O meu pai, Sr. Orestes Bernardo de Pádua, aos domingos, ou em dias de gala, usava terno de linho branco. Bebia muito pouco e assim mesmo só em casa. Gostava de "caracu com ovo".
Ele conhecia o Henricão, negro forte e alto, compositor, poeta e boêmio do lado de cá da Avenida Paulista, vindo pel...Continuar leitura
O meu pai, Sr. Orestes Bernardo de Pádua, aos domingos, ou em dias de gala, usava terno de linho branco. Bebia muito pouco e assim mesmo só em casa. Gostava de "caracu com ovo".
Ele conhecia o Henricão, negro forte e alto, compositor, poeta e boêmio do lado de cá da Avenida Paulista, vindo pela Avenida Brigadeiro Luís Antônio até o Itaim Bibi.
O Henricão organizou a Escola de Samba Cordão no Jardim Paulista. Já outros negros formaram na Bela Vista, os Cordão Carnavalesco Primeira do Lavapés e o Vai Vai. etc.
A minha tia Urgulina de Pádua era tecelã lá da Fábrica Calfat como grande parte do meu lado paterno. Muitos moravam na Vila Operária em frente à fábrica, na Brigadeiro nº3552, hoje chamada de Travessa Leon Berry, por sinal bastante decadente. Na minha infância fui em muitas festas que os moradores da vila organizavam. No dia de São João, tinha fogueira, mastro, bandeirinhas, quentão, pipoca e outras inúmeras guloseimas juninas.
Pelo lado materno - minha mãe se chamava Benedita Ferreira -, a família era pequena morando aqui em São Paulo. Eram todos nascidos em Itu e fervorosos seguidores da Irmandade de São Benedito, da Igreja de São Benedito, Itu, na rua Santa Cruz desta cidade mais conhecida por ter tudo enorme, exagerado, grande...
A nossa família teve uma grande amizade e pode-se dizer até um certo parentesco com o escritor Lino (Nino) Guedes. Ele era considerado o intelectual da comunidade negra daquela época aqui em São Paulo, idos de 40-50. Era poeta e jornalista do jornal A Gazeta e diretor do Clube Elite. Por sinal todos eram sócios do "ELITE", respeitado clube de baile e de reuniões sociais.
Os homens de terno bem passado. Gostavam do chamado risca de giz e o sapato muito bem lustroso. Nos bailes o traje era o "a rigor"
extremo. Alisavam o cabelo. As mulheres sempre bem vestidas, com chapéu, etc. Usavam perfumes caros.
Os bailes eram excelentes, segundo o que os meus pais diziam.
Sempre animados pelas melhores orquestras da época. Sem confusão.
Branco não entrava, só se fosse convidado especial e assim mesmo, olha lá. Eram os "coloredes". Viviam em harmônia com imigrantes portugueses, italianos. Muitos foram padrinhos em casamentos e batizados entre as famílias de vizinhos.
Nos dias normais da semana, cada um exercia a sua profissão, desde um simples serviço de limpeza, outros eram tecelãos, garçons. As mulheres cozinheiras, babás... Outros tantos tinham a sorte e o esforço de terem estudo e portanto com um pouco mais de cultura. Seus filhos eram sempre orientados a estudar, como eu fui.
Os negros da Bela Vista e do Jardim Paulista eram respeitosos e elegantes. Formavam uma comunidade um pouco diferenciada daqueles que já viviam em locais não centrais. Trabalhavam em Higienópolis, na Paulista, na Bela Vista e nos Jardins. Moravam em comodos, em casas alugadas ou próprias. Sempre próximos.
Porém, no final da década de 40 muitos se mudaram ou foram empurrados para outras regiões. Foram para Barra Funda, Casa Verde, Freguesia do Ó, se juntando a outros já lá existentes.
A família do meu pai foi uma das pouquíssimas que vieram para a Chácara do Itaim. É que quase todos os seus componentes trabalhavam nas proximidades. Além disso, acredito que escolheram o Itaim Bibi por conhecerem um pouco mais a região e por ter os preços de aluguel e dos lotes mais baratos.Era uma várzea cheia de campos de futebol. Dai a denominação de região dos
Clubes de Varzea.
Nessa época, 1948 e 49, o meu pai já trabalhava na limpeza, no Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários da rua Conselheiro Crispiniano, próximo ao Mappin e do Teatro Municipal. Depois com o tempo foi promovido à ascensorista, entregas internas e externas e recepção. Mas para sustentar melhor a família, ele chegou a fazer bico de porteiro, nas noites, no Ringe de Patinação do Itaim que era na rua Joaquim Floriano e pertencia a Associação dos Funcionários do Banco do Brasil. Além disso, limpava pela manhã a Igreja de Santa Teresa. Anos depois, nos finais de semana trabalhava como bilheteiro do Jockey Club na Cidade Jardim.
Morreu em outubro de 2002, não muito lúcido. Alzaimer. Viveu feliz. Muito religioso. Rezava o terço todos as noites e ajoelhado lia a Bíblia.
A Benção papai. O meu Velho Orestes
Olha, as suas netas estão bem. A Arethuza é advogada e esta terminando Artes Cênicas. Já a Paloma este ano se torna médica. Quer ser Pediatra. Como o senhor dizia: "Tem que estudar, meu filho"Recolher