Projeto Belo Horizonte Surpreendente
Depoimento de Tutti Maravilha
Entrevistado por Lucas Torigoe
Belo Horizonte, 23 de setembro de 2019.
PCSH_HV827 _ rev.
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Fernanda Regina
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Tutti, qual é o seu nome completo, onde você nasceu e em que data?
R – Aílton José Machado, mas esse nome é só para... Quando alguém me chama de Aílton ou é banco ou é algum documento, boleto para pagar (risos). Nasci em Belo Horizonte, no dia 13 de fevereiro de 1950.
P/1 – Tá. E você é conhecido por ter começado na produção musical, não é? Na Cultura aqui da cidade. Como é que você caiu nesse mundo?
R – Pois é, veja só. Eu sou um cara privilegiado, cara, porque eu fiz vestibular para Jornalismo. No primeiro ano de Jornalismo - fechando o primeiro ano - eu consegui fazer estágio em um grande jornal dos Diários Associados, aqui em Belo Horizonte: no Diário da Tarde, do Estado de Minas. E foi aí que a minha vida começou a mudar realmente, porque eu fazia Faculdade de manhã e de tarde o jornal, como estagiário. E um dia, eu cheguei no jornal, o editor de pautas me entregou a minha pauta do dia, falou: “Você vai lá no teatro tal, teatro Marília, entrevistar Sá, Rodrix e Guarabyra, que estão fazendo um show rock rural, e eles estão dando uma coletiva. Vá lá fazer uma matéria com eles para o jornal de amanhã”. Ok. Fui. E conversa vai com Sá, Guarabyra e Zé Rodrix, ficamos amigos, trocamos telefones e aí cheguei no jornal, fiz a matéria - naquela época era máquina de escrever (imitando barulho da máquina de escrever) - e entreguei. No dia seguinte, saiu a matéria, eu fui ao show também, na estreia, no dia seguinte. Bom, aí eles foram embora. Aconteceu o quê? Um mês depois me liga um carioca - que eu não lembro o nome do cara - falando: “Ô, Tutti, eu sou produtor do Marcos Valle, estou produzindo o Marcos Valle e fiquei sabendo de você em Belo Horizonte. Uma pessoa que eu preciso aí em Belo Horizonte é você, do seu jeito, para fazer a produção local”. Produção local era o quê? Era divulgar, colar cartaz de rua, arranjar desconto em alimentação, em hospedagem, na passagem de avião, era fazer isso. Eu falei: “Cara, eu não sei fazer isso”. Ele falou: “Sabe, o Sá me contou, o Guarabyra... Você é muito dinâmico, você vai saber, eu vou lhe ensinando daqui, por telefone. Vou lhe mandar o material, fotos e algumas matérias antigas do Marcos Valle, você vai, faz um texto – release - leva para os jornais, editores de cultura”. Eu falei: “Inclusive, eu trabalho em um setor de Cultura de um jornal”. Ele falou: “Pois é, então, fácil para você”. Falei: “Então vamos tentar”. Cara, fiz e foi um sucesso, lotamos o teatro. Aí Marcos Valle foi embora, o cara foi embora, me pagou, me deu uma graninha, uma merreca, falei: “Está bom demais”. Uma semana depois me liga Benil Santos e fala assim: “Olha, aqui quem fala é o empresário de Maria Bethânia e a gente está com um show - fazendo Rosa dos Ventos aqui no Rio - que é um grande sucesso...”. Eu sabia do show também. “E a gente quer fazer Belo Horizonte com você”. E eu falei: “Mas eu... Eu fiz o Marcos Valle agora”. Ele falou: “Não, numa boa, já estou sabendo de você e vou lhe mandar o material”. Ou seja, fiz Bethânia, Rosa dos Ventos. Fazendo Bethânia, já ligou Guilherme Araújo me falando o seguinte: “Olha, Tutti, estou sabendo de você, e o Caetano Veloso está chegando agora do exílio, ele vai gravar um disco com o Chico na Bahia, mas a gente queria fazer um aquecimento no Brasil, não estou conseguindo teatro no Rio. A gente poderia fazer Belo Horizonte, quem sabe você consegue o teatro aí que Bethânia fez”. Eu falei: “Ok, vou lá ver no teatro se tem data”. Consegui a data. E a partir daí, cara, era um show por semana. Eu tive que largar o estágio do jornal, continuei fazendo Faculdade, mas por conta de produção local. E aí, minha vida mudou totalmente. Tive o prazer de conhecer os maiores da música brasileira e do teatro. Fernanda Montenegro ficou sabendo de mim, outro dia ela falou para mim: “A gente é amigo desde a adolescência, não é, Tutti?” Porque ela era novíssima, não é? E eu também - 20 anos. E aí comecei a produzir esse pessoal, trazer, e fiquei amigo, sabe? Vários deles são amigos íntimos que eu tenho, particulares, que quando vêm aqui fazem questão de vir no meu programa de rádio - porque hoje eu tenho um programa de rádio. Nessa época, eu não tinha. E foi assim minha vida, eu dou maior sorte, eu falo: “Gente, eu sou privilegiado, porque as coisas foram acontecendo”. Sabe aquela coisa que o Darli fala: “Eu não procuro, eu encontro”? Eu falo: “Comigo foi mais ou menos assim, eu vou encontrando as coisas”.
P/1 – Dentro desses grandes artistas, me contaram que a Elis Regina foi um pouco especial para você, é verdade?
R – Totalmente, totalmente. Veja você, Elis eu trabalhamos... Eu trouxe o Quinteto Violado, um grupo pernambucano maravilhoso, e o Benil, que era o empresário. Aí, fiz o Quinteto aqui no teatro Francisco Nunes. Quando o Quinteto chegou, não sei quem do Quinteto - se foi Marcelo, algum deles lá - falou assim comigo: “Olha, Tutti, nós estamos chiquérrimos, porque o cara do som, que vai fazer a mesa de som para a gente, é irmão da Elis Regina”. Cara, eu arrepiei, pirei, porque era eu fã, fã, sabe aquele fã mesmo? Torcia, chorava. A primeira vez que ela foi na minha casa, meu pai falou com ela “Olha, ele era menino, tinha 15 anos e você defendendo Arrastão, ele chorou quando você ganhou”. Era verdade, cara. Para mim, ela era a maior e é até hoje. Bom, resumindo a história: Rogério, irmão dela, fazia o som do Quinteto. Aí, o que eu fiz? Peguei um banquinho, coloquei do lado dele, a mesa de som dele ficava no meio do teatro... Ele operando o som do show do Quinteto, eu ia para a bilheteria, fazia o borderô... Naquela época era borderô, não existia lei de incentivo, a gente dependia daquela grana ali, contava, dividia tudo entre a gente, cada um pegava uma merreca e ficava feliz. Outro dia, Gal falou isso, Gal falou: “Aquela época era tão divertida”. E tinha um tesão... Assim... Eu fiz show com Gal, Circuito Universitário, rodando a cidade, que quebrava a bilheteria, eu pegava o dinheiro, colocava na camisa, entrava no camarim, Gal passando batom, eu jogava no chão o dinheiro e falava “Esse dinheiro é nosso, você toma conta, porque quebrou tudo lá”. Bom, histórias e histórias. E aí, com Elis, cara, o Rogério... Eu pus o banquinho, acabava o borderô, acertou tudo e tal, tal. Eu saía da salinha do teatro, sentava do lado dele - ele fazendo o show - e ficava perguntando: “Me fala da sua irmã. E aí? O que ela está fazendo?” E aí ele falava comigo: “Tutti, eu estou começando a mexer com som agora. Cheguei do Rio Grande do Sul, mas ainda não trabalhei com ela. Ela tem empresário dela e tal, eu estou mais com o Benil”. E aí pronto, ficamos amigos, ele levou meu telefone e tal. Falei: “Fala com ela, quando você a encontrar, porque eu sou super fã”. Passou o quê? Algumas semanas, me liga o Rogério e fala: “Ô, Tutti, tenho uma notícia ótima”. Falei: “O quê?” “Eu estou trabalhando com minha irmã, ela largou o empresário dela...”. Que era o antigo lá, que ficou com ela anos - ela e Roberto, não é? “Ela o largou, vai montar uma empresa dela, ela mesmo assessorando ela, e falei de você. E ela está ensaiando um recital e queria fazer em Belo Horizonte com você, topa? Descola uma data aí no teatro e a gente faz”. Claro que eu fui correndo no teatro, dona Valquíria era gerente do teatro, a gente tinha o teatro maior em Belo Horizonte - era o Chico Nunes - para música brasileira, para eventos mais populares. O Palácio tinha sido inaugurado, mas não podia, só música clássica. Aí eu comprei briga com o Palácio, inclusive, na época, saiu em revistas nacionais e tal, que eu queria fazer show lá também. E conseguimos. Mas era só o Chico Nunes na época. Aí, fui lá no Chico Nunes, falei: “Olha, eu tenho Elis Regina para trazer para fazer um show aqui cinco dias, vamos fazer? Tem data?” Conseguimos a data. E aí, cara, foi tão louco, porque eu conversava só com o Rogério por telefone, falava: “Rogério, manda foto dela, estou precisando para pôr nos jornais, manda isso, manda aquilo”. E aí o Rogério falou: “Olha, o voo vai chegar tal hora na Pampulha” - não tinha nem Confins - “...Vá lá buscá-la e leva uma Kombi também...”. Na época, era Kombi, a gente não tinha Van, não é? “Para pegar e trazer os músicos e equipamentos. Os músicos vão direto para o teatro e você a leva para o hotel, ok?” Eu tinha um fusquinha, cara, vermelhinho. Chiquinha que chamava. Fui com o meu fusquinha, fiquei lá na área de desembarque do aeroporto, fiquei olhando e dava para ver. Do avião até chegar na área, era tudo de vidro e você via. Ela desceu antes com o César e os músicos, e o Rogério, o último. Aí eu falei: “Cara, então vai chegar aqui, vou esperar o Rogério chegar para me apresentar”. E eu, do lado de fora da sala de embarque. Ela chegou na sala de embarque, olhou lá para fora, todo mundo com plaquinha, não é? Escrito: “Fulano, sou eu”. Esperando alguém, eu sem plaquinha nenhuma, ela olhou para mim e falou assim: “Tutti, vem cá ajudar a gente”. Virou para o segurança e falou: “Deixa ele entrar”. Entrei na sala de desembarque, tremendo, falei: “Oi, tudo bem?”. Ela falou: “Tudo bem, ajuda a gente aqui ó, essas roupas eu trouxe separado para não amarrotar”, e tal, não sei o quê. Falei: “Ok, meu carro está aqui, bem na frente do aeroporto”. Fomos. Aí, Rogério veio, apresentou os músicos, falou: “Tutti, leva ela, eu vou para o teatro, depois você vai para o teatro, ok?”. “Ok”. No carro... Fomos eu, ela e César no carro. E malas. Aí, chegou na porta do hotel, um hotelzinho chinfrim, cara, que eu consegui, era o preço melhor na época, perto do Mercado Central, aí parei o fusquinha na porta. Ela desceu, falei assim: “Então eu vou pôr as malas ali no hall do hotel”. Ela falou assim: “Não, você vai ficar aqui, vai me ajudar a pôr as roupas no cabide, vai lá no quarto me ajudar”. Eu falei: “Mesmo?” Ela falou: “Mesmo”. Falei: “Então, tá!”. Aí, entrei com o carro na garagem do hotel, pedi ao moço lá, guardei. Subi para o quarto, ajudei-a. Presta atenção, estava acabando de conhecer a pessoa e já estava nessa intimidade, olha que loucura. Bom, aí a história começou, não é? Fizemos a temporada, foi um grande sucesso, terminou a temporada, ela me liga e fala assim: “Tem show esse fim de semana que vem?” Falei: “Não, esse não. No outro eu tenho”. Acho que tinha Vinícius ou não sei quem na outra semana. Aí ela falou assim: “Então você podia vir aqui para casa passar o fim de semana”. Eu falei: “Para a sua casa?” Ela falou: “É, vem, eu mando passagem para você, eu vou na VASP agora, já vou comprar e você vai na VASP aí e tira sua passagem...”. E eu conhecia o pessoal da VASP aqui, ela sabia disso porque eu tinha conseguido desconto. “Mas deixa que eu pago aqui, você pega lá”. “Ok”. Fui para São Paulo na semana seguinte, cheguei lá tremendo e tal, casa dela, um quarto para mim. E aí, cara, é o que todo mundo fala, os parentes, amigos e o Rogério falavam: “Tutti, você foi um caso muito especial na vida da Elis, porque ela era brava, ela era pimentinha”. E eles falam que eu fui a única pessoa que não era parente, que ela deixou morar com ela na casa, sabe como? Dormir e viver lá. E aí, com essa coisa, eu ia a toda hora. Fim de semana, quando não estava fazendo show, ela falava: “Vem para cá”. E eu ia. Aí, a gente ia comprar cortina para a casa, para mudar... Ajudá-la a comprar a cortina. Com isso, eu vi nascendo Falso Brilhante, acompanhei, sabe, a escolha do repertório, dava palpite. Agora você vê que sorte, não é, cara? Eu fã da cantora e virei amigo. A gente teve uma fã link, não é? Bateu nós dois, assim, que eu virei confidente dela. Eu sei coisas de Elis que ninguém sabe, nem os filhos, entendeu? Alguém, às vezes, me fala: “Ah, e aquilo assim como é que foi?” Eu falo: “Não, isso eu não falo”. Porque é tão pessoal, só eu sei o porquê daquilo que eu prefiro não falar. E a gente ficou muito amigo, mas muito. Ela viajava, fazia show no mundo. Para você ter uma ideia, tocava o telefone de madrugada lá em casa - eu morava com um amigo na época - o Rogério, o Rogério conta isso, ele falava: “Gente, era a única casa que tocava o telefone de madrugada e a gente não ficava preocupado pensando que morreu alguém...”. Porque quando tocava o telefone de madrugada, um parente morreu. “Não, a gente sabia que era a Elis querendo falar com o Tutti”. Eu acordava, atendia o telefone fixo, atendia. A gente ficava duas, três horas, cara, no telefone, ela me contando como foi o show, o que ela ia fazer... Foi um prazer, foi uma pessoa muito, muito importante. Com isso, eu brinco que eu tenho escola Elis Regina, aí ela me aplicou no ouvido tudo de melhor da música mundial. Para você ter uma ideia, quando ela foi gravar com Tom, ela falou: “Tutti, pelo amor de Deus, vem aqui e me ajuda a tomar conta dos meninos”. Tinha Pedro e João Marcelo, só. E tinha a Dona Ercy, que acabou alugando uma casa em frente à casa dela, no Brooklin. Ela falou: “Mamãe vai estar aqui, mas você podia vir dar uma força”. E eu fui, claro, porque ela acabou ficando em Los Angeles um tempo maior do que o previsto, por causa da gravação e tal. Sabe o que ela me trouxe de presente? Um LP, de um lado Billie Holiday, do outro Ella. Um LP. E escreveu na capa, para você ver o texto que ela escreveu: “Tutti, querido, essas são as minhas duas Nossas Senhoras da vida”, sabe? Um texto maravilhoso. E aí, pronto. Ficamos amigos e iluminou a minha vida. Gozado que, naquela época, ela não era a Elis Regina hoje. Ela vendia, fazia sucesso, mas é igual Nana hoje, vende, faz sucesso de categoria, mas não era popular. O Falso Brilhante a jogou para o popular e foi ótimo, não é? A gente levou um susto, todo mundo, acompanhei aquele Falso Brilhante, no dia da estreia, cara, a gente tinha o teatro mais dois meses, eu acho, que tinha reservado... E aí já era a empresa dela, a Trama, fazendo toda a produção: ‘Seu’ Romeu na bilheteria, o Rogério também ajudando, fazendo as coisas de palco, e eu lá também nessa história, ajudando. No dia da estreia, a gente sacou, a gente falou: “Gente, esse show não vai acabar tão cedo”. A gente viu que tivemos show para uma temporada maior. E o próprio teatro achou bom, não é? Os ingressos esgotavam um mês antes. Os cambistas, quando foi a centésima apresentação, eu acho, ela falou assim: “Olha, hoje nós vamos...”. Ela saía cedo do teatro e eu ia sempre junto com ela, ou dirigindo, ou ela dirigindo e eu lendo alguma coisa para ela, contando alguma coisa. Aí, um dia, ela falou assim: “Vamos sair mais cedo hoje, Tutti, para o teatro”. E ela gostava de chegar uma hora e meia antes no teatro, os músicos chegavam na hora e ela chegava uma hora e meia antes. Aí ela falou: “Vamos sair um pouco mais cedo, porque eu quero comprar flores e você vai entregar essas flores sabe para quem? Para os cambistas, porque nós estamos comemorando a centésima apresentação e eles merecem flores. Olha que louco, cara. Falei: “Bora lá”. Aí compramos, sabe, uma corbeille enorme, aí eu fui e entreguei para os cambistas. Essas histórias engraçadas que ela criava. E foi um prazer, foi uma história que eu agradeço, não é? Ter vivido tudo isso. E ela me deu... A primeira pessoa que eu entrevistei no rádio, quem foi? Ela. Eu falei: “Estou estreando no rádio, você faz o favor, não é? Você vai ser a primeira que a gente vai falar, topa?” Ela falou: “Topo demais, eu estou em Brasília fazendo show nesse dia, que dia que é?” Tinha o dia de estreia, que era um dia de lua cheia, ela falou: “Tutti, vou estar no hotel tal, anota o telefone aí...”. O programa era de tarde, “e você me liga e a gente fala o tempo que você quiser”. Aí foi o programa inteiro ela, e não tem isso gravado, acredita?
P/1- – Em que ano?
R – Rádio Capital, foi em 1979. E não tem gravado. Triste, não é? Mas...
P/1 – 1979 você parou de produzir música...
R – É, e fui para o rádio. Em 1979 eu paro produção e vou para o rádio - Rádio Capital - graças ao jogador Reinaldo, que é outra história.
P/1 – Tá, eu quero que você conte essa história para mim. Agora, antes, só me diz uma coisa: como é que era Belo Horizonte nesses anos 70 para você? Onde você gostava de ir nessa época?
R – Olha, Belo Horizonte sempre foi a capital dos botecos, a gente gostava de fim de semana... A gente ia para os botecos. Ou após as aulas, o boteco mais perto da Faculdade era o point da galera. Então, a gente... Era só boteco mesmo que a gente frequentava. E teatro e espetáculos foi a partir da década... Claro que aconteciam espetáculos antes, nos anos 70, só que eram espetáculos normalmente em clubes, sabe? Tinha um baile, aí traziam Cauby Peixoto para cantar no baile, traziam Wanderléa para cantar no baile de tarde no Cruzeiro Esporte Clube, no Iate Tênis Clube, sabe como? E no Chico Nunes tinha muitas óperas e alguns shows, assim. Tinha um produtor, Levi Freire, que trazia alguns shows, mas normalmente era esse pessoal mais da antiga mesmo, tipo Dalva de Oliveira, ngela Maria. Eu começo a produção nos anos 70, que é onde, realmente, esse pessoal começa a carreira com os Festivais, que foi o que impulsionou a jogar todo mundo lá para cima. Ela, Baixinha, Chico, todo mundo. Esse pessoal estava todo mundo começando... Gil. O Gil, cara, eu era tão fã do Gil, mas tão fã, que no dia em que eu fui... A primeira produção que eu fiz com ele, fui buscá-lo, ele veio de trem e eu fui buscá-lo na Estação. Cara, mas eu tremia, tremia, e a primeira pergunta que ele me fez já me relaxou, ele virou para mim e falou assim: “Tutti, tem restaurante macrobiótico aqui?” E eu era macrobiótico. Eu falei: “Tem e eu sou”. Ele falou: “Perfeito, então é lá que nós vamos”. Aí, pronto, era ali perto da Estação mesmo. Bom, aí trabalhei direto com todos. E Belo Horizonte era uma cidade que acontecia coisas só fim de semana, entendeu? Durante a semana era uma cidade pequena, não é? A cidade tem 120 anos. Eu vou fazer 70 anos ano que vem, mais da metade já estou nesta cidade, conheço bem a história dela. Então, eram bailes que aconteciam, não tinha esses eventos de shows, sabe, assim, aberto? Aí, na década de 70, eu fiz pop rock, com Raul Seixas, em lugares abertos, enormes. Começaram a surgir eventos bacanérrimos, que não precisavam do teatro, fora do teatro. E eu usei também muito, às vezes... Às vezes não tinha data, ou o artista estava estourado, o Benil ou o Guilherme falavam: “Vamos fazer num ginásio”. O som era péssimo, mas o show era maravilhoso porque era lotado o ginásio, mas não tinha acústica. Fiz muito no Mackenzie, Minas Tênis Clube. Clara Nunes foi uma, inclusive, porque lotava muito, entendeu? E fazia um dia só e pronto, bastou.
P/1 – O melhor lugar para você, você achava que era aonde? Para fazer shows…?
R – Para fazer shows? Palácio das Artes, que ainda é. Que é um teatro que tem uma acústica, não é? Ali a gente fez o Transversal, fiz com ela, fiz vários shows maravilhoso ali, vários.
P/1 – E como é que é essa história com o Reinaldo?
R – Pois é, olha a história... Produzindo shows na década de 70, aí uma hora eu resolvi parar. Eu falei “Esse negócio de produzir, eu não quero mais”. Fiquei rebelde, sabe? Eu sempre fui meio rebelde, assim (risos), nas roupas que eu usava naquela época, tudo. Falei: “Não, não quero fazer isso mais, quero fazer outra coisa diferente, e tal”. Bom, resumindo essa história, o Reinaldo... A minha família já conhecia a família dele e a gente já se conhecia, e aí ele sabendo que eu não queria trabalhar mais com produção, estava desempregado, praticamente desempregado. Eu morava com um amigo, esse amigo segurava o lance do aluguel, depois eu o pagaria um dia que eu trabalhasse, gente jovem era assim, não é? E é assim, graças. Aí, um dia, cara, estou eu almoçando em casa, bate campainha, chega Zé - Zé Reinaldo - e fala assim: “Olha, vim aqui para lhe falar uma coisa: arranjei emprego para você”. Falei: “Aonde?” Ele falou: “Rádio”. Falei: “Que é isso, Zé, você pirou? Eu não tenho voz de rádio” Aí ele falou: “Não, é o seguinte: Eu vou fazer uma participação na cobertura de um jogo Galo e não sei quem, no Mineirão...”. Ele estava operado do joelho naquela época, tinha operado nos Estados Unidos e tal e não podia jogar. E aí ele falou: “Eu vou lá na cabine dessa rádio que está estreando em Belo Horizonte, e é um pool de rádio, porque está nascendo Belo Horizonte, Curitiba, Rio, Salvador e São Paulo. E eu falei com eles que só iria se eles arranjassem emprego para um amigo meu, e o amigo meu é você. Então, seguinte: domingo eu vou ao jogo na cabine da rádio, comento o jogo, segunda-feira nós vamos lá na rádio e eu te levo, ok?” Eu falei: “Tá, mas eu acho que não vai dar certo não”. Falei com ele: “Mas tudo bem, vamos tentar”. E ele enchendo minha bola, falando: “Não, Tutti, você tem um pique, você fala legal, você não sei o quê, gosta de música...”. Falei: “Tá, vamos tentar”. Bom, segunda-feira fomos na rádio, ele me levou, aí veio o Bandeira, que era o diretor da rádio, artístico, e falou comigo: “Olha, Tutti, eu vou te colocar num personagem que a rádio...”, a Capital, como era um pool de rádio, tinha uma hora certa que entrava em cadeia, e essa hora era o jornalismo, que era18h. E aí ficava em cadeia, porque dava notícia Rio, São Paulo, Curitiba, Bahia... Mas tinha uma hora em que cada cidade tinha um personagem, chamado Lorde Garfo, que era um personagem o seguinte: entrava no ar três minutos, dando dica de um restaurante da cidade. Não era comercial, o restaurante não pagava. E eu tinha que fazer o seguinte: de tarde, eu ligava para o restaurante e falava: “Escuta, qual o prato do dia?” Aí, ele falava: “Prato do dia é esse”. “O vinho que acompanha ou é cerveja, o que você acha melhor?” “Tal e tal”. “Aqui é da Rádio Capital, vou dar essa notícia no jornal das 18h, ok?” “Ah, muito obrigado, ok.”. Aí fazia um texto de três minutinhos e criava na cabeça também, e comecei a fazer esse personagem. E esse personagem existia em São Paulo, no Rio, em cada cidade, no mesmo horário. Eu entrava no ar, gravava, era gravado, gravava esses três minutos e aí fazia o texto da minha cabeça, falava: “Gente, hoje é lua cheia, é bom para comer uma pasta no restaurante tal, tomando um vinho tinto maravilhoso e depois sair para a rua uivando, é bom para isso hoje, tá? Aqui é o Lorde Garfo, boa noite, bom apetite e tchau”. Fechava. Menino, aí o diretor, o Bandeira, me chamou na sala dele, depois de uns 15 dias, falou: “Vem cá, cara. Você não vai fazer só esse Lorde, não, esse personagem pequenininho não, eu vou te jogar no programa da tarde”. Eu falei: “Como?” Tinha um programa de tarde, com o Oliveira Rangel, que era o locutor com a voz maravilhosa, voz de locutor, sabe? (imitando voz de locutor). Aquela voz maravilhosa, inclusive ele fez Rádio Mineira, Rádio Cultura, aquele Cultura da Rádio era dele. E o Oliveira Rangel era um mito de locutor na cidade; tinha um programa de três horas de duração, ao vivo, de tarde. Aí, o Bandeira falou: “Você vai dividir o microfone com ele”. Eu falei: “Como?” “Você fica do lado dele, de vez em quando você fala uma bobagem para ele, ele fala uma bobagem para você, você lembra de uma música”. Porque como eu tinha sido produtor, vários discos eu vi gravando, não é, cara? Às vezes eu estava em São Paulo, chegava no estúdio com a Baixinha e tinha alguém gravando, entrava no estúdio e via: “Olha, cara, Ivan está gravando essa música; Fulano está gravando...”. Vários assim, eu vi. Então, eu tinha essa informação. E a rádio, o programa de tarde era só música brasileira, olha que sorte a minha. Eu acrescentava um pouco, falava do Mílton, falava: “Mílton conhece as produções dos Minas, dos Gerais, e tal, e fizemos isso e fizemos aquilo”. Bom, foi um sucesso o programa, a gente estourou - era AM, não era FM não. AM. O programa estourou, cara, a gente tinha uma audiência enorme, patrocinadores, tal. E aí o que aconteceu? Mandaram o locutor embora, fiquei sozinho, um mês depois que eu entro, fazendo programa com o cara, eles mandam o cara embora. Eu falei: “Não estou acreditando, gente, vou segurar isso três horas sozinho?” Três horas sozinho. Aí, tá bom. Minha sorte, cara, é que eu tinha os amigos da produção - o Benil, o Guilherme – assim... O Gil lançava o disco... Quando o Gil lançou o A Gente Precisa Ver o Luar, eu liguei para lá e falei com o pessoal do escritório. Falei: “Carmela...”. O pessoal lá, falei: “Cadê Gil, cadê esse disco do Gil? Quero ser o primeiro a tocar esse disco, vi aqui nos jornais que está saindo semana que vem”. Ela falou: “Não, vamos te mandar. Guilherme já falou aqui e tal, vamos te mandar sim”. Porque a gente continuou o contato, o Guilherme virou um grande amigo, sabe? Até a morte dele, assim, uma pessoa muito amiga. E aí, você acredita que eles foram no aeroporto Santos Dumont, com o disco, sem capa, embrulhado, chegaram na fila do voo para Belo Horizonte falando assim: “Gente, quem pode fazer um favor para a gente e levar esse disco para Belo Horizonte? O cara lá vai ligar para você e pegar na sua casa? Alguém pode fazer essa caridade?” Uma menina lá falou: “Eu”. Pronto, me ligou e eu fui lá pegar o disco na casa da menina, toquei o disco do Gil pela primeira vez. Sabe essas coisas geniais? E aí, pronto. Fiquei fazendo o programa três anos e meio, aí fazendo esse programa, começou a nascer a Brasileiríssima - a Inconfidência Brasileiríssima. Eu sabendo que a rádio estava em período experimental, que estava no ar, que era uma rádio só de música brasileira, um dia me liga o diretor da rádio, o Claudinei Albertini, e fala: “Tutti, estou ligando para falar o seguinte: estou lhe namorando aí nessa rádio, estou lhe ouvindo. Na hora em que a rádio estiver toda certa, vou lhe chamar para vir para a Brasileiríssima. Você topa?” Falei: “Uai, na época vamos ver”. E aconteceu. Dois anos depois, três anos, ele me ligou e, nesse intervalo, ele já pensou em chamar para fazer eventos. Assim... Ele tinha uma empresa que fazia junto com o Promove, que era um cursinho de Belo Horizonte, que ia para a porta da Faculdade, da PUC, montava um palco e eu ficava nesse palco fazendo rádio ali ao vivo e incentivando os alunos que chegavam para fazer, e relaxando também os alunos que iam fazer as provas. Então, era prova de Matemática naquele dia. Eu levava um monte de questões de Matemática e ficava falando com eles, perguntando, dando brinde, sabe como? Brincando com eles. Aí o namoro, claro, aumentou, e quando resolveu tudo aqui na Inconfidência, aí eu estreei o Bazar Maravilha que, na verdade, olha só que louco... Nesse intervalo, nesse período, a televisão aberta me chama para fazer um programa aos sábados de noite - a TV Alterosa, SBT hoje. E o programa gravado e tal, que eu podia levar minha equipe de produção, aí chamei dois amigos maravilhosos - Marcelo Xavier e Mário Valle - e mais um, Léo Piló. O Léo, figurino; os dois eram roteiro, ideias. A gente junto fazia o tema e criamos o programa, cara. Genial. Ele só não deu audiência porque eles o colocaram a primeira vez às 22h; na segunda semana foi para 22h30; na outra semana foi para 00h; na outra voltou para 22h30; sabe aquelas coisas? Porque o canal era do Sílvio Santos e ele mandava aquele... Os programas dele, eles tinham que editar as fitas dele e não tinha tempo para jogar o programa no ar e editar o meu programa antes. Aquelas coisas de timing de televisão, sabe? Que você conhece bem. Bom, resumindo, fiquei fazendo esse programa três meses, quando eu fui estrear esse programa de televisão... O programa era demais, cara, a gente falava: “Vamos entrevistar Toninho Horta”. “Vamos”. “Onde?” “Numa sinuca lá no Centro da cidade, jogando sinuca, mas, em vez de bolas, nós vamos colocar frutas, porque a gente vai conversar também sobre gastronomia, vamos conversar com uma mulher que entende de frutas”. Sabe, o programa era de temas, assim, que a gente misturava. Eu entrevistei o Gil, criamos um personagem. Fazendo homenagem à sociedade de Belo Horizonte, criamos um personagem. Eu colocava peruca, me transformava mesmo, travestido, e entrevistava as pessoas, tipo: “Sou seu fã”. Cara, o Gil (risos), ele chegou, fazia show, combinei, claro, com a produção, falei: “Fala com o Gil que não é coletiva, não. Na hora em que acabar a coletiva, eu faço com ele 15 minutinhos, 20 minutos, meia hora”. E fui para o banheiro do hotel, no Othon, coloquei a roupa, cheguei e só dei tchau para ele... Fui, a imprensa toda, acabou a coletiva, Carmela, sei lá quem, veio e falou: “Tutti, você está pronto?” Falei: “Estou pronto”. Saí do banheiro todo... Ele não acreditava, cara. E ele topou e foi uma entrevista ótima. Bom, isso era o programa de televisão. Quando eu fui estrear o programa de televisão, eu precisava de um nome para esse programa. Aí eu falei: “A quem eu vou pedir esse nome?” Liguei para Fernando Brant. Porque Fernando Brant foi o meu primeiro sócio na Produções Maravilha; quando era produtor, eu tive que ter uma empresa, porque precisava dar notas, saca? De patrocínios, disso, daquilo. E o primeiro foi o Fernando. Aí eu liguei para o Fernando e falei: “Fernando, eu vou estrear um programa de televisão e eu não tenho um nome”. E ele falou: “Como é que é o programa?” Eu falei: “É um programa... São temas. Para colocar vários temas. É um programa com uma média de 40 minutos, mas com os breaks vai dar uma hora, e tem quadros, tem um personagem e tal”. Ele ficou ouvindo e falou assim: “Ai, Tutti, é um bazar mineiro isso aí, mas, em vez de mineiro, vamos pôr o seu sobrenome: Maravilha”. Aí, Bazar Maravilha nasce na televisão. Quando eu vim para o rádio e acabou a televisão, eu não topei mais fazer, porque era cada hora um horário, a gente chegava para gravar e não gravava, aquela confusão. Eu falei “Não quero fazer mais”. Parei e rolou, na hora certa, a Inconfidência. Aí, o Claudinei fala: “E o nome do programa, qual vai ser?” Eu falei: “Eu acho que podia ser o mesmo nome da televisão, o Bazar Maravilha”. Pronto. Nasceu o Bazar Maravilha na televisão, em 1983. Aí eu fico quatro anos, a rádio do estado... Muda o governo, muda a diretoria toda. Mudou o governo e entrou uma diretoria... Trabalhávamos na rádio eu, Gonzaguinha, Wagner Tiso, Fernando Brant foi diretor artístico, só gente bacana, músicos bacanas. Cara, o diretor novo entrou, colocou 52 pessoas - inclusive eu - na rua, da noite para o dia. Falou: “Rua para vocês”. Aí eu falei: “O que vou fazer da vida, gente? E agora?” Aí, minha amiga me ligou - morava em Brasília – falou: “Tutti, eu estou com um terrenozinho, uma casinha no sul da Bahia, estou querendo fazer uma pousadinha, será que você me ajudaria nessa empreitada, não?” Falei: “Bora lá”. Fui para a Bahia, fiquei quatro anos pousadeiro, entendeu? Estou na Bahia, fazendo pousada, me liga a Secretária de Cultura... Muda o governo, foi para a Secretaria de Cultura uma grande amiga, Celinha ____ [34:55], que já era minha amiga de antes. Celinha era socióloga, professora da UFMG; aí, Celinha, no telefone, falou: “Tutti, faz o favor de voltar para Belo Horizonte e você vai voltar para a mesma rádio, para o mesmo horário e com o mesmo programa”. Eu falei: “Uau”. Aí, voltei e estou até hoje aí direto, já não saí mais. Aí são... Contando tudo, são 32 anos. Ufa (risos).
P/1 – Fala uma coisa, antes de falar um pouco mais da rádio, eu fico curioso de você ter feito tanta coisa, com tantos artistas e tal... Por acaso, o fato de estar em ditadura mudou alguma coisa, você sofreu algo?
R – Na época? A gente estava em ditadura. Na época das produções, não é? Era ditadura. Então tinha aquela história de o roteiro do show, o que ia tocar, ser cantado; o texto, quando era teatro, tinha que passar pela censura local, então eu levava isso na censura, eles carimbavam, liberado, ia para o teatro, tinha que fazer o ensaio. A coisa chata da ditadura, que eu vi nessa época de produção, era isso: que a gente tinha que fazer o show de tarde, antes da estreia, para o censores - que eram dois, era uma mulher e um outro - ficavam sentados com a plateia vazia e você tinha que fazer o show inteirinho. Era assim. Isso eu achava um saco, entendeu? E tinha uma história bacana, teve uma história boa com o Chico. O Chico, a gente fazendo um recital, não era um show, era um recital, ele e o MPB4. E estava proibido cantar o Apesar de Você. Aí, o que o Chico fazia? Terminava o show e todo mundo aplaudindo de pé, alguém, no violão da banda, fazia assim (instrumental da música Apesar de Você). Aí a plateia inteira entrava cantando, sabe? Era genial, cara. E eles ficavam no palco olhando e o povo cantando. E acabava o show - tinha sempre censor lá - me entregava um papelzinho falando assim: “Chico tem que comparecer amanhã lá na Censura”. Eu falava: “Tá”! Entrava no camarim e falava: “Chico, tem que comparecer na Censura”, “Eu não vou não, vai lá e vê o que é”. Aí eu ia e o censor falava “Não, ele tem que vir, porque ele está cantando uma música que não pode”. Eu falei assim: “Ele não está cantando uma música que não pode, quem está cantando é a plateia, não é? Vai ter que prender a plateia inteira. Não é ele quem está cantando”. Bom, não teve jeito, cara. Todo dia tinha essa história, até uma hora em que a gente sacou que o censor era fã dele, queria que ele fosse lá para tomar um cafezinho com ele, você acredita, cara? E a gente tenso, não é? Mas Chico não foi, não foi. Terminou a temporada, com todo dia essa história e eu tendo que ir lá. E eu já era conhecido lá da Censura, porque todo show tinha que passar lá, entendeu? Às vezes, eu chegava, estava a secretária, não tinha nem ninguém da Censura. Entregava para ela e falava assim “Ó, pego amanhã esse carimbado aqui, porque o show estreia depois de amanhã ou semana que vem”, essa história toda. E foi o que a gente passou na censura. Essa coisa de fazer o show antes, sabe? Essa censura. Eu lembro, teve um caso... foi Marília Pêra, a gente fazendo... Como é que chamava aquele espetáculo de Marília? Ah, esqueci, cara. Bom, ela cantava Os Três Vinténs, de Brecht, um pedacinho, você acredita que eles cortaram? É. Não podia cantar no show. Ela falou “O que é isso?”. E assim... Cada local tinha uma Censura, ela falava: “Tutti, eu estou cantando, cantei isso no Rio, já fiz esse show no Rio”. Aqui não podia.
P/1 – Agora você faz o Bazar. Qual é o horário dele? É o mesmo desde sempre?
R – O mesmo, de 14h às 16h, de segunda a sexta. De duas às quatro da tarde. Eu falo que sou a única pessoa de Belo Horizonte que não tem jeito de se esconder durante a semana, entendeu? Porque eu estou no ar todos os dias. E eu não gosto de gravar. Dá feriado, as pessoas falam: “Vamos gravar?” Eu falo: “Ah, não, prefiro fazer ao vivo”. Às vezes, gravo. Porque a gente tem que carregar a bateria. Ultimamente até tenho gravado mais, porque dá uma canseira, não é? Você fica... É engraçado o tempo, você... Eu estou te contando histórias que quando eu conto e reconto, eu me ligo numa coisa interessante. Eu fazia tudo isso sem medo de ser feliz e sem preocupação nenhuma, sem medo de errar. Hoje eu tenho medo de errar, porque acabei virando “popular”, não é? O que eu falo as pessoas ouvem e então eu presto atenção no que eu falo, entendeu? Ainda bem que eu sou Hebe Camargo, acho todo mundo gracinha até a décima página. E aí dá certo. Mas engraçado isso, não é? Eu penso hoje... Hoje eu me preocupo mais. Hoje, se você me contrata... Eu faço trabalho de MC, de cerimônia, de eventos, e gosto muito... E aí o que acontece? O evento é semana que vem, eu já começo a ficar tenso hoje. Sabe? Eu falo: “Meu Deus”. E são eventos que é o dia inteiro, assim. Eu fiz um Festival de Papagaio durante 28 anos, no Parque das Mangabeiras, e dava 40 mil pessoas. E domingo o dia inteiro, era de 9h às 17h eu no palco brincando com a criançada, com gente grande. E colocando o festival lá, os papagaios. Fiz ação global, também, vinte anos. Viajando muito pelo interior de Minas, também o dia inteiro. Hoje, quando me chamam para fazer eventos assim, cara, eu fico numa preocupação... Eu falo: “O que eu vou fazer? O que eu vou aprontar?” Agora, subiu no palco (estalo)... É engraçado isso. É engraçado. Eu fiz quimioterapia e fazendo rádio, você não acredita, cara, era a hora que eu posso falar que eu, mas era a hora que... (se emociona) Que era bom, entendeu?
P/1 – Era bom por quê?
R – Porque isso tem uma magia, não é? Você estar num palco, com um microfone, você sente que está ajudando alguém a ser feliz. Meu papel é fazer palhaçada, sabe? Deixar o povo rindo, brincar, e com isso dar audiência, porque é através da brincadeira... Você precisa ver as minhas entrevistas, todo mundo que vem aqui fala: “Tutti, eu nunca fui entrevistado...”. O Cacá Diegues, estou eu entrevistando o Cacá para a televisão, canal 25, TV a cabo. Cacá estava lá conversando sobre filme e era lua cheia, e eu tenho uma onda de uivar para a lua cheia (risos). Porque eu acho que é bom para os pulmões e para a cabeça também. E aí, no final da entrevista, televisão, tempo certinho, era ao vivo e tal... O ponto falou comigo: “Faltam dois minutos”. Falei: “Cacá, então eu quero, para fechar, hoje é lua cheia, nós vamos terminar uivando, claro, não é?” Ele falou: “Uivando?” Eu falei: “É, uivando”. Eu o ensinei a uivar, falei: “Ó, vaiar é U - começa no U vai até o U no final. E uivar começa com A e terminar em U - AU (uivando), entendeu?” E ele: “Tutti, o que isso?” Eu falei: “1, 2, 3... (uivando)”. Aí ele uivou também. Acabou o programa, ele falou: “Tutti, eu dando entrevista no mundo inteiro, eu nunca uivei na frente da câmera de televisão” (risos). Sabe essas coisas? Aí dá maior audiência, o povo adora, acha divertido. Eu já deixei gente no microfone lançando livro, trouxe o livro para mim, peguei o livro, comecei a olhar assim, falei: “Ah, não, estou gostando de ler, fique aí à vontade, vou embora, agora vou ler”. Saí do estúdio e deixei a pessoa lá. E a pessoa assim, sem palavras, sabe...
P/1 – Você entrevista pessoas anônimas no programa?
R – Yes.
P/1 – E pessoas que também mandam mensagens para você, não é? Isso eu acabei vendo.
R – É.
P/1 – Como é que é isso? Entrevistar gente que você não conhece.
R – Hoje em dia é um pouco mais difícil de horário. Porque quando eu comecei, a gente ficava laçando os artistas, as pessoas, para entrevistar. Hoje não, hoje minha pauta já está assim... Quinze dias antes ou mais, já está... Porque o produtor do artista já liga de fora, fala: “Estou chegando com a Mart'nália e Mart'nália falou que se não for no programa do Tutti ela não está em Belo Horizonte”. Então Elza Soares... Elzinha vem direto do aeroporto para o estúdio, entendeu? Hoje é meio difícil os horários e a gente fazer essa pauta. Ainda bem que tem outros programas na rádio que também a gente passa as entrevistas. Mas muita gente eu entrevistei que não eram conhecidos e hoje são conhecidos, principalmente artistas locais. Uakti, Grupo Corpo, sabe, esse pessoal todo que faz música hoje... Vander Lee, que foi um artista que já virou estrela, morreu. E vários outros artistas que estão aí, hoje, fazendo sucesso, de Minas, começaram aqui na rádio. E comigo, fazendo... Todo mundo fala... Porque a primeira entrevista que eu dei Skank... Pato Fu... Primeira rádio que tocou, primeiro programa que tocou Pato Fu fui eu. Porque eu ia nos shows do Pato, na noite de Belo Horizonte, tocavam lá, não tinha nem gravado, e aí, um dia, Fernanda falou comigo assim: “Tutti, estou com uma fitinha aqui, ela não é bem gravada, não, mas o desenho é bom”. Eu tenho ela até hoje. Ela desenhou a capinha da fita cassete, “Gravamos aqui umas duas músicas, tem como você jogar lá no seu programa?” Eu falei: “Claro que tem”. Sabe essas coisas? Quando Skank lançou o CD - o primeiro CD deles independente - a rádio não tinha CD, a gente trabalhava com vinil ou cartucho. E aí o que eu fiz? Eu tinha um aparelho de CD caseiro, de quarto, eu trouxe meu aparelho, coloquei em cima da minha mesa, puxei o microfone para perto e falei: “Vocês vão ouvir agora o disco novo, o primeiro disco do Skank”. Pus o disco ali, colocou lá. Funcionou, não é? Então essas histórias assim... A mídia hoje, o jeito, as ferramentas são bem mais fáceis. Hoje em dia eu quero conversar com alguém, eu vou na internet e sei tudo da pessoa - aquilo que eu te falei. Então, é mais fácil você ter o conteúdo. Porque não adianta só você brincar, você tem que pôr a brincadeira dentro do conteúdo para que aquilo possa realçar a história daquela pessoa. Porque ninguém está fazendo nada por fazer, todo mundo é profissional, todo mundo está ali fazendo o melhor de si, de mim e de todos nós. Então, eu tenho o maior respeito, cara. Eu acho que, sabe... Eu sou o seguinte: quando eu não gosto do trabalho da pessoa, eu não digo nada. Entrevisto, falo, faço matéria, ponho para cima e tal, jogo no ar. Agora, quando eu gosto e que eu entendo que aquilo tem um conteúdo, que tem qualidade, eu falo: “Cara, conte comigo”. E a pessoa sente isso. Aí, quando lança o segundo disco já me liga, fala: “Está pronto o segundo, vamos lançar”. Vários discos eu tenho o prazer de lançá-los aqui. É muito bom isso.
P/1 – Eu queria lhe perguntar: você falou que tinha muitas... Ia nas boates gays, em Belo Horizonte. Como é que era essa cena na época? Como é que é hoje?
R – Olha, boate, eu nunca fui muito de boate. Ia, mas não era minha praia boate. Agora eu dei sorte, cara, porque eu, gay, de uma família completamente aberta - pai e mãe, sabe? Meu pai tinha a cabeça lá na frente, minha mãe lá na frente também, sem grilo nenhum. Eu digo que até a religião ajudou nisso, porque hoje a gente vê religiões atrapalhando a pessoa a ser o que ela é. A gente tem visto isso. Eu sou de uma família kardecista, tá? E de uma avó completamente católica, papa-hóstia. Mas o kardecismo foi que me aceitou, e meu pai, minha mãe. Minha mãe ia comprar roupas - minha avó era costureira, fazia as roupas dela - aí ela ia nas lojas comprar o pano, não é? Tinha essa onda. Quem ela levava para ajudar a escolher o pano? Eu! Era desse jeito. A cabeleireira da minha mãe era cabeleireira da TV Itacolomi, que depois virou Tupi, daqui. E aí, um dia, eu falei com a minha mãe assim “Olha, eu acho que a Teresa...” - que era a cabeleireira - “ela podia me levar na televisão para eu conhecer lá, para eu ver lá”. Minha mãe já ajeitou tudo, no dia seguinte eu já estava na televisão. Aí eu ia toda hora, sabe? Precisava de um menininho para sortear o programa ao vivo - naquela época não tinha VT, não tinha nada - precisava de um menino que estava lá para sortear o patrocinador lá para os meninos ganharem um prêmio, quem é que ia sortear? Eu. Então, a minha vida, eles dando força e eu fazendo as coisas, eu gostando de fazer aquilo. Eu fazia clubinho em casa, no quintal; via um programa de televisão, fazia na rua para os meninos. Fazia corrida de bicicleta, desenhava uma Taça como se fosse a Taça Jules Rimet, que não tinha nada a ver com bicicleta, mas dava para quem dava três voltas e chegava primeiro. Agitava. As pessoas falavam: “Tutti, você é comunicador e agitador cultural”. E é verdade. Eu sempre fui. Sempre gostei, sabe? Então essa coisa de ser gay, para mim... Nunca tive problema. Nunca. Com família, com nada. E veja bem, eu entro para a rádio, gay, só tinha homem com voz de homem, não é? E eu entrei e estou até hoje, as pessoas foram aceitando. E bom... Problema nenhum. Eu vejo, é triste... Claro que eu sinto nos olhares, às vezes, pessoas de preconceito, que têm preconceito. Mas, cara, eu tento... É muito engraçado, eu tenho uma história... Um vizinho... Eu mudei para um prédio e tinha um vizinho careta - careta total. Eu encontrava com ele na garagem, cumprimentava e ele não me cumprimentava. E eu sacava as histórias dele, machão... Você sabe que eu fui insistindo e fui insistindo, encontrava com ele e falava: “E aí?” Ele não respondia. No final, virou meu melhor amigo do prédio, você acredita? Assim, sabe? Então, eu acho que as pessoas... O preconceito, você tem que não ser contra elas, ter a reação que elas têm, de rejeição, de intolerância, pelo contrário, eu tenho a maior tolerância. Eu chego, vejo, às vezes... Chego num caixa de banco ou de supermercado, aí a moça é de uma igreja que acha que gay é capeta, que eles falam sei lá o quê. Eu sinto no olhar dela, mas eu te garanto, se ela continuar ali, a terceira vez que for ali, ela já ficou minha amiguinha. Eu já contei história para ela, já falei uma bobagem e ela riu, a de trás riu, e sabe como? Claro, claro. Eu vim para divertir cara, eu vim para divertir e fazer isso. Eu acho que a minha missão é essa, sabe? E tem outro lá também, como tudo tem dois lados. Eu descobri com o tempo que assim... As pessoas faziam festa, mas eu era a festa. Se eu não fosse, não tinha festa. Porque eu chegava e agitava tudo, aumentava o som, levava um disco novo, saca? Tem isso também. Às vezes é convidado, mas para você ser a festa (risos). Mas tudo bem também.
P/1 – Agora me diz uma coisa, você é atleticano?
R – Galo! Minha família toda. Eu tenho um irmão que é tão Galo, que um dia o Galo perdeu um pênalti, ele estava ouvindo no carro, bateu o carro, descontrolou, para você ter uma ideia (risos). Porque aqui é assim: é Galo e Cruzeiro, em BH. E América-MG. Mas eu sou Galo desde menino. Família, família, não é? E nasci num bairro que é do Cruzeiro. O Barro Preto, onde eu nasci, é onde tinha a sede do Cruzeiro Esporte Clube. Nadava lá, inclusive. Nadei de concorrer, medalhas e tudo. Nadava lá no Cruzeiro e era atleticano (risos).
P/1 – Que jogo que você se lembra mais? Teve algum momento mais marcante que você passou com o Galo?
R – Nossa, tem vários, maravilhosos. Ah, mas não lembro, assim.
P/1 – Não lembra...
R – Não. Mas eu fui muito em campo, fui muito. Eu lembro da inauguração do Mineirão, eu tinha 15 anos. Um tio, irmão do meu pai, era engenheiro e foi com a gente. Eu me lembro bem dele, porque com 15 anos - 15 anos, antigamente, era hoje oito anos, vamos pensar assim, era aquele meninão - e o Mineirão lotado na inauguração, eram 100 mil pessoas. E o povo pulando, a... Como é que chama?
P/1 – Arquibancada?
R – Eu ia falar plateia... Arquibancada. A arquibancada balançava, cara. Aí eu arregalei o olho e meu tio veio e me abraçou, falou: “Não, não precisa ficar com medo não, é assim mesmo, tem essa folga por isso mesmo, para balançar”. Eu lembro disso também, sabe, umas coisas, assim. A Baixinha, Elis, era Corinthians e eu vi final Corinthians e Galo com ela lá em São Paulo, brigamos nós dois, na frente da televisão (risos). Fomos uma vez num show de Gal, cara... Qual foi o teatro lá em São Paulo? Não lembro o nome do teatro... Bom, e era dia de jogo Galo e Corinthians também. Pois nós saímos correndo do show, chegamos em casa já tinha acabado o jogo e a gente queria saber o resultado, porque não tinha internet, não tinha telefone celular, não tinha isso, eram outros tempos. Era divertido.
P/1 – E me diz uma coisa... Você me falou que estava com 70 anos?
R – Vou fazer 70. Eu sou de 1950, sou de fevereiro de 1950. Daqui a cinco meses... Seis meses, quase 70.
P/1 – E o que você acha disso?
R – Eu acho tudo engraçado. A idade cronológica, eu olho no papel e falo assim... Cara, eu não tenho isso. Cada dia eu tenho uma idade. Quando eu estou apaixonado, quando estou com tesão, eu tenho 18, 15, entendeu? 20. Eu sempre estou, não é? Então isso ajuda. Eu quando era menino, minha avó por parte de mãe, eu tive muitos tios, e aí eu me lembro do tio mais velho, eu tinha dez anos, ele tinha 30. Ele trabalhava em banco e ia trabalhar de terno e gravata. E assim... A gente morava no meu bairro, minha avó aqui no quarteirão, minha mãe aqui, ele aqui. Aí, a gente via ele indo para o trabalho, eu ficava olhando para o meu tio e falava: "Gente, eu, quando tiver 30 anos, vou ficar careta igual ao meu tio? Usando terno e sério desse jeito? Ah, não, quero não". Eu falava isso, eles contam. Eu não queria, achava aquilo careta. Outro dia, eu vi Fernanda Montenegro, querida Fernanda, dizendo que os 70 hoje são os 50 de antigamente. E eu acho que sim, acho que sim. Quando eu fiz 50 anos, meus amigos se reuniram e fizeram uma festa para mim, num lugar fechado, no Lapa Multishow, que é uma casa de shows. E sabe quem tocou? Pato Fu, Tia Nastácia, e foram chegando amigos músicos, tocando. E tudo amigo, sabe? Chegado. E aí eu falava: “Gente, então, agora, eu vou começar a envelhecer? Com 50 anos”. Que nada! Coisa nenhuma! Não adiantou nada fazer 50 anos. Porque todo mundo que tinha naquela época, falava: “Cinquenta anos já é uma pessoa mais de idade, vai entrar na terceira idade daqui a pouco”. Não aconteceu nada. Aconteceu uma coisa que eu outro dia comentei, aos 65. Eu liguei o dane-se, assim, um pouquinho mais forte. Por quê? Por quê? Porque você começa a se preocupar com o que, realmente, você tem que se preocupar e dar valor. Quando eu tive essa responsa de fazer as coisas, e é por aí. O resto com que eu me preocupava, dane-se, desliguei um pouco e chutei o pau da barraca de muita coisa. Eu falei: “Gente, estou com 65 anos, vou ter que ficar provando agora as coisas? Não vou. Não vou mais”. Eu gosto é disso, gosto é do Galo, gosto é dessa cor, gosto de comer assim, sou natureba, entendeu? Então, pronto! Eu não vou provar mais nada. Eu sou isso. A idade me fez sacar isso, aos 65, eu acho. Me deu um clique e eu falei: “Epa!”. Já tem quatro anos que ficou mais divertido, entendeu? (risos)
P/1 – E parece que a cidade está numa época muito interessante culturalmente, não é?
R – Belo Horizonte?
P/1 – É.
R – É, já teve períodos melhores, eu acho, sabe?. Mas está, continuando... Eu acho que a gente, a minha geração, principalmente, nós abrimos portas no murro, no tapa, para que acontecesse o que acontece hoje, entendeu? Eu acho. Eu fui com uma amiga... Fomos os primeiros, cara, a fazer uma grande festa, hoje pode chamar de rave não sei o quê, uma noite, em Belo Horizonte. Olha o que nós fizemos. Eu falei: "Belo Horizonte está precisando de uma festa". Como eu comecei a fazer produção, fazia produção de shows, eu sabia os canais de divulgação, onde que, realmente, o povo ficava sabendo daquela história e tal. E falei para minha amiga: "Vamos fazer uma festa bem grande e convidar a cidade inteira". Ela topou, eu falei: "Então vamos fazer". Aí, criamos a festa Aeroporto, por causa do filme Aeroporto. Lembra daquele filme que teve? Aquela bobagem. Aí fizemos uma festa no aeroporto daqui, o aeroporto de avião de pequeno porte, porque meu pai mexeu com aviação, meu pai conhecia todo mundo. Aí eu falei: “Tudo a ver”. Falei com ele: "Olha, eu precisava daquele espaço, aquele andar, para fazer uma grande festa, será que você consegue?" Ele falou: "Vou ver". Conseguiu, claro. E aí o que a gente fez? Decoramos. Fui na VASP, na época conhecia o gerente da VASP aqui, falei: "Olha, eu preciso de roupa de aeromoça e de comissário de bordo". Fiz o ingresso, era um ticket de embarque. Ficamos na porta, eu de comissário, ela de aeromoça, falando: “Lado direito para não fumantes e para os fumantes, lado esquerdo, também para fumantes”. Os dois lados podia fumar, entendeu? E colocamos num telão enorme, que as pessoas não conheciam isso de vídeo, editamos pedaços de filmes só de aviões, sabe? Que tinha cenas de aviões. E ficou passando aquilo lá. Música maravilhosa, porque chamamos um DJ amigo - ele não era DJ, mas gostava de música, de rock, pau na lata. Convidamos um carioca, que a gente ficou sabendo que ele tinha uma asa delta naquela época, para ele trazer a asa-delta, e colocamos em cima do hangar a asa-delta. Sabe essas coisas bem trabalhadas, assim, o tema? E foi considerada a primeira grande festa de Belo Horizonte em lugares assim, inusitados, entendeu? Fomos nós que fizemos. E aí claro que eu fui em tudo: na mídia, televisão, rádio, divulgar essas coisas. E lotou. Lotou. Foi uma noite... Tem gente que fala: "Cara, aquela festa foi uma das melhores festas de Belo Horizonte”. Foi mesmo.
P/1 – Você tem algum sonho hoje?
R – Eu tenho sonhos maravilhosos, mas são impróprios (risos). Eu vou no sonho até o final, tá? Não corto não... Sonho hoje? Cara, eu já tive, de ter a casa própria - eu não tenho a minha casa. E aí, uma época, eu quis comprar, tinha uma graninha, falei: “Vou comprar, vou comprar, vou comprar”. Não rolou. A menina que eu ia comprar desistiu de vender, me deu uma canseira. E hoje meus amigos falam: “Tutti, você vai fazer 70 anos, para que comprar apartamento? Pega esse dinheiro e vai viajar”. É o que eu tenho feito mais. “Vai rodar, troca de carro”. O que eu fiz agora. Eu sou econômico, não sou pão- duro, sou econômico. Eu vivo bem, com pouco. Faço meu arroz integral, minhas coisinhas. Não sou gastador, não sou consumista. Sonho? Não. Meu sonho é ver este país cada vez mais livre, as pessoas mais livres, produzindo mais na área cultural. Esse é o sonho que eu sempre tive. De ajudá-las a fazer isso, é o que eu tento. E eu sinto, eu brinco com eles, quando eles passam por aqui, pelo programa, eu falo: “Minha parte nesse latifúndio está feita, foi divulgar”. E se você quiser uma pessoa para divulgar bem, com força, eu faço. Numa boa, numa boa mesmo. Agora, se quiser que eu fale mal, eu não faço; aí não, não topo, falo: “Não. Não”. E gosto não se discute, lamenta-se. Eu posso não gostar, você pode adorar. Agora, eu tenho um ouvido danado. Me formei na escola Elis Regina, não é? (risos). Ouvi muita coisa que conheci na música, foi ela que me aplicou, e eu trabalho com música. Minha profissão é essa: música, cultura, teatro, livro. Então, sonho, sonho, não. É isso mesmo. Só ver todo mundo feliz. Não gosto de depressão, eu quando fico triste... Eu tenho tido, ultimamente, com a situação em que a gente vive, tem horas que eu me pego para baixo, mas eu te falo a verdade: quando estou para baixo, eu fico quieto e daqui o que... Umas três horas eu já tento fazer uma coisa diferente, resolver isso, porque eu acho que é por aí, sabe? Quando você fica muito triste, você fica menos criativo e eu tenho um programa diário ao vivo, eu não posso... E quando eu entro no estúdio - é isso que eu estava te falando - posso estar mal, posso estar ruim, entro no estúdio, “No ar”, pronto! Me dá uma luz, uma coisa, que é bom, entendeu? É bom.
P/1 – Para você, que entrevista tanta gente, como é que é contar um pouco sua história?
R – É horrível (risos). Eu adoro entrevistar, mas ser entrevistado... Porque eu tenho aquele problema, eu esqueço. Aí, de noite, eu vou lembrar da sua pergunta e falar “Eu deveria ter contado aquele caso e contei outro”, entendeu? Eu tenho um amigo, foi meu produtor anos, mais de dez anos, o Pacífico, ele brinca comigo - porque ele sabe muito de mim - ele fala assim: “Você tem que lançar dois livros: um em vida e um depois que você morrer, tá? Que a gente relança” De tantas histórias, não é? Mas não, eu não penso isso não. Eu vou levando a vida, assim. E tudo vem na minha vida, sabe? Eu tenho histórias que eu estou em Portugal, assisto um show, vou ao Festival do Fado, aí fui ao Festival do Fado, shows uns atrás do outro, estou lá vendo o show, aí entra uma cantora chamada Carminho, eu olho, ouço ela cantar e falo: “Cara, que menina maravilhosa, canta muito”. Acabou o show, vou embora, fui jantar com uns amigos e tal, passa um ano, meu produtor fala assim: “Olha, ligou o produtor de uma cantora portuguesa chamada Carminho, ela vem a Belo Horizonte, quer vir no programa” Falei: “Eu não acredito”. Sabe essas coisas? Eu acho que energia você puxa, não é? Aí, ela sabe disso. Carminho veio e aí, pronto, eu falava: “É isso... Você veio só para eu lhe falar que eu adorei você, adoro seu trabalho”. Eu encho a bola da pessoa, porque eu acho que é por aí, é encher a bola quando você gosta. Eu falo que homenagens, eu sou igual a Dercy Gonçalves, quer fazer homenagem para mim? Faz em vida. Então eu faço em vida. Neguinho chega aqui, fica até sem graça, quando eu gosto do disco, do trabalho dele, eu encho a bola mesmo. Falo: “Cara, esse disco seu é maravilhoso. Que é isso? Esse arranjo que você fez...”, sabe? Falo, falo mesmo. E é bom você falar, para massagear o ego da pessoa. Vai ver que alguém entendeu aquilo que ele fez, não é? Então tem que ser em vida (risos).
P/1 – Obrigado!
R – Obrigado a vocês!
P/1 – Queria ter ficado mais horas com você, mas...
R – Fica aqui uma semana, que a gente fala (risos). Obrigado mesmo!
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