A princípio eu pensava em relatar mais do que uma simples história, uma obra de ficção onde eu pudesse criar ou, com um pouco de competência e criatividade, arranjar as palavras de forma harmoniosa. Tentar imprimir uma intensidade emocional ao texto. Todavia, isso requer amplo domínio literár...Continuar leitura
A princípio eu pensava em relatar mais do que uma simples história, uma obra de ficção onde eu pudesse criar ou, com um pouco de competência e criatividade, arranjar as palavras de forma harmoniosa. Tentar imprimir uma intensidade emocional ao texto. Todavia, isso requer amplo domínio literário e um estilo especial que não possuo. A própria oportunidade da narrativa que começo a esboçar, já é pôr si mesma emocionante e alegre o suficiente para transmitir as gerações vindouras e a vocês, meus amigos, essa sensacional alegria de poder compartilhar as minhas idéias e memórias de um passado não muito distante. Começo esta história falando de meus antepassados, ou seja, o avô paterno e o avô materno. Nos idos de 1932... numa pequena cidade chamada Lagoa de Pedra, onde meu avô paterno ajudou a construir, ruas de areia (aquela, de praia) tanto brinquei nas minhas férias escolares.
Depois enveredo pelo universo paterno; falo de papai e mamãe, conto a história deles, como se conheceram; um pouco do momento e das dificuldades passadas, até a transferência para o Recife.
Falo também do período em que eles se conheceram, que coincidiu com a Segunda Guerra. Também recordo o período em que nascia minha irmã Oneide, posteriormente eles viriam todos para a cidade de Recife.
Recife me apaixona, e me faz recordar dos momentos da infância, dos lugares onde passei a maior parte daquele tempo inesquecível, a Vila São Miguel. O ambiente saudável e sem violência, ao contrário dos dias atuais, em que nós podíamos, enquanto crianças, jogar bola na esquina sem sermos importunados, pegar canários da terra na campina ampla, empinar papagaios, desfrutar de uma meninice inigualável.
Vivemos um mundo em que, nem sempre paramos para uma reflexão, uma análise de nossa vida, do nosso relacionamento com o próximo e com as questões existenciais. É isso que procurei fazer nesse trecho da minha história, um encontro com meu "Eu" interior.
A declaração de amor que faço a minha mulher é algo que vem de dentro do meu coração, do meu íntimo; quero deixar claro, para todo o mundo ouvir.
Após essa fase da história, uma dedicação à Marinha do Brasil, minha segunda casa, meu trabalho e onde vivi momentos de pura emoção desde os meus dezessete anos.
A parte seguinte constitui um prólogo deste trabalho de memória a que me dediquei neste último ano. Trata-se de um contato direto com a evolução tecnológica, com a Internet, com o novo tempo do conhecimento, da competição, das relações pessoais no ambiente de trabalho, com os amigos e com os conflitos existenciais. As ansiedades provocadas pelo novo estilo de vida moderno me levaram a ter uma visão de mundo muito mais criteriosa, e a pensar realmente em um retorno ao passado, à busca da verdade e do conhecimento. Será que passamos a vida toda, correndo em busca do sucesso e só depois de tantos anos percebemos que ele está, em verdade, dentro de nós?
As minhas respostas são dadas no capítulo final desta minha história.
Somente você mesmo terá condições de encontrar as respostas para suas dúvidas.
Procuro atingir dois objetivos: deixar uma marca nesta vida para o futuro leitor deste site e registrar o legado da nossa família e das pessoas que fizeram parte da minha vida, pois acredito que passei pôr ela a fim de cumprir uma missão. Missão cumprida.
Avô paterno
Segundo informação do meu próprio pai, em conversas particulares na minha adolescência, meu nome é uma aberta homenagem à memória do falecido Francisco Tomaz.
Meu avô foi um homem de posses. Na genealogia que doravante começo a descrever ele ocupa o primeiro lugar de uma família tradicional do sertão do Rio Grande do Norte.
Características de todo homem sertanejo, o amor pela família, pela tradição, pelos mais nobres valores morais e religiosos estavam presentes também no temperamento seu.
O "Coronel" Francisco Tomaz criou sua reputação lá para as bandas de Santo Antônio, Lagoa Salgada e São José a custo do cultivo da terra, da criação de bovinos e do seu peculiar interesse pelas causas sociais e do seu povo. Fazia questão de certificar-se do bem estar de seus capatazes, criados e pessoas sob sua tutela, gente cuja confiança era sempre adquirida pela sua liderança, pelo zelo e atenção dados ao seu povo. Tais pessoas o ajudavam a implementar o mais perfeito patrimônio que o ser humano pode cultivar e manter ao longo do tempo: a dignidade através do trabalho e do crescimento pessoal. Assim acompanhou o crescimento de seu povo e das terras de sua região.
Falecido em 1945, aos 74 anos de idade, não viu sua terra propriamente dita completamente emancipada, pois somente em 1963, "Lagoa de Pedra" passaria a município. Mas, a sua atuação foi uma constante em toda a região. Foi prefeito em Santo Antônio durante dois períodos. Plantador de algodão e criador, importou vários equipamentos da Europa entre os quais a primeira máquina de descaroçar algodão e foi dele também o primeiro "Ford" daquelas bandas.
Tinha ele um particular gosto em especial: era conhecida a fragrância dos seus perfumes importados. Nas porteiras que passava, deixava a sua marca revelada no perfume que usava. Homem de muitas mulheres, não se contentava com apenas uma família, coisa típica dos "coronéis". Tais pessoas adquiriam esse título em troca de uma boa soma de dinheiro, na década de trinta em diante e que culminou com a ascensão de vários deles no comando político nacional. Meu velho pai, hoje com 81 anos, descendente desse ramo de uma das famílias do velho Coronel Francisco Tomaz se orgulhava ao ponto de homenageá-lo em 1 de maio de 1962, colocando o nome desse coronel no seu primeiro e único filho homem: Francisco Roberto Pinheiro Tomaz.
A figura do Coronel Francisco Tomaz ainda hoje é lembrada saudosamente em Lagoa de Pedra. Papai, já com o peso de seus oitenta e um anos, desfruta do privilégio de uma aposentadoria confortável originária do Exército brasileiro cujas fileiras estavam lotadas de gente daquela região durante o período mais árduo e cruel de nossa história: a Segunda Guerra Mundial.
Avô materno
Francisco Pinheiro e Gersina eram meus avós paternos, sendo ele carpinteiro e ela dona de casa. Meu pai contava a respeito do meu avô as suas virtudes, muito apreciadas pela gente simples do Rio Grande do Norte. A generosidade, o calor humano, a piedade e comoção pelos seus semelhantes. Eles eram gente religiosa, que, fazendo o bem ao próximo sem olhar a quem, cumpriam o mandamento sagrado do amor.
Religiosa ao extremo, minha avó era daquelas mulheres acostumadas a rezar o terço ao meio dia e a noitinha, diariamente. O rosário, instrumento de sua companhia constante também nas missas dominicais, nas novenas, completava o "kit" religioso completo, juntamente com o véu tradicional, preto.
As coisas das quais me recordo acerca de vovó Gersina, a quem eu chamava de "mamãe Gersina" na inocência dos meus quatro ou cinco anos de idade, remontam ao tempo em que morávamos na Rua do Bom Gosto nº70, Afogados, Recife. De lá vêm as primeiras lembranças de minha infância. Recordo-me de meu padrinho Cipriano e de minha madrinha Eliza, sua irmã. Com mamãe Gersina; padrinho Cipriano e madrinha Eliza, que todos nós chamávamos de Neném, morávamos todos sob o mesmo teto, na sua residência, enquanto era realizada uma reforma na nossa casa na Vila São Miguel.
Vez ou outra, no meio das noites insones, tenho as recordações de meu padrinho e de Neném, pessoas cuja simpatia, bondade, encantamento e bom trato no relacionamento comigo, deixaram marcas profundas no meu coração e na minha mente, um casal amigo. Que Deus, em sua extrema perfeição, possa ter recompensado a ambos com o gozo eterno da paz.
Em troca de meu sorriso de gratidão meu padrinho patrocinava as idas à seção de brinquedos numa loja conhecida no Largo da Paz. Conhecida era a loja e conhecidos éramos nós, eu e ele, pelos recepcionistas do departamento de brinquedos. Eles diziam: lá vem o velho e o menino. Dada a nossa freqüência no local, quando não íamos comprar efetivamente, íamos apenas olhar e escolher o brinquedo do próximo mês, após pagamento da aposentadoria de meu padrinho. Obrigado, meu querido mestre, tu me ensinaste uma mensagem maravilhosa de amor à vida e as crianças, tu me ensinaste também a gostar de ler, e meu costume de visitar bibliotecas adquiri com você. Todas essas três personagens já partiram do bonde da vida, desceram numa estação e nós continuamos a viagem até o amanhã.
Neném era graciosa, elegante, orgulhosa. Não perdia o hábito de ir se confessar aos sábados à tarde. Vez ou outra me levava consigo. Foi por conta dela que tive minhas primeiras iniciações na religião católica. Aos 11 anos fiz minha primeira comunhão na paróquia de Nossa Senhora da Paz. A catequese foi um dos momentos especiais. Inesquecível.
Neném e padrinho formavam o casal mais puro e correto que já vi em minha vida.
Ele era bem-humorado, gentil... Ela, religiosa e honrada, orgulhosa, sensível ao mais tênue sinal de hipocrisia e falsidade, isso era particularmente uma coisa que não tolerava nas relações pessoais, de certa forma, como todos os seres humanos, tinham lá seus defeitos.
O que deviam à pureza da alma em razão do orgulho, pagava às pessoas com generosidade e bondade. Padrinho Cipriano faleceu com fortes crises de nervos. As crises provocavam contrações e dores terríveis na juntas das pernas, nas mãos e no corpo todo. Quando ele morreu foi triste.
Fizemos o velório na sala, as portas abertas à noite toda... Eu, inocente, no outro dia ainda, mesmo sem querer acreditar, aceitei o convite para passear no cais do porto de Recife, artifício idealizado para que eu não presenciasse a saída. A viúva iria a partir de então morar com a gente na Vila São Miguel. A casa da Rua Bom Gosto fora alugada e Neném vivia desse rendimento.
Segunda Guerra Mundial - papai e mamãe
O ano de 1945 foi crucial para o povo brasileiro e particularmente inesquecível para as guarnições militares sediadas no Rio Grande do Norte. Nesse território extremo do litoral brasileiro, concentraram-se soldados americanos e brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial. Foi em meio a este clima quase cinematográfico, de conflito externo, que papai e mamãe se conheceram e a partir daí caminharam juntos nesta longa jornada da vida. Manoel T. Sobrinho e Ozelita Pinheiro Tomaz juntariam, além de seus próprios sentimentos e sonhos, seu destino e suas paixões numa vida dedicada um ao outro que já dura mais de cinqüenta anos.
Papai deixou a convivência da família Tomaz, do algodão, das fazendas de Lagoa Salgada, Santo Antônio e foi se dedicar ao trabalho na capital, no comércio de tecidos com o seu tio Jóca. Aos 21 anos, chamado ao alistamento militar, incorporou-se ao Batalhão de Caçadores do E.B. São inúmeras história que tive e ainda tenho o privilégio de ouvir de papai sobre esse período. Papai era o Cabo armeiro, responsável pelo armamento e, como aconteceu diversas vezes, escapou a inquéritos porque os soldados perdiam os fuzis nas entradas ao mar aberto com os escaleres.
A vida na caserna revelou-se a ele através de momentos inesquecíveis. No caso particular de papai, a carga emocional era grande em virtude de ser uma situação real, motivava temores e apreensões individuais pela situação beligerante entre as potências militares do velho continente. Enquanto a situação do país se manteve neutra, esperava-se, segundo seu próprio testemunho, uma solução pacífica. Mas, o clima evoluiu a cada dia, a cada semana.
Papai foi retirado de formatura em função de seu físico pequenino, duas vezes. Esses mesmos homens que estavam ao seu lado na inspeção realizada pessoalmente pelo General Mascarenhas de Morais e que foram junto no primeiro contingente foram mortos pelo fogo alemão em terras italianas e quase ninguém escapou.
Felizmente, meu pai ficou em missão na retaguarda, na vigilância das praias do litoral de Macau e Natal. Foi nesse cenário que ele conheceu minha mãe em frente à igreja central de Macau.
Cidade litorânea, rica em salinas, vila de pescadores cheios de relatos mirabolantes. Contavam eles, alarmados, que viam luzes de submarinos, e por isso a tropa era obrigada a guarnecer escaleres e fazer-se ao mar. Eles eram homens de terra firme e como tal, enjoavam no balanço do mar, deixavam cair o armamento na água. O desconforto das praias, o sol, o sal, nada o fez fugir daquela região e das missões pela pátria. Quando a guerra acabou, ainda deu conta do armamento todo, não sem a condescendência de seus superiores.
A dispensa das fileiras da caserna como reservista chegou junto com a real vontade de abandonar tudo para seguir adiante como comerciante, autônomo, ajudando o velho carpinteiro Francisco, casando-se com mamãe.
Atualmente, papai está gozando dos benefícios do soldo de Primeiro - Tenente reformado. O benefício foi outorgado a todos os soldados alistados no Exército naquele período.
Em toda a minha vida, e isso é algo do qual sempre me orgulhei, nunca vi meu pai desempregado ou em situação difícil. Mas, vivíamos limitados ao mínimo necessário para viver dignamente. Lembro-me de um período, quando não tínhamos ainda a televisão, eu ia assistir aos filmes na casa de Vacilick, uma amiguinha de infância, que juntamente com sua irmã Esmarulha, moravam na Rua do Bom Gosto em frente da nossa casa.
Minha irmã
Antes do meu nascimento nasceu Neidinha, em 10 de janeiro de 1945, em pleno desenrolar da 2º guerra mundial. Papai fazia tudo por ela, a primeira filha, que era também muito querida dos Pinheiros, mas especificamente do meu avô, que adorava as duas, ela e mamãe.
Papai, ao chegar da labuta diária encontrou certo dia a casa cheia, rebuliço descomunal. Era a morte do seu Francisco Pinheiro. Esse acontecimento motivou a todos a deixar aquelas terras para trás, deixar o Rio Grande do Norte com destino a Recife-PE. Papai ia a procura de trabalho.
Antes de chegar à empresa Pinheiro, porém, trabalhou na Sambra. Foi nesse período em que estabeleceu residência na Rua 21 de abril, ainda não tínhamos casa própria nessa ocasião. Diante desse quadro, que não chegaria a ser aterrador, pois as conquistas obtidas pela classe trabalhadora, advindas da era Getúlio Vargas promoveram grande melhoria nas condições sociais vigentes até então.
Antônio Pinheiro ofereceu uma oportunidade de trabalho para papai, que deixava a Sambra para se empenhar nas atividades administrativas na garagem da empresa de transporte da família. Em 1º de maio de 1962, mamãe estava na maternidade São João da Escócia, em Tijipió dando a luz a seu primeiro filho homem: eu. Antes disso nasceu uma menina, chamada "moreninha" não sobreviveu e por isso papai até hoje chora lembrando daquela menina que seria minha irmã mais velha depois de Neidinha. Um mal estar na criança, uma fraqueza e a morte prematura de alguém que não chegou nem mesmo a ter seu registro.
O casamento com papai já dura quase 45 anos, dos quais 40 legalizados pela certidão civil. Esse legado de entrega e dedicação aos filhos nos proporcionou uma honra e privilégio que poucos possuem na realidade do nosso mundo atual. Imagino a conjuntura deste final de século e não consigo focalizar algum tipo de relação tão duradoura de consistência tão admirável quanto a que mamãe nos legou com seu exemplo a todos nós. Hoje, quando os relacionamentos são deveras superficiais, é fácil colocar a carga das responsabilidades dos infortúnios nos ombros do parceiro.
Até mesmo o casamento como instituição absoluta e divina está perdendo o lugar para as relações impensadas e para a superficialidade das separações, tudo passou a ser justificado pela incompatibilidade de gênios, pela intolerância de conciliar uma relação que a princípio espera-se ser estabelecida sob a égide do amor e da paz e sob as benções do Senhor. O casamento é indissolúvel, deste modo aprendi e tento, muitas vezes resistir às tentações de colocar sobre os ombros da minha própria esposa a responsabilidade dos atos cujas noites insones fico tanto a pensar e, resignado, volto a buscar o meio de encontrar uma solução. Certamente volta a minha memória para o exemplo e o legado deixado pelo casal que me ensinou para sempre os primeiros passos, antes de tudo, pelas suas atitudes e ações.
Isso foi um exemplo que sempre nos uniu muito. Eu e minha irmã Neidinha sempre unidos e seguindo as orientações e o exemplo de humildade herdados dos nossos pais.
A Vila São Miguel
Um dos períodos marcantes de minha vida foi o período em que vivi na Vila São Miguel. Localizada no bairro de Afogados, no Recife, não era esse lugar o que podemos chamar de um bairro nobre. Localizado na periferia do grande Recife, cheio de ruas de barro, campinas, marés e viveiros de peixes.
Esses viveiros eram naturais, cercados de montes de aterro, daquele solo lamacento característico dos manguezais, apropriados para acomodação de vários espécimes de crustáceos, desde o goiamum até o aratú.
Recife nasceu de uma pequena ilha espremida entre o Rio Beberibe e o Oceano Atlântico. O nome veio do ancoradouro natural de arrecifes. Arrecifes que garantem a tranqüilidade do mar morno na praia de Boa Viagem.
A minha adolescência foi proveitosa no que diz respeito a minha liberdade. Lembrando-me deste tempo chego a admirar-me o quanto conquistei a confiança dos meus pais. Duvido muito que, com a violência desses dias atuais, papai e mamãe me deixassem fazer o que fazia naqueles tempos de meninice.
É verdade que surgiam alguns conflitos, papai gostava de me convidar para ir trabalhar no seu negócio, uma barraca no mercado de Afogados. Mas, nunca me dei com esse tipo de trabalho, naquela época queria mesmo era curtição, namoro, futebol e bater papo furado com a minha turma. Com as reduzidas participações nos negócios de papai, parcos eram os recursos disponíveis para os meus gastos, dependia totalmente de mamãe e de Neném (que nesse período ainda permanecia conosco).
Pior de tudo, essa turma de amigos da Vila São Miguel crescia junto comigo, aos 15, 16 anos de idade, um período de vida marcado pela cumplicidade de idéias, vivência afetiva, relacionamentos marcantes, que acompanha a existência de qualquer ser humano, pude participar de uma pequena sociedade de amiguinhos, de uma pequena cumplicidade de 10, 18, vinte amigos da mesma idade.
Papai, mamãe, e Neném odiavam aquela vila, achavam que não era o ambiente ideal para mim.
Eu não podia abrir mão daquilo tudo, eram meus amigos, e ali era o lugar onde eu estava morando, vivendo, sociabilizando-se para a vida. O problema maior era que aquele lugar, realmente não tinha uma boa reputação. Algumas pessoas deixavam transparecer atitudes de gente não civilizada: as mulheres da vida e os maus elementos que, se não chegavam às mazelas atuais do tráfico e do consumo de drogas, eram levados ao submundo das pequenas infrações do furto, da violência e da ociosidade.
Certamente, esse produto social já estabelecido, seria, na concepção de minha madrinha e de papai, o responsável pela minha transformação em uma pessoa marginalizada.
Até hoje, meus queridos companheiros da Vila, não me esqueço e jamais me esquecerei de vocês. Nem todos daquela patota feliz, seriam verdadeiramente brindados pela felicidade, mas, lembro, com um certo saudosismo, de todos vocês...
Lembro-me das saídas juntos à praia, dos bailes na Quinta rua, do futebol organizado pelo Evandro, da bicicleta, das meninas, também... Das coisas boas, das coisas ruins, de tudo um pouco.
Quero mandar um forte abraço para todos vocês: Dió, Déo, Zailton, Zezo, Quido, Djalma, Luciano, Val, Gal, Fernando, Alberto, Zé Carlos, Dande, e os outros que me reservarei a citar para não ocupar tanto espaço neste texto.
Eu...
Quando me encontro sozinho, pensativo, descubro-me a mim mesmo.
Cheguei à conclusão que a vida tem me proporcionado mais do que eu realmente esperava conseguir. Aos dezesseis anos, tudo o que eu queria era a certeza que o futuro me seria promissor, que me restaria uma oportunidade; uma sequer, para agarrar com unhas e dentes um trabalho com estabilidade, a fim de garantir o sucesso profissional e o sustento de minha família. Sim, isso mesmo, o sucesso profissional e o sustento da família. Imaginava-me chegando do trabalho, e encontrando alguém que pudesse me compreender, uma mulher que completasse as minhas carências.
Em 1982 acabei conhecendo uma pessoa que me pareceu maravilhosa. Rosilda. Casamos em 1984, após dois anos de um namoro e noivado relâmpagos. Mais do que isso, um relacionamento de risco, pois, nos conhecemos pôr meio de correspondência escrita. Ah Ah Ah Contando isso, ninguém acredita.
A cidade do Rio de Janeiro, o trabalho, a distância das pessoas que mais amava, como meus pais, os amigos de infância, tudo colaborou para que eu apressasse a data do casamento, para que eu pudesse ter, naquelas circunstâncias em que me encontrava, o apoio de um lar.
Primeiro de março de 1984 foi exatamente o dia do nosso casamento.
Ela, nunca tinha saído de casa; iria morar no Rio de Janeiro. Eu, nunca tinha enfrentado uma vida em comum. Para ser mais preciso, depois da saída lá de casa, tinha estado o tempo todo como um desafortunado, morando nos navios e após esse período, morando com colegas em uma vida um tanto quanto solitária, uma vida de cão.
Além de não nos conhecermos o suficiente, o ambiente de total reclusão e privação dos amigos de Recife, meus e dela, nos levariam a uma adaptação árdua e gradual diante de uma nova realidade. A realidade de uma vida solitária na cidade grande.
De certo modo, com a chegada do nosso primeiro filho, Rosilda encontraria uma ocupação maior do que a da rotina pura e simples do lar. Na época de solteira ela trabalhava na padaria do pai, ajudando-o, junto com os demais irmãos. Lá no Rio não teria muito o que fazer, não queria envolver-se com qualquer coisa que não fosse compensadora, quando realmente não necessitávamos. Considero-me um grande felizardo, casei-me com uma pessoa que é, acima de tudo uma grande "dona de casa".
Uma declaração de amor
Rosilda...
É muito bom ter conseguido conquistar seu coração, melhor ainda ter você sempre fiel ao meu lado, pôr todos esses anos.
Às vezes fico a pensar o que seria da minha vida sem você.
Você se lembra? Quando nos conhecemos, eu estava no Rio de Janeiro, em 1981, e você em Recife. Marcamos um encontro pôr telefone e tudo parecia aos meus olhos, uma grande brincadeira. Achei maravilhosos os dias que juntos passamos em janeiro de 1981, nas minhas férias, e mais maravilhoso ainda o fato de tê-la conhecido.
Sr. Gilson e dona Josefa, carinhosamente chamada de dona Zezé, criaram a todos vocês debaixo de uma sólida formação religiosa e de princípios morais que muito me impressionou.
Nossos filhos são pessoas extremamente carinhosas, nós dois conseguimos transmitir esse recado com o exercício diário da paciência, da compreensão, do bem querer seguro e da boa vontade durante mais de 17 anos.
Você facilitou a minha vida tão distante dos meus pais... E eu facilitei a sua também, pois, imagina: estar tão distante da sua família com uma pessoa que conhecia em tão curto espaço de tempo.
Acho, sempre achei, que foi muita coragem de nossa parte, não? Em 01 de março de 1984, casamos depois de apenas dois anos de relacionamento à distância, só mesmo muita confiança mútua, amor e a benção de Deus para nos proteger de todos os males advindos desta época tão conturbada. Nós passamos, é bem verdade, muitos momentos de provações, de incertezas, de tristezas, desencontros, e até de lágrimas.
Nunca escondi de você que sempre a percebi com muito mais coragem, bondade, simplicidade das pessoas justas, sinceras, humildes. Eu, pelo contrário, sempre estive com a iniciativa, com o trabalho árduo da rotina diária, das exposições ao mundo exterior, o cansaço físico da vida urbana do Rio de Janeiro onde nos tempos em que morávamos em Campo Grande, saía de casa às 05:00h da manhã e só retornava às 18:00. Quando eu viajava, é claro, você assumia tudo e resolvia tudo.
Aos 27 anos, tardiamente, consegui iniciar meus estudos da faculdade de história, graças a sua participação, ao apoio dado a mim, para que tudo corresse em paz no nosso lar, para obtermos a tranqüilidade necessária a concentrar-me naqueles esforços do estudo à noite. Muitas vezes cheguei em casa às 22:40, após um exaustivo dia de trabalho, e você já estava até dormindo com o Fabinho.
O período mais difícil da minha vida.
Conseguimos juntos suportar as exigências desse período.
Marinha do Brasil - Uma lição de vida
Tenho boas lembranças da caserna. Neste lugar vivo e dele consigo obter motivação, serenidade e segurança para levar adiante uma vida que, aparentemente árdua e ingrata é prazerosa. Diferentemente das atividades enfrentadas no meio civil, a vivência do profissional militar está intrinsecamente relacionada à disciplina e à hierarquia. Lá, naquela Escola de Aprendizes Marinheiros de Pernambuco, no longínquo ano de 1979, aprendi a ser mais honesto e rigoroso comigo mesmo e com os meus semelhantes.
É verdade que, perdi alguns valores adquiridos na época da minha juventude e adolescência, fiquei mais esperto do que antes, aprendi a não confiar demasiadamente nas pessoas.
Encontramos naquele ambiente hostil invariavelmente, delinqüência, agressividade, e também coisas admiráveis provenientes do elemento humano. Uma turma de 300 homens oriundos dos mais variados rincões dos quatro quantos deste imenso território não poderia ter homogeneidade de valores. Isto mesmo. Não há melhor palavra para descrever o que eu senti no momento em que entrei para a Marinha do Brasil: liberdade.
Uma liberdade de escolha, de poder ter condições e a chance de optar, de escolher, de lutar pelo meu próprio caminho, pelas suas próprias realizações, frustrações, alegrias, emoções. E acho que venci.
Alguns dias atrás eu estava a imaginar se valeu a pena, e cheguei a conclusão que faria tudo outra vez.
Adoraria poder vislumbrar novamente aquele gramado do campo de futebol da Escola de Aprendizes Marinheiros de Pernambuco. Adoraria sentir aquele cheiro de mato verde cortado, aquela fragrância do mar, no braço de terra transformado em cais de escaler. Sentir o gosto do café matinal na companhia de tantos outros jovens que, como eu, sentia o prazer de desbravar todas aquelas novidades.
Antes de ir para a Marinha, quase não tinha a preocupação em forrar a minha cama, em organizar o quarto, em horários para fazer as refeições, e lá tive que me adaptar a todas essas situações novas.
O quartel da Marinha era vistoso, arrumado, lindo e organizado em todos os aspectos. Tempos idos, sentíamos, mais do que hoje, orgulho em envergar a farda branquinha de gola azul. A juventude transparece algo além do deslumbramento natural. A juventude é, em si mesma, beleza na imaginação e na realidade. Aquilo que conseguimos ver com os olhos da juventude vemos superficialmente, e tudo o que conhecemos superficialmente nos parece muito mais atraente.
Assim era também a Marinha do Brasil.
E a Marinha me ensinou a ser homem, com todos os seus defeitos e todas as suas virtudes. Conheci muitos mundos e submundos. Sofri, chorei, sorri, brinquei, bati, levei, e cheguei à conclusão que a vida militar é como qualquer outra vida, com a diferença que nem sempre é valorizada como ela merece. O que vemos é um descaso, de parte da mídia e, conseqüentemente, da sociedade menos esclarecida, para com o entendimento da importância da nossa missão de defender a pátria, se preciso for, até com o sacrifício da própria vida.
Dias atuais... perspectivas, futuro
A cidade de Vila Velha, no Espírito Santo, é o lugar mais tranqüilo e agradável para se viver no Brasil, essa é a conclusão a que cheguei após ter vivido cerca de 18 anos no Rio de Janeiro. Chegamos aqui em 1997, mais precisamente no mês de agosto, para assumir a função de instrutor de Armamento e professor de História Naval na Escola de Aprendizes Marinheiros do Espírito Santo. Em todo Brasil existem quatro escolas de Aprendizes Marinheiros, estando as outras duas no estado do Ceará e em Santa Catarina.
A princípio, estando tantos anos acostumado àquela correria da cidade grande, estranhei um pouco. Rozilda, pelo contrário, adorou este lugar.
Nesta cidade, temos a tranqüilidade de uma cidade provinciana, aliada a proximidade do eixo Rio - S. Paulo, ou seja, uma vida pacata, mas que a qualquer momento podemos nos deslocar para os grandes centros urbanos. Em si, a cidade tem a oferecer um vasto litoral de praias, resumindo-se economicamente ao turismo e à fábrica de bombons "Garoto". Além desses dois pólos geradores de recursos, podemos citar as atividades do comércio alternativo: a confecção têxtil. Tudo o que é produzido nestas micro-empresas de confecção de roupas são oferecidos no comércio a preços reduzidos, muito faz lembrar a cidade de Petrópolis com relação a esse particular.
Temos aqui, ao nosso lado no bairro da Prainha, o 38º B. I. (Batalhão de Infantaria), que é a única Organização do Exército Brasileiro no Estado do Espírito Santo. Mantemos com o Exército uma integração muito agradável de amizade e reciprocidade. Estamos juntos nas atividades relacionadas ao ensino e instrução, nos adestramentos e esportes e finalmente, nos desfiles militar nas principais datas cívicas de nosso município e da nossa nação.
A comunidade de Vila Velha me faz lembrar a comunidade do interior do Rio Grande do Norte, terra de meu pai. O provincianismo deste lugar me conduz a comparações com o passado, com a infância na Vila São Miguel, isso é exatamente o que procuro passar para os meus filhos, as lições de vida e a valorização das pequenas coisas do ambiente natural.
Freqüentemente saímos juntos à praia, em família. Estimulo sempre meus dois filhos, Fábio, hoje com 15 anos, e Renan, com dez, a fazer tudo o que era feito antes pôr mim. Desta forma, brincam de bola na rua, brincam de papagaio (pipa, para os cariocas) e participam ativamente de tudo, desde atividades escolares até o lazer moderno da Internet, que procuro introduzir com muita responsabilidade no nosso ambiente familiar.
Por esse motivo, cheguei a escrever, certo dia, um texto no qual me referia ao "paradoxo" que é viver numa cidade fundada a mais de 400 anos e permanecer ainda tão pacata, tão provincial.
Espero para um futuro um mundo bem melhor. Sou bastante otimista para acreditar num feliz amanhã para os meus netos, pois, sei que demos, eu e ela, o melhor que pudemos dar para o bem-estar de nossa família já com vistas no "amanhã". Daqui a oito anos estaremos retornando à cidade do Recife, vou me aposentar e recomeçar a vida naquela cidade que tanto amo e que jamais me esqueci. De certo modo, quero levar meus filhos para lá, para fazer o caminho inverso ao meu, para que eles possam Ter a tranqüilidade necessária à construção de seu futuro, assim como eu tive, mas sem abrir mão do seio de sua família, sem abrir mão da nossa companhia como eu abri e por isso muito sofri nos anos iniciais. Queira Deus papai ainda esteja vivo daqui a 8 anos, hoje ele tem 81 anos e minha mãe 76. Certamente eu não serei mais aquele menino levado de antes: serei mais feliz.Recolher