Conte a sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Eunice de Souza
Entrevistada por Rosana Miziara
São Paulo, 22 de julho de 2014
HECE_HV002_Eunice de Souza
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
P/1 – Eu...Continuar leitura
Conte a sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Eunice de Souza
Entrevistada por Rosana Miziara
São Paulo, 22 de julho de 2014
HECE_HV002_Eunice de Souza
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
P/1 – Eunice, você pode falar o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Eunice de Souza, 14 de outubro de 1956, eu nasci em Ibiporã, Paraná.
P/1 – Seus pais são de Ibiporã?
R – Não, os meus pais são paulistas.
P/1 – O seu pai e a sua mãe?
R – O meu pai e minha mãe, meu pai nasceu em Franca, interior de São Paulo, e a minha mãe nasceu em Altinópolis, no interior de São Paulo também.
P/1 – E os seus avós maternos e paternos?
R – Meus avós, a mãe da minha mãe nasceu também em interior de São Paulo, os pais dela nasceram na Itália, eles vieram da Itália com 16 anos de idade.
P/1 – Por que eles vieram da Itália, os seus bisavós?
R – Ah, vieram, como chama aquele pessoal que vem?
P/1 – Imigrante.
R – Imigrantes, assim, eles vieram, eu acho que vieram pra procurar coisa melhor aqui no Brasil, não tenho a mínima ideia, porque eu não os conheci, né?
P/1 – E os pais dela, o que faziam, o pai e a mãe?
R – O pai da minha mãe? O meu avô, ele tinha uma banca de jornal, desde que eu me entendo por gente eu lembro do meu avô ter uma banca de jornal.
P/1 – E a sua avó?
R – A minha avó era doméstica.
P/1 – E os seus avós por parte de pai?
R – Os meus avós por parte de pai eu não conheci, nenhum dos dois, o meu pai, a mãe dele morreu ele tinha 12 anos de idade e ele saiu de casa com 16 e nunca mais viu o pai, o pai dele faleceu e ele não viu.
P/1 – Você sabe como o seu pai conheceu a sua mãe?
R – Sei, meu pai, minha mãe foi morar no Paraná com cinco anos de idade, os pais dela foram e levou ela.
P/1 – Por que eles foram pra lá?
R – Então, eu também, esse é um assunto que eu nunca perguntei, mas sei lá porque, acho que os italianos tinham mania de morar no Paraná, eu acho, né? E aí eles foram morar no Paraná e a minha mãe foi com cinco anos de idade, o meu pai, quando ele saiu de casa, em Franca, ele foi pro Paraná também, ele foi e chegou lá, ele conheceu minha mãe lá. Conheceu o meu avô, o meu avô tinha armazém, ele começou a trabalhar no armazém do meu avô e ficou por lá mesmo.
P/1 – Não era banca de jornal que ele tinha?
R – O meu vô tinha armazém no Paraná, aqui em São Paulo que, quando eu nasci, ele já tinha essa banca de jornal, mas lá no Paraná ele tinha um armazém, que eles chamavam de armazém, hoje é mercearia, mercadinho, ele tinha isso, e aí o meu pai começou a trabalhar nesse local e conheceu a minha mãe aí. Aí casou, quando eu tinha um ano minha mãe veio embora pra São Paulo.
P/1 – Por que a sua mãe resolveu vir pra São Paulo?
R – Porque os pais dela já tinham vindo fazia dois anos, eles tinham vindo morar aqui no Dezoito, em Osasco, aí a minha mãe veio junto, aí a minha mãe veio embora também, ficou só ela lá.
P/1 – Você não se lembra então de lá?
R – Não, eu vim, eu lembro porque eu já fui passear lá, mas eu vim com um ano de idade.
P/1 – E aí os seus pais vieram morar aonde aqui em São Paulo?
R – No Jardim das Flores, em Osasco, eu fui criada ali em Osasco mesmo, eu nunca morei fora dali, aliás.
P/1 – E a sua mãe trabalhava?
R – Não, a minha mãe não trabalhava na época, o meu pai, a gente chegou aqui, o meu pai, meu avô arrumou um serviço pro meu pai, meu avô tinha muita influência porque ele tinha banca de jornal e conhecia gerentes de empresas, essas coisas. Aí ele arrumou serviço pro meu pai numa empresa, eu nem lembro, porque eu era muito pequena, e o meu pai trabalhou nessa empresa, a minha mãe sempre foi do lar. Depois, mais pra frente, a minha mãe começou a trabalhar, aí a minha mãe trabalhou na Wilson, que era uma empresa de comestíveis, e ela começou a trabalhar nessa empresa e hoje ela é aposentada, o meu pai é falecido.
P/1 – Você lembra como era a sua casa de infância no Jardim das Flores?
R – Lembro bem.
P/1 – Como que era?
R – Uma casa simples, a gente não tinha nem TV, só tinha rádio, até uns, mais ou menos uns 13 anos a gente só tinha rádio, não tinha TV, era uma casa simples, mas uma casinha confortável, eu lembro bem da nossa casa.
P/1 – Quem morava lá?
R – Morava o meu pai e minha mãe, eu e os meus irmãos que já eram nascidos, na época.
P/1 – Quantos irmãos você tem?
R – Nós somos em sete.
P/1 – Você é a mais velha?
R – Eu sou a mais velha.
P/1 – É homem, mulher, como é que é a divisão?
R – Na minha casa tem quatro mulheres e três homens.
P/1 – E como é que vocês dormiam na casa? Quantos quartos tinha?
R – Era pequena, não era grande, tinha dois quartos na minha casa, dois quartos, aí dormia praticamente todo mundo junto,os filhos, porque na verdade também era tudo pequeno ainda nessa época, né?
P/1 – Você lembra quais eram as suas brincadeiras de infância?
R – Ah, lembro bem, a gente gostava muito de brincar assim, na rua com a criançada, pular corda, balança caixão, aquelas coisas, coisas de criança, que hoje em dia nem consegue mais brincar porque não dá pra sair de dentro de casa hoje em dia.
P/1 – Como é que era na sua casa, quem que exercia a autoridade, o seu pai ou sua mãe?
R – O meu pai, o meu pai nunca deu um tapa em nenhum de nós, mas também nem precisava, minha mãe batia bastante (risos), minha mãe puxava orelha, minha mãe era terrível, mas meu pai nunca bateu na gente, eu não lembro.
P/1 – Descreve um pouco como era o seu pai.
R – O meu pai era super calmo, bem tranquilo, o meu pai era uma pessoa tranquila, de boa, assim, ele era tranquilão, gostava bastante de jogo, futebol, ele gostava muito, e era uma pessoa tranquila, agora, a minha mãe uma pilha de nervos (risos), minha mãe puxou pro pai dela, era uma pilha, ela era não, é, porque a minha mãe é viva.
P/1 – Você tem algum episódio marcante de infância que tenha envolvido o seu pai, a sua mãe?
R – Não.
P/1 – Os seus irmãos?
R – Não, a única coisa é que eu perdi um irmão, ele tinha 22 anos, ele morreu afogado num rio lá em Carapicuíba, próximo da minha, assim, é mais ou menos próximo da minha casa, é o episódio mais triste que já passou pela família, foi esse, depois o falecimento do meu pai, né?
P/1 – Você teve educação religiosa?
R – Sim, desde pequena, eu sou católica apostólica romana, eu frequento a igreja desde criança, eu fiz primeira comunhão, eu sou batizada, crismada, representada, fiz primeira comunhão, frequento a igreja, assim, a parte de jovens, fazia aqueles teatros na igreja, eu sempre gostei e até hoje eu vou.
P/1 – E política, você discutia na sua casa?
R – Mais ou menos, não muito, o meu pai falava, o meu pai, a gente tinha a opinião da gente, de quem a gente ia votar, essas coisas, mas não assim, entrar, assim, em detalhes de política, não muito.
P/1 – E festas, você comemorava lá, tipo Natal, ano novo?
R – Ah, sim, as festas que a gente comemora até hoje, assim, a gente comemora os aniversários, não com festas grandes, assim, um bolinho, mas a gente comemora Natal, Ano Novo.
P/1 – Tem alguma festa dessas que você se lembra que teve na sua casa?
R – Ah, todo ano a gente faz.
P/1 – Mas quando você era pequena, assim, alguma coisa que tenha te marcado?
R – Olha, eu lembro de festas assim, que a minha avó fazia, assim, fazia aquele almoço de Natal na casa dela e todo mundo ia, eu lembro assim só, assim, não era aquela festa, era um almoço que a minha avó fazia sempre. Eles gostavam muito de macarronada, eles são puxados pros italianos. Então eles gostavam muito, a minha avó fazia aquele macarrão, aquele frango e juntava todo mundo, todo mundo almoçava lá, eu lembro desses detalhes. Agora a gente comemora o Natal e o Ano Novo, que tudo adulto, né?
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Ah, eu entrei na escola com seis anos, seis pra sete, porque eu faço aniversário em outubro, aí eu entrei já no ano que eu ia fazer sete anos, eu entrei na escola.
P/1 – Como que você ia pra escola?
R – Olha, eu não lembro de usar uniforme igual usam hoje, eu lembro que eu ia com a minha roupa de usar em casa, assim, claro que na hora de ir pra escola trocava pra ir, mas eu entrei na escola, eu ia com a roupa normal.
P/1 – Era perto, você ia a pé, quem te levava?
R – Era perto, era perto, ia a pé, a gente morava no Dezoito e a escola era no Larizzatti, lá no Dezoito também, a primeira escola que eu entrei.
P/1 – Você lembra de professores?
R – Lembro de alguns.
P/1 – Quais são os nomes?
R – Nesse primeiro ano que eu estudei eu lembro de uma, da Professora Keni, que era uma professora japonesa, eu lembro bem dela, eu também só lembro dela. E depois que eu mudei de escola eu lembro da Dona Benedita, a Dona Benedita, ela gostava muito de mim, inclusive ela me deu um livrinho escrito: “A girafinha faladeira”, eu era grande e faladeira, (risos) pra você ter uma noção, eu sempre fui faladeira, e eu gostava muito dela, eu gostava muito. Eu gostava da Dona Benedita, eu gostava da Professora Nancy, teve várias professoras que eu gostava bastante, mas também teve uma que eu não gostava, a Dona Elza, eu não gostava dela, era de Geografia, até hoje eu não gosto de Geografia, eu traumatizei.
P/1 – Por que você não gostava?
R – Eu não sei, eu acho que ela era meio estúpida, assim, ela, não comigo, ela nunca me fez, assim, nada comigo, mas eu via ela fazendo assim, dando canetadinha na cabeça das pessoas, das crianças, das meninas mais levadas, aí eu acho que eu fiquei meio traumatizada com ela, sei lá, e eu não gosto muito de Geografia até hoje.
P/1 – Do que você mais gostava na escola?
R – Matemática, é a minha preferida, é a minha matéria preferida até hoje, sempre gostei e tem gente que detesta, (risos) é interessante.
P/1 – E a adolescência, assim, colegial, ginásio, você fez aonde?
R – Fiz tudo, eu morei uma época no Veloso, aí eu estudei o ginásio lá no Santo Antônio, no Jardim Santo Antônio, eu fiz o ginásio lá, e o terceiro, e o segundo grau uma parte no Ceneart e um pouco depois eu fiz particular.
P/1 – Você tinha namorado? Qual foi a sua primeira paixão?
R – É, o meu primeiro namorado foi um rapaz que foi morar perto da minha casa quando eu tinha 15 anos de idade, ele veio do Espírito Santo com a família e a gente foi criado do ladinho ali, aí eu comecei a namorar com ele, eu namorei dois anos. Aí a gente separou e depois eu arrumei outros namorados, assim, namorei outro também dois anos e pouco, mas não casei, não cheguei a casar com ninguém, agora também não quero casar, nem tenho filhos, não tenho filhos nem quero casar.
P/1 – Quais eram os programas seus de juventude?
R – Nossa, a gente ia muito em baile de casa de família, não era igual hoje, as baladas, porque vai pras boates, essas coisas, a gente ia muito em bailes de família, muito, e era assim, eu tinha que ir, o meu pai só deixava se fosse com alguém responsável que levava e trazia a gente, sozinha ele não deixava a gente ir. Então a gente ia bastante, mas a gente ia todo final de semana, era difícil o que a gente não ia e quando a gente não ia, a gente ia pro campo ver os meninos jogar futebol, assistir os meninos que jogavam, que eram os amigos da gente, era muito bom, a minha infância foi muito boa.
P/1 – Que músicas que tocavam nesses bailes, você lembra?
R – Ah, muito Johnny Rivers, Burt Bacharach, Roberto Carlos, essas músicas mais antigas, né, James Taylor.
P/1 – Tem alguma música que quando você lembra você fala: “Ah, isso lembra a minha juventude”?
R – Tem, tem a música que é a música do Burt Bacharach, ah, tem várias músicas que eu lembro.
P/1 – Canta um pedacinho pra gente.
R – “Wonder love, listen me, rock’n roll for you”, sabe essa daí? Essa daí, eu não sei cantar direito, que eu não sei nada em inglês, mas eu lembro bem da música.
P/1 – E as roupas, como que era a moda?
R – Ah, as roupas, a gente usava boca de sino na época, eu lembro que eu usava, mandava a costureira fazer, que cobria o pé, tinha que cobrir o pé, se não cobrisse o pé, eu não gostava da calça, eu usei muito boca de sino. Depois começou a
saint-tropez, aquelas calças baixinhas, mas eu não sou muito chegada, não, até hoje eu não gosto de calça baixa, usei na época, mas agora eu não gosto muito, não. E eu era magrinha, magérrima na época, muito magra.
P/1 – Você tinha assim, uma ideia: “Quero, quando crescer quero ser tal coisa”?
R – Tinha, mas não consegui ser (risos), eu não tive condições de ser, meu sonho, muito, eu tinha muito, um sonho grande de fazer faculdade, ou fazer engenheira ou arquiteta, eu tinha muito esse sonho, mas eu não consegui. Porque eu sou a mais velha, aí eu fui crescendo, tive que começar a trabalhar pra ajudar em casa.
P/1 – Com quantos anos você começou a trabalhar?
R – Ah, comecei a trabalhar novinha, eu tinha uns, assim, uns 12 anos, eu já comecei assim, a olhar alguma criança pra alguém, sabe, e depois eu, com 18 anos eu já comecei a trabalhar em empresa.
P/1 – Com quantos anos?
R – Com 18.
P/1 – Não, a olhar criança.
R – Doze, 12 anos.
P/1 – O que você fazia?
R – Ah, eu olhava uma criança, assim, cuidava de uma criança que era filha de uma comadre da minha mãe, filho de uma comadre da minha mãe, aí eu cuidava dele e depois eu entrei na primeira empresa, que eu entrei foi na Cooperativa, eu entrei com 18 anos.
P/1 – O que você fazia lá?
R – Na Cooperativa? Ajudante geral.
P/1 – E aí você parou os estudos?
R – Então, era assim lá, eu trabalhava uma semana num horário e uma semana no outro, uma semana de manhã e uma semana de tarde, uma semana das cinco à uma e meia, uma semana da uma e meia às dez, eu não tinha como estudar desse jeito, aí eu tive que parar. Aí entrei, de lá eu entrei no Santista, também era dois horários.
P/1 – Você fazia o quê?
R – No Santista eu trabalhava no setor que chamava fiação, fazia os fios de algodão, aí depois disso, de lá do Santista...
P/1 – Mas você ajudava na sua casa com o dinheiro?
R – Ô, ajudava bastante, ajudava sim, eu trabalhei em casa de família também, antes de trabalhar em empresa, antes dos 18 anos, porque na época que eu era de menor não valia a pena trabalhar assim, em empresa pra ganhar salário de menos, que antigamente o salário de menor era de menor, era metade do salário de maior, dos lá normal, então eu trabalhava de doméstica. Eu trabalhei de doméstica alguns anos, aí depois eu entrei no Santista, do Santista eu entrei na Sharp e hoje sou cabelereira.
P/1 – Vamos voltar, aí como que era esse seu trabalho de babá com 12 anos?
R – Olha, é uma comadre da minha mãe, que ela tinha três filhos na época e esse, ele não era muito pequeno, ele tinha uns três, quatro anos quando eu fui ajudar ela, aí eu só cuidava dele, ele, acho que, eu não sei dizer se ele era uma criança bem normal, sabe, ele gostava muito de chupar uma chupeta molhando no açúcar grosso, sabe aquele açúcar cristal? Ele adorava chupar aquela chupeta, ele dormia com aquela chupeta, ele amanhecia com isso aqui tudo grudado de açúcar no outro dia, menina, eu achava aquilo um horror, mas, então, eu olhava ele o dia inteiro, ficava, brincava o dia inteiro, eu brincava, que eu tinha 12 anos, 12 anos é uma criança, né? Mas não fiquei muito tempo, não, eu fiquei mais ou menos um ano cuidando desse menino aí.
P/1 – Quanto tempo?
R – Um ano mais ou menos, aí depois, com 15 anos, eu entrei numa casa pra trabalhar.
P/1 – E aí como que era essa casa, o que você fazia?
R – Fazia todo serviço de casa mesmo, limpava a casa mesmo, só não cozinhava, porque também não podia, né, que eu era muito nova ainda, nem sabia direito cozinhar. E depois eu entrei, a última casa que eu trabalhei...
P/1 – Mas você dormia no trabalho?
R – Não, não dormia, eu ia todo dia e voltava pra casa, eu trabalhava em Osasco mesmo, no centro. Aí a última casa que eu trabalhei foi na casa da Rosa, foi lá no Alto da Lapa, eu trabalhei um ano e pouco com ela, aí eu saí pra trabalhar em fábrica, aí eu não quis mais trabalhar em casa de família. Quando eu fiz 18 anos eu saí, eu falei pra ela: “Eu vou sair porque eu vou trabalhar em empresa” e ela queria que eu continuasse, mas na empresa é melhor, paga INSS, tem essas coisas que na casa de família não tinha. Aí eu fui trabalhar em empresa e dali pra cá só empresa.
P/1 – Fazendo o que nas empresas?
R – Olha, na Cooperativa eu era ajudante geral, eu fazia todo o serviço que tinha no setor, todo o serviço, eu sabia fazer tudo o que tinha no setor, eu sabia fazer, trabalhei em vários serviços lá. De lá eu saí, entrei no Santista, eu trabalhei na fiação, que era nas máquinas que fazia fios de algodão, depois eu entrei na Sharp, na Sharp eu trabalhei nove anos, eu trabalhei, eu entrei como ajudante, aí passei pra calibradora, depois pra auxiliar técnica, depois pra encarregada, eu saí de lá eu era encarregada, e depois eu fui trabalhar de cabelereira.
P/1 – Por que você decidiu sair da empresa e trabalhar de cabelereira?
R – Não, da empresa eu saí porque acabou, eles mandaram todo mundo embora, foi na época que a Sharp acabou, então eu saí por isso. Aí ainda trabalhei um pouco com o meu irmão, que o meu irmão é comerciante, aí trabalhei um pouco com o meu irmão e depois aí, enquanto eu trabalhei com o meu irmão, eu resolvi fazer o curso de cabeleireira.
P/1 – Por que cabeleireira?
R – Olha, pra te falar a verdade não sei, porque eu nunca pensei que eu fosse ser cabeleireira um dia, eu nunca pensei, eu gostava de mexer com cabelo quando a gente era criança, enrolava nossos cabelos, os cabelos das minhas irmãs, das minhas amigas, mas nunca pensei que eu fosse querer. Aí eu comecei a trabalhar com o meu irmão, mas com o meu irmão é meio difícil trabalhar com ele, porque ele é assim, ele é perfeccionista demais, então ele exigia muito, aí eu falei: “Então eu vou fazer um curso de alguma coisa, porque um dia, se eu sair daqui, eu já vou ter o que fazer”. Aí eu fiz o curso enquanto eu trabalhava com ele, eu falei com ele se eu podia fazer o curso, ele falou que tudo bem, aí eu fiz o curso e depois que eu saí aí eu fui trabalhar de cabeleireira.
P/1 – Mas você montou o seu salão ou você foi pra algum salão?
R – Eu fui trabalhar num salão de fora, eu fui trabalhar, eu trabalhei, o primeiro salão que eu trabalhei, eu trabalhei quatro anos, é de uma amiga minha que trabalhou comigo na Sharp. Aí eu resolvi morar em Santa Catarina, aí...
P/1 – Por que Santa Catarina?
R – Eu não sei porque, ah, eu nasci no Paraná, a minha mãe foi criada no Paraná, eu resolvi, eu tenho várias amigas que moram em Santa Catarina, em Itajaí, e amiga de infância, assim, que foi criada junto comigo, aí ela falou: “Ai, Nice, vem morar aqui em Santa Catarina, vai ser bom, você vai abrir um salão tal”. Eu fui, abri um salão e não gostei, fiquei um ano e meio lá, aí voltei pra minha casa de novo, que nossa casa não vendeu, ficou, lá eu moro há 24 anos, nessa casa, aí eu voltei pra minha casa.
P/1 – É a mesma dos seus pais?
R – É a mesma dos meus pais.
P/1 – A mesma onde você foi criada?
R – A mesma, é, 24 anos eu moro lá, eu moro lá desde 1990, lá.
P/1 – Aí você voltou.
R – Voltei, o meu pai ficou, a minha mãe foi comigo pra Santa Catarina, o meu pai ficou aqui, aí voltei e continuei na minha casa de novo. E aí trabalhei em mais dois salões e meu irmão fez um salão pra mim na minha casa, esse meu irmão que é comerciante, aí ele fez o salão na minha casa e eu trabalho em casa.
P/1 – Há quanto tempo você tem o salão?
R – Na minha casa vai fazer seis anos.
P/1 – Você tem clientela, como é que é?
R – Tenho, tem a clientela, eu tenho uma clientela boa e também eu tenho, eu sempre coloco naqueles sites, sabe? Do Groupon, de Oferta Já, eu sempre coloco uma promoção lá, aí vem umas pessoas, umas indicam as outras e vai indo. Assim, não ganho fortuna, mas eu pago as minhas contas, então de boa.
P/1 – Você é doadora do Projeto Criança Esperança.
R – Desde quando começou.
P/1 – Vinte e nove anos?
R – Vinte nove anos.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu tenho 57.
P/1 – Você tinha 28 anos. Por que você começou a doar? Como que você entrou em contato com o Criança Esperança a primeira vez?
R – Eu vi pela televisão.
P/1 – Pela primeira vez.
R – Vi pela televisão, eu vi anunciando o Criança Esperança, Criança Esperança, sempre gostei muito do Didi, sempre, eu sempre gostei dos Trapalhões, que é do tempo que eu era criança e tal. E aí vi anunciando o Criança Esperança e vi, ah, sei lá. Eu vou te falar a verdade, não é porque eu estou falando de mim, mas eu sempre fui assim, eu sempre fui boa de coração, eu sempre quis ajudar alguém, sabe, eu dou o dízimo na igreja, eu levo mantimento todo o mês na igreja, eu gosto de fazer essas coisas. E aí eu vi, falei: “Ah, não custa nada”, era cinco, quando começou, a menor, a menor taxa de doar era cinco, aí eu falei: “Ah, não custa nada”, eu falei: “Cinco, meu é pouco, mas se juntar de todo mundo, é bastante”, aí eu comecei a doar, todo ano eu doo. Só que eu achei estranho você ligar no meu celular porque eu doo pelo meu telefone, e aí ligou no meu celular, eu estranhei, por isso que eu fiquei meio assim.
P/1 – E aí no começo você começou a doar porque você viu uma campanha com o Didi chamando?
R – É, pode ser que seja por isso, depois eu comecei a ver o que eles faziam pelas crianças, que no outro ano eles mostram o que vai fazendo pelas crianças, aí eu comecei, todo ano eu doo, todo ano, todo ano, quando chega no Criança Esperança eu espero passar, porque é ruim você doar assim no começo, você não consegue quase falar no telefone, eu espero passar e doo, assim, passar a festa lá do Criança Esperança na TV, e depois eu doo.
P/1 – Você viu alguma coisa assim, pra onde foi o seu dinheiro?
R – Olha, eu nunca vi pessoalmente, eu vejo eles falando, eles mostram as crianças naquelas instituições que passam, as crianças aprendendo, uns aprendendo ginástica, outros aprendendo dança e falam que é da Criança Esperança, na verdade eu nunca vi, pessoalmente eu nunca vi, até gostaria de ver, porque é bom, eu ter certeza, né?
P/1 – Por que você continuou 29 anos você acha?
R – Ah, porque eu achei que realmente eles ajudavam as crianças, olha, eu vou te falar a verdade, tem muita gente que fala mal, muita gente, eu ouço as pessoas falarem: “Ah, eu não doo no Criança Esperança, não, o dinheiro vai pro Didi”, eu falei: “Que gente? Vai nada, eu não acredito nisso”. Eu doo porque eu sinto no meu coração de doar, eu doo, mas eu realmente nunca vi pra onde vai, eu não sei pra onde vai o dinheiro.
P/1 – Você doa em algum outro projeto?
R – Doo no do SBT, como que é o nome do de lá? Lá é mais novo, né, lá é mais novo.
P/1 – Teleton.
R – É Teleton, eu doo no Teleton também, eu doo.
P/1 – No Teleton a dinheiro vai pra onde?
R – Então, o Teleton, eles ajudam aquelas crianças de câncer, aquelas coisas lá, tem até um em Osasco, é o, tem um em Osasco lá que eles fizeram, cada ano eles fazem um. Então eu acho muito bonito aquilo e aquela ajuda lá, as crianças que tem, tem gente, tem criança que não tem a perna, não tem o braço, não fala, tem aquelas piscinas de fazer ginástica que eles ajudam. Eu doo.
P/1 – O que você acha de doar pra um projeto pra ser investido em crianças em adolescentes?
R – Então, eu acho legal, eu acho que é isso aí a intenção, não é, do Criança Esperança e do Teleton? Eu acho que essa é a intenção, eu acho legal, por isso que eu doo.
P/1 – O que você acha que o dinheiro do Criança Esperança contribui pra transformar a vida das crianças e dos adolescentes?
R – Eu acho que transforma eles em adultos, um adulto que consegue fazer alguma coisa, porque geralmente é uma criança, olha, eu não tive condições de estudar, não foi? Se tivesse um projeto desses de Criança Esperança no meu tempo, eu poderia ser uma pessoa melhor hoje, quem sabe eu poderia ter participado de um projeto desse e ter conseguido fazer alguma coisa que eu não consegui fazer sem o projeto. Então eu acho legal incentivar as crianças, os adolescentes, eu acho legal, eu gostaria que alguém tivesse me incentivado numa coisa dessas no tempo que eu era criança.
P/1 – Olhando a sua trajetória de vida, se você tivesse que mudar alguma coisa na sua história, você mudaria?
R – A única coisa que eu mudaria é se eu conseguisse fazer a faculdade dos meus sonhos, mais nada, o resto eu acho que passei de boa, graças a Deus.
P/1 – E hoje quem que mora lá na sua casa?
R – Na minha casa mora eu, minha mãe, dois irmãos e duas irmãs, na minha casa são duas casas, a minha irmã, uma das minhas irmãs que moram lá, ela é divorciada, então quando ela casou ela construiu a casa dela em cima da nossa casa do fundo e aí ela divorciou e ela ficou na casa, claro, que era em casa, e aí fica ela e uma irmã minha nessa casa e eu, minha mãe e dois irmãos na casa da frente, embaixo é o salão.
P/1 – Como que é o seu cotidiano hoje?
R – É mais ou menos assim, eu não sou muito de sair, eu sou bem caseira, e eu trabalho no salão o dia inteiro, de terça a sábado, na segunda eu costumo fazer as minhas coisas na rua, igual ontem, eu tava até, você me ligou, eu tava lá no Armarinho Fernando, eu tava lá comprando uns negócios e estou andando assim. E eu gosto de ir no shopping, gosto de ir no cinema, quando tem um filme interessante eu vou no cinema, eu gosto de ver novela, jornal, essas coisas, não tem muita coisa assim.
P/1 – Tem algum causo interessante que tenha acontecido de você como cabeleireira, história de alguma cliente, algum episódio marcante?
R – Ah, eu não lembro de nenhum assim, episódio marcante assim.
P/1 – Uma história engraçada do salão.
R – É, então, as pessoas contam as histórias, mas quase sempre as mesmas histórias, geralmente elas contam do marido, essas coisas, dos filhos, mas não tem muita interessante, não, não tem muita coisa interessante, não, eu acho que é coisas assim do cotidiano, normal.
P/1 – Qual o seu maior sonho?
R – O meu maior sonho? É, não tem um maior sonho mais, assim, eu já tenho 57 anos e acho que já vivi tudo que eu tinha pra viver, assim, de sonhos, e eu tenho a minha casa, que eu moro com a minha mãe, é uma casa da minha mãe, mas eu moro lá, e tenho um carrinho e tenho o meu trabalho. Eu acho que eu não tenho sonho de mais nada, eu não tenho sonho de mais nada, assim, sonho, sonho, sonho não, meu único sonho era ter feito faculdade, eu não consegui, aí passou, agora eu não quero mais fazer, não, uma que também não tenho tempo de fazer, não tenho horário certo pra mim fazer, então eu não quero mais fazer.
P/1 – Tem alguma coisa que a gente, a sua vida é tão ampla, você é uma pessoa super falante, tem alguma coisa, alguma história que é importante a gente deixar registrado, algum fato marcante ou envolvendo o seu pai, a sua mãe, a sua trajetória profissional, algum episódio?
R – Hum, bom, ah, eu não sei, porque eu acho assim, que minha mãe, meu pai era uma pessoa muito boa realmente, mas o meu pai tinha um problema, ele era alcoólatra, então ele bebia muito, então na verdade quem criou mais, quem criou, mas a gente nunca teve, assim, mágoa dele nem nada, porque eu acho que isso aí, como a gente vê na televisão, vê nas novelas, tudo, eles chamam isso como uma doença, né? Então a minha mãe que criou praticamente a gente, quando a minha mãe começou a trabalhar, ela que criou a gente, criou todo mundo, ela começou a trabalhar e criou a gente, aí a gente conseguiu, as casas que a gente tinha no Jardim das Flores logo no começo vendeu por causa da bebida, e depois a gente foi parar.
P/1 – Precisou vender?
R – Precisou vender.
P/1 – Por quê?
R – Por causa que o meu pai bebia muito e na verdade ele não, quem bebe muito não consegue trabalhar direito, então ele trabalhava muito pouco, não parava no serviço, e aí a gente foi parar lá no Veloso, aí a minha mãe, com muito sacrifício, conseguiu pagar um terreno, aí quando eu comecei a trabalhar a gente começou a construir a casa. Aí a gente foi melhorando, de lá a gente já mudou pra essa casa que a gente mora, que já é um bairro melhor, um lugar melhor. Então eu acho assim, eu acho assim, que a minha mãe foi uma guerreira, a minha mãe foi pãe, como diz o outro, pai e mãe, então.
P/1 – Quando você era pequena, descreve um pouco como é que era o Jardim das Flores lá em Osasco.
R – Quando eu vim morar no Jardim das Flores eu tinha um ano, então eu não sei bem nesse tempo, mas eu lembro bem quando eu fui crescendo, não tinha asfalto, eram aquelas ruas, não era bem terra, mas era, sabe aquelas ruas cheias de pedregulhos? Eram aquelas ruas cheia de pedregulhos, era um lugar assim, agora é uma diferença enorme ali.
P/1 – E o Veloso, como é que era?
R – O Veloso é muito triste, era e ainda continua sendo, é muito ruim o lugar, eu acho, sabe, aquelas casas uma em cima da outra, aquelas que o pessoal, as pessoas não têm, igual o meu irmão fala, eles não têm mania, eles só arrumam a casa por dentro, por fora eles não arrumam, então você vê aquelas casas tudo uma em cima da outra, parecendo assim, meio que favela. Então o lugar que eu moro é bem melhor que lá, bem melhor, e eu morei uma vida inteira quase no Veloso.
P/1 – Quanto tempo?
R – Eu morei lá no Veloso eu acho que uns 15 anos mais ou menos.
P/1 – De que idade a que idade?
R – Eu morei lá de, eu mudei de lá em 90, eu mudei de lá em 88 e foi no episódio, quando o meu irmão faleceu afogado, quando ele morreu afogado, a gente não ficou nem um dia na casa. De lá a gente foi morar numa casa, o meu irmão alugou uma casa, nós moramos numa casa de aluguel dois anos e depois fomos morar nessa casa que eu moro, então foi também um episódio triste, esse episódio do meu irmão foi muito triste. Ele saiu de casa de manhã pra jogar bola, ele foi e o time não veio, ele voltou pra casa, chegou lá em casa, os meninos chamou ele pra esse rio aí, quando chegou nesse rio, ele não sabia nadar e lá é areião, eles tiram areia do chão, eles tiram da beirada areia, fica aqueles buracos, ele entrou ali e caiu e morreu. Quando nós ficamos sabendo disso foi um choque, ele saiu bem de casa e não voltou, aí a gente não ficou nem mais um dia na casa, daí nós saímos dessa casa. Bom, foi um episódio triste e acho que ao mesmo tempo foi bom, porque dali pra cá a gente melhorou muito, depois disso, sabe, a nossa vida, assim, a nossa situação melhorou bastante, a gente mudou de bairro, saiu daquele bairro ruim, foi pra um bairro melhor, a gente mora num bairro bom até. Então não sei se foi ruim ou se foi bom, e é o episódio mais triste da minha vida, foi esse daí do meu irmão, nem a morte do meu pai não foi tão triste, porque o meu pai tinha 76 anos, ele tava doente, ficou doente, ficou internado, tudo, então é uma coisa que você tá esperando, meio que esperando, agora, o meu irmão não, né? O meu irmão tinha 22 anos, novinho, ele também gostava de trabalhar, ele trabalhava no comércio igual ao outro meu irmão também e foi triste e a minha mãe foi uma guerreira, minha mãe criou nós tudo, minha é, como diz o outro, é pãe, como diz o outro, pai e mãe, e nós estamos aí.
P/1 – Eunice, o que você achou de contar a sua história pro Museu da Pessoa?
R – Ah, achei legal, é bom contar, não é sempre que a gente tem essa oportunidade de contar a vida da gente, apesar que a gente vai contar assim, se a gente for contar nos detalhezinhos, detalhezinho, dá um livro, né? Eu vivo falando pras pessoas, você falou de um sonho, eu tenho uma vontade de escrever um livro da minha vida (risos), eu falei pras pessoas: “Se eu for escrever um livro da minha vida, vai dar uma trilogia, vai dar três livros” (risos), eu sempre falo isso. Então é uma vontade que eu tenho também, seria isso de escrever um livro da minha vida um dia, se eu tivesse condições aí eu faria isso, mas...
P/1 – Você tem sobrinhos?
R – Tenho, eu tenho quatro sobrinhos e um sobrinho-neto, o meu irmão tem dois filhos, um casal e tenho uma irmã que tem dois filhos, também um casal, dois casais. Então tem a Kátia, que tem 32 anos, que tem o João Pedro, que tem quatro anos, e tem o Kléber, que é o irmão dela, que tem 24 anos, os dois irmãos que são filhos do meu irmão. E tem o Leandro, que é filho da minha irmã, e a Regiane, o Leandro tem 22 anos e a Regiane tem 15, a única criança que tem lá em casa, que aparece lá em casa de vez em quando, é o João Pedro, tem quatro anos, não tem muita criança em casa. A minha irmã ficou oito anos casada, não teve filhos, e eu também não tenho, então é pouca gente em casa.
P/1 – E é uma família unida.
R – É, uma família unida pequena, porque parente do meu pai mora tudo longe, parente do meu pai a maioria mora em Franca e tem lá no Mato Grosso do Sul, tem em Minas e aí os parentes da minha mãe é que mora tudo por aqui, as irmãs da minha mãe moram tudo aqui, umas moram em Osasco, outras moram, tem uma que mora perto de Itapevi. Mas também não é muita gente, não, é pouca gente, a minha família não é muito grande, não, é pequena, aí tem o meu irmão, que tem os dois filhos, e a minha irmã mora em Itapevi e meu irmão mora em Alphaville, só, mais nada, e nós moramos na Cidade das Flores, mais nada.
P/1 – Obrigada, eu queria agradecer a entrevista.
R – De nada.
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