desse, diz que é um poema específico, nem lembro agora o nome específico, nome do autor. Mas assim, um poeta que aprendi com meu pai, com minha mãe, minha mãe também era apaixonada por isso, era Castro Alves. Aprendi muitos poemas de Castro Alves. E é engraçado isso como ficou forte e depois a gente vê isso. Por exemplo concurso é assim, vestibular ou prova. Várias vezes eu me deparei em alguns concursos com trechos de Castro Alves que eu não conhecia, dizia: “ Isso é Castro Alves”. Mas porque é como se de alguma forma tivesse incorporado, poque eu lia, minha mãe lia. Então não é? Eu não sei um monte de poema decorado dele, algumas eu até sei trechos, mas é como se de alguma forma isso tivesse ficado forte na minha formação. Eu acho que eu consigo identificar, então isso é uma coisa interessante. Então, embora sem meu pai, nem minha mãe fossem artistas, a arte sempre esteve muito presente na minha casa, dessa forma. E é da dança também, meu pai dançava muito bem. E a gente aprendeu a dançar com ele. A gente ia sempre adolescente, a gente tinha os clubes, os carnavais, bailes. E a gente aprendeu as danças com ele. Meus irmãos aprenderam com ele, dançava com meus irmãos também. E ele dançava muito bem. Engraçado isso, porque depois eu fui namorar e meu namorado, Jasiel, não dançava. Ficava. A gente ia pros cantos. Terminava, eu dançava com outras pessoas. ”Jasiel, você tem que aprender a dançar”. Terminei, ele aprendeu a dançar. Mas é tão diferente. É questão da condução. Meu pai leva a gente, assim, de apoiar e de ir, voltar, essas coisas que eram muito boas na dança e que é diferente hoje. Meu marido não faz desse jeito, embora ele tenha se aperfeiçoado, cada vez mais ele vai aprendendo. E essa dança assim... Tanto a dança de salão que vem muito do meu pai. Minha mãe dançava muito, aprendeu com pai. Na verdade era essa coisa. E a dança mesmo, ____ da Baunga brincava com a gente de dançar, sabe do movimento mesmo, porque eu sempre assim.... Cadeira de balanço, as... A rede sempre tinha movimento, porque eu acho que tem a ver com um pouco da coisa da dança. Então era dança a música, a questão da poesia. Então sempre eram coisas muito fortes. A questão da pintura, essas coisas, artes plásticas não eram uma coisa, a não ser as decorações que minha mãe fazia na comida.(risos). Não posso considerar, mas ela sempre foi muito cuidadosa com as coisas. Então em termos de plasticidade eu acho que eu teria esse referencial da casa. Ela dizia muito pra gente: “Não entendo porque nenhum filho puxou a ela”. Minha mãe é muito metódica, então a casa tem que estar toda muita arrumada, a mesa muito bem posta, o guarda-roupa tem que estar assim... A camisa, a blusa e não sei o quê. Tudo muito arrumado, os cadernos tinham que ser todos encapados e todos arrumados. Os trabalhos que a gente fazia tinham que estar com uma capa bem feita. Meus filhos não tem essa preocupação com eles assim. Então tinha muito essa coisa desse cuidado, dessa estética mais com o ambiente mesmo da casa. Ela fazia muito sempre as festinhas de aniversário, tudo muito simples, mas o bolo, ela decorava todo o bolo. Ela sempre foi muito boa nisso. Era muito interessante isso, porque meu pai era a força, sempre nessa vida eu tenho essa imagem, e minha mãe era a delicadeza. Então é como um se completasse pra gente, como filho. Pra eles eu não posso dizer muito. Mas assim pra gente tinha essa coisa da gente poder buscar uma segurança mais na minha mãe. De saber que ela ia entender, que ela ia aceitar, que ela ia escutar a gente. Meu pai não, meu pai era uma coisa mais de: “Vou nada quê”. Agora em relação a meu pai eu tive outra coisa que é assim, eu fui a terceira filha. A terceira e a primeira mulher. Meu pai sempre quis uma filha menina, mulher, e quando eu nasci, ele ficou, andava de ponta de pé quando eu era criança, que era pra não...(risos) E tudo que eu queria, ele fazia, dizem. Mas eu sei que tinha um pouco disso mesmo. Então tinha alguma coisa pra fazer, minha irmã dizia: “Faz na _____ do painho”, porque eu ia. Isso foi uma coisa muito boa e uma coisa muito ruim também, porque eu cresci com uma sensação de que eu não podia, que isso era ruim. Eu não posso ocupar esse espaço, porque os meus irmãos precisam desse espaço. Então eu criei uma certa, um certo complexo – digamos assim – em relação a essa questão. Mas foi muito bom porque o carinho, a questão do____ siso eu sei que existia muito.
P/1 – E só pra gente ir entrando num outro bloco, rapidinho, eu queria saber quando que começou a aproximação do seu trabalho com a ideia de colocar um ponto de cultura aqui em Piaçabuçu e a questão de o que você sentiu e o que você gostou do encontro da Ação Griô ter sido aqui?
R – Bom, como a gente sempre gostou de arte, então essa questão dos meus pais, como eu falei, foi certa influência mas a gente tinha mais coisa. A gente brincava de circo na garagem. Na casa de minha avó... Era assim a casa dela. Era uma casa e do outro lado era uma casa que era garagem inteira, nós nem lembrávamos que tinha carro. Eu não lembro de meus pais, meus avós terem carros. Mas tinha o espaço, e brincava de circo,
aqui brincava em outros locais. Quando eu fui morar em Maceió, eu sempre fui muito tímida, até hoje sou muito tímida. Ninguém acha que eu sou tímida. Mas eu sofria muito, eu brincava nesses espaços que era o meu espaço, era o meu território, mas até pra me aproximar das pessoas eu tenho muita dificuldade. E eu fui estudar. Quando eu saí daqui, fui estudar em uma escola em Maceió e eu simplesmente não saía da sala. Eu sempre fui muito... Até que eu tenho um pouco de organização, mas termino sendo um pouco “bagunçada”, porque é tanta da coisa que você acaba se perdendo. Mas eu sempre sentava, fazia os cadernos, arrumava,. Na hora do intervalo, eu conhecia uma pessoa, que eu geralmente conversava, mas assim, eu tinha dificuldade de sair. Já tenho outro irmão que puxou mais meu pai,___ o lado de ser expansivo e ele começou a fazer teatro na escola e ele precisava de uma pessoa que tivesse cabelo grande, liso, pra fazer um personagem lá na peça, que era a paixão de Cristo. E o meu cabelo era bem grande, muito liso, que até hoje nem é tanto mais, mas assim muito liso, mais nova, acho q tinha mais... (risos) me chamaram. “Ah, está bom, eu vou”. (risos) . E isso foi muito interessante isso porque era um desafio. Era coisa meu que talvez não tivesse passado na minha cabeça antes disso, mas eu entrei no grupo de teatro, primeiro com essa personagem... Mas era gravado, a gente fazia uma dublagem na verdade nas cenas. Isso depois a gente começou a fazer as peças e ai______ pelo mundo do teatro. E uma coisa que é muito interessante nisso também, é porque eu fui representante de turma. Esse primeiro ano que eu cheguei não, mas o outro, no caso da sétima série até o terceiro ano do ensino médio eu terminei sendo representante de turma. E essa escola tinha uma ação que era umas semanas de cultura, que além da temática que a sala escolhia, como a feira de ciências, que você escolhe o tema e _____dissertar sobre ele, organizar e estudar isso. A gente tinha que produzir cada sala. É uma competição entre salas e cada sala tinha que produzir um espetáculo, uma música, compor um música, interpretar, fazer um espetáculo de dança, um de teatro, além do desfile que tinha parte de produção, (parecia?) escola de samba, eu lembro _____ na garagem, na frente de minha casa, não era garagem, fazendo uma baleia enorme pra um dos desfiles. Então eu terminei me envolvendo muito com arte por conta da escola. E eu
acho que eu me encantei, porque a arte foi um instrumento pra fazer com que eu me ligasse ao mundo. Eu acho que criou muito esse espaço. E eu já adulta, já casada, com filho, trabalhando, formada, vim passar um final de semana aqui na casa de meu pai. Ele estava como Prefeito, ele tinha assumido, naquele período, era uma coisa recente, e ele na mesa, ele ficava assim: “É... Está vendo, agora, se você pudesse, ia assumir a Secretaria de Cultura”. _____. E aquilo ficou na minha cabeça. Eu voltei pra casa e aquilo na minha cabeça. eu falei com Jasiel. Eu disse: ”Jasi, eu preciso ir”. E meu marido é uma pessoa assim que é maravilhosa. Foi assim na minha vida uma coisa assim muito, que eu acho que me completa. Ele é muito mais calmo do que eu, mas ele é muito “mascão”, mas ele é muito seguro. Eu acho que ele é muito mais seguro do que eu. Eu sempre vivo com dúvida.____. Então ele me deu uma segurança muito grande e nesse período ele disse: “Você não quer? Você acredita? Então vai embora, vai pra lá”. Eu negociei no meu trabalho, então eu ficava dois horários pra compensar. Eu vinha dois dias pra cá e é engraçado que eu vim pra cá e eu não conhecia mais nada. Passei muito minha adolescência quase toda lá, mas eu fui me envolvendo com as coisas cada vez mais_____ foi um trabalho que foi muito bom, tanto que vem repercutindo isso. Até que eu cheguei a um ponto de pedir licença sem vencimento, passei um ano aqui direto depois ____ tinha mudado a direção da empresa. Eu... Bom, vim embora, deixei, fiz concurso aqui e fui____minha vida aqui. Tem mais ou menos dez anos isso. E a gente, então assim, papai era Prefeito, a gente começou fazendo trabalho. Tinha umas discussões com ele, cultura parece que (nunca vem verba?) pra cultura e não era diferente também na gestão dele, mas tinha uma coisa que era muito boa e que eu acho que eu aprendi muito, muito com ele, que era assim, ele era político, embora essa fosse a primeira vez que ele se candidatou. Ele candidatou logo a Prefeito e ganhou. Mas ele sempre foi um político, assim de ter respeito, ele sempre teve. E faltava recurso, a gente discutia: “Por que não isso?” Mas se ele acreditasse que aquilo era importante pra ser feito, ele fazia. Então eu acho que isso foi uma coisa fundamental que ele desenvolveu. O que ele conseguiu de fazer de cultura aqui. Porque, por exemplo, com quatro anos depois ____ gestão, no primeiro ano de carnaval a gente tinha conseguido desenvolver um projeto muito legal. A gente já não conseguia ter suporte pra contratação de bandas, de grupos de músicas, de músicos locais pra fazer os blocos de carnaval, que a gente conseguiu em quatro anos – digamos – reviver. No primeiro ano da nova gestão, porque o povo podia achar não sei o quê, bom, não importa, tirou tudo e botou ___no beira da praia. Então isso foi uma coisa que mexeu muito comigo e com papai não. A gente podia discutir por outros motivos, mas se ele achasse, se ele acreditasse de verdade, era importante... Então tinha essa coisa. A gente pra começar não tinha lugar, mas _______não tinha funcionário, não tinha gente, não tinha nada. Ainda tive que enfrentar algumas coisas que eram assim: eu cheguei, mais nova do que ______que já faziam cultura na cidade e pra colocar as ideias que eu trazia foi um choque. Até porque geralmente era assim, Piaçabuçu não tinha cultura, quem tinha cultura era Penedo. Penedo era cidade vizinha com uma tradição histórica muito grande e com uma arquitetura belíssima, colonial, barroca assim, um referencial muito grande. Foi palco de festivais de cinema, então tudo era Penedo era cultura. Piaçabuçi não tinha cultura. Então: ”Ah, vamos fazer alguma atividade, então vamos convidar não sei quem porque é de tal lugar”. “Minha gente e as coisas daqui?”. Então primeiro, acho que eu passei um ano só tentando dizer que a gente tinha que investir em alguma coisa aqui. Mas não tinha espaço, a gente conseguiu um galpão abandonado, que ____galpão do Estado, que estava sobre os cuidados da Prefeitura, que funcionava como depósito, numa rua super discriminada, que era a rua da Malaca, que é rua______que é rua da Malaca, mas que é bem aqui pertinho, na praça principal, na outra rua é essa rua, que é uma rua linda; “estreitinha”; vai dá em vários casarões na beira do rio. Mas que as pessoas não veem isso. Então_____em um espaço enorme. a gente conseguiu fazer nesse espaço fazer um monte de coisa ____ tudo, limpou e começou a funcionar lá dentro. Aos poucos foi uma serviçal, uma coisa assim, mas os jovens começaram a se envolver. Então a gente ______umas oficinas, minha rima fazia teatro já há muito tempo. Ela – digamos – ela tem uma formação em... Eu não tenho formação de teatro, mas assim ela tinha formação. E ela vinha das oficinas aqui. A gente... Alguns amigos que eu tinha, porque com essa história de fazer arte na escola a gente terminou criando algumas relações. Aqui as pessoas cresceram, a maior parte delas, que fizeram parte do grupo de teatro da escola, estão hoje envolvidos com arte ou com cultura. É assim umas coisas que a gente fica às vezes conversando como foi forte isso na escola. Então começou, não tinha recurso. Antigamente esse apoio precisou disso, mas realmente recurso pra cultura a gente sabe até hoje que é complicado, embora atualmente melhorou muito. O Ministério tem centralizado as coisas. E eu conhecia uma pessoa que trabalhava com projeto, já nunca tinha feito projeto na minha vida. Foi a Regina, de um ponto de cultura, da Ideário. E negociei com ela da gente fazer um projeto. A gente bancou a despesa de papel de tinta e passamos quase um ano, ela bolando um projeto, discutindo, sabe? Pensávamos no que a gente queria de fato, discutir, eu pra lá, a gente escrevia e a gente fez o projeto que é o Projeto Olha o Chico. E que tinha como essência a relação da comunidade com o rio. E esse projeto foi patrocinado pela Chesf e esse projeto, ele conseguiu consolidar as ações que a gente vinha fazendo aqui. E a gente conseguiu... Tinha uns 20 jovens que recebiam bolsa, eles tinham aula de música, teatro, dança, meio ambiente, então tinha uma gama de atividades. E as coisas foram crescendo tanto. Montamos três espetáculos de teatro, espetáculos de música, composições. Foi quando foi o seu Cícero veio também se envolver com isso, que era um (Pifeiro?). O Naudinho, que dava aula de música, e a gente trabalhou muito sempre a questão da música, do som. Então a marola do rio, os sons da produção de barco, das cerras cortando as madeiras. Então além da música – digamos - das bandas, de música que tem aqui na cidade. Mas as canções populares, os pifeiros, quem dançava guerreiro. Foi quando a gente descobriu mestre Alexandre, que a mais de 20 anos, tinha até bem mais agora, 20 anos na época, também tem sei lá, seis anos, então 26 anos que não dançava mais guerreiro. Então esse grupo foi descobrindo a cidade. Eu acho que então a grande questão era essa, descobrindo a cidade. Mas mudou de gestão. A pessoa que assumiu, que era Lúcia, ela foi_____ pelo meu pai, que era assim, mas ela não tinha esse pensamento, dessa questão da cultura local. Então não importava muito. Foi quando colocaram os _______ na praia, no primeiro mês de carnaval. Então não tinha... A gente continuou trabalhando mais uns dois anos, eu acho, com recurso exclusivo desse projeto. A gente passou assim. Já não tinha mais bolsa, mas os jovens estavam muito envolvidos. Então a gente usava o espaço físico de lá e produzia coisas. E tinha parceria com o SESC, que foi um parceiro muito importante. A gente conseguiu levar os meninos pra ir lá, pra conhecer o espaço, entrar num teatro, aquela coisa de se endeusar com
o espaço físico que eles não conheciam, de ver o estúdio de gravação. Então isso foi criando um grupo de jovens que começaram a se tornar _____ da questão cultural. Ia se pensar como produtores de cultura e como um... Capazes de fazer isso acontecer. E ao mesmo tempo que se ia crescendo, ia se decrescendo a questão do apoio local. Então a gente fazia atividade, nunca aparecia ninguém, essa coisa, não é? E foi dando um desgaste muito grande, até chegar um ponto que eu disse que ia entregar a fundação, que a gente pra poder o projeto ser aprovado criou uma fundação cultural. Acho que não dava mais. Assim, depois eu saí, eu (estava assim?) na secretaria. Até então a gente saía e eu entreguei também a fundação e _______,, não fazia mais nada. E foi quando a gente se juntou pra fazer Associação. Então a gente se reunia aqui mesmo na beira do rio, lá na frente tinha. A gente sentava, tinha um barzinho, ____usava mesa que ____a gente fazia os sarais, já fazia muito antes, a gente fazia sarau. Começou na casa das pessoas e hoje a gente faz sempre. Sentava
e discutia, começou a pensar no que a gente queria. eu lembrei que algum tempo antes, na época que meu pai era Prefeito, se criou uma associação pra ter uma rádio comunitária e eu era presidente dessa associação. Eu nem lembrava mais. E eu saí dessa associação porque eu tive choques ideológicos internos. Então era presidente, mas eu chegava na rádio estava tocando um monte de música que eu não concordava, que pra mim não era importante estar tocando. “Mas, Dalva, o povo quer isso”. Eu digo: “O povo quer isso porque o povo vai escutar isso”. Então eu não concordo com isso. Então isso entrou um choque, eu digo: “Eu não quero mais ser presidente desse negócio”. E eu simplesmente deixei. Na verdade por imaturidade também, mas nunca dei baixa, nunca deixei de ser. ____legalmente eu ainda era presidente, embora eu nunca.... Eu simplesmente deixei. Depois fechou a rádio, não funcionou mais. Mas eu lembrei disso e assim então a gente precisava fazer alguma coisa. Então ___invés de criar uma nova, eu vou convocar uma reunião e a gente vai reativar a associação. Fiz isso. A maior parte dos sócios, alguns já não estavam mais, outros tinham morrido.E outros que estavam não, a gente ia dá apoio, a gente aceita, mas a gente não quer mais... Não era mais o objetivo inicial agora___montar uma diretoria. Todos eram jovens. Só tinha eu e meu marido que não era jovem, por que não era menor de idade e os outros eram e não podia. Nós negociamos com outras pessoas que eram mais próximas, que acreditavam na proposta e muito trabalho era desenvolvido pelos jovens e pra _____de assinar outra pessoa assinava, se fosse preciso assinar. Os jovens foram crescendo. Foram crescendo e hoje por exemplo Arinete, umas das diretorias. A Miriam que não ___diretoria, mas basicamente quem responde pela____ e que não cuida hoje da biblioteca do ponto, mas quem está catalogando os livros todos. É quem fez muito tempo os informativos, a parte de comunicação ela que terminava. Então todos os jovens foram renovando. E a gente começou a viver um dilema que era necessidade e sustentabilidade. Porque é muito complicado, a gente passou tempo sem poder fazer nada, porque todo mundo estuda hoje e até pra vir pra cá em que pagar passagem. Então como se manter? A gente ainda vive isso na verdade. Mas é todo mundo voluntário, basicamente. O voluntário ainda tem que pagar pra fazer e todo mundo que não dispõe de recurso, que pode disponibilizar com... Principalmente as meninas, elas não tem mesmo. (Elas já estudam?) tudo muito limitado, então não tinha como fazer. A gente estava com a associação funcionando, e surgiu a história do edital do ponto de cultura. A
gente se inscreveu e já vinha discutindo essa questão da sustentabilidade em relação a questão do turismo, porque a gente vê muito turista chegando aqui por causa da Foz. Mas eles chegam geralmente no ônibus, descem, embarcam, vão pra Foz, voltam e voltam. E a gente sempre ficava se questionando muito sobre isso. Até porque os guias, por exemplo, aqui, eles quando surgiu esse movimento de informante de turismo, era uma amiga minha que também vem dessa área de arte, de cultura e que também é guia de turismo e que foi secretária aqui por um tempo, Sandra Prato, que formou esses guias. Mas a formação deles veio com essa questão da cidadania, não só de levar lá. Então tem muitos guias que se envolviam com essa questão da associação. Hoje já mudou muito também os guias, mas a gente ____. E é um projeto que tem crescido muito. O foco era Piaçabuçu, ele se estendeu até Delmiro, são 11 Municípios. A gente tem corrido pra conseguir dar conta disso mas tem sido uma experiência muito boa. Sustentabilidade ainda não vi, mas eu sei que ela vai vir, sabe? Eu acredito nisso. E uma coisa que a gente vem discutindo muito hoje é que hoje a gente tem uma coisa que me deixa muito orgulhosa. Que eu olho pra associação e vejo pessoas lá, que estão se qualificando com ____ muito boa. Eu vejo a Linete, com o trabalho que ela está fazendo hoje ________de história, a
questão da Ação Griô mesmo muito. Com muito domínio, com muita certeza do que está buscando dessa constante busca também. O Jailton, que está em Sergipe, que terminou agora no caso, é alguma coisa de técnico agrícola, não lembro o nome. Mas que está fazendo faculdade também agora, na área de letras. E a Miriam, Biblioteconomia, a Jéssica fazendo Turismo. Então todo mundo estava estudando e que sempre que volta está _____, está em outro local, mas se preocupa. Quer dizer, que criou assim, acho que a associação cresceu de verdade como um grupo que se preocupa e que acredita muito na proposta. Pode nem estar aqui o tempo inteiro, até porque nem conseguem mesmo. Tem uma questão de sobrevivência, se estuda, mas se acredita muito nisso. E cada vez mais a gente foi se enveredando pelas questões das culturas tradicionais, as culturas populares, até porque o resultado desse trabalho todo que a gente vem fazendo, ainda enquanto projeto, ele levou-se a perceber mais isso. Como era rico e como era bonito e importante essa tradição que vinha se perdendo. E foi quando surgiu o caçoa. O caçoa surgiu assim, sem pretensões nenhuma, simplesmente juntando pessoas que vinham participando desse processo de formação. Então juntava menores de idade, como a pessoa como Seu Cícero. Então era todo... Como Naudinho que estava no intermediário e que estava formando a parte de música. Então foi juntando todo mundo e o nome do grupo veio disso também, que é o caçoa com... Além de ser uma coisa típica da região, mas ele chega nos locais difíceis, ele junta qualquer coisa. Então ele carrega coisas diferentes e a gente queria carregar a música, o teatro, a dança, as artes plásticas, pra misturar tudo num grupo de arte, que a gente chama aqui, as artes integradas, sem se preocupar. Agora, embora o interesse seja muito maior, hoje a gente percebe que é a música, mas a gente nunca faz um ___ só de música. Sempre se preocupa com o figurino, com a entrada. Então sempre estão as artes plásticas misturadas com a dança. Então é uma coisa muito integrada mesmo. E esse grupo foi se consolidando e hoje a boa parte da diretoria está nesse grupo. E começamos a trabalhar, a catalogar as manifestações das culturas populares pelos ____São Francisco. E quando surgiu a tal da Ação Griô, a gente: “”Poxa. É isso, é o que a gente está fazendo”. E tocar com outras pessoas, conseguir valorizar os trabalhos dos mestres, porque é complicado. Em geral a gente percebe que os mestres da cultura popular são pessoas com poder aquisitivo baixo. De uma certa forma marginalizados, e que você colocar eles no centro é muito importante, pra que as pessoas inclusive ____ ao redor consigam também acreditar nelas. Porque quando eu tiro, quando eu coloco à margem essa pessoa que é tão forte na minha cultura, eu me coloco de certa forma também, porque eu passo a ter vergonha de mim, inconscientemente. Então trazer isso pro centro é muito importante. Então a Ação Griô tem enriquecido muito isso. E como a gente já colocou em outros locais, dos mestres que tem bolsa, a gente trabalha hoje com vários mestres. Porque isso foi sendo difundido na cidade. Eu acho que é muito poço, mas eu acho que, por exemplo, agora mesmo há pouco, eu passei dois anos trabalhando basicamente com projeto de formação de deixar sólido uma ideia da construção dos núcleos, dos núcleos se discutir e agir naquela comunidade. E essa
vinda – digamos – da Ação Griô aqui pra Piaçabuçu foi um prazer muito grande. Primeiro porque foi uma surpresa; a gente não tem estrutura, a gente tem consciência disso e de repente a gente pensou que ia ser (arapiraca?), pra gente estava certo que ia ser arapiraca. Eu cheguei aqui disse: “Não.
Aqui tem que ser aquilo____”. E vamos procurar o local. Eu disse: “Nunca defina”. Foi dando uma angústia assim. Sabe, digo uma hora: “Oh, Linete, se acalme, a gente não tem o que fazer. Quando chegar, decide, se quiser que passa no meio da praça, no meio da rua”. Tem que ser um local fechado e ___mostrar os que tem. E apesar de ficar... Fiquei muito triste no começo porque eu queria que todos os mestres fossem. _____que pra mim me incomodou muito. Eu acho que viver o que a gente pode viver esses três dias foi muito importante. E não adianta você falar sobre isso. Você pode até criar uma nova vivência que vai ser mais importante, mas ninguém vai viver, quem não esteve lá. Então eu senti muita falta disso. Mas por outro lado é importante entender que tem os outros pontos também que tem... Que pra não ficar também diferenciado, apesar de estar aqui. E o que a gente viveu foi muito importante, acho que vai ajudar muito. Assim, acho que reforçou muito o que a gente acredita e abriu outras oportunidades também. Então acho que foi muito, muito importante, além da questão da rede que se cria porque você percebe que você não esta só nessa caminhada. Isso fortalece, porque às vezes dá um desespero, dá uma ideia de... Meu Deus, como cansa, e principalmente quando você tem aquela... Que: “Tu te tornas eternamente responsável por que cativas____”. É muito complicado porque de fato a gente vai criando coisas que às vezes eu me sinto assim: “Meu Deus, e agora como eu vou dar conta disso?” Eu já passei por momentos de dizer: “Eu quero parar”. Assim, mas é como se... Que não fosse permitido, entende? E mas ao mesmo tempo, essa mesma coisa que dá vontade de parar, que é pelo cansaço, pelo peso, também é o que da vontade de continuar porque é essa ____que você vê que depois está acontecendo coisas e vê que tem um resultado acontecendo, que tem uma coisa acontecendo, sendo criada, sendo construída. Não é nem criada é recriada. Na verdade é sendo vista, sendo tirada a poeira de cima, fazendo aparecer. Então acho que é isso.
P/1 – A gente queria agradecer a entrevista. Falar que a cidade, a Piaçabuçu e a Ponta do Peba, que a gente foi, a Ação Griô. Pra gente foi, pro Museu foi maravilhoso. Os mestres aqui de Piaçabuçu principalmente são fantásticos.
R – São lindos, não é? (risos)
P/1 – E que a gente tem uma boa relação e que cresça muito movimento cultural aqui.
R – Também esperamos.
P/2 – Vocês são ótimos, ____pra caramba e muito legal ver assim o espaço que é tão pequenino e tem tanta coisa pra dizer, tanta coisa articulada, tanta gente trabalhando empenhada, apaixonada. É muito legal, muito bonito.
R – Bom, obrigada também e vamos embora que eu vou dar aula. (risos)Recolher